Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
43038/17.3YIPRT.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A interpelação admonitória prevista no art. 808º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil, pressupõe, além de mais, que o devedor esteja incurso em mora, para que se possa considerar, de princípio, admissível;

II- Para que a mesma se considere relevante é igualmente necessário que o prazo estabelecido seja, informado pelo princípio da boa-fé e do que exige expressamente essa mesma norma, razoável, atendendo às circunstâncias da prestação em causa;

III- A declaração expressa do devedor de não querer cumprir só deve constituir causa de incumprimento definitivo quando se mostrar séria e inequívoca quanto a esta intenção
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

A Recorrida intentou a presente acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra a Recorrente Empresa X, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 11.933,36, acrescida de € 350,00, relativos a “outras quantias”, e ainda de juros moratórios, alegando, em síntese, que, no âmbito da sua actividade, prestou serviços e vendeu produtos à Ré, sendo que, porém, esta não efectuou o pagamento do respectivo preço.

A Ré contestou, alegando, em síntese, que o montante titulado pela factura n.º 2017/00066 não é devido, que a máquina objecto do contrato de aluguer celebrado entre as partes não funcionava correctamente, pelo que nada deve a R. no que respeita ao preço acordado entre as partes no âmbito desse contrato de aluguer, sendo que, no que concerne aos trabalhos de reparação de uma máquina da R., levados a cabo pela A., uma vez que os mesmos não foram realizados correctamente, verificou-se um incumprimento contratual por parte da A., que posteriormente se recusou a corrigir os vícios e irregularidades em questão quando interpelada pela R. para o efeito, pelo que esta invoca a resolução de tal contrato.

A Autora respondeu às excepções apresentadas pela Ré, impugnando a veracidade da factualidade alegada por esta e concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho no sentido da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, exclusivamente no que respeita ao montante de € 927,42, titulado pela factura n.º 00025/2017, na medida em que a R., depois da interposição do requerimento de injunção, procedeu à liquidação de tal montante.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento no final da qual foi proferida sentença como seguinte dispositivo.

“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, vai a Ré Empresa X – Reciclados, Lda., condenada a pagar à autora Empresa Y, Lda.:

- a quantia de € 1.230,00 (mil duzentos e trinta euros), acrescida dos juros moratórios vencidos, contados desde a data do vencimento da respectiva factura (31/03/2017), e vincendos até efectivo e integral pagamento;
- a quantia de € 40,00 (quarenta euros), relativa à indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida;
- a quantia que se vier a liquidar em incidente próprio (artigo 609º, n.º 2, do CPC), relativa ao custo dos trabalhos realizados pela A. no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre as partes, aludidos em 16., com o limite máximo correspondente ao montante global a esse título peticionado pela A. – € 10.147,50;
- improcedendo a acção quanto ao demais peticionado pela A.
Custas por autora e ré, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/10 para a A. e 8/10 para a R..”

Inconformado com essa decisão o/a apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes conclusões.

1. Deverão ser alterados os seguintes pontos da matéria provada, os quais se consideram incorretamente julgados:
4. Uma vez que a A. não tinha possibilidade de disponibilizar à R. uma máquina com sistema de amarração automático, colocou à consideração da R. a celebração do acordo tendo por objecto uma máquina com sistema de amarração manual, 5. o que a R. aceitou.
2. A decisão a proferir sobre essas questões de facto impugnadas deveria ser a seguinte::
g. A R. solicitou à A., no âmbito do contrato de aluguer acima referido, uma máquina de substituição que, além do mais, amarrasse automaticamente os materiais colocados na mesma,
h. apenas se tendo apercebido de que a mesma não amarrava automaticamente tais materiais após ter introduzido o dito óleo na mesma.
3. Em face da matéria assim alterada conclui-se que a Autora não cumpriu com o acordado com a Ré, no que se refere ao contrato de aluguer celebrado com esta, uma vez que a máquina alugada apresentava vício (não amarrava automaticamente), não tendo aquela logrado provar que desconhecia o mesmo sem culpa.
4. Tendo a Ré comunicado à Autora que lhe concedia um prazo de 3 dias para solucionar o problema que reportou, sendo que, caso a Autora não o fizesse, a Ré entregaria a reparação contratada a terceiro, imputando à Autora os custos de tal reparação, deve entender-se, nos termos do artº 808º nº 1, cotejado com o disposto no artº 236º nº 1 do CCivil, que qualquer declaratário normal na posição da Autora interpretaria a expressão usada como sendo a admonição de que se não efetuar a reparação o contrato se considera como não cumprido.
5. Há incumprimento definitivo de um contrato, independentemente de mora ou de interpelação, quando um dos contraentes, mantendo-se a prestação ainda possível, declara ao outro que não cumprirá com a sua prestação.
6. Um contraente que comunica a outro o corte de relações comerciais entre as partes está a transmitir que não pretende cumprir a sua prestação do contrato, no caso, o de reparar o vício em obra da sua autoria.
7. Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1213º nº 2 e 264º do CCivil, dependeria sempre do consentimento do dono da obra a possibilidade de a Autora subcontratar em terceiros a reparação dos vícios da empreitada original.
8. À Autora estava vedado impor essa condição à Ré para que se procedesse à reparação do vício da obra por si produzida, pelo que a imposição dessa condição implica da sua parte recusa na reparação do aludido vício.
9. Nos casos em que obra a não foi validamente aceite pelo respetivo dono, impendendo sobre o empreiteiro a obrigação de reparação dos vícios apresentados pela mesma, não lhe é lícito fazer depender essa sua obrigação contratual do facto de a Ré proceder ao pagamento do preço devido pela empreitada.
10. A decisão recorrida violou os artºs 1032º, 808º nº 1, 236º nº 1, 1221º, 1222º, 1213º nº 2 e 264º do CCivil, do CCivil:

