Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B3449
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
NULIDADE DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200411180034497
Data do Acordão: 11/18/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1993/04
Data: 04/01/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : 1 - A interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º, 1 do CC, apenas pode ser efectuada após a verificação da mora e no condicionalismo que tal normativo impõe.
2 - Essa interpelação admonitória tem de conter três elementos:
- intimação para o cumprimento;
- a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;
- admonição ou a cominação (declaração amonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo.
3 - declarada a nulidade do negócio, a obrigação de restituir o dinheiro entregue a título de sinal, opera retroactivamente, abrangendo também os juros, como seus frutos civis.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" - intentou contra "B - Construções Civis & Urbanismo, L.da" acção com processo comum sob a forma ordinária, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 4.000.000$00, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento, correspondente ao dobro do sinal que lhe entregou na data do contrato-promessa de compra e venda outorgado por ambos e incumprido pela Ré e, subsidiariamente, a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 2.000.000$00, correspondente ao valor em singelo do sinal passado, face à nulidade formal desse contrato, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, as quantias despendidas com registos provisórios e avaliação da fracção prometida e a indemnização moratória, a apurar em execução de sentença, correspondente ao tempo em que esteve privado da quantia referente à respectiva sisa.

Contestou a R. por impugnação, deduzindo reconvenção em que pediu a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 1.820.000$00, com juros moratórios, correspondente ao valor das alterações e dos materiais por via destas, feitas na fracção objecto do contrato ajuizado.

Julgada improcedente a reconvenção, foi a acção foi julgada procedente, condenando-se a R. ao A. a quantia de 19.951,92 euros, correspondente ao dobro do sinal entregue, acrescida de 2.992, 79 euros de juros vencidos até 18.5.94 e vincendos, desde essa data, às taxas legais sucessivamente em vigor, até integral pagamento.

Inconformada, apelou a R., vindo o recurso a ser julgado parcialmente procedente, sendo revogada a decisão recorrida na parte em que julgou procedente o pedido principal deduzido pelo A., julgando-o improcedente e procedente o pedido subsidiário, declarando-se nulo o contrato promessa e condenando-se a R. a restituir ao A. a quantia de 2.000.000$00 (9.975,96 €, como juros à taxa legal desde a data da sentença.

Inconformado, agora, o A. interpôs recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1. A comunicação, feita pelo recorrente à Recorrida de que a não celebração da escritura prometida em 18.05.1993, data muito para além da daquela em que a mesma deveria ter sido celebrada, acompanhada da indicação de que, para além dessa, aquele perderia o interesse na prestação prometida, vale, para todos os efeitos, como interpelação peremptória admonitória cujo inacatamento provoca o incumprimento definitivo pela Recorrida, nos termos do art. 808.º, 1, do Cód. Civil;
2. Ainda que assim se não entenda e que, diversamente, se requeira que, seguidamente à notificação para cumprir, o credor, em vez de poder resolver o contrato, tenha que proceder a nova interpelação admonitória peremptória e que conceder ao devedor prazo razoável para a realização da respectiva prestação, tal questão fica ultrapassada quando o devedor marca, ele próprio, o prazo em que se dispõe a cumprir a respectiva obrigação;
3. Tendo-se a devedora comprometido a cumprir a respectiva obrigação em 28.05.1993 e tendo-se provado que em 31.05.1993 não estava em condições de cumprir as prestações a que voluntariamente se obrigara, impõe-se a conclusão de que naquela primeira data, posterior à da interpelação, pelo credor, para cumprir, constituiu-se em incumprimento definitivo;
4. E, apesar de se ter auto-vinculado, ainda assim a devedora não cumpriu o contrato, incorreu em inadimplemento definitivo, com todas as consequências legais;
5. Em face do incumprimento definitivo pela devedora, é lícito ao credor, promitente comprador num contrato-promessa de compra e venda de imóvel para habitação, ante o disposto no art. 442.0/2, 2.0 parte, exigir que aquela lhe preste o sinal que constituíra em dobro, acrescido dos juros moratórios vencidos e vincendos desde a data da declaração de resolução deste contrato até ao efectivo e integral cumprimento da mesma restituição do sinal dobrado;
6. Ao não reconhecer, ante a factualidade descrita, a validade da resolução do contrato-promessa de compra e venda de imóvel exercida pelo promitente comprador, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 808.0/1 do Cód. Civil;
7. Constitui nulidade atípica do contrato-promessa de compra e venda de imóvel para habitação a falta do reconhecimento notarial, sob forma presencial, da assinatura do promitente adquirente;
8. Como nulidade que é, apesar de atípica, a falta do reconhecimento presencial da assinatura do contrato-promessa por banda do promitente comprador impõe que, uma vez a mesma declarada, se condene a contraparte, promitente vendedora, a restituir àquela tudo quanto a primeira lhe havia prestado;
9. Citada a promitente vendedora para restituir o sinal prestado em execução de contrato-promessa de compra e venda, nulo por vício de forma, ao promitente comprador, é aquela igualmente devedora dos juros moratórios, calculados à taxa legal, desde a data da citação para a restituição, até à efectiva e integral realização desta última;
10. Ao condenar a promitente vendedora, apenas, na restituição do sinal, sem contemplar os juros moratórios corridos desde, pelo menos, a data da citação para a acção, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 480.º, 1 do Cód. Civil.
Termos em que; julgando-se provida a presente revista e a. declarando-se a válida e eficaz a resolução do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, declarada pelo promitente comprador, com a consequente condenação da promitente vendedora na restituição àquele do sinal dobrado, acrescido dos juros moratórios vencidos e vincendos, computados à taxa legal dos juros civis, desde a data da resolução até à do efectivo e integral pagamento ou, alternativamente, b. declarando-se a nulidade, por violação do disposto no art. 410.º, 3, do Cód. Civil, do mesmo contrato-promessa de compra e venda de imóvel, com fundamento no não reconhecimento presencial da assinatura do promitente comprador, com a consequente condenação na restituição do sinal, em singelo, acrescido dos juros moratórios computados às taxas legais civis, até ao efectivo e integral pagamento mas, sempre, julgando inteiramente provido o presente recurso.

