Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2434/12.9T2AVR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PRAZO RAZOÁVEL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, p. 242.
- Brandão Proença, José Carlos, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, pp. 288, 289, 290 e 291.
- Calvão Silva, João, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Almedina, 2010, 13.ª edição, pp. 19, 30.
- Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, pp. 211 e 647.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, 410.º, N.º1, 432.º, N.º1, 436.º 441.º, 442.º, N.º2, 798.º, 801.º, N.º2, 804.º, N.º1, 808.º, N.º 1,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.11.2001, DE 19.03.2002, DE 15.10.2002, DE 25.02.2003, PROCESSOS N.ºS 03A200 E DE 07.03.2006, TODOS IN WWW.DGSI.PT/JSTJ ;
-DE 06-02-2007, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 12-01-2010, DE 22-03-2011 E DE 28-06-2011.
Sumário :
I - Ao contrato-promessa de compra e venda aplicam-se as mesmas regras do contrato prometido, sendo que só o incumprimento definitivo da prestação faculta ao contraente fiel a resolução do contrato (arts. 798.º e 801.º, n.º 2, ambos do CC), i.e., o poder de, unilateralmente, extinguir um contrato válido na sequência de circunstâncias posteriores à sua conclusão cuja ocorrência frustra o interesse contratual ou geram desequilíbrios na relação de equivalência económica entre as prestações.

II - O exercício do direito à resolução depende de uma ponderação de interesses, exigindo-se uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os seus pressupostos e limites que a conformam, mormente a gravidade do comportamento (apreciada pela intensidade da culpa, pela amplitude e pelas consequências ou reiteração da violação, avaliando-se igualmente a natureza do dever violado e a forma como tal se manifesta) que o espoleta, o que permite submeter a resolução ao controlo axiológico da boa fé (assim se arredando os incumprimentos pouco prejudiciais ou a mera conveniência pessoal do credor), sendo ponto assente que o uso daquele direito supõe imprescindivelmente a existência de uma razão substancialmente idónea e inconsútil para que a relação não possa prosseguir ou, pelo menos, manter-se nos termos em que tinha sido consolidada por vontade liberta das partes.

III - O art. 808.º, n.º 1, do CC tem como escopo salvar a relação contratual, concedendo-se ao devedor, mediante a permissão do credor, um prazo (que este último estima ser o necessário e suficiente) para que a prestação seja efectuada, o que constitui uma demonstração do interesse do credor em que a prestação em falta possa ainda ser realizada pelo devedor, por forma a concluir o contrato.

IV - A razoabilidade do prazo para cumprimento inculca a ideia de que o credor, estimando ser possível a realização da prestação e atendendo a circunstâncias atinentes com o desenvolvimento da relação contratual – nomeadamente por adveniência de factores perturbadores da possibilidade de cumprimento por parte do devedor –, considera que, dentro daquele, o devedor pode desassorear e remover os obstáculos que estão a impedir o cabal e perfeito cumprimento do contrato.

V - A fixação de um prazo razoável constitui um sinal emitido pelo credor de que a mora se deve manter até à sua exaustão. Se ainda assim o devedor, findo esse prazo, não cumprir, o credor, exaurido o prazo, fica em condições perfeitas e plenas de interpelar admonitoriamente o devedor para cumprir a sua prestação e este não poderá opor-lhe qualquer objecção ou impedimento para a sua não prestação, por se poder presumir que não está na disposição de realizar a prestação a que se tinha comprometido.

VI - Tendo a promitente-compradora concedido à promitente-vendedora um prazo que teve como razoável para a conclusão das obras que obviavam à celebração da escritura pública de compra e venda, dissipou-se o pressuposto contido na manifestação interpelativa veiculada pela primeira à segunda e onde constava que o exaurimento do prazo aí concedido determinaria a constituição desta última em incumprimento definitivo, pelo que só a partir do momento em que aqueloutro prazo findou é que a promitente adquirente podia lançar mão de uma interpelação admonitória.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

“AA – Construções, Lda.”, intentou, em 27.11.2012, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, residente em Ílhavo, pedindo que se declare judicialmente e se condene a ré a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não é razoável, sendo apenas razoável um prazo não inferior a 150 dias.

Articulou, em suma, que se encontra a construir um prédio destinado ao comércio e à habitação. A 30.12.2011, a A. e a R. celebraram um contrato através do qual aquela prometeu vender à Ré, e esta comprar-lhe, um apartamento no referido prédio. Ficou consignado no contrato que a escritura pública de compra e venda seria realizada no mês de Setembro de 2012. Por carta datada de 10.10.2012, a R. comunicou à A. que lhe concedia um prazo suplementar de 61 dias, a contar da referida data, para a obtenção de documentos, marcação e outorga da data da escritura prometida, e que, caso a escritura não fosse realizada até 10.12.2012, iria considerar que o atraso se converteria em incumprimento definitivo, pelo que consideraria o contrato resolvido. O prazo convencionado no contrato-promessa correspondia, na data da assinatura deste, ao período de tempo que se previa fosse suficiente para concluir a construção, e nunca foi entendido pelas partes como mais do que uma mera expectativa. Nunca foi falado ou referido, nas negociações que levaram à assinatura do contrato-promessa, que o prazo pudesse ser visto como um prazo definitivo para qualquer das partes. O prazo de 61 dias é impossível, pelo atraso da obra, de ser cumprido pela A., tendo o atraso da obra resultado, em muito, do atraso dos fornecedores na entrega dos materiais e por devolução de outros por falta de qualidade.

A R. contestou, dizendo que a A. sabia que aquela estava, após o divórcio, a fazer partilhas com o ex-marido, que iria ficar sem casa e que necessitava da prometida fracção para habitar. Foi esta urgência que levou a fixar a data da escritura de compra e venda em Setembro de 2012, e que levou à exigência, pela A., da entrega de 132.500 €, metade do preço contratado da fracção. Mais, que a A. lhe disse que a partir de Junho de 2012 já poderia começar a utilizar a garagem para guardar os seus pertences e assim facilitar a mudança, em Setembro seguinte. Que numa visita que fez à obra, em Setembro de 2012, um encarregado da A. lhe disse que a conclusão da obra levaria cerca de 2 meses. Se a R. tivesse a convicção de que o prazo consignado no contrato-promessa não era para levar a sério, nunca aceitaria nem pagar logo metade do preço real, nem mesmo comprar o apartamento na medida em que necessitava de local para morar. E deduziu pedido reconvencional requerendo que, por a A. não ter concluído a obra e celebrado a escritura de compra e venda até 10.12.2012, se declare a resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo da A., condenando-se esta a pagar à Ré a quantia de 265.000 €, a título de sinal em dobro.

A A., na réplica, contestou o pedido reconvencional, e manteve a versão dos factos que consta da petição inicial.

A A. veio, em 10.4.2013, ampliar, nos termos do n.º 2 do art. 273.º do CPC, o pedido, por forma a que seja considerado razoável apenas um prazo não inferior a 195 dias.

A R. deduziu oposição, em 22.4.2013, por assentar em causa de pedir diferente - as chuvas inesperadas - da invocada na petição inicial, e por à data da apresentação do requerimento estar esgotado o prazo de 150 dias pedido na acção, o qual se iniciara a 10.10.2012 e terminara a 10.3.2013. Mais, o novo prazo termina em 24.4.2013, e está por concluir a fracção prometida vender. Também a a R. ampliou o pedido reconvencional, no sentido de ser declarado resolvido o contrato-promessa por ultrapassagem de todos os prazos pedidos, quer pela R., quer pela A., condenando-se esta a pagar àquela a quantia de 265.000 €.

A A. respondeu, opondo-se à ampliação do pedido da R., e caso seja admitida se declare a nulidade da reconvenção, e em qualquer caso, julgar-se a sua pretensão não provada, com fundamento em abuso de direito e violação dos arts. 811º e 812º do CPC.

O tribunal admitiu a reconvenção e a ampliação dos pedidos da acção e da reconvenção.

A final foi proferida sentença que julgou: “a) a acção, parcialmente, procedente e decidiu que o prazo da interpelação admonitória de 61 dias não é razoável nem adequado para dentro dele a A. cumprir. Em resultado disso, a mora não foi convertida em incumprimento definitivo; b) que o pedido de fixação do prazo de 150 dias em substituição do de 61 dias improcede; c) a reconvenção improcedente e absolveu a A. deste pedido.

Na apelação que impulsou desta decisão, veio o tribunal de apelação a decidir – embora com fundamentação essencialmente distinta – manter a decisão recorrida.

Do julgado prolatado na decisão do tribunal de apelação, propulsionou a demandada recurso de revista, para o que dessumiu o epítome conclusivo, que a seguir queda extractado.   

I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.

“(...) tendo a Recorrente em 10/10/2012 feito uma interpelação admonitória à Recorrida (que se encontrava em mora desde 30/9/2012) para que outorgasse uma escritura de compra e venda em 61 dias (que terminavam em 10/12/2012), sob pena de se considerar resolvido o contrato-promessa que as vinculava,

9 - Esta, no dia 27/11/2012, a cerca de 2 semanas do termo desse prazo, deu entrada de uma acção declarativa de condenação na qual pedia o seguinte: Nestes termos, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, declarando-se judicialmente e condenando-se a Ré a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não é razoável, sendo apenas razoável um prazo não inferior a 150 dias, julgando-se ainda aquele substituído por este, com as demais consequências legais.

