Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
265/13.8TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
DECISÃO
VALOR DA CAUSA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
SIGILO BANCÁRIO
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 78º E 79º DO REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (DEC.LEI Nº 298/92, DE 31/12); 98º-P DO C.P.TRABALHO; 338º E 351º, NºS 1 E 2 DO CT/2009.
Sumário: I – Só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.
II – O sigilo bancário não vigora nas relações internas entre o banco e o seu trabalhador, mesmo quando essas relações internas derivem dos conflitos entre a instituição de crédito e um seu trabalhador que sejam trazidas a tribunal.

III – Quando se procede à análise interna dos factos ou elementos respeitantes à vida de uma dada instituição ou às relações dela com os seus clientes, concluindo-se na sequência da mesma no sentido de que um determinado empregado da instituição levou a efeito determinados comportamentos disciplinares relevantes, não há revelação ou utilização externa de informações sobre aqueles “factos ou elementos” e, por isso, não se viola por essa via o sigilo bancário.

IV – O direito ao sigilo bancário pode entrar em colisão com outros direitos, situação em que deve ser convocado o regime consagrado no artº 335º do C. Civil para tais situações, por força do que há que averiguar concretamente se as manifestações dos direitos em colisão são da mesma espécie ou de valor igual ou, contrariamente, se um dos direitos, ou a sua manifestação no caso real, é de valor superior ao outro.

V – A circunstância de se darem como provados factos que não constavam da nota de culpa deduzida contra o trabalhador não integra qualquer causa de nulidade de sentença (artº 615º/1/d) do nCPC).

VI – A consequência daí emergente é que tais factos, mesmo que considerados provados, não podem ser levados em consideração para efeitos de se sustentar a licitude do despedimento do trabalhador, tal como decorre do artº 387º/3 do CT/09.

VII – Resulta do artº 98º-P/2 do C.P.Trabalho que na determinação do valor da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento deve ser levado em consideração a utilidade económica dos pedidos que tenham sido deduzidos, atendendo-se, designadamente, ao valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.

VIII – Para que se esteja perante justa causa de despedimento torna-se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador e que a sua gravidade seja de tal ordem que torne impossível a subsistência da relação de trabalho.

IX – A justa causa do despedimento pressupõe uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou, pela disciplina da organização em que essa actividade se insere ou, ainda, pela boa-fé que tem de registar-se no cumprimento do contrato.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

O autor propôs contra o réu a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, mediante apresentação do respectivo formulário legal, peticionando que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento pelo réu, com as legais consequências.
Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, o réu apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, em suma, que despediu o autor no termo de um procedimento regular e lícito, com justa causa para o efeito radicada em comportamentos do trabalhador que descreve no articulado e que, em seu entender, tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Para o caso de vir a ser declarada a ilicitude do despedimento, o réu deduziu incidente de oposição à reintegração do trabalhador que assentou nos factos e correspondentes argumentos também alegados naquele articulado motivador.
O autor contestou e deduziu reconvenção.
Na contestação, alegou, em resumo, que está prescrito um dos factos invocados pelo réu para fundamentar o despedimento e que não praticou factos disciplinarmente relevantes e susceptíveis de integrarem o conceito de justa causa de despedimento, razão pela qual deve ser declarada a ilicitude do despedimento.
Por outro lado, considera que deve improceder o pedido de oposição à reintegração do trabalhador.
Consequentemente, em reconvenção, concluiu pela forma que segue:
PROCEDENTE POR PROVADA E, POR VIA DELA, SER DECLARADA A ILICITUDE DO DESPEDIMENTO DO A., SER JULGADA IMPROCEDENTE A OPOSIÇÃO À REINTEGRAÇÃO, E EM CONSEQUÊNCIA, DEVE O R. SER CONDENADO A :
A) REINTEGRAR O A. AO SEU SERVIÇO NO SEU POSTO DE TRABALHO SEM PREJUÍZO DA SUA ANTIGUIDADE E CATEGORIA;
B) PAGAR AO A. AS RETRIBUIÇÕES INTERCALARES ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO;
C) SOBRE AS QUANTIAS VENCIDAS E VINCENDAS, PAGAR AO A. JUROS À TAXA LEGAL DESDE A DATA DA CITAÇÃO ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.”.
O réu respondeu para, no essencial, reiterar a versão e entendimento vertidos no articulado motivador e, consequentemente, pugnar pela improcedência da reconvenção.
Saneado o processo, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:
“Face ao exposto, declaro lícito e regular o despedimento, absolvendo a entidade empregadora do pedido reconvencional.
Custas pelo trabalhador, atento o decaimento integral.
Valor: € 67 110,94.
Registe, notifique e comunique.”.
Discordando do assim decidido, recorreu o autor, apresentando as seguintes conclusões:
[…]