TERMOS EM QUE pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido deve à Apelação ser concedida provimento, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se não provada e improcedente a acção.

A Autora opôs-se ao recurso da Ré em contra-alegações que culminou nos seguintes termos:

1. Considerando a intempestividade do recurso apresentado, deverá o mesmo ser recusado, por ter-se extinguido o direito á interposição do mesmo, nos termos do nº 3 do artigo 139ºCPC.
2. Ainda que tal não se conclua e, em face de todo o anteriormente exposto e da análise da sentença recorrida, mais não poderá concluir-se senão que a mesma está correta e é justa, tendo interpretado correctamente toda a prova apresentada e aplicado a lei em conformidade com os factos apresentados.

Termos em que deve

- Recusar-se o recebimento do recurso supramencionado por se ter extinguido o direito ao mesmo, nos termos do nº 3 do artigo 139ºCPC, ou, caso assim não se entenda,
- considerar-se a douta sentença correta, dando-se o recurso como improcedente, e, em consequência, mantendo-se a condenação proferida na sentença ora recorrida.

1.1. Questão incidental prévia

Nas suas alegações de recurso a Recorrida questiona a tempestividade do recurso em apreço.
Todavia, tendo em conta que as partes foram notificadas da sentença por correio datado de 22.11.2017, como concorda a Requerente, havendo impugnação da matéria de facto julgada que envolve reapreciação da prova gravada, tal como bem entendeu o Tribunal recorrido esse prazo terminou em 19.1.18, data em que o Recorrente apresentou o seu requerimento de recurso, pelo que o mesmo se deve considerar tempestivo (cf. arts. 247º e 638º, nº 1 e 7, do Código de Processo Civil).

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. (1) Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)

As questões enunciadas pelos recorrentes podem sintetizar-se da seguinte forma:

a) A pedida alteração da matéria de facto julgada;
b) A pedida improcedência parcial da acção, supondo essa alteração;
c) A existência de interpelação admonitória, nos termos do art. 808º, nº 1, do Código Civil, com a factualidade apurada em 33. da decisão supra exarada;
d) Subsidiariamente, a existência de incumprimento definitivo do contrato ou recusa da Autora em eliminar os defeitos.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
*
A Apelante sindica a factualidade dos itens 4. e 5. da decisão positiva impugnada, e g) e h) da decisão negativa.

Na sentença julgou-se assente, quanto aos primeiros, que, sic:

4. Uma vez que a A. não tinha possibilidade de disponibilizar à R. uma máquina com sistema de amarração automático, colocou à consideração da R. a celebração do acordo tendo por objecto uma máquina com sistema de amarração manual,
5. o que a R. aceitou.

O Tribunal a quo considerou essa matéria assente com base na seguinte motivação.
“No que se refere à factualidade constante dos pontos 4. e 5., os legais representantes da A. confirmaram a sua veracidade, sendo que o legal representante da R. a negou, tendo apresentado uma versão mais próxima da constante das alíneas g. e h.