10 - O prazo que consta de uma interpelação admonitória, nomeadamente daquela feita pela R., é um prazo absoluto (diferente questão, é a de saber se a duração desse prazo é razoável ou não).

11 - A recorrida pediu expressamente que o prazo dos 61 dias fosse substituído pelo prazo de 150 dias, "com as demais consequências legais".

12 - Por isso, sendo o prazo admonitório absoluto, igualmente absoluto é o prazo de 150 dias que a Recorrida pediu que se colocasse no seu lugar.

13 - O Tribunal da Relação de Coimbra, resolvendo a questão da nulidade da sentença da 1.ª Instância que não se pronunciou sobre o pedido de substituição dos 61 dias por 150 dias, nem sobre as consequências da ultrapassagem dos prazos de 150 e de 195 dias (cfr. fls. 13 e 14 do d. Acórdão), considerou que o não respeito deste prazo dos 150 dias (posteriormente ampliados para 195 dias) pedidos pela Recorrida não configurava um cenário de incumprimento definitivo, mas antes de mora.

14 - Esta interpretação do Tribunal da Relação baseou-se no facto de considerar que o prazo­ substituto de 150 dias não é um prazo absoluto, mas antes relativo.

15 - Porém, além do facto de a própria Recorrida ter pedido a substituição ou troca do prazo com a semântica e o sentido jurídico que isso implica, a Recorrente considera ainda que, precisamente por se estar no âmbito e contexto de uma interpelação admonitória e, por isso, de prazos absolutos,

16 - A ultrapassagem do prazo (absoluto) que a própria Recorrida pediu que substituísse o que constava da interpelação admonitória, terá que ser entendida como uma falta definitiva de cumprimento, razão pela qual o contrato se deveria considerar resolvido.

17 - Por isso, e ao contrário do que entendeu o Tribunal da Relação, não estando a Recorrida em mora, mas antes e efectivamente em incumprimento definitivo, não tinha a Recorrente que a interpelar novamente e de forma admonitória, intimando-a, uma vez mais, para cumprir dentro de certo prazo, sob pena de se considerar resolvido o contrato.

18 - Aliás, a Recorrida aceitou a interpelação admonitória e não pôs em causa as consequências da ultrapassagem do prazo, nomeadamente a resolução do contrato e a devolução do sinal de 132.500 € em dobro.

19 - Com a acção, a Recorrida quis e pediu simplesmente que lhe fosse permitido cumprir num lapso de tempo mais alargado (inicialmente de 150 dias, e posteriormente de 195 dias), pretendendo, assim, evitar as consequências da resolução ao fim de (61 dias, mas já não ao fim de 150 dias (ou, mais tarde, de 195 dias).

20 - Aliás, o próprio Tribunal da Relação de Coimbra considera que o objecto da acção pretendido pela A./Recorrida não é só a apreciação da razoabilidade do prazo de 61 dias, mas também a declaração judicial e condenação da R./Recorrente a reconhecer que um prazo não inferior a 150 dias (posteriormente ampliado para 195 dias) era o razoável para a celebração da escritura (cfr. 4.º e 5.º parágrafos de fls. 11 e 4.º de fls. 12 do d. Acórdão).

21 - Ademais, posteriormente à entrada da acção em tribunal, no dia 10 de Abril de 2013, a Recorrida, quando ultrapassara há já 30 dias o prazo de 150 dias (esgotado em 10 de Março de 2013), que pedira inicialmente que substituísse o prazo absoluto de 61 dias, veio ainda pedir mais 45 dias a somar aos iniciais 150, voltando a dizer, na altura da ampliação do seu pedido, que os 195 dias que terminavam em 24 de Abril de 2013) deveriam substituir os 61 dias da interpelação admonitória.

22 - Assim, com a ampliação do pedido para 195 dias, que o tribunal da 1.ª Instância aceitou, a Recorrida pretendeu, sem margem para quaisquer dúvidas, que o prazo-substituto de 150 dias fosse, ele mesmo, substituído por (ou alongado para) um prazo de 195 dias, que passaria a substituir o de 61 dias fixado admonitoriamente pela Recorrente.

23 - Ora, ao fazer isto, isto é, ao falhar os 150 dias e ao pedir mais 45 dias, num total de 195 dias que deveriam substituir os 61 dias da interpelação admonitória, a Recorrida estava bem consciente de que estava a faltar à sua obrigação, razão pela qual pretendia evitar as "legais consequências" do incumprimento.

24 - Acresce que, a Recorrente, no seu articulado de resposta à ampliação do pedido formulado pela Recorrida, também amplia o seu pedido reconvencional, contendo essa peça (da Recorrente) todos os elementos necessários para valer como interpelação admonitória em relação, pelo menos, ao prazo de 195 dias.

25 - Com efeito, a Recorrente diz aí (arts. 27.º a 29.º) desse seu articulado, bem com do ponto 3 do pedido ampliado que aí formula) que, caso a Recorrida falhe o prazo de 195 dias, que ela mesma pediu que substituísse o de 150 dias que se destinava a substituir o de 61 dias, então deverá a sua obrigação contratual considerar-se definitivamente incumprida e, por isso, ser condenada a pagar-lhe 265.000 €.

26 - Assim, e ao contrário do que consta do d. Acórdão da Relação de Coimbra (4.º parágrafo de fls. 15 dessa decisão), no decurso e contexto da acção, a Recorrente advertiu a Recorrida de que se o prazo de 195 dias que esta pedira (e que reputara, mais uma vez, razoável) fosse ultrapassado, esse facto deveria ter como consequência o considerar-se definitivamente incumprido o contrato-promessa e, por isso, ser a A/Recorrida condenada a devolver-lhe o sinal em dobro.

27 - Entretanto, os 195 dias reputados de razoáveis pela Recorrida para cumprir, e pedidos por si em substituição (ou alongamento) dos 61 dias (e dos 150 dias), esgotaram-se em 24 de Abril de 2013 sem que esta tenha outorgado a escritura de compra e venda.

28 - Ora, neste cenário de sistemático incumprimento de prazos absolutos, 2 dos quais (o de 150 e o de 195 dias) foram assumidos pela Recorrida como os razoáveis para substituir os 61 dias (igualmente absolutos) fixados inicialmente pela Recorrente, não se pode aceitar nem defender que aquela tenha entrado simplesmente em mora e que, por isso, esta ainda tinha que lhe fixar um novo prazo (absoluto) por via de interpelação admonitória.

29 - Efectivamente, se no contexto de uma interpelação admonitória a Recorrente fixou um prazo absoluto de 61 dias, e se a Recorrida, sem pôr em causa essa notificação e as suas consequências, se limitou a pedir a substituição desse prazo (ou o seu alongamento) por um outro de 150 dias (mais tarde ampliado em 45 dias) que reputa como razoável para cumprir,

30 - É excessivo e juridicamente ilógico que se entenda que, ultrapassados todos esses prazos- substitutos, o contrato-promessa deva subsistir e que a Recorrente, ainda por cima, tivesse, ela mesma, que voltar a interpelar admonitoriamente a Recorrida, fixando-lhe um novo prazo absoluto para a outorga da escritura e advertindo-a, uma vez mais, das consequências do incumprimento.

31 - Na verdade, a ser assim, mais pareceria que Recorrida teria tanta mais razão quanto mais vezes falhasse os prazos que fosse pedindo e quanto mais atrasada estivesse.

32 - Com efeito, convém não esquecer, é a própria Recorrida, consciente de que está no contexto de uma interpelação admonitória na qual lhe foi fixado um prazo absoluto, (luem vai pedindo prazos mais longos (ou o alongamento do prazo absoluto inicialmente fixado) para cumprir, a fim de evitar as consequências advenientes do incumprimento definitivo.

33 - Por isso, e não se esquecendo a ampliação do pedido reconvencional que acaba por ser também ela uma interpelação admonitória, não se pode impor à Recorrente o ónus de voltar a fazer novas interpelações admonitórias, por se entender que a Recorrida entrara simplesmente em mora ao falhar os prazos absolutos (ou os alongamentos do prazo absoluto) que ela mesma pediu clue substituíssem o de 61 dias inicialmente fixado pela Recorrente.

34 - Assim, quer seja por se entender que a Recorrida logrou operar a substituição (ou () alongamento) do prazo absoluto de 61 dias fixado na interpelação admonitória,

35 - Quer seja por se considerar que a Recorrida se auto-responsabilizou e vinculou improrrogavelmente ao cumprimento de prazos absolutos de 150 ou 195 dias que reclamou como razoáveis para cumprir,

36 - Quer seja por se considerar que a resolução operou por dia da reconvenção, inicial ou ampliada, deverá ter-se como assente e decidir-se que a Recorrida, por não ter outorgado a escritura nesses lapsos de tempo, faltou definitivamente à sua obrigação contratual, não sendo exigível a manutenção do contrato-promessa, nem que que a Recorrente a tivesse que voltar a interpelar admonitoriamente.