O réu contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer – fls. 670 a 678.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

*
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, é possível identificar com clareza suficiente que as questões suscitadas e a decidir são as seguintes:
1ª) saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada e se, por isso, deve ser alterada;
2ª) saber se a sentença recorrida padece da nulidade que lhe é assacada pelo recorrente;
3ª) saber se a sentença recorrida fixou indevidamente o valor da acção;
4ª) saber se as infracções disciplinares protagonizadas pelo recorrente integram justa causa de despedimento.
*
III – Fundamentação

A) De facto

A.1) A impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Primeira questão: saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada e se, por isso, deve ser alterada.
A propósito desta questão importa ter presente, antes de mais, o que se escreveu no acórdão desta Relação de 24/1/2013, proferido na apelação 1009/06.6TTLRA.C1, de que foi relator o aqui primeiro adjunto: “Antes de mais importa ter sempre presente que um dos princípios basilares, em termos de apreciação de prova, é o da liberdade de julgamento consagrado no artº 655º do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide apenas com base na sua prudente convicção acerca de cada facto, não se exigindo, portanto, a este Tribunal da Relação que, no âmbito de uma reapreciação da prova produzida na audiência de discussão e julgamento levada a cabo na 1ª instância, procure formar uma nova convicção em termos de matéria de facto, circunstância que, pela própria natureza das coisas, levaria a que se devesse proceder a uma sistemática e global apreciação de toda a prova produzida em audiência, mas apenas a detecção e correcção de eventuais mas concretos erros de julgamento.
Na verdade, o que este Tribunal da Relação é chamado a fazer é verificar se a convicção expressa pelo Tribunal de 1ª instância na prolação de decisão sobre matéria de facto, e em relação aos pontos concretos objecto de impugnação, tem suporte razoável nos elementos de prova apresentados nos autos e produzidos em audiência, e, consequentemente, se uma tal decisão não deriva de erro de julgamento.
A revisão do Cod. Proc. Civil, operada pelo DL 329/A/95, de 12/2, instituiu, e forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
A possibilidade de documentação da prova foi introduzida no nosso ordenamento jurídico através do DL nº 39/95 de 15 de Dezembro, com a justificação de assegurar “a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais - e seguramente excepcionais - erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto.
Resulta, ainda, do preâmbulo desse mesmo diploma que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Dentro de tal contexto e do espírito do diploma atrás citado, forçoso é concluir que o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.
Desde logo, porque a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados.
E, por outro lado, também não pode olvidar-se que o controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deixar de respeitar a livre apreciação da prova obtida, na 1ª Instância, com base nos princípios da imediação e da oralidade.
A prova testemunhal é apreciada livremente pelo juiz (artº 396º do C.C. e 655º, nº 1, do CPC) e que, como é sabido, a convicção do julgador forma-se em função da credibilidade que os depoimentos lhe merecem. Quem está em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência é, atento o imediatismo impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação, o julgador de 1ª instância, que, por ser quem presencialmente conduz a audiência de julgamento, se encontra numa posição privilegiada para avaliar o depoimento em concreto, captando pormenores, reacções, hesitações, expressões e gestos, impossíveis de transparecer pela simples audição das gravações dos depoimentos.
Conforme refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 3ª ed. pags. 273 e ss, “a gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos (...) pode revelar-se insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou de influenciar a convicção do juiz ou dos juízes perante quem são prestados. Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores".
Fundamental é que o tribunal, no exercício da sua livre convicção, indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão - tal como impõe o n° 2 do artº 653º do CPC.
Segundo orientação doutrinal e jurisprudencial dominante, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição. Quer isto dizer, segundo refere o Ac. da ReI. de Coimbra de 3/10/2002, Col. Jur. 2002, IV, pag. 27, que o tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. E, no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 13/03/2003, in www.dgsi.pt, considerou que "desprovida do que só a imediação pode facultar, a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade atingida pela instância recorrida".
Neste sentido, igualmente, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 348 e ss, e os Acórdãos da Relação do Porto de 19/09/20000, Col. Jur.,  Ano XXV, Tomo IV, pag. 186, desta Relação de 27/03/2001, Col. Jur. Ano XXVI, Tomo II, pag. 86 e de 13/11/2001, Col. Jur.  Ano XXVI, Tomo V, pag. 84.”.