Ainda que não tivesse sido produzida qualquer prova testemunhal que tivesse demonstrado possuir conhecimento directo (4) acerca do que concretamente foi acordado entre A. e R. no âmbito do mencionado aluguer de equipamento, as testemunhas A. R. (que trabalha para a A.), Fernando e H. C. (que trabalham para a R.) confirmaram que a máquina objecto desse aluguer esteve nas instalações da R. durante o período de tempo acordado entre as partes, tendo sido utilizada pela R. no âmbito da sua actividade.

Mais, se é certo que se encontram juntos aos autos diversos documentos demonstrativos de que a R. interpelou a A. no sentido de lhe dar conhecimento da existência de defeitos no trabalho por esta desenvolvido aquando da reparação da máquina aludida em 1. e de a interpelar para suprimir tais defeitos, não foi junto aos autos qualquer documento demonstrativo de que a R., depois de receber a dita máquina alugada, alguma vez tivesse comunicado à A. que a mesma não tinha as características que tinham sido acordadas entre as partes. Ora, se a R. recebeu a dita máquina e a utilizou durante o período convencionado para o aluguer, sem que tivesse alguma vez, pelo menos por escrito, apresentado qualquer reclamação à A., parece evidente, recorrendo novamente às mais elementares regras da experiência comum, que as características da máquina por si recebida e utilizada correspondiam àquelas que haviam sido acordadas entre as partes.”

Contrariamente a Apelante defende que a decisão a proferir sobre essas questões de facto impugnadas deveria ser a seguinte:

g. A R. solicitou à A., no âmbito do contrato de aluguer acima referido, uma máquina de substituição que, além do mais, amarrasse automaticamente os materiais colocados na mesma,
h. apenas se tendo apercebido de que a mesma não amarrava automaticamente tais materiais após ter introduzido o dito óleo na mesma.

Nas suas alegações, a Apelada contrapõe, citando prova gravada, que a decisão em causa foi devidamente sustentada.

Antes de mais, julgamos que sobressai desde logo do simples confronto da matéria assente em 3. e 4., com a negativamente julgada em g), da mesma decisão, uma contradição, já que naqueles se admite que o objecto inicial do negócio seria uma prensa automática ou com amarração automática (3.) e que esta característica se modificou posteriormente a contento de ambas as partes (4)., e depois diz-se em g) que não ficou demonstrado que a R. a solicitara.

Todavia, olhando à prova produzida, nomeadamente a documental (cf. fls. 51 e s. e às reproduzidas declarações de parte do legal representante da Autora – José, ficamos convencidos desse objecto inicial do negócio (e presumimos que tenha sido a Ré a adiantar a necessidade de a máquina, que pediu ter esse automatismo), tal como também se depreende do reconhecido pela Autora no item 6. da seu último articulado, pelo que se deve eliminar tal matéria dos factos negativamente julgados e considera-la, com essa leitura, no seu aspecto relevante, contida na decisão dos itens 3. e 4, o que se determina, ao abrigo do disposto no art. 662º, nºs 1 e 2, al. c), esta a contrario, do Código de Processo Civil.

Resta portanto saber se da prova produzida, desde logo da agora indicada pela Ré, se retira que os restantes itens impugnados merecem a apontada decisão diversa.

Ora, analisado a prova pessoal citada pela Recorrente, se é certo que um dos representantes da Autora (Ricardo) não terá tido esse conhecimento directo (lembrando-se aqui que falamos de declarações de parte e não de testemunhos), certo é que a versão do citado José, vai de encontro à convicção expressada pelo Tribunal recorrido e é conferida por outros dados probatórios, tais como os objectivos que as testemunhas, designadamente as citadas pela Recorrente, a final conferem, tal como o uso ou gozo continuado da máquina em questão – esteve sempre a trabalhar (5) (com o produto a final a ser colocado nos ditos big bags) até à volta da máquina original, apesar das suas limitações (só amarrava manualmente, como acabou por admitir a testemunha Fernando a instância da mandatária da Autora).

De resto, nenhuma das citadas testemunhas disse ter conhecimento do objecto do negócio para depor de forma relevante quanto à essencialidade de algum dos seus aspectos, limitando-se a relatar as dificuldades sentidas com uma máquina que era diversa da que fora para reparar e, por isso, exigia, como se percebe, outro tipo de esforço da sua parte.

Também não se extrai, sem mais, da negação - “Não” - à afirmação feita pela mandatária da autora (minuto 10.43), que a Ré reclamou de, em concreto, lhe não ser sido servido o que pretendia ou que recusou essa máquina por causa dessa falta, como pretende a Recorrente, antes nos parecendo que o declarante apenas anuiu à parte final dessa instância, ou seja, à circunstância de Ré nunca ter devolvido a máquina.