37 - Ao decidir como decidiu, errou a Relação de Coimbra na aplicação do direito, em concreto ao:
a) entender que teria lugar a aplicação do art. 808.º, n.º1 do Cód. Civil (fazer-se nova interpelação admonitória);
b) não aplicar o art. 436.º do Cód. Civil (não se aceitar a resolução do contrato com base no incumprimento definitivo);
c) não aplicar o art. 442.º, n.º 2 do Cód. Civil (não se condenar a Recorrida a entregar o dobro do que recebeu de sinal).”

Para contraminar a pretensão recursiva, aduziu as razões constantes da peça processual de fls. 426 a 441, donde dessumiu o quadro conclusivo que a seguir queda transcrito.

“A ser admitido apenas poderá haver revista da parte da decisão proferida no Acórdão da Relação que considerou haver nulidade de parte da sentença em 1.ª instância, procedendo-se à sanação dessa nulidade e decidindo como foi decidido em 1.ª instância, julgando improcedente o recurso da Ré - não se verificou o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da Autora.

U - Não assiste razão à Ré quando alega que o Acórdão da Relação deveria ter decidido que a mesma não precisava de interpelar novamente a Autora mas antes deveria ter­-se decidido pelo incumprimento definitivo do contrato com consequente restituição do sinal em dobro.

V - O objecto do litígio na presente acção não era a fixação de um prazo, qualquer que ele fosse ou para o fim que tivesse, mas sim apreciar da razoabilidade do prazo de 61 dias para a Autora cumprir, fixado pela Ré e que foi decidido não ser razoável, sem impugnação recursiva.

W - A Ré nunca poderia pretender que numa acção de simples apreciação da razoabilidade do prazo, se fixasse um novo prazo, para que a própria Autora cumprisse o contrato promessa - esse prazo já tinha sido fixado pela Ré quando por carta procedeu à interpelação admonitória.

X - Servindo a presente acção para auferir da razoabilidade do prazo que a Ré fixou, não pode agora ela pretender, por ver e aceitar que o primeiro prazo que fixou não era razoável que fosse a própria Autora a "auto" fixar um prazo para cumprir, aproveitando-se a Ré de um prazo que a Autora indicou que fosse, pelo menos, razoável.

Y - A interpelação admonitória serve para o credor fixar um prazo razoável para o devedor em mora cumprir a obrigação e não o contrário, nem poderia assim ser, até porque como poderia o devedor, por exemplo, saber se esse "auto prazo" interessava ao credor? Como considerar e perceber nestes casos a perda do interesse objectivamente considerada do credor se se aceitar ser o próprio devedor que se "auto vincula"?

z - No entender do Acórdão a quo não houve qualquer incumprimento definitivo do contrato por parte da A. porque: «não se constata nos autos, que haja alguma situação de impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa não imputável ou imputável à Autora; não se vê que o prazo ampliado seja um termo subjectivo essencial absoluto ou termo fixo; não se mostrou que a Autora tenha declarado antecipadamente não querer cumprir, nem se evidenciou em nenhum momento a perda de interesse objectivamente considerada por banda da Ré - tudo situações que poderiam levar ao incumprimento definitivo».

AA - Estando a Autora em mora e para operar o incumprimento definitivo, a Ré/recorrente teria de cumprir o mecanismo legal previsto no art. 808.º n.º 1 e n.º 2 do Código Civil, cumprindo os requisitos nele previsto, ou seja, intimando a Autora ao cumprimento do contrato, fixando-lhe um termo peremptório para o mesmo, advertindo-a de que caso esse prazo não fosse cumprido a Ré consideraria não cumprida a obrigação, com consequente incumprimento definitivo do contrato promessa.

AB - A Ré podia ter feito ela própria uma nova interpelação admonitória, mas não o fez, mesmo que diga nas suas alegações que o fez nos autos, o que não é verdade.

AC - Não pode agora a Ré pretender "arrepiar caminho" e querer ver fixado um novo prazo, ou seja, dois prazos, duas interpelações admonitórias alheias ao próprio credor (!) quando afinal vem reconhecer que o que fixou em primeiro lugar não era razoável e quando nunca na acção pediu isso.

AD - O que a Ré fez na peça processual em que deduziu oposição à ampliação do pedido formulado pela Autora não foi uma nova interpelação admonitória, o que fez foi pedir que o Tribunal considerasse ter sido feita a interpelação admonitória pela própria devedora, a Autora, o que é muito diferente e não tem qualquer fundamento legal no art. 808.º do Código Civil.

AE - O que a Ré tinha de fazer, ao menos processualmente, aquando da oposição à ampliação do prazo pedido pela Autora era pedir que caso esse prazo ampliado pela Autora fosse deferido então a Ré declarava desde já à Autora que, e pedia que o Tribunal assim o considerasse, que ultrapassado o prazo de 150 dias - ou os alongados 195 (caso se considerasse serem a final estes os razoáveis), ficava intimada a cumprir num determinado prazo a obrigação contratual de proceder à celebração da escritura sob pena de considerar definitivamente não cumprido o contrato com consequente resolução e pedido de devolução do sinal em dobro - só assim se cumpria o art. 808.º do Código Civil.

AF - Nada disto foi feito, pelo que não pode agora, mais uma vez, a Ré pretender que seja a Autora a fazer essa "auto" interpelação e ver o tribunal julga-la existente e não cumprida e ainda considerar definitivamente incumprido o contrato promessa.

AG - Deverá assim decidir-se como se decidiu no Acórdão da Relação porque o mesmo não errou na aplicação do direito, julgando improcedente o presente recurso de revista, mantendo-se a decisão recorrida.”

I.B. – QUESTÕES A MERECEREM APRECIAÇÃO NA REVISTA.

Em face da fundamentação expressa nas conclusões, retira-se como única questão a decidir, saber se a demandada tinha necessidade de operar uma interpelação admonitória para lograr obter a resolução do contrato, por incumprimento definitivo, e a pagar-lhe o correspondente ao dobro do sinal entregue (€ 265.000,00).    

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

“1 - A A. encontra-se, actualmente (com referência à data da propositura da acção e, mesmo, dos pedidos de ampliação), a construir um prédio destinado ao comércio e à habitação, no gaveto existente entre as Avenidas ... e …, em Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, freguesia da ..., sob o n.º … (anteriores n.ºs … e …) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º … (anteriores artigos … e …), com Alvará n.º … (A).

2 - A 30/12/2011, a A. e a Ré celebraram o “Contrato Promessa de Compra e Venda” de fls. 12/15, com as seguintes cláusulas (ao que interessa):

a) - a AA (ora A.), como dona e legítima possuidora do prédio identificado em A), promete vender, nesse prédio, livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, a BB (ora Ré), que prometeu comprar, o apartamento T2, no 1.º andar, com terraço, com cerca de 70,85 m2, duas garagens e arrumo na cave;

b) – o preço global convencionado da venda é de € 200.000,00, que será pago:

1.º - a título de pagamento parcial, a Odete entrega à AA € 50.000,00, de que esta dá quitação com a assinatura do contrato-promessa;

2.º - o restante valor de € 150.000,00 será pago, na totalidade, na data da outorga da escritura de compra e venda;

c) – a outorga da escritura da compra e venda terá lugar no mês de Setembro de 2012, sendo a respectiva marcação efectuada pela AA, que se obriga a comunicar, por carta registada com A/R, à BB, com antecedência de 10 dias, a data, hora e local para a realização da mesma;

d) – fica expressamente acordado que a estipulação de pagamento do sinal não preclude a faculdade de qualquer das partes requerer a execução específica do ora contratado, em conformidade com o preceituado no art. 830.º do C. Civil (B).

3 - A 16/01/2012, as partes do contrato referido antes fizeram a este o aditamento de fls. 61, no qual acrescentam duas cláusulas (Nona e Décima) a:

a) - alterar o preço global da fracção prometida vender/comprar para € 265.000,00;

b) – consignar a entrega, para além do pagamento parcial já realizado na data da assinatura do contrato-promessa, pela BB, do montante de € 82.500,00, de que a AA dá quitação com a assinatura da adenda (C).

4 - A ora Ré enviou, sob registo e com A/R, à ora A., a carta de fls. 16/17, datada de 10/10/2012, com referência ao contrato-promessa identificado em B), da qual consta, além do mais:

1.º - ter entregue à AA, a título de sinal, € 132.500,00, metade do preço do negócio;

2.º - tendo sido estipulado, no contrato-promessa, que a escritura se realizaria durante o mês de Setembro de 2012, orientou a vida em função desse facto, perspectivando poder contar como imóvel a partir dessa data;

3.º - estando a AA “em mora” e não pretendendo eu permanecer nesta indefinição, venho pela presente via interpelá-los e adverti-los do seguinte:

a) faculto-vos o prazo suplementar de mais 61 dias contados da presente data para a obtenção dos documentos, marcação e outorga da escritura prometida;

b) findos os quais, considerarei que o v/ atraso se converteu em incumprimento definitivo;

c) – pelo que considerarei o contrato resolvido a partir do dia 10 de Dezembro de 2012, caso até esse dia a escritura não se realize” (D).