Face a todo este enquadramento e como vem sendo repetidamente afirmado por ela Relação (v.g. acórdãos de 5/6/2014, proferido na apelação 229/13.1TTTMR.C1, e de 30/1/2014, proferido na apelação 795/12.9TTCBR.C1), só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.
É à luz de quanto acabou de se enunciar que deverá ser apreciado o recurso do autor na parte em que o mesmo incide sobre a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido.
+
O autor considera que deve ser eliminada a matéria que consta dos pontos 118º, 119º e 124º uma vez que a mesma foi dada como assente com base em prova obtida com violação do sigilo bancário – ponto 2.2.12 das alegações (capítulo II); conclusões 94 e 95.
[…]
Finalmente, considera-se que não existe violação do sigilo bancário por parte do réu nos exames a que o mesmo tenha procedido relativamente às contas bancárias abertas em estabelecimentos bancários seus e que estão identificadas nos pontos 118º, 119º e 124º dos factos provados, acedendo por essa via a toda a informação documental e digital associada a essas contas, ainda que sem o consentimento dos titulares delas, razão pela qual não pode sustentar-se que foram obtidas com violação daquele sigilo as informações extraídas pelo réu dessas contas e que estão enunciadas naqueles pontos dos factos provados.
O sigilo bancário traduz-se na “…descrição que os bancos, os seus órgãos e empregados, devem observar sobre os dados económicos e pessoais dos clientes, que tenham chegado ao conhecimento através do exercício das funções bancárias.” – Luís Alberto, O Segredo Bancário em Portugal, ROA, Ano 41, 1981, p. 454.
Dispõe o art. 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92, de 31 de Dezembro, na sua actual redacção) que:
«1 – Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 – Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 – O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços».
Por seu turno, dispõe o artigo 79.º do mesmo diploma que:
«1 – Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 – Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivos atribuições;
d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo».
Como ensina Menezes Cordeiro, o sigilo bancário não vigora nas relações internas entre o banco e o seu trabalhador, mesmo quando, como sucede no caso, essas relações internas derivem dos conflitos entre a instituição de crédito e um seu trabalhador que sejam trazidas a tribunal – Manual de Direito Bancário, p. 326.
Na verdade, em contextos como o dos autos em que um Banco procede a averiguações sobre comportamentos irregulares de um seu trabalhador protagonizados no exercício da correspondente profissão e que envolvam movimentações de contas bancárias de clientes do Banco, o conhecimento e a utilização das informações assim obtidas sobre aquelas contas e sobre os movimentos nelas operados processa-se no âmbito interno da própria instituição bancária, sendo que por definição o sigilo não opera naquele âmbito.
A entender-se de outro modo teria de concluir-se no sentido da absoluta inviabilização da própria actividade bancária da instituição, posto que inviabilizada estaria qualquer possibilidade de utilização por qualquer profissional bancário de qualquer tipo de informação atinente a factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advém exclusivamente do exercício das suas funções, sendo que sem essa possibilidade de utilização não se vislumbra como desenvolver-se a actividade bancária nos múltiplos contactos e trocas de informação que lhe são inerentes.
Além disso, como se assinala no acórdão do STJ de 2/12/2004, proferido no âmbito do processo 04S1284, e no acórdão da Relação de Lisboa de 24/1/2007, proferido no âmbito do processo 9387/2006-4, encontrar-se-ia também vedada ou pelo menos gravemente dificultada a própria possibilidade de as instituições de crédito exercerem os poderes patronais fiscalizadores e disciplinares que lhe estão legalmente reconhecidos no âmbito de relações de trabalho subordinado por reporte a condutas dos seus trabalhadores levadas a efeito por via da movimentação de contas bancárias de clientes das instituições, pois que estas estariam impedidas de analisar a movimentação dessas contas e os actos dos seus trabalhadores com elas relacionados de que resultem irregularidades passíveis de comprometer a confiança dos clientes no banco, a segurança das operações bancárias e, em geral, os legítimos interesses, quer dos clientes, quer das instituições.
Ademais, competindo às entidades empregadoras bancárias o ónus de alegação e prova dos factos disciplinarmente relevantes protagonizados pelos seus trabalhadores bancários no exercício das correspondentes profissões e por via da movimentação de contas bancárias dos próprios e de outros clientes dos estabelecimentos das empregadoras, não se vislumbra como poderiam as mesmas comprovar esses factos a não ser, justamente, pela análise das próprias contas bancárias e dos elementos a elas atinentes, bem assim como pela subsequente utilização das informações assim obtidas no âmbito dos processos disciplinares instaurados e dos processo judiciais por eles originados.