Por fim, é necessário reportarmo-nos aos factos assentes para salientar que o que está apurado é efectivamente que o acordo inicial era uma máquina automática (3.) mas que, a final, a Ré aceitou a solução final da Autora, tal como resulta dessa prova e ficou assente em 4. e 5..

Assim, com base nesses dados, é igualmente convicção deste Tribunal que a Ré aceitou essa modificação (única) dessa característica da máquina a final fornecida pela Autora, tal como ditam a referida prova e as invocadas regras da experiência comum e se pode assim presumir nos termos dos arts. 349º e 351º, do Código Civil, pelo que se deve manter o julgado em 4. e. 5. da decisão positiva em crise e, na decisão negativa, operar apenas a modificação oficiosa acima referida, julgando-se procedente esta impugnação apenas nessa medida e com argumentos acima enunciados.

3.2. FACTOS A CONSIDERAR

FACTOS PROVADOS

1. A R. é proprietária de uma máquina de prensagem e amarração.
2. Como a dita máquina deixou de amarrar, a R. solicitou os serviços da A. para que esta procedesse, contra o pagamento do respectivo preço, à revisão e reparação da mesma.
3. Paralelamente, A. e R. acordaram que aquela facultasse a esta o gozo de uma outra máquina de prensa horizontal automática, pertença da A., durante o período por que deveria decorrer a reparação acima aludida, contra o pagamento de um preço.
4. Uma vez que a A. não tinha possibilidade de disponibilizar à R. uma máquina com sistema de amarração automático, colocou à consideração da R. a celebração do acordo tendo por objecto uma máquina com sistema de amarração manual,
5. O que a R. aceitou.
6. Por este aluguer foi acordado o preço de € 1.000,00, acrescido de IVA à taxa legal,
7. tendo a A. emitido, a titular tal serviço, a factura n.º 2017/00055, datada e vencida em 31/03/2017, com esse valor, que entregou à R.
8. A A. foi levantar a máquina para reparação e entregou a máquina alugada no dia 6 de Fevereiro de 2017.
9. Quando a R. tentou pôr a máquina alugada em funcionamento, constatou que a mesma tinha um défice de óleo,
10. tendo as partes acordado no sentido de a R. introduzir nessa máquina o óleo necessário ao seu funcionamento, obrigando-se a A. a liquidar-lhe o valor correspondente ao óleo introduzido.
11. A R. introduziu na dita máquina alugada cerca de 208 litros de óleo, no valor de € 494,87,
12. após o que, em consonância com o acordado entre as partes, facturou à A. o valor correspondente a esse óleo por si despendido.
13. Por entender que a quantidade de óleo aplicado pela R. na dita máquina o foi em quantidade inferior, a A. emitiu a factura n.º 2017/00066, no valor de € 123,31, que corresponde à diferença entre o custo do montante de óleo que a R. diz ter introduzido e o custo da quantidade de óleo que a A. diz ter sido realmente introduzido pela R.
14. No dia 28 de Março de 2017, depois de a A. dar por concluído o trabalho de reparação da máquina da R., a mesma foi restituída a esta.
15. A titular os trabalhos por si realizados, a A. emitiu e entregou à R. a factura n.º 2017/00065, no valor de € 10.147,50 (IVA incluído), datada de 07/04/2017 e com vencimento nessa data.
16. No âmbito do serviço por si realizado na máquina da R., a A. realizou os trabalhos e colocou as peças melhor identificados na factura aludida em 15., constante de fls. 48, e no descritivo de fls. 50, tudo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. Na data aludida em 14., nas instalações da R., foi feito um teste ao atado da máquina, mas em vazio, sem a utilização de material,
18. sendo que esta indiciava estar a funcionar.
19. Porém, quando foi colocada a trabalhar com material, constatou-se que a máquina continuava sem amarrar tal material,
20. tendo, igualmente, vindo da A. sem prensar adequadamente.
21. A R. de imediato reportou a situação à A.
22. No dia 29 de Março de 2017, a A. enviou um técnico seu às instalações da R. para se inteirar do problema de que padecia a aludida máquina de prensar.
23. Aí, o técnico da A. verificou que a máquina, devido a um problema hidráulico, estava sem pressão suficiente para prensar e, como consequência da falta de pressão, não atava.
24. Após algumas afinações e testes, a bomba foi, provisoriamente, capaz de pressionar e de atar um fardo de resíduos.
25. O técnico da A. informou a R. de que iria ser necessário fazer um teste à bomba hidráulica, para ver se apresentava problemas que provocassem falta de pressão,
26. e que, para fazer o referido teste, seria necessário parar a máquina, desmontar a bomba e ir testar a mesma a uma bancada hidráulica.
27. Em data não apurada, mas seguramente situada nos dias 30 ou 31 de Março de 2017, porque a máquina continuava sem funcionar, a R. voltou a contactar a A., informando-a de tal facto,
28. tendo a A. enviado o seu técnico às instalações da R. para aferir do problema existente nessa máquina.
29. Quando o técnico da A. chegou às instalações da R., já se encontrava lá um outro técnico, que trabalhava para a sociedade comercial Empresa RS, Lda., a examinar a máquina,
30. tendo o mesmo constatado que a máquina apresentava problemas a nível hidráulico, por estar a válvula limitadora de pressão partida, e a nível eléctrico.
31. Na sequência de um desentendimento ocorrido entre ambos, o legal representante da R. agrediu fisicamente o técnico da A.
32. No dia 31 de Março de 2017, o legal representante da R. remeteu à A. uma mensagem de correio electrónico, informando que, a partir daquela data, todo e qualquer pessoal da A. estaria proibido de entrar nas instalações da R.
33. No dia 12 de Abril de 2017, a R. remeteu à A. a carta, cujo teor, constante de fls. 61 e 62, aqui se dá por reproduzido, dando-lhe, além do mais, conta do diagnóstico efectuado pelo técnico da Empresa RS, Lda., quanto aos problemas apresentados pela máquina e referindo que a paragem da máquina lhe causava diversos problemas, designadamente de armazenamento e mão-de-obra, concluindo concedendo à A. o prazo de 3 dias, até ao dia 18/04/2017, para solucionar o problema, sendo que, caso a A. não o fizesse, a R. enviaria a máquina para reparar, imputando à A. os custos de tal reparação.
34. A A., em 18/04/2017, respondeu à carta aludida em 33., remetendo à R. a mensagem de correio electrónico de fls. 64, cujo teor aqui se dá por reproduzido, informando, além do mais, que, apesar do corte de relações comerciais entre A. e R., não teria problemas em subcontratar terceiros para efectuar a reparação solicitada pela R., desde que esta liquidasse as facturas emitidas pela A., já vencidas.
35. Em 19/04/2017, a Empresa RS, Lda., iniciou a reparação da máquina de prensar da R., sendo que tal reparação foi concluída em 04/05/2017.
36. Por carta datada de 20/04/2017, cujo teor, constante de fls. 63, aqui se dá por reproduzido, remetida pela R. à A., aquela, considerando existir incumprimento contratual por parte desta, por não se mostrar disponível para fazer a reparação da dita máquina de prensar, informou que considerava resolvido o contrato celerado entre ambas.