5 - A esta carta respondeu a A. com a carta de fls. 18/19, da qual, ao que interessa, consta: a) aceita existir algum atraso na obra em relação à data prevista para sua conclusão e justifica o atraso com a falta de cumprimento dos seus fornecedores de caixilharia e outros; b) pede a designação de data para escolha por ela (ora Ré) dos materiais de revestimento (E).

6 - A esta carta respondeu a ora Ré com a de fls. 21/22, datada de 29/12/2012, na qual, ao que interessa, mantém o prazo da interpelação (61 dias) e afasta a insinuação da carta a que responde de que a fracção adquirida seria destinada por ela a revenda (F).

7 - A esta carta respondeu a ora A. com a de fls. 62/63, datada de 05/11/2012, na qual consigna, além do mais que não interessa, que: a) afasta a culpa na falta de fixação de data para a escolha dos materiais; b) está a envidar todos os esforços para ultimar a obra (G).

8 - A minuta do contrato-promessa foi redigida pela então mandatária que acompanhava e representava a Ré (H).

9 - O prazo da Cláusula Quinta do contrato-promessa (Setembro de 2012) correspondia, na data da assinatura deste, ao período de tempo que se previa fosse suficiente para concluir a construção.

10 - Foi da iniciativa da Ré a marcação da outorga da escritura de compra e venda da fracção para tal data.

11 – Na altura, a A. estava convicta de que, a manterem-se as condições de mercado e de execução da obra, a poderia concluir e celebrar a escritura até Setembro de 2012.

12 - Nunca foi falado ou referido, nas negociações que levaram à assinatura do contrato-promessa, que o prazo pudesse ser visto como um prazo definitivo para qualquer das partes.

13 – A Ré nunca se queixou ou fez qualquer reparo a propósito do estado e andamento da obra.

14 - O prazo de 61 dias era impossível, pelo atraso da obra, de ser cumprido pela A..

15 - O atraso da obra resultou, em muito, do atraso dos fornecedores na entrega dos materiais e por devolução de outros por falta de qualidade.

16 - Na altura da propositura da acção, faltavam executar na obra os seguintes trabalhos:

a) - Estanhar paredes e estucar tectos;

b) – Remover os andaimes posteriores e a grua para executar a zona das lajes da cave, r/c e 1.º andar correspondentes ao buraco da grua;

c) – Fazer os revestimentos cerâmicos finais de paredes, pisos e escadas;

d) – Pinturas de paredes e dos tectos em pladur;

e) – Tectos falsos em pladur;

f) – Obra de carpintaria e pavimentos em madeira;

g) – Louças sanitárias e torneiras;

h) – Móveis de cozinha e quartos de banho;

i) – Montagem dos elevadores;

j) – Montagem dos painéis solares e restante equipamento complementar;

k) – Montagem dos equipamentos de ventilação;

l) – Montagens de aparelhos e equipamentos de instalação eléctrica, ited e incêndio;

m) – Arranjos exteriores.

17 - A A. apenas tem esta obra em curso.

18 – A A. tem alguns operários qualificados ao seu serviço.

19 - Para realização dos trabalhos de conclusão da obra e marcação da escritura da compra e venda prometida era indispensável um prazo não inferior a 150 dias.

20 - O mês de Março de 2013 foi o 7º Março mais chuvoso em Portugal continental desde 1931.

21 - A A. não terminou, segundo era sua previsão e vontade, a obra nos estimados 150 dias.

22 - Quando, a 26 de Setembro de 2012, a Ré se deslocou à obra a fim de ver o andamento dos trabalhos, perguntou a um senhor que andava a trabalhar nas escadas quando é que o prédio estaria pronto e este respondeu que ainda demorava mais dois meses.

23 - Na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda, a obra estava alvorada, todas as placas estavam executadas, o telhado estava colocado, todas as paredes divisórias interiores e as escadas estavam construídas.

24 – A entrega dos € 132.500,00 foi efectuada pela Ré para obter melhor preço final e para conseguir uma garagem fechada a mais.

25 - Cerca de três meses após a assinatura do contrato-promessa, a Ré apresentou-se no escritório da A., acompanhada do ex-marido, dizendo que já não queria o apartamento e que o pretendia vender sem o ocupar.

Provou-se, ainda, que:

26 – O casamento da ora Ré foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 14/01/2011, transitada a 14/01/2011 - fls. 269/270.

27 – Na conferência de interessados que decorreu, a 21/12/2011, no processo de inventário nº 465/10.2T6AVR-A, em que é Requerente BB e Requerido CC, as partes acordaram (além do mais que não interessa transcrever) que: a) a verba nº 8 da relação adicional de fls. 39/40 é adjudicada ao Requerido pelo valor de € 128.270,00. Neste particular, o Requerido fica obrigado a pagar tornas à Requerente no montante de € 64.135,00 que serão pagas até 12/09/2012; b) o Requerido obriga-se a permitir que a Requerente fique a habitar neste imóvel até 30/06/2012 – fls. 271/272.

28 - BB e CC apresentaram no processo de inventário nº 465/10.2T6AVR-A o requerimento junto a fls. 283, no qual declaram “expressamente revogar tudo quanto foi acordado no que respeita à verba nº 8 da relação adicional de fls. 39/40, no âmbito da conferência de interessados de 21/12/2011”.

29 – Do referido requerimento consta (além do mais que não interessa transcrever) que: a) acordam que a referida verba nº 8 será adjudicada à Requerente pelo valor de € 128.270,00, ficando, neste particular, esta obrigada a pagar tornas ao Requerido no montante de € 64.135,00, que serão liquidadas apenas quando a Requerente celebrar a escritura de venda, pelo valor de € 267.000,00, de um apartamento de tipologia T2, no 1º andar direito, com terraço de 70,85 m2, duas garagens e arrumo na cave, no prédio urbano ainda em construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, da mesma freguesia, sob o n.º …, que a prometeu comprar à empresa “AA Construções, Lda.”; b) se a Requerente não outorgar a escritura antecedentemente referida até ao dia 30/09/2012, o presente acordo de pagamento de tornas manter-se-á, renovando-se, sucessiva e automaticamente, por períodos de 6 meses, cujo término ocorrerá na data em que a Requerente outorgue a escritura acima referida; c) obrigando-se o Requerido, por efeito deste acordo, a não reclamar da Requerida, o pagamento do valor das tornas aqui previsto, em data anterior à data da outorga da escritura em referência.

30 – Este requerimento deu entrada em juízo a 19/01/2012 – fls. 282.

31 – O acordo constante deste requerimento foi homologado por despacho proferido a 24/01/2012, que transitou em julgado a 27/02/2012 – fls. 284 e 282.

32 – A A. enviou à Ré, a 08/07/2013, carta registada informando-a: a) que a escritura se encontrava marcada para o dia 22/07/2013, pelas 14,30 horas; b) na eventualidade de não comparecer, a ora A. consideraria a falta como incumprimento definitivo do contrato-promessa, com todas as legais consequências – fls. 263.

33 – No dia 22/07/2012, a Ré não compareceu no respectivo Cartório Notarial;

34 – O requerimento de autorização de utilização dirigido à Câmara Municipal de Aveiro foi entregue a 24/07/2013 e deferido a 29/07/2013 – fls. 260/262.

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Contrato-promessa. Resolução. Interpelação admonitória.

Em nota preambular importa, ainda que sucintamente, pontuar os elementos salientes da figura jurídico nominada como contrato-promessa.

Ao acordo ou convenção (bilateral ou unilateral) mediante o qual alguém cria a obrigação de emitir uma declaração de vontade correspondente a um negócio jurídico futuro, define-o a lei – cfr. artigo 410.º, n.º 1 do Código Civil – como um contrato-promessa. [[1]] Da convenção ou acordo estabelecido, nesses termos, decorre uma obrigação de celebrar um contrato a que pode ser atribuída eficácia real (compra e venda, trespasse, cessão de quotas, etc.) ou meramente obrigacional (locação e cessão de exploração, por exemplo).

 “Do contrato-promessa nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial, a declaração de vontade correspondente a um outro negócio cuja futura realização pretendem assegurar, chamado negócio prometido ou negócio definitivo.” [[2]]

Segundo o princípio da equiparação ou da correspondência ao contrato-promessa aplicam-se as mesmas regras (requisitos e efeitos) do contrato prometido ou definitivo [[3]], destacando-se, no entanto, deste pelo regime específico e próprio atinente ao sinal, quando ele tenha sido constituído, mais concretamente no plano do sancionamento, adveniente do não cumprimento, que daí decorre para os contraentes faltosos. Quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, ao invés, verificando-se o incumprimento definitivo da parte de quem o recebeu, confere a quem o prestou a faculdade de exigir o dobro do que tiver prestado – cfr. artigos 441.º e 442.º, n.º 2 do Código Civil.