Contra alegou a R., pugnando pela improcedência do recurso e pedindo "seja reconhecido o incumprimento contratual definitivo do autor, com o direito de a R. fazer suas as quantias recebidas, ou se assim não for entendido que não seja conhecido o pedido subsidiário por haver caso julgado sobre a validade do contrato promessa, por renúncia tácita do autor à invocação da nulidade ou por ser directamente imputável ao autor a falta de assinatura reconhecida presencialmente, ou ainda e também sem conceder e por mera cautela de patrocínio, caso seja apreciado o pedido subsidiário, se mantenha a douta decisão do tribunal da Relação".

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos provados:

1. O Autor e a Ré subscreveram em 29 de Julho de 1992, o documento de fls. 11 a 15 dos autos que denominaram de promessa de compra e venda, relativa à fracção autónoma em construção a que corresponde o rés-do-chão oeste do prédio urbano sito na Rua de Santo António, Almomos, freguesia de Almargem do Bispo, concelho de Sintra, descrito na 2ª Conservatória do registo Predial de Sintra sob a ficha n° 785;
2. Nos termos do qual o ora A. prometia comprar à Ré, pelo preço de 13.000.000$00 (treze milhões de escudos), que lhe prometia vender, a dita fracção, da qual se intitulava proprietária;
3. Ambos os contraentes alteraram a cláusula décima e aditaram a cláusula décima terceira ao mesmo contrato, por meio de instrumento particular que outorgaram em 26 de Agosto de 1992, conforme cópia que do mesmo se junta e dá como integralmente reproduzido ( doc. n° 2);
4. Tal negócio e respectivo aditamento foram mediados pela empresa de E, com sede na Av. dos Bons Amigos, n° ... em 2735 Cacém, a qual se dedica a tal ramo de actividade;
5. O autor entregou à Ré, a título de sinal e princípio de pagamento as importâncias estipuladas na cláusula 4ª do documento referido, no valor total de 2.000.000$00 (Dois Milhões de Escudos);
6. A escritura prometida deveria ser celebrada no prazo de 150 dias a contar da data da assinatura, (29.12.92) do denominado contrato-promessa (cfr. cláusula 5ª, doc. n° 1), momento em que o promitente comprador deveria pagar a restante parte do preço (alínea d) da cláusula 4ª);
7. E a promitente vendedora deveria entregar ao autor comprador) a 'fracção (..) pronta a ser habitada e sem defeitos que impossibilitem, restrinjam ou afectem, por qualquer forma, o pleno gozo, pelo segundo outorgante, da coisa vendida (..) II - cfr. Cláusula décima, terceira - doc. n° 2;
8. A data de 29.12.1992 foi ultrapassada sem que a escritura pública tivesse sido realizada;
9. Naquela data, (29.12.92) a Ré não tinha a referida fracção em condições de ser habitada devido ao facto das obras não estarem concluídas;
10. O A. marcou a prometida escritura para o dia 11 de Maio de 1993, pelas 9 horas, nas instalações do Banco E, sitas na Rua de S. Julião, n° ..., 1100 Lisboa;
11. Dessa marcação deu o autor conhecimento à Ré, por carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Abril de 1993, conforme se alcança da respectiva cópia, que junta como doc. n° 3 e que se dá por integralmente reproduzida;
12. A Ré não compareceu ao acto da escritura designado para 11.05.93, nem se fez representar;
13. Compareceram o autor e o representante do Banco E (enquanto entidade concedente do empréstimo para financiamento da aquisição), um funcionário do 12° Cartório Notarial e a D. C, funcionária da empresa mediadora que interveio na conclusão do negócio;
14. O ora autor e promitente comprador, fez despesas com os registos provisórios, quer da aquisição a seu favor, quer da constituição da hipoteca para garantia do crédito que obtivera o Banco E, no montante global de 121.411$00 (cento e vinte e um mil, quatrocentos e onze escudos);