De resto, a sindicância interna dos actos praticados por todos os operadores bancários é absolutamente essencial para que qualquer instituição de crédito proceda com a diligência de um “gestor criterioso” e promova o respeito pelas regras de uma “gestão sã e prudente” (arts. 76º e 118º/1 do Regime citado).
Por isso, quando se procede à análise interna dos factos ou elementos respeitantes à vida de uma dada instituição ou às relações dela com os seus clientes, concluindo-se na sequência da mesma no sentido de que um determinado empregado da instituição levou a efeito determinados comportamentos disciplinarmente relevantes, não há revelação ou utilização externa de informações sobre aqueles “factos ou elementos” e, por isso, não se viola por essa via o sigilo bancário.
As informações obtidas no âmbito dessa actividade de sindicância correspondem exactamente àquelas que os sujeitos do dever de sigilo enunciados no citado art. 78º/1 poderiam obter fora desse tipo de actuação e pelo simples exercício da profissão bancária de cada um desses sujeitos, pelo que ninguém passa a conhecer, por via da mencionada sindicância, mais do que aquilo que já conhecia ou podia conhecer pelo simples exercício da sua profissão.
Consequentemente, o recorrido não violou o sigilo profissional ao analisar as contas dos seus clientes mencionadas nos pontos 118º e 124º dos factos provados, os movimentos que nelas foram levados a efeito, e ao utilizar as informações assim obtidas no processo disciplinar instaurado ao autor.
É certo que a utilização das informações assim recolhidas no âmbito deste processo judicial implica que as mesmas ficam ao alcance de pessoas e entidades externas ao exercício profissional dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, seus empregados, mandatários, cometidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional.
Nessa medida, poderia sustentar-se que tais informações não poderiam ser utilizadas neste processo judicial porque protegidas pelo sigilo bancário cuja quebra não foi antecipadamente determinada.
Porém, como ensina Rabindranath Capelo de Sousa (O segredo bancário – em especial face às alterações fiscais da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, II volume, Direito Bancário, pp. 199 e ss), “O segredo bancário não é reconhecido pelo art. 78º do Regime Geral referido abrupta e separadamente e não funciona isoladamente. As restrições taxativas previstas no art. 79º do mesmo Regime dizem respeito ao conteúdo normativo-axiológico, específico, do dever de segredo bancário e respectivo direito. Mas estes interconexionam-se solidariamente com outras proposições jurídicas, de carácter geral, adentro da unidade objectiva e intencional do sistema jurídico. Assim o segredo bancário não é um monstro sagrado intocável nem um passador a tudo permeável.”.
Daí que o direito ao sigilo bancário possa entrar em colisão com outros direitos, situação em que deve ser convocado o regime consagrado no art. 335º do CC para tais situações, por força do que há que averiguar concretamente se as manifestações dos direitos em colisão são da mesma espécie ou de valor igual ou, contrariamente, se um dos direitos, ou a sua manifestação no caso real, é de valor superior ao outro - Rabindranath Capelo de Sousa, in ob. cit., p. 205.
Operando essa averiguação e seguindo de perto para o efeito o acórdão do STJ de 2/12/2004, in CJ/STJ, ano XII, tomo III, p. 276, temos que subjacentes ao sigilo bancários estão os seguintes interesses ou valores jurídicos: a boa-fé contratual – o cliente realiza as suas operações no banco que lhe oferece mais confiança e garantia de actuação com segurança e boa-fé; o direito ao bom nome e reputação da instituição financeira; o interesse público da manutenção da confiança da população nas instituições financeiras; o direito à reserva da intimidade da vida privada ou à privacidade do titular do segredo; o direito geral de personalidade.
Por seu turno, subjacentes ao direito a que uma entidade patronal que é uma instituição de crédito produza em tribunal prova da prática por um seu trabalhador de operações bancárias e outros actos susceptíveis de integração de justa causa para o despedimento desse trabalhador, estão os seguintes interesses ou valores jurídicos relevantes: a natureza peculiar da actividade laboral enquanto bem jurídico inseparável da pessoa do prestador de trabalho, o que torna fundamental para o desenvolvimento da relação a pessoa deste; a necessidade de assegurar a essência dominial do vínculo negocial caracterizada pela sujeição do trabalhador aos poderes da entidade patronal; o elemento organizacional do vínculo jurídico-laboral; a necessidade de assegurar a eficácia do poder directivo próprio do empregador, v.g. ao nível do poder conformativo da prestação; o poder da entidade patronal de sancionar infracções disciplinares dos trabalhadores ao seu serviço que não cumpriram os deveres resultantes do contrato ou violaram deveres e valores conexos essenciais ao funcionamento da organização em que se inserem; a importância do nexo de confiança pessoal entre as partes do contrato; o direito de fazer prova em tribunal dos factos em que se fundamenta a sanção disciplinar a fim de garantir o direito à tutela judicial efectiva; o direito ao bom nome e reputação da instituição financeira; o interesse público da manutenção da confiança da população nas instituições financeiras; a boa-fé contratual.