Anotar-se-á que só o incumprimento definitivo e culposo comina o regime previsto no artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil, não se bastando a lei com uma situação de retardamento ou incumprimento para além do tempo de cumprimento da obrigação, ou seja da ocorrência de mora de qualquer dos contraentes, tal como acontece com a generalidade dos contratos. [[4]]

A resolução surge como um remédio para uma perturbação da estabilidade contratual e como forma de evitar efeitos perversos nos interesses postos em jogo através da convenção contratual querida e assumida pelos intervenientes na relação contratual. Proença Brandão define resolução “[como] poder unilateral de extinguir um contrato válido em virtude de circunstâncias (subjectivas e objectivas) posteriores á sua conclusão e frustrantes do interesse de execução contratual ou desequilibradoras da relação de equivalência económica entre as prestações.” [[5]] Como estrutura negocial, a resolução surge como negócio jurídico unilateral receptício, integrando, normalmente, uma declaração extrajudicial não sujeita a qualquer formalidade (artigos 436.º e 224.º do Código Civil). A resolução de um vinculo contratual pode ocorrer por convenção ou vontade das partes e/ou fundada na lei – cfr. artigo 432.º, n.º 1 do Código Civil. [[6]]

Para além das situações em que a lei prevê especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato – cfr. a título de exemplo os artigos 437.º (alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar); 891.º (Compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição); 966.º (doação); 1140.º (comodato); 1150.º (mútuo); 2248.º (resolução de disposição testamentária) – a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito – cfr. artigos 798.º e 801.º, n.º 2 do Código Civil.

A simples mora não confere ao contraente fiel o direito (potestativo) de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento causou ao credor – cfr. artigo 804.º, n.º 1 do Código Civil. [[7]]

Dependendo o exercício do direito à resolução da ponderação de interesses terá que existir uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os pressupostos/limites que conformam o instituto. “Paradigma do fundamento resolutivo é o incumprimento superveniente, culposo, total ou parcial, traduzido na falta definitiva de cumprimento (por impossibilidade ou recusa de cumprimento) dos deveres de prestação e certos deveres de conduta tidos por relevantes no contexto contratual.” “Essa exigência de um fundamento importante, de um fundamental breach, na linguagem anglo-saxónica, isto é de um incumprimento com determinada gravidade (apreciada sobretudo pela intensidade da possível culpa, pela amplitude, pelas consequências o reiteração da violação e, portanto, em função do todo da relação contratual) está em sintonia com a finalidade do instituto da resolução (ratio extrema ou ultima ratio) e permite submeter a figura a um controlo axiológico balizado pela boa-fé e, mais concretamente, pelo abuso do seu exercício perante um incumprimento insignificante, pouco prejudicial, ou alegando o credor mera conveniência pessoal ou um aproveitamento das circunstâncias. [Há] que valorar a natureza do dever violado (podemos estar perante um dever principal ou um dever acessório impeditivo do cumprimento do principal, um dever de prestação sujeito a um termo essencial ou absolutamente fixo, um dever lateral importante, etc.), a forma como se manifesta (estamos a pensar na recusa intencional, clara e inequívoca de cumprimento manifestada por um dos contraentes) tudo em ordem à afectação negativa da substância do contrato e a fundar, enquanto causa adequada, a pretendida ou declarada cessação negocial.” [[8]]

A questão que vem posta em tela de juízo prende-se – não se cuida qui de saber qual o tipo de acção que deveria ter sido utilizada para os fins propugnados pela demandante, por essa questão ter sido ultrapassada no despacho saneador (cfr. fls. ) – com a necessidade de efectuar uma (nova) interpelação admonitória, ultrapassado que foi o primeiro prazo que havia sido concedido e, posteriormente, ampliado, por pedido da demandada, formulado em articulado superveniente.

Vem posto em crise o entendimento assumido pelo tribunal recorrido de que expandido o prazo inicialmente fixado na manifestação peremptória para cumprimento da obrigação de contratar (celebrar o contrato-promessa definitivo de compra e venda cujos termos constavam de um contrato-promessa celebrado entre as partes) efectuado pela demandada à demandante, a primeira teria que renovar (repristinar) a sua manifestação de vontade (interpelar admonitoriamente a demandante) para que se pudesse ter por inequívoca a vontade de, não cumprindo a demandante a obrigação de contratar no novo prazo, alargado ou expandido a seu pedido, esta se constituir em mora e não entrar em incumprimento definitivo.

Para se alcandorar à decisão que ditou, o tribunal de apelação razoou a sequente argumentação (sic): “Como acima se salientou a A. não peticionou simplesmente que se declarasse judicialmente e se condenasse a R. a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não era razoável, certo que tal prazo de 61 dias terminava em 10.12.2012, fazendo desencadear o incumprimento definitivo e a subsequente resolução do contrato, nos termos da interpelação admonitória da A. por parte da R.

Para obviar a esse efeito e às suas dolorosas consequências (eventual restituição do sinal em dobro), a A. antes do termo de tal prazo intentou a presente acção, em 27.11.2012, pedindo que se declarasse judicialmente e se condenasse a R. a reconhecer que um prazo não inferior a 150 dias era o razoável para a celebração da escritura, que depois ampliou para 195 dias.

A sentença declarou que o prazo de 61 dias era escasso. Certo, pois assim foi decidido, sem qualquer impugnação recursiva. E quanto ao prazo de 195 dias?

No que respeita ao prazo de 150 dias, ficou apurado que para realização dos trabalhos de conclusão da obra e marcação da escritura da compra e venda prometida era indispensável um prazo não inferior a 150 dias (facto 19.). Tal prazo terminava em 10.3.2013. Porém, nessa data a A. não terminou, segundo era sua previsão e vontade, a obra nos estimados 150 dias (facto 21.). Em conclusão, nessa data de 10.3.2013 a A. não estava em condições de celebrar a escritura, como ela própria auto-responsavelmente entendia estar. 

No que respeita ao prazo de 195 dias, pedido em ampliação pela A., que tinha o seu termo em 24.4.2013, nada se provou nesse sentido. A A. tinha fundamentado tal pedido com as condições atmosféricas do mês de Março de 2013, mas para além do facto provado 20. nada mais logrou provar, do que alegara, para justificar tal ampliação de prazo. Na realidade a A. não provou, como tinha alegado (vide decisão da matéria de facto a fls. 310, fls. 8 da sentença recorrida) que: b) as condições atmosféricas com muita chuva, ventos fortes e, sobretudo, grande percentagem de humidade na atmosfera condicionaram o andamento da obra previsto na data da proposição desta acção; c) na fase final de acabamentos, é necessário bom tempo e boas condições atmosféricas para os materiais aplicados - madeiras e pinturas - secarem antes de aplicação da segunda demão; d) foram as condições atmosféricas que impediram que a A. terminasse, segundo era sua previsão e vontade, a obra nos estimados 150 dias; e) eram necessários mais 45 dias para ultimar os trabalhos. 

Isto é, inexiste qualquer fundamento para considerar que era necessário o prazo adicional de 195 dias para a A. concluir a obra e celebrar a escritura pública de compra e venda – o contrato prometido – a que se tinha vinculado.

Subsiste, assim, como único fundamento para o atraso na celebração da escritura o aludido prazo provado de 150 dias, que a própria A. considerou, inicialmente, ser o prazo razoável para concluir as obras e realizar a escritura. Contudo, nesse prazo, que tinha o seu termo em 10.3.2013, a A. não terminou as obras, nem celebrou a escritura correspondente ao contrato prometido. Aliás, era indispensável para realizar a escritura a respectiva licença de utilização camarária – tendo em conta o disposto no art. 1º do DL 281/99, de 26.6, na redacção do DL 116/08, de 4.7 – e a mesma só lhe foi deferida em 29.7.2013 (facto provado 34). Inclusive até já depois daquela ante mencionada data de 24.4.2013   

Que conclusão extrair, então, da ultrapassagem daquele prazo de 150 dias, com termo em 10.3.2013, que a própria A. auto-responsávelmente considerou ser o prazo razoável para concluir as obras e celebrar a escritura pública de compra e venda, mas que não respeitou, nem quanto a concluir as obras nem quanto a celebrar a escritura?

Uma vez que a A. mediante uma sua declaração se comprometeu a cumprir a sua obrigação contratual no referido prazo, até aquele indicado dia, pois assim considerou tal prazo como razoável, só vemos uma consequência, que se impõe, para nós, pela sua evidência. A saber, a A. está em mora com a R. desde 10.3.2013.

Ora, a R., por via da ampliação do pedido reconvencional, como acima dissemos admitido pelo tribunal e não contestado pelas partes, pediu a resolução do contrato para o termo dos aludidos 150 dias ou dos apontados 195 dias. No caso, o que interessa são os indicados 150 dias, pois já vimos acima que os 195 dias se consideraram postos de parte.  

Tal resolução judicial poderá ser decretada, porquanto o art. 436º, nº 1, do CC, permite que um contratante resolva judicialmente o contrato, ou mesmo extrajudicialmente declarando-o à outra parte. No nosso caso, a R./apelante, reconvencionalmente, resolveu o contrato e pretende a prestação do sinal em dobro, nos termos do art. 442.º, n.º 2, do CC.