15. Procedeu à manifestação, do Imposto de SISA devido pela aquisição que queria realizar, desembolsando a verba de 286.280$00 (Duzentos e Oitenta e Seis Mil, Duzentos e Oitenta Escudos) e com a avaliação da fracção prometida, o autor despendeu 19.204$00 (Dezanove Mil, Duzentos e Quatro Escudos );
16. O autor comunicou - por escrito, em 18 de Maio de 1993 à B a sua declaração de pôr fim ao contrato-promessa de compra e venda entre si e esta celebrado, nos termos constantes do documento n° 7 junto com a petição;
17. A assinatura do autor aposta no documento constante de fls. 11 a 15 não se encontra reconhecida presencialmente por Notário;
18. Nos termos do alvará de licença de construção n° 450 emitido pela Câmara Municipal de Sintra em 19/12/1991, o Rés-do-Chão prometido vender compunha-se de cave, com garagem e uma arrecadação, e rés-do-chão com quatro assoalhadas, tendo uma um roupeiro embutido na parede, duas casas de banho, uma cozinha e despensa (Doc. n° 1);
19. Em 10 de Agosto de 1993, o autor subscreveu com os demais comproprietários o documento de fls. 21/22 dos autos, que denominaram de "CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA", cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
20. O autor vivia angustiado, havia já muitos meses, por não poder aprazar a outorga da escritura, e a Ré nunca mais concluir a casa que lhe prometera vender;
21. A delonga da Ré na conclusão da obra levou a que o autor tivesse solicitado ao mencionado Banco várias vezes a desmarcação da aprazada outorga, relativamente a datas anteriores de 11 de Maio de 1993; No decurso de todo este tempo foi oferecido ao A., pela sua mãe e pelos seus irmãos, a possibilidade de adquirir a casa que fora do seu falecido pai;
22. O autor não concretizou o negócio da casa que fora do falecido pai por estar na expectativa de realizar a escritura pública do imóvel objecto do contrato-promessa celebrado com a Ré;
23. A Ré prometeu concluir a obra e entregá-la ao autor, nos termos da já citada cláusula décima terceira do contrato promessa, e ofereceu a oportunidade de celebrar a escritura até 28 de Maio de 1993;
24. Em 28 de Maio de 1993 os registos provisórios que o promitente comprador tinha efectuado já haviam caducado;
25. Em 31 de Maio de 1993 a prometida fracção não se encontrava ainda concluída;
26. Em data não apurada o autor solicitou à Ré alterações ao projecto inicial;
27. O autor exigiu que a Ré construísse, no vão da escada de acesso ao rés-do-chão, uma casa de banho com sanita e lavatório, o que a Ré fez;
28. O A. exigiu que a arrecadação fosse transformada em sala de convívio - bar, com montagem de um lava-loiças, torneira e um intercomunicador para a cozinha sita no rés-do-chão, o que a Ré fez;
29. O autor solicitou alterações ao nível do projecto de electricidade em diversos compartimentos da casa;
30. O autor exigiu que numa das assoalhadas que destinaria a quarto de uma filha, fosse embutido um roupeiro na parede;
31. O A. através do fax datado do dia 09 de Fevereiro de 1993, exigiu à Ré que fosse colocada uma pedra junto à lareira de 1,20ms x 0,50ms x espessura do parquet, quando esta já se encontrava pronta;
32. O A. exigiu que as loiças para as casas de banho, tintas para os interiores, puxadores e molduras para as fechaduras, alcatifa e rodapé para os quartos e torneiras para as casas de banho, arrecadação, garagem e quintal fossem escolhidos por si;
33. Por fax datado de 28 de Fevereiro de 1993 o autor enviou à carpintaria "D" os desenhos dos móveis que queria na cozinha;
34. A Ré remeteu ao autor a carta constante de fls. 63 e 64 dos autos, recepcionada em 27 de Maio de 1993;
35. A Ré despendeu com os trabalhos extra realizados a pedido do autor as seguintes quantias:
. Alteração à instalação eléctrica 280.000$00;