FACTOS NÃO PROVADOS

a. No âmbito do acordo aludido em 2., a R. apenas solicitou à A. a reparação do carro de prensagem e do sistema de atado da prensa.
b. O custo dos trabalhos e, bem assim, das peças aludidas em 16., ascende ao montante de € 10.147,50 (IVA incluído).
c. A R. introduziu na máquina alugada, acima aludida, apenas 150 litros de óleo,
d. cujo valor não ascendia a mais do que € 371,56.
e. Na data aludida em 14., no âmbito do teste realizado à máquina da R., constatou-se que esta prensava o material.
f. Na data aludida em 22., A. e R. acordaram no sentido de que aquela fizesse todos os preparativos para a realização do teste aludido em 25., em data a agendar o mais brevemente possível.
h. Que a Ré apenas se apercebeu de que máquina referida em 4. (dos factos assentes supra) não amarrava automaticamente tais materiais após ter introduzido o dito óleo na mesma.

3.3. DO DIREITO APLICÁVEL

3.3.1. Da pretendida alteração da decisão com base na suposta alteração da matéria de facto

Uma vez que não ocorreu modificação da decisão de facto positiva, é indiscutível o acerto da solução encontrada pela decisão encontrada, ainda que se considere, como nós, que ocorreu entre o momento descrito em 3. e o descrito em 4. e 5., uma modificação do acordado, quanto à capacidade de máquina amarrar, a final, o produto/lixo que tratava, que deve ser considerada relevante ao abrigo do disposto no art. 405º e 406º, do Código Civil, ou seja, da liberdade de estabelecer e/ou modificar o conteúdo desse contrato de locação.