Ora, como tem sido defendido pela larga maioria da jurisprudência, é hoje praticamente pacífico que tal consequência só é desencadeada com a verificação do incumprimento definitivo. A larga maioria da doutrina vai no mesmo sentido (veja-se as citações, que sem necessidade de abundantes referências, se indicam na decisão recorrida - J. Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 12ª ed., págs. 114/133, com larga resenha de jurisprudência, Brandão Proença, Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, 1987, págs. 123 e segs., Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pág. 423, e M. Januário Gomes, Em Tema de Contrato-Promessa, 1990, AAFDL, pág. 55 e segs. Na jurisprudência, os Acds. do STJ, de 27.11.97, BMJ 471, págs. 388/400, de 12.1.2001, CJ, Ano IX, T. III, págs. 30/34, de 26.5.98, CJ, Ano VI, T. II, págs. 100/102).

Acontece que no caso em apreço, estamos, apenas perante uma situação de mora da A., desde 10.3.2013, como ressalvámos atrás. Pois não se constata que haja alguma situação de impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa, não imputável (arts. 790.º e 791.º do CC) ou imputável (art. 801.º do CC) à devedora/apelada, não se vê que tal prazo de 10.3.2013 seja um termo subjectivo essencial absoluto, ou termo fixo, não se mostra que a apelada tenha declarado antecipadamente, com seriedade, não querer cumprir, nem se evidencia a perda de interesse, objectivamente considerada, por banda da credora/recorrente (art. 808.º, n.º 1, 1ª parte, e 2, do CC), tudo situações que podiam conduzir ao incumprimento definitivo.

Sendo assim, para passar da situação de mora para o aludido incumprimento definitivo, a R./recorrente tinha de passar pelo mecanismo da interpelação admonitória, do art. 808.º, n.º 1, 2ª parte do CC: intimando a A, ao cumprimento; fixando-lhe um termo peremptório para o mesmo; advertindo-a de que a obrigação se consideraria não cumprida se não se verificasse o cumprimento dentro desse estipulado prazo (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 2., pág. 61).

O que a R. não fez, e podia perfeitamente ter feito no âmbito e curso destes autos (ou extrajudicialmente ou por ex. na peça processual em que deduziu oposição à ampliação do pedido formulado pela A, e em que, também, ampliou o seu pedido reconvencional), declarando à A. que ultrapassados os referidos 150 dias - ou os alongados 195 dias (à cautela, para a hipótese de o tribunal considerar que o prazo razoável era este de 195 dias) – ficava a mesma intimada a cumprir num determinado prazo, sob pena de considerar o contrato definitivamente incumprido e consequentemente de o considerar resolvido.

O que, aliás, ainda vai a tempo de fazer, pois a escritura ainda não se mostra celebrada. Também a A. podendo neste momento marcar a escritura pois já tem licença camarária de utilização e o ónus da marcação de escritura a ela lhe cabia.       

Desta maneira, por falta de passagem da situação de mora verificada para situação de incumprimento definitivo, por falta da adequada interpelação admonitória, não pode a recorrente considerar resolvido o contrato, não podendo proceder a sua reconvenção.”

A tutela jurisdicional do direito que se pretende ver reconhecido afere-se pelo pedido, como decorrência de uma conjunto de factos que o suportam e lhe recortam a fisionomia factual-jurídica em que o tribunal se há-de movimentar para aquilatar da bondade do direito em litígio.

A demandante formulou o sequente pedido (sic): “deve a presente acção ser julgada provada e procedente, declarando-se judicialmente e condenando-se a Ré a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não é razoável, sendo apenas razoável um prazo não inferior a 150 dias, julgando-se, ainda, aquele substituído por este, com as demais consequências legais.”      

Em pedido reconvencional, a Ré propugnou pela razoabilidade do prazo de 61 dias e pediu que fosse declarada a “resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo da A., e condenando-se a pagar à Ré a quantia de 265.000,00 €, a título de sinal em dobro.”              

Como se alcança do troço da decisão recorrida – em que se transcreve a parte fundamentadora da decisão da primeira instância – a questão prende-se com a validação a conferir ao pedido da demandante – irrazoabilidade do prazo fixado na carta em que a demandada manifesta a sua indisponibilidade para dilatar o prazo de 61 dias para acabamento da obra e, portanto, celebrar o contrato de compra e venda (definitivo).

 A decisão de primeira instância estimou que o prazo para efectivação da escritura era irrazoável e que, sendo irrazoável, não possuía a virtualidade de converter a mora em incumprimento definitivo. [[9]]    

A questão em tela de juízo conforma-se no sequente quadro: 1) estava estipulado num contrato-promessa um prazo para a realização da escritura definitiva (Setembro de 2012 – cfr. clausula quinta fls. 14); 2) em 10 de Outubro de 2012, a promitente-compradora, através de carta registada, com aviso de recepção, interpela a promitente-vendedora, em face da ausência de marcação de escritura púbica, para em 61 dias ultimar as diligências para marcação da escritura definitiva, cujo prazo limite fixou em 12 de Dezembro de 2012; 3) a promitente-compradora intimou a promitente-vendedora de que a não marcação da escritura até este dia seria entendido como intenção de não cumprir, definitivamente, o contrato-promessa. 

Em face das razões invocadas pela promitente-vendedora, o tribunal entendeu que o prazo para cumprimento da promessa bilateral de compra e venda da fracção não era viável, ou na economia do contrato era incomportável para a promitente-vendedora, pelo que concedeu mais 150 dias, que depois viria ampliar para 195 dias.

Na economia interpretativa do artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil o credor, em caso de mora do devedor, se ainda mantiver o interesse na realização da prestação, ainda não cumprida, poderá para evitar o prolongamento da mora fixar um prazo (razoável) para que este cumpra a prestação a que está adstrito. A lei concede ao devedor a possibilidade de se desonerar do incumprimento dilativo se, tendo-lhe o credor fixado um prazo (razoável), cumprir a prestação a que, contratualmente, se comprometeu. 

No momento em que a promitente-compradora intimou a promitente-vendedora, esta encontrava-se em mora relativamente à sua prestação contratual – obrigação de celebrar a escritura definitiva de compra e venda, dentro do prazo que ficara contratualmente acordado. A mora em que a promitente-vendedora se encontrava, por razões que viria a justificar, prendiam-se com razões estruturais relativamente à construção do imóvel, e qua a promitente-vendedora manifestou compreensão, porquanto lhe concedeu um prazo de 61 dias, para a conclusão/acabamento da construção e aprontamento da fracção prometida comprar.

 A questão que engasta o thema decidendum prende-se em saber se, estando a correr a favor do credor (promitente-compradora), um período de mora, vale dizer, estando este na posição de beneficiário de um período contratual em que a prestação já devia ter sido cumprida e tendo concedido ao devedor um prazo (que, em seu juízo era razoável), para cumprimento, se é legitimo, ou juridicamente adequado, formular uma interpelação admonitória, ou produzir uma manifestação intimadora e tendente a estabelecer o fim da relação contratual, provocando, com esse acto de vontade a ruptura do negócio jurídico, para o fim do prazo (razoável) que concedeu.

O artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil tem como escopo salvar a relação contratual, ainda possível, concedendo ao devedor, mediante uma concessão do credor, de um prazo (razoável) para que a prestação seja efectuada. Trata-se de um manifestação de vontade de realização (possível) do contrato, mostrando o credor interesse em que a prestação em falta (em mora) possa ser ajaezada pelo devedor, por forma a concluir o contrato. O credor, reconhecendo a impossibilidade de cumprimento por parte do devedor, concede-lhe um prazo, que estima ser o necessário e suficiente para que o devedor se capacite ou prepare a prestação a que está adstrito de modo a dar cumprimento ao sinalagma.            

A razoabilidade do prazo para cumprimento, a que alude o artigo 808.º, nº 1 do Código Civil, inculca, pois, a ideia que o credor, estimando ser possível a realização da prestação, e atendendo a circunstâncias atinentes com o desenvolvimento da relação contratual, nomeadamente por adveniência de factores perturbadores da possibilidade de cumprimento por parte do devedor, considera que, dentro do prazo, que estima ser razoável, o devedor pode desassorear e remover os obstáculos que estão a impedir o cabal e perfeito cumprimento do contrato e, findo esse prazo, o devedor fica em condições de realizar a prestação a que está adstrito. Se ainda assim o devedor, findo o prazo que o credor estimou ser razoável e que aceitou como bom e razoável, não cumprir, o credor, exaurido o prazo, fica em condições perfeitas e plenas de interpelar, admonitoriamente, o devedor para cumprir a sua prestação e este não poderá opor-lhe qualquer objecção ou impedimento para a sua não prestação.

Porém, como no caso que nos ocupa, o credor, ao mesmo tempo que concede um prazo, dilatando a mora do devedor, o interpela para, findo esse prazo, cumprir, com a cominação de que não cumprindo deixa de ter interesse na realização do negócio, deverá findo esse prazo – ou outro que lhe vier a ser fixado, por se haver considerado que o primeiro não era suficiente, sendo, portanto, não razoável – proceder a uma nova interpelação admonitória?  Vale por perquirir se a irrazoabilidade do prazo concedido pelo credor para cumprimento invalida ou torna inócua a interpelação admonitória convertendo a mora em que o devedor se encontrava em mora continuada ou se apenas o prazo para cumprimento se defere, mantendo-se a interpelação, enquanto acto de vontade expressa e assumida, actuante, nas consequências jurídicas para que havia sido formulada, a saber declaração de incumprimento definitivo do contrato por parte do contraente faltoso e relapso?          

Em nosso juízo, a mora inicial, que compeliu o credor a dirigir-se ao devedor para lhe conceder um prazo razoável, não é compatível com a figura da interpelação admonitória. O reconhecimento, por parte do credor de que o devedor, por circunstâncias que estima serem atendíveis, não pode cumprir a prestação a que se encontra adstrito, mantém a situação moratória que permitia a jacência da relação contratual e a impossibilidade de cumprimento por parte do sujeito obrigado ao cumprimento. A fixação de um prazo razoável, constitui o sinal, por parte do credor, de que a mora se deve manter, até á exaustão do prazo (razoável) que fixou. A partir da exaustão deste prazo, se o incumprimento se mantiver, o credor fica “empadronado” na posição de adimplente (absoluto ou pleno) podendo exigir do inadimplente a ruptura do vínculo contratual, por este ter deixado de cumprir. A manutenção da situação de inadimplência por parte do devedor cominado ou intimado a cumprir coloca-o na posição de sofrer as consequências da relapsia e, constitui uma presunção firme de que não está na disposição, por qualquer circunstância, objectiva ou subjectiva, de vir a satisfazer a prestação a que se tinha comprometido.

O exaurimento do prazo (razoável) concedido pelo credor – e que demonstra e evidencia que este mantém no cumprimento da obrigação – possui a virtualidade de transformar a situação moratória em incumprimento definitivo, por se presumir que o credor a partir da concessão desse prazo, que estimou ser o razoável, prudente, apto e capaz para que o devedor constitua, reúna e consolide as condições que o habilitem a cumprir a obrigação.    

A situação moratória prolongada ou dilatada, pela razoabilidade prudencial do credor, prolonga a mora que estava constituída no momento em que o credor estipula um prazo (razoável) e só termina, ou decede, com a exaustão desse prazo (razoável). Só a partir desse momento é que o credor fica habilitado, pelo ultimato moratório que concedeu ao devedor, a converter ou reverter, a seu favor, a mora, transfigurando-a ou conferindo-lhe uma nova roupagem jurídica, qual seja o incumprimento definitivo. [[10]]   

O incumprimento, ou a ruptura consolidada do vínculo contratual, só se verifica, ou fica adquirida para o credor, a partir do momento em que o prazo (razoável) se exaure, ficando a partir deste momento, o credor empossado, potestativamente, no direito de alancear o inadimplente com a “arma” da interpelação admonitória.

Sendo esta a interpretação que reputamos mais correcta do instituto da mora e da figura da interpelação admonitória, e tendo sido essa que foi adoptada pelas instâncias, não nos merece censura a decisão recorrida, pelo que a mantemos.       

No caso concreto, e como foi decidido pelas instâncias, foi conferido à promitente-vendedora um prazo para terminar as obras que impediam a outorga na escritura – no caso de 150 dias – e só a partir dessa data é que fica exaurido o prazo estimado por razoável para que a promessa ser cumprida e, consequentemente, a promitente-compradora investida na faculdade de interpelar, admonitoriamente, a promitente-vendedora para outorgar o contrato prometido.                 

Resulta, para nós, inequívoco que com a concessão de um prazo – que não aquele que a promitente-compradora fixara (61 dias) – para conclusão das obras se dissipou o pressuposto contido na manifestação interpelativa, qual fosse o de que exaurido esse prazo a promitente-vendedora ficaria constituída em inadimplente (definitiva) e a interpelação cumpriria a sua função de injunção cominatória para cumprimento da prestação.

Só a partir do momento em que, razoavelmente, a promitente-vendedora ficou na situação de poder cumprir é que a promitente-vendedora ficou investida na posição de poder exigir o cumprimento e, concomitantemente, com a faculdade/poder de efectuar a interpelação admonitória.            

III. – DECISÃO.

Na defluência do decidido, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção cível, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista.

- Condenar a recorrente nas custas.

   

  Lisboa, 11 de Fevereiro de 2015

                                      

 Gabriel Catarino – (Relator)

                                           

 Maria Clara Sottomayor (Vencida)

                                          

Sebastião Póvoas  

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[1] Cfr. Calvão Silva, João, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Almedina, 2010, 13.ª edição, pág. 19. “Do contrato-promessa nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial, a declaração de vontade correspondente a um outro negócio cuja futura realização pretendem assegurar, chamado negócio prometido ou negócio definitivo.”
[2] Cfr. Calvão Silva, João, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Almedina, 2010, 13.ª edição, pág. 19.
[3]O contrato-promessa deve definir ou fixar os pontos sem os quais o contrato definitivo, se imediatamente concluído, seria inválido por indeterminidade ou indeterminabilidade do objecto” – cfr. Calvão Silva, João, in op. loc. cit. pág. 30.
[4] Cfr. neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 22.11.2001, de 19.03.2002, de 15.10.2002, , de 25.02.2003, proc. 03A200 e de 07.03.2006, todos in www.dgsi.pt/jstj.
[5] Cfr. Brandão Proença, José Carlos, in “Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações”, Coimbra Editora, 2011, pág. 288. “A resolução, enquanto poder dispositivo do contraente legitimado, procura tutelar, na fase de cumprimento, essa conexão entre as prestações, essa relação de proporcionalidade (que também está na génese da excepção de não cumprimento), ao mesmo tempo que surge ligada a eventos objectivos não neutros (por ex. a insolvência) ou ao significado da perda de confiança, com inexigibilidade de manutenção vinculativa, por violação dos deveres de conduta arvorados a deveres fundamentais”. Ou noutra versão do mesmo autor in “A resolução do Contrato no Direito Civil – Do enquadramento e do regime”, Coimbra Editora, (Reimpressão), 2006, pág. 74 “[a] resolução nos surge como o poder unilateral de extinguir um contrato (maxime bilateral) válido, em virtude de circunstâncias posteriores à sua conclusão e frustrantes (o facto subjectivo de um certo incumprimento) do interesse na execução contratual ou desequilibradoras (o facto objectivo de uma anómala alteração ou a não verificação das condições contratuais pressupostas) da relação de equivalência económica entre as prestações e desencadeando uma normal “liquidação” retroactiva”. Vide ainda Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág. 242 e Pessoa Jorge, in “Direito das Obrigações”, págs. 211 e 647 (a rescisão como vontade vinculada apta a “sanar” uma “inexecução ilícita”).  
[6] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, de 22-03-2011, em que se escreveu:I - A resolução do negócio pode fundar-se na lei ou em convenção (cf. art. 432.º do CC): a) se a resolução se funda na lei, está-se perante a condição resolutiva tácita, que consiste no direito potestativo, conferido a um dos contraentes, de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte não ter cumprido a sua prestação; b) se a resolução se funda em convenção, está-se perante a condição resolutiva expressa, que se traduz na destruição da relação contratual com base num facto posterior à sua celebração, não tendo tal facto de estar necessariamente ligado ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência. II - O beneficiário de uma condição resolutiva expressa não poderá exercer o direito à resolução do contrato se, por acordo das partes, se alterou a situação nela prevista (v.g. prorrogação do prazo previsto no contrato-promessa para a outorga da escritura pública de compra e venda).”  

[7] Cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-01-2010, relatado pelo Conselheiro Paulo Sá, em que a propósito se escreveu: “I – A mora nos termos do art. 804.º, n.º 1, do CC, apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e não lhe confere o direito à resolução do contrato; no caso de contrato-promessa de compra e venda, em que tenha havido lugar à constituição de sinal, só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art. 442.º, n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora, porquanto nada justifica que se excepcione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos. II – O prazo fixado para a execução de um contrato – incluindo o prazo para a celebração do contrato prometido –, pode ter a natureza de prazo absoluto ou de prazo relativo: a) sendo absoluto – o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação, de modo que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor –, decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa; b) sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória. III – A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato. IV – Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa verifica-se nas três hipóteses seguintes: a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta; c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato. V – A lei admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato, quando ocorra certo e determinado facto (v.g. não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação). A esta estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa. VI – Em termos de culpa, importa ter em consideração a presunção prevista no art. 799.º, n.º 2, do CC, em conjugação com o art. 487.º, n.º 2, presunção essa que se aplica à culpa na impossibilidade do cumprimento. VII – Quem se assume como promitente-vendedor de fracção a construir, recebendo do promitente-comprador um sinal, terá de prever toda uma série de diligências de natureza burocrática e eventuais obstáculos administrativos e, em relação a eles, precaver-se atempadamente.” 
[8] Cfr. Brandão Proença, “Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações”, págs. 288, 289, 290 e 291.

[9] Queda extractado o troço da sentença adrede. “Falta conhecer da última questão, que é a de saber se o prazo da intimação admonitória de 61 dias fixado na carta de fis. 16/17 é de considerar um prazo razoável para os efeitos do n.º 1 do art. 808.º.

O n.º 1 do art. 808.º estabelece: se a prestação "não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação".

Este preceito pressupõe que o devedor está em mora. E a mora, por sua vez, pressupõe o retardamento da prestação e a manutenção do interesse do credor. Não envolve necessariamente a ideia de culpa do devedor. A velha definição latina mora est dilatio, culpa non carens, debiti solvendi continua, pois, em dia.

Nas palavras de Antunes Varela, a interpelação admonitória exigida pelo n.º 1 do art. 808.º constitui "uma ponte essencial de passagem do atravessadouro (lamacento e escorregadio) da mora para o terreno (seco e limpo) do não cumprimento definitivo da obrigação.

Para o credor, a intimação admonitória é um verdadeiro ónus, porque, se quiser converter a mora em incumprimento definitivo da obrigação, tem de recorrer a ela.

Para ser actuante, "a interpelação admonitória deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimativa,

Quando o credor faz o emprazamento admonitório está a conceder ao devedor um prazo suplementar para cumprir. O decurso deste prazo suplementar (ou da chamada mora qualificada) extingue o direito ao cumprimento e o dever de cumprir. Precisamente porque converte a mora em incumprimento definitivo.

"O prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação,

Ou recorrendo à jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, "tem-se por razoável o prazo suplementar que for fixado pelo credor segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, aos usos correntes e aos ditames da boa-fé, permite ao devedor satisfazer, dentro dele, o seu dever de prestar.

Por conseguinte, para ver se o prazo de interpelação admonitória é razoável ou não é preciso atender ao circunstancialismo do caso concreto. Face a esse circunstancialismo se verá da escassez ou do bom cômputo do prazo suplementar concedido.

Ficou provado que: a) na altura da propositura da acção (e à data da interpelação admonitória, por maioria de razão, por ser anterior), as obras na fracção prometida estavam muito atrasadas - n° 16 dos FP; b) o prazo de 61 dias, pelo atraso da obra, era impossível de ser cumprido - n° 14 dos FP; c) para realização dos trabalhos de conclusão da obra e marcação da escritura da compra e venda prometida era indispensável um prazo não inferior a 150 dias – n.º 19 dos FP.

Quer isto dizer que o prazo de intimação admonitória fixado pela ora Ré de 61 dias era manifestamente escasso.

Sendo o prazo escasso, não razoável, um prazo não adequado ou suficiente para ultimar as obras e realizar as diligências necessárias à outorga da escritura, a interpelação não pode surtir o efeito pretendido e subjacente ao n.º1 do art. 808.º de converter a mora em incumprimento definitivo.

Em consequência disso, não há fundamento para a resolução do contrato. Esta (a resolução) está pensada na lei "como uma forma de destruição da relação contratual, levada a cabo por um acto posterior de vontade de um dos contraentes.

A resolução, se fundada na lei, tem de cumprir todos os requisitos por esta exigidos, para a parte a ela poder recorrer legítima e eficazmente. No caso, na falta de um dos requisitos - a razoabilidade do prazo, exigido pelo n.º 1 do art. 808.° -, a mora não foi convertida em incumprimento definitivo. Logo, repete-se, a interpelação não produziu os efeitos que a ora Ré se propunha na carta: incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda e resolução do contrato a partir de 10/12/2012 (fls. 17).

Não ficando a mora convertida em incumprimento definitivo a 10/12/2012, também não ficou convertida em incumprimento definitivo pelo decurso dos 150 dias ou dos 195 dias que a A. julgou indispensáveis para cumprir.

Como se disse no despacho de fls. 144/148, a presente acção não é uma acção de fixação judicial de prazo (fis. 144). Tem unicamente por objecto julgar a razoabilidade do emprazamento admonitório constante da carta de fis. 16/17.

Os prazos de 150 e de 195 dias que a A. diz necessitar para cumprir são prazos de referência, isto é, prazos para aquilatar da razoabilidade ou adequação do prazo fixado na carta. Não convertem o prazo admonitório da carta em novos prazos de interpelação e admonização.

Por isso, a ampliação dos pedidos da acção e da reconvenção serve para julgar da razoabilidade do prazo fixado na carta em que é feita a interpelação admonitória. Não para fixar um prazo para conclusão das obras nem para dar fundamento resolutivo ao contrato-­promessa por incumprimento nesses outros prazos.

Por conseguinte, falta justificação para a Ré exigir o sinal em dobro ao abrigo do n.º 2 do art. 442.º, norma que a doutrina e a jurisprudência em geral, entendem estar colimada ao incumprimento definitivo.”  

[10] Cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 06-02-2007, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas onde se sumariou: “2) Na ausência de convenção diversa, e no caso de mora, a sua translação em incumprimento impõe uma interpelação admonitória, com fixação de um prazo suplementar cominatório. 3) Se um dos promitentes estiver em mora relativamente à celebração do contrato definitivo, o outro deve notificá-lo, concedendo-lhe um prazo razoável para o cumprimento, sob pena de considerar definitivamente não cumprido o contrato. 4) No caso de o credor perder o interesse na prestação ou de esta não ser realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, é que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação, com o consequente direito potestativo de resolução. 5) A interpelação/notificação admonitória só produz o efeito previsto no artigo 808º nº1 do CC (conversão da mora em incumprimento definitivo) se se traduzir numa intimação para o cumprimento, dentro de um prazo razoável em vista dessa finalidade, e em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor de ter a obrigação como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. 6) O prazo cominatório destina-se (e é fixado para) à celebração do contrato prometido, que não para o cumprimento de quaisquer outras obrigações acessórias ou complementares que integrem o “iter” negocial. 7) A recusa de cumprimento – “repudiation of a contract” – tem de se traduzir numa declaração absoluta, inequívoca e clara que anuncie o propósito de não cumprir. 8) Verificando-se essa inequívoca e peremptória recusa, há equivalência à interpelação antecipada, sendo dispensada a interpelação admonitória. 9) Para que se tenha por demonstrada a falta de interesse do credor na prestação (artigo 808º do CC) não basta o juízo valorativo arbitrário do próprio credor, antes aquela há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados, sendo revelador da não perda do interesse a formulação de um pedido subsidiário consistente na fixação de novo prazo para cumprimento da obrigação”. Ou ainda do mesmo relator, o acórdão deste mesmo Tribunal de 28-06-2011, de cujo se respiga a parte interessante. “2. O incumprimento definitivo restringe-se a quatro situações: recusa de cumprimento (“repudiation of a contract” ou “riffuto di adimpieri”); termo essencial (prazo fatal); cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretractibilidade); perda do interesse na prestação. 3. A “anticipatory breach of contract” tem de traduzir-se numa declaração absoluta, inequívoca, peremptória do propósito de não outorgar o contrato definitivo. 4. O termo essencial deve ser clausulado em termos claros, e explícitos, salvo se resultar da natureza ou da modalidade da prestação, sob pena do incumprimento desse prazo se traduzir num mero retardamento, ou mora.”


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Declaração de voto


Voto vencida. Teria concedido a revista e revogado o acórdão recorrido.

O direito à resolução é um direito potestativo extintivo, cujo exercício constitui uma manifestação de autonomia privada, e que apenas pressupõe que estejam verificados os requisitos legais do incumprimento definitivo.
Em princípio, a resolução não tem de ser objecto de declaração judicial, antes se efectivando por declaração receptícia do contraente fiel ao contraente faltoso, tudo nos termos dos artigos 224.º, n.º1 e 436.º, n.º1 do Código Civil.
A obrigação considera-se não cumprida, se, existindo mora, o devedor não a efectuar no prazo razoável que o credor lhe fixar mediante interpelação acompanhada da cominação de que não cumprindo deixa de ter interesse na realização do negócio.

A jurisprudência tem exigido os seguintes requisitos à interpelação admonitória:

1- A intimação para o cumprimento;
2 - A fixação de um termo peremptório para o cumprimento, neste caso, o novo prazo judicialmente fixado;
3- Admonição ou a cominação (declaração admonitória ou intimidativa) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo.

No caso sub judice, as instâncias não puseram em causa os elementos ou requisitos da interpelação admonitória, mas apenas a duração do prazo razoável, considerado demasiado curto, e por isso substituído, a requerimento da promitente vendedora, por um prazo mais longo.

Entendo, diferentemente da posição que fez vencimento, que o direito de resolução da promitente-compradora se mantém, sem necessidade de nova interpelação admonitória, após o decurso do novo prazo decretado pelo tribunal, que apenas substitui o anterior, tal como requereu a promitente vendedora.
Verificados os pressupostos do direito potestativo de resolução do contrato – a situação de mora inicial e o decurso do novo prazo razoável decretado pelo tribunal em substituição do fixado pela promitente compradora – mantém-se a cominação de interpelação admonitória inicial e verifica-se o incumprimento definitivo do contrato, podendo a promitente compradora resolver o contrato imediatamente, sem necessidade de nova declaração admonitória, se a promitente vendedora não entregar a obra após o decurso do novo prazo.

O novo prazo não serve para colocar o devedor numa mora continuada, anulando o efeito cominatório da interpelação inicial, mas para dar uma nova oportunidade ao devedor para cumprir dentro de um prazo mais longo, sob pena de resolução do contrato, tal como declarado pela promitente-compradora. Só assim se respeita a autonomia da vontade e o carácter potestativo do direito de resolução.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2015
Maria Clara Sottomayor

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