.Diferença de custo no mobiliário da cozinha 130.000$00;

.Custos pela substituição de pavimento na sala 130.000$00;

.Construção e colocação de um roupeiro 380.000$00;

36. O autor nunca pagou à Ré os montantes referentes a estas obras.

O direito

As conclusões delimitam o objecto do recurso. (1)

Impõe-se, por isso, sanear o processo e elencar as questões que urge solucionar.

Antes, deve referir-se que apenas o A. recorreu do Acórdão da Relação de Lisboa constante dos autos.

Assim, os pedidos formulados pela recorrida no final das suas alegações, (2) não têm qualquer razão de ser, (3) apenas restando aquele em que pede se mantenha a decisão recorrida.

Assim, apenas nos ateremos às conclusões emergentes das alegações do A., nas quais o mesmo suscita

Por isso, apenas nos ateremos às conclusões emergentes das sua conclusões, nas quais o recorrente vem suscitar as seguintes

Questões

. É válida e eficaz a resolução do contrato promessa de compra e venda do imóvel, devendo, por isso, ser a R. condenada a restituir-lhe o sinal em dobro com juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

. Mantendo-se a declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda de imóvel, nos termos do art. 410.º, 3 do CC, os juros são devidos desde a citação e não desde a data da decisão recorrida, como se decidiu.

Vejamos a 1.ª questão.

No Acórdão sob recurso, considerou-se, e bem, que "no contrato-promessa ...foi fixado prazo para a realização da escritura do contrato prometido, mas não se clausulou a quem competia a sua marcação e a realização das diligências necessárias à sua efectuação"; por isso, "...só em 11.5.93, data marcada para a escritura a que a R. faltou, esta se colocou verdadeiramente em mora....".

a menos que seja convertida em incumprimento definitivo com a interpelação admonitória a que se refere o art. 808º, 1 do CC.

Assim, a notificação que o A. lhe fez para comparecer na mencionada escritura, com menos de quinze dias, (4) não pode ter-se como interpelação admonitória, nos termos do art. 808.º, 1 do CC, como muito bem se decidiu no Acórdão sob recurso, pois, tal interpelação apenas deveria ter sido feita após a verificação da mora (5) e no condicionalismo que o mencionado art. impõe.

Diz, de facto, o art. 808.º, 1:

Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.

A norma prevê dois casos para operar a resolução:

. se o credor perder o interesse (6) que tinha na prestação ou

. se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.

Com fundamento no "incumprimento ou situação de inadimplência" (7) do devedor, assiste ao credor esse direito potestativo, impondo-se-lhe, (8) para obter o efeito referido nesse artigo - considerar-se "para todos os efeitos não cumprida a obrigação"- notificar o devedor, declarando a resolução do contrato e exigir a indemnização que tenha sofrido ou exigir a indemnização integral pelo não cumprimento, prontificando-se a fazer a sua prestação. (9)

E essa interpelação admonitória tem que conter três elementos:

a) "a intimação para o cumprimento;
b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;
c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimidativa." (10)
No caso dos autos, colocando-se em mora a R. ao não comparecer à escritura marcada para o dia 11.5.93, não vale como interpelação admonitória o dizer a A. que não estava interessada na outorga da escritura em qualquer data posterior, "posição que tenho por definitiva".