Sem que essa realidade tenha alterado a natureza do negócio, remete-se, no demais, para a decisão recorrida (cf. arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil, considerando-se improcedente o pretendido em 3. das conclusões do recurso.
*
3.3.2. Da interpelação admonitória

Dispõe o art. 808º, do Código Civil, que se (1.) se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. 2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.

A Recorrente defende que a comunicação assente em 3.2.33. consubstancia essa interpelação pois deve ser interpretada, à luz do dispositivo do art. 236º, do Código Civil, como tal e, por isso, existe incumprimento que sustenta a pretendida resolução do contrato de empreitada.

A Recorrida, por sua vez, contraria tal posição defendendo que foi aquela que impossibilitou a sua prestação com a agressão e recusa de acesso ao seu pessoal, por não ter sido clara quanto a à intenção de dar por findo o contrato e, ainda, porque atempadamente se disponibilizou a reparar a máquina, através de terceiros, desde que a mesma pagasse o valor das facturas vencidas.

Posto isto, haverá que, em primeiro lugar, perceber na matéria assente se faz sentido aqui a aplicação do dispositivo do art. 808º, do Código Civil.

Olhando à letra e à inserção sistemática desta norma (cf. art. 9º, nº 1, do Código Civil) ressalta desde logo que a sua aplicação pressupõe que, em relação à dita obrigação por cumprir, exista mora do respectivo devedor.

Com efeito, estamos no capítulo (Divisão III) que trata das situações em que o devedor se considera constituído em mora e, tal como dita o art. 804º, nº 1, do Código Civil, esse retardamento da prestação só é qualificável como tal quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.

Com referem Pires de Lima e Antunes Varela (6), a lei permite a fixação desse prazo peremptório no caso de mora.

No caso, não tendo sido alegado ou demonstrado qualquer prazo certo, ficou, porém, apurado que, a dada altura, a Autora foi repetidamente interpelada pela Ré para sanar a persistente anomalia da máquina que deveria estar reparada no decurso da sua devolução às instalações desta última (cf. itens 17. a 27. os factos assentes), o que consubstancia, com alguma bondade, o termo previsto no art. 805º, nº 1, do Código Civil, para que se considere existir, a partir de então tal mora.

Contudo, ficou assente que na data em que, por último, a Autora se prontificou a cumprir a sua prestação de facto positivo e deslocou ao local um seu funcionário (28.), esse acabou por ser agredido pelo próprio legal representante da Ré (31.), que já havia recorrido a outra empresa para a mesma tarefa, nos termos apurados em 29. da matéria assente. Assim, além de ter, por essa forma, obstado à prestação Autora e, não contente, logo de seguida, em 31.3.2017, o legal representante da Ré comunicou à Autora, em bom rigor que estava proibida de aceder às suas instalações, ou seja, ao local onde estava a máquina a reparar.

Em face disso, deve presumir-se que deixou de existir razão para falar em mora da Autora, dado que esta estava, objectivamente, impossibilidade de prestar, sem poder sequer aceder à máquina em questão (cf. art. 349º, do Código Civil). Deixando de lhe ser imputável o atraso na prestação, deixou, consequentemente, de se puder falar em mora da sua parte, antes se devendo considerar que o que existia à data de 12.4.2017 era uma situação de mora da aqui credora, a Ré, tal como resulta da injustificada recusa plasmada na sua missiva de 31.3.2017.

Aliás, com a agressão ocorrida e sem ter expressamente retirado tal proibição de acesso, é admissível que a Autora tenha entendido, em 18.4.2017, que não estavam reunidas as condições necessárias para, ela própria, tal como havia sido contratado e devia ser cumprido por ambas as partes (cf. art. 406º, nº 1, do Código Civil), cumprir com a sua obrigação, o que também nos conduz à mora dessa credora, tal como a prevê o dispositivo do art. 813º, do Código Civil: O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.

Em vez disso, com uma terceira empresa já envolvida, que acaba por ser quem efectua a obra querida, a Ré, a cerca de 12 dias daquele episódio violento, fixa em 3 dias o prazo de reparação da máquina, quando a empresa que acabou por executa-la levou cerca de 14 dias, de acordo com o apurado em 35.. Perante isto, ainda que se admitisse ser viável a interpelação da declaração, feita agora pela Recorrente, ainda à luz da previsão do art. 808º, nº 1, 2ª parte, nunca objectivamente se poderia considerar que ela respeita neste caso a exigência de o prazo fixado ser “razoável”, pois de outro modo estar-se-ia aqui e em todos os casos em que tal não sucede a, formalmente, extinguir o contrato por simples vontade ou decisão unilateral do credor.

Posto isto, em primeiro lugar, porque em 12.4.2017 a Autora não estava em mora, nunca seria viável a invocação do disposto no art. 808º, nº 1, do Código Civil, (7) razão pela qual a declaração emitida pela Ré em 20.4.2017 não tem a eficácia pretendida, maxime por invocação da resolução prevista no art. 801º, nº 2, do mesmo Código.

Em segundo lugar, é patente que essa declaração, nunca poderia aqui verdadeiramente respeitar a princípio da boa-fé subjacente à exigência legal de que o prazo a deferir in extremis ao devedor deve ser razoável, (8) emprestando a essa comunicação, simultaneamente, um sinal de que essa unilateral posição do credor ainda credita a subsistência do contrato (e não uma simples tentativa de fuga em frente) e condições para que, objectivamente, tal prestação seja cronologicamente viável.

Sem prejuízo desses argumentos que retirariam, por si, razão ao recurso da Ré, entendemos que aqui também, tal como a decisão recorrida, nunca se poderia falar verdadeiramente de um interpelação peremptória de incumprimento, tal qual a que a mesma acabou por fazer em 20.4.2017, como pressuporia o dito art. 801º, nº 1, do Código Civil, já que os dizeres usados pela mesma na sua missiva de 18.4.2017 - que findo o prazo concedido se vai imputar à devedora original os custos da reparação da máquina - podem ter diversas interpretações e a ambiguidade não se coaduna com o aí pretendido. É que assim a declaração da Ré poderia igualmente, v.g., ser lida como uma desistência condicional do contrato, que tem efeitos bastante diversos, tal como dita o art. 1229ª, do Código Civil.
Por tudo isto, improcede o que o recorrente defende em 4. das suas conclusões.

3.3.3. Da declaração expressa de não querer cumprir

Por último, a Recorrente, nos itens 5 e ss., das suas conclusões defende que a Recorrida, na sua comunicação de 18.4.2017, assente em 34., declarou que não queria cumprir a sua prestação o que também a legitimava a resolver o contrato em apreço, por incumprimento definitivo, matéria não discutida pela decisão da primeira instância.

Cita para o efeito doutrina estabelecida segundo a qual a declaração expressa do devedor de não querer cumprir, sempre que séria (cf. art. 245º, do Código Civil) constitui causa de incumprimento definitivo (9).

É o que se afirma em Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.2.2004, relatado pelo Cons. Araújo de Barros (10): Ademais, temos como certo que o incumprimento definitivo ocorre sempre que, independentemente de interpelação, o contraente manifesta, de forma clara e definitiva a sua intenção de não cumprir o contrato (ou de cessar o cumprimento quando se trate de contrato de execução continuada).

Embora concordando com a Recorrente que a Autora não poderia ter condicionado a sua prestação aos termos expostos na sua proposta de reparação, já que estávamos a falar de prestação por cumprir (devidamente) e nada impunha o exigido antecipado pagamento da contraprestação pecuniária da Ré, nem permitia, sem mais, neste tipo de contratos a prestação por terceiro, certo é que a interpretação da Apelante pretende retirar da declaração emitida pela devedora, descontextualizando do cenário que já acima assinalámos, uma vontade que não tem correspondência na sua letra.

Na verdade, a aqui declaratária tinha que, razoavelmente (cf. Art. 236º, nº 1, do Código Civil), como qualquer pessoa colocada nas suas circunstâncias, encontrar, de boa-fé, no declarado, a expressa intenção de cumprir, embora nessas condições, fossem elas devidas ou não, sendo que no caso da subempreitada, é necessária repisar o que se disse acima sobre aquilo que deu causa à mora da aqui credora.

O que não pode seguramente é querer transformar essa declaração de modificação do negócio, à qual tácita e apressadamente reagiu de modo negativo com o deferimento a terceira empresa da mesma empreitada (35.), numa recusa de cumprir que não tem correspondência como dito pela devedora.

É que, vejamos, perante a recusa dessa proposta da Autora, o que sempre tivemos e continuamos a ter em 19.4.2017, é um contrato que a une à Ré e que esta nunca disse definitiva e expressamente que não ia cumprir, ao contrário desta que, de facto, em 19.4.2017, já actuava nesse sentido.

Deste modo, consideramos que aqui não ocorreu qualquer declaração inequívoca de incumprimento que permitisse, por essa via, alimentar a declarada vontade da Recorrente de resolver o contrato, o que, em consonância com o que acima ficou dito, nos conduz à improcedência da sua apelação.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
Guimarães,

José Manuel Alves Flores
Sandra Maria Vieira Melo
Heitor Gonçalves



1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4. O sublinhado é nosso…
5. Como terá dito a testemunha Humberto Cabaço a instância da mandatária da Autora
6. Código Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed., p. 72,
7. Veja-se o que se diz sobre esses aspectos no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.11.2004, relatado pelo Cons. Custódio Montes: 1 - A interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º, 1 do CC, apenas pode ser efectuada após a verificação da mora e no condicionalismo que tal normativo impõe. 2 - Essa interpelação admonitória tem de conter três elementos: - intimação para o cumprimento; - a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; - admonição ou a cominação (declaração amonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo. (…) Mas mesmo que, por hipótese, se tivesse como feita a interpelação, a mesma não valia como admonitória, no condicionalismo do art. 808.º, 1, porque a R. não foi intimada para o cumprimento nem o prazo fixado poderia, de algum modo, ser considerado "razoável", dada a natureza da obra e o curto prazo de menos de 15 dias para o efeito. – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/2c42b5bebb21efdc80256f72002ec28d?OpenDocument
8. Vide o contributo do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.2.2015, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d39cc78db7d23d3680257de90058d808?OpenDocument: I - Ao contrato-promessa de compra e venda aplicam-se as mesmas regras do contrato prometido, sendo que só o incumprimento definitivo da prestação faculta ao contraente fiel a resolução do contrato (arts. 798.º e 801.º, n.º 2, ambos do CC), i.e., o poder de, unilateralmente, extinguir um contrato válido na sequência de circunstâncias posteriores à sua conclusão cuja ocorrência frustra o interesse contratual ou geram desequilíbrios na relação de equivalência económica entre as prestações. II - O exercício do direito à resolução depende de uma ponderação de interesses, exigindo-se uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os seus pressupostos e limites que a conformam, mormente a gravidade do comportamento (apreciada pela intensidade da culpa, pela amplitude e pelas consequências ou reiteração da violação, avaliando-se igualmente a natureza do dever violado e a forma como tal se manifesta) que o espoleta, o que permite submeter a resolução ao controlo axiológico da boa fé (assim se arredando os incumprimentos pouco prejudiciais ou a mera conveniência pessoal do credor), sendo ponto assente que o uso daquele direito supõe imprescindivelmente a existência de uma razão substancialmente idónea e inconsútil para que a relação não possa prosseguir ou, pelo menos, manter-se nos termos em que tinha sido consolidada por vontade liberta das partes. III - O art. 808.º, n.º 1, do CC tem como escopo salvar a relação contratual, concedendo-se ao devedor, mediante a permissão do credor, um prazo (que este último estima ser o necessário e suficiente) para que a prestação seja efectuada, o que constitui uma demonstração do interesse do credor em que a prestação em falta possa ainda ser realizada pelo devedor, por forma a concluir o contrato. IV - A razoabilidade do prazo para cumprimento inculca a ideia de que o credor, estimando ser possível a realização da prestação e atendendo a circunstâncias atinentes com o desenvolvimento da relação contratual – nomeadamente por adveniência de factores perturbadores da possibilidade de cumprimento por parte do devedor –, considera que, dentro daquele, o devedor pode desassorear e remover os obstáculos que estão a impedir o cabal e perfeito cumprimento do contrato. V - A fixação de um prazo razoável constitui um sinal emitido pelo credor de que a mora se deve manter até à sua exaustão. Se ainda assim o devedor, findo esse prazo, não cumprir, o credor, exaurido o prazo, fica em condições perfeitas e plenas de interpelar admonitoriamente o devedor para cumprir a sua prestação e este não poderá opor-lhe qualquer objecção ou impedimento para a sua não prestação, por se poder presumir que não está na disposição de realizar a prestação a que se tinha comprometido.
9. Que por sua vez cita Cf. v.g. António Meneses Cordeiro, in Direito das Obrigações, 2º vol., 1987, p. 456
10. Galvão Telles, in "Direito das Obrigações", 6ª edição, Coimbra, 1989, pag. 248. Acs. STJ de 24/10/95, in CJSTJ Ano III, 3, pag. 78 (relator Martins da Costa); de 15/12/98, in BMJ nº 482, pag. 243 (relator Costa Marques); de 26/10/99, no Proc. 711/99 da 1ª secção (relator Ferreira Ramos); e de 04/12/2003, no Proc. 3968/03 da 7ª secção (relator Salvador da Costa). – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fd8491183613e42880256e7f004c5364?OpenDocument