Ponderando os interesses e valores jurídicos colidentes e procurando hierarquizá-los de acordo com o seu maior ou menor peso jurídico, consideramos que o interesse na realização da justiça e os interesses em que se radica o direito disciplinar superam, quanto ao seu peso jurídico, os subjacentes ao segredo bancário, razão pela qual deve ter-se por justificada, em situações com os contornos destes autos, o sacrifício dos segundos, pois que o conhecimento pelo tribunal dos factos protegidos pelo segredo é indispensável para a salvaguarda mínima dos primeiros e para se apurar a responsabilidade disciplinar do trabalhador, bem assim como a respectiva gravidade, tudo por forma a aquilatar se deve ou não ser preservada a relação de trabalho entre empregador e trabalhador.
Como se escreveu naquele acórdão do STJ, “O interesse na descoberta da verdade e na realização da justiça no que diz respeito à prática de irregularidades justificativas da impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho existente entre uma instituição bancária e um trabalhador com latos poderes no âmbito da realização de operações bancárias com múltiplos clientes que estabeleceram relações bancárias com a instituição de crédito – como é o caso do trabalhador gerente – torna tão relevante e necessário o interesse na descoberta desses elementos que se justifica a quebra do segredo bancário nesta situação.
Com efeito, só conhecendo a movimentação das contas bancárias efectuada com a participação do trabalhador pode ser exercido o direito disciplinar e, consequentemente, salvaguardar-se todos os interesses e direitos subjacentes e os deveres que o dito trabalhador violou com a sua conduta – cfr. o art. 335º, n.º 2 do CC – garantindo-se, ainda, o interesse público na administração da justiça e o princípio constitucional da tutela judicial efectiva.”.
Como assim, deve ceder o direito ao segredo bancário e prevalecer o direito do recorrido a produzir prova dos factos invocados em fundamento da justa causa para o despedimento do recorrente, e por isso não estava o tribunal recorrido impedido de se socorrer dos diferentes elementos e informações bancárias fornecidos pelo recorrido para dar como provado o que deu nos pontos 118º, 119º e 124º dos factos provados relativamente a contas abertas em estabelecimentos bancários do recorrido – em sentido idêntico ao ora decidido, decidiu igualmente o STJ, nos seus acórdãos de 29/5/91, in BMJ 407, p. 308, de 3/1/2001, proferido no âmbito da revista 1306/01, da 4ª Secção, e de 2/12/2004, in CJ/STJ, ano XII, tomo III, p. 276; a Relação do Porto, no seu acórdão de 13/6/2011, proferido no âmbito da apelação 713/09.1TTVNG.P1; a Relação de Lisboa no seu acórdão de 25/9/2013, proferido no âmbito da apelação 204/13.6TTALM.L1-4, no seu acórdão de 7/11/2012, proferido no âmbito da apelação 649/11.6TTFUN-A.L1-4, e no seu acórdão de 24/1/2007, proferido no âmbito da apelação 9387/2006-4; na doutrina, pode consultar-se Luís Guilherme Catarino, Segredo Bancário e Revelação Jurisdicional, Revista do MP, nº 74, 1998, p. 98.
Por outro lado, como visto supra, foi o autor quem revelou a titularidade da conta bancária no BES referida no ponto 124º dos factos provados.
Em face de tudo o exposto, mantém-se integralmente a teor dos pontos 118º, 119º e 124º dos factos provados.
+

[…]
+

São estes os termos em que fica decidido o recurso sobre a matéria de facto.
*
A.2) Os factos provados

[…]
*
Segunda questão: saber se a sentença recorrida padece da nulidade que lhe é assacada pelo recorrente.
Funda-se a arguição de nulidade na circunstância da decisão recorrida ter dado como provado o que consta dos pontos 34º, 154º a 163º dos factos provados, tendo em conta, designadamente, que: a) esses factos não constavam da nota de culpa deduzida contra o recorrente no âmbito do processo disciplinar que lhe foi movido pelo recorrido; b) estão em causa factos alegados pelo recorrido para sustentar a oposição à reintegração do recorrente no seu posto de trabalho, sendo que o autor optou, no decurso da audiência de julgamento pela indemnização em substituição da reintegração, razão pela qual nenhuma prova foi produzida sobre aquela matéria, além de ter ficado prejudicada qualquer possibilidade de ser determinada judicialmente aquela reintegração.
Como assim, no entender do recorrente, ao dar como provados aqueles factos, a decisão recorrida conheceu de questão da qual não podia tomar conhecimento, incorrendo na correspondente causa de nulidade da sentença – art. 615º/1/d do NCPC.
Não tem razão o recorrente.
O facto de se darem como provados factos que não constavam da nota de culpa deduzida contra o trabalhador não integra qualquer causa de nulidade da sentença.
A consequência daí emergente é que tais factos, mesmo que considerados provados, não podem ser levados em consideração para efeitos de se sustentar a licitude do despedimento do trabalhador, tal como decorre o art. 387º/3 do CT/09.
Como assim, a correcta ou incorrecta valoração de factos articulados pelas partes para se sustentar a licitude do despedimento promovido pelo empregador pode inquinar, quanto ao seu mérito substantivo, a decisão que declare aquela licitude, mas não determina, a nosso ver, a sua nulidade formal dessa decisão por conhecimento indevido de questão não submetida à apreciação jurisdicional.
Por outro lado, a circunstância de ser dada como provada matéria sobre a qual não se produziu qualquer prova ou se produziu prova insuficiente para fundamentar aquela matéria não integra nulidade da sentença, antes implica uma causa de modificação da decisão sobre a matéria de facto a ser decretada no âmbito do correspondente recurso a incidir sobre a decisão relativa à matéria de facto.
Finalmente, como bem se assinalou na sentença recorrida, as questões que foram colocadas à apreciação do tribunal recorrido foram as seguintes:
1. O facto alegado no artigo 31º do articulado de motivação da empregadora encontra-se prescrito?
2. A empregadora devassou as contas bancárias do autor e da sua mulher, constituídas no Banco da empregadora, fazendo assim uso de informações cobertas pelo sigilo bancário não quebrado por ordem judicial?
3. O despedimento do recorrente é irregular ou ilícito?
4. Sendo irregular ou ilícito o despedimento, que consequências daí emergem?
Ora, como claramente flui da leitura da sentença recorrida, o tribunal recorrido conheceu expressamente das três primeiras questões, dando-lhes resposta negativa, e considerou prejudicado o conhecimento da última, dada a resposta negativa dada à terceira.
Como assim, o tribunal recorrido conheceu de todas as questões que lhe foram sujeitas à apreciação, não tendo conhecido de nenhuma para lá daquelas, em resultado do que não incorreu a sentença recorrida na causa de nulidade que lhe é assacada pela decisão recorrida.
Improcede, pois, a nulidade de sentença arguida pelo recorrente.
*
Segunda questão: saber se a sentença recorrida fixou indevidamente o valor da acção.

Sobre esta temática escreveu-se o seguinte na sentença recorrida: “O valor da ação será fixado considerando os da soma dos pedidos de retribuições intercalares (€ 39 098,80 correspondentes a retribuições mensais + € 4668,69, correspondentes a retribuição de férias, e subsídios de férias e de natal) e da reintegração, que se entende não deverá ser inferior a ((€ 1474,63 + € 81,60)x15=) € 23 343,45, num total de € 67 110,94.”
Nos termos do art. 98º-P/2, “O valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.”.
Resulta do normativo acabado de transcrever que na determinação do valor da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento deve ser levado em consideração a utilidade económica dos pedidos que tenham sido deduzidos, atendendo-se, designadamente, ao valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.
Ou seja, o valor da acção não é determinado tendo por referência, exclusiva ou sequer principalmente, o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final, antes é determinado pelo valor económico dos pedidos deduzidos, sendo que há pedidos que podem ser deduzidos pelo trabalhador e que nada têm que ver com créditos indemnizatórios e salariais, mas que também podem e devem ter um valor autónomo para efeitos de fixação global do valor da acção – por exemplo, o pedido de declaração de ilicitude do despedimento, o de reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho.
E compreende-se que também tenha de atender-se ao valor da indemnização, créditos e salários que sejam reconhecidos na decisão final, pois que a grandeza quantitativa de alguns deles pode ser determinada/alterada, também, pelo próprio tempo de duração da acção (v.g., o valor das retribuições intercalares, o montante da indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração), a qual pode fazer variar, assim, os montantes devidos ao trabalhador por referência àqueles que seriam devidos à data da proposição da acção.
Assim, caso o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final (v.g. € 5.000 euros) seja inferior ao da utilidade económica dos pedidos deduzidos inicialmente pelo trabalhador (v.g. 7.500 euros), o valor da acção deve corresponder ao da mencionada utilidade - assim se respeita o determinado na primeira parte do citado normativo.
Nem podia ser de outro modo, sob pena de em caso de improcedência de todos os pedidos deduzidos em matéria de indemnização, créditos e salários (v.g 5.000 euros) se considerar que tais pedidos não poderiam ser atendidos para efeitos de fixação do valor da acção; nesse caso e entendimento, estando em causa uma acção em que apenas tenham sido deduzidos pedidos dessa natureza, chegar-se-ia à conclusão insustentável de que a acção teria como valor o de 0 euros.
No caso de o valor da indemnização, créditos e salários reconhecidos na decisão final exceder o da utilidade económica dos pedidos inicialmente deduzidos, o valor da acção deve ser determinado tendo em conta, para lá da referida utilidade económica, o valor global da indemnização, créditos e salários que tenham sido efectivamente reconhecidos na decisão final, designadamente a diferença entre o valor assim reconhecido e o reclamado inicialmente pelo trabalhador - assim se respeita o determinado na segunda parte do citado normativo.
Assim, por exemplo, se  aos pedidos formulados pelo autor tiver sido atribuída uma utilidade económica inicial de 5.000 euros, neles se incluindo pedidos iniciais de indemnização, créditos e salários no valor de 3.000 euros e pedidos de declaração de ilicitude do despedimento e de reintegração do autor no seu posto de trabalho, a que se tenha atribuído 2.000 euros de utilidade económica, no caso de procedência destes dois últimos formulados pelo autor e de reconhecimento de indemnização, créditos e salários no valor global de 4.500 euros, o valor da acção deve ser fixado em 6.500 euros [5.000 + (4.500 – 3000].
No caso em apreço, o trabalhador pediu reconvencionalmente retribuições intercalares até ao trânsito em julgado da sentença, bem como a sua reintegração no posto de trabalho; depois, substituiu este último  pelo de indemnização substitutiva da reintegração.
O réu sustentou a licitude do despedimento e, consequentemente, opôs-se aos pedidos deduzidos