Mas mesmo que, por hipótese, se tivesse como feita a interpelação, a mesma não valia como admonitória, no condicionalismo do art. 808.º, 1, porque a R. não foi intimada para o cumprimento nem o prazo fixado poderia, de algum modo, ser considerado "razoável", dada a natureza da obra e o curto prazo de menos de 15 dias para o efeito.

Por isso, a decisão da Relação é inatacável neste segmento analisado.

A 2.ª questão

Mantendo-se a declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda de imóvel, nos termos do art. 410.º, 3 do CC, que ninguém impugnou, importa saber se os juros são devidos desde a citação e não desde a data da decisão recorrida, como se decidiu.

O douto Acórdão recorrido justifica a condenação em juros apenas desde a data da decisão "por só agora o direito a tal se ter declarado e tornado exigível e não se ter provado que o não reconhecimento presencial da assinatura do A. se tenha ficado a dever a facto imputável à R., como se alegou".

Neste segmento da decisão recorrida assiste razão ao recorrente.

Na verdade, a declaração de nulidade do negócio tem "efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente," (11) aplicando-se directamente ou por analogia, o disposto nos arts. 1269.º e segts. (12).

A obrigação de restituir o dinheiro entregue a título de sinal, opera retroactivamente, abrangendo também os juros, como seus frutos civis.

Ora, tendo em conta o disposto no art. 1270.º, 1 do CC, (13) não há dúvida de que, desde a citação, a R. ficou a conhecer a pretensão do A., pertencendo a este os juros do dinheiro desde a citação. (14)

Decisão

Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista e, em consequência, altera-se apenas a decisão recorrida quanto aos juros que são devidos desde a citação.

Custas por a. e R. na proporção do decaimento.

Lisboa, 18 de Novembro de 2004
Custódio Montes
Neves Ribeiro
Araújo Barros
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(1) Arts. 684º, 3 e 690º 1 do CPC ex vi art. 726.º do mesmo Diploma Legal.
(2) Nem é caso de aplicação do art. 684.º, 1 do CPC porque todos os fundamentos da defesa foram apreciados na sentença não impugnada, como, claramente, se vê de fls. 188 e 189; por outro lado, é de todo incorrecto dizer-se, como o faz a R. que há caso julgado "sobre a validade do contrato", quando o próprio A. defende até este momento, a título subsidiário, a sua nulidade por falta de forma.
(3) O pedido reconvencional reportava-se apenas ao pedido do pagamento de trabalhos a mais, pedido que foi julgado improcedente na sentença da 1.ª instância - ver fls. 143; a R. interpôs recuso de apelação, tendo obtido parcial provimento, discutindo-se aí todos os fundamentos da defesa e decidindo-se expressamente que "...resta dizer que a sentença recorrida é incensurável na parte em que desatendeu o pedido reconvencional, não sendo de acolher as ilações tiradas pela recorrente". Dessa decisão não interpôs recurso de revista, pelo que a decisão transitou em julgado - 672.º, 1 e 677.º do CPC - só interpôs recurso de revista o A. - ver fls. 320 e 322.
(4) Doc. de fls. 17.
(5) A mora não dá direito à resolução, constituindo apenas o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor - art. 804º, 1, do CC.
(6) Mas a perda de interesse é apreciada objectivamente, não valendo casos de "escassa importância" para não sujeitar o devedor ao "capricho ou até ao arbítrio do credor"- B. Machado, Dos pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, pá. 162.
(7) B. Machado, Ob. Cit. pág. 130 e 131.
(8) A., Ob. e Loc. Cits. O efeito desse poder não opera automaticamente.
(9) A., Ob. e Loc. Cits.
(10) B. Machado, Ob. Cit., pág. 164 e 165.
(11) Art. 289.º, 1 do CC.
(12) Do mesmo Diploma Legal.
(13) "o possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem...."
(14) Neste sentido, ver o Ac. deste STJ de 15.10.98, CJ STJ Ano VI, T III, pág. 63 e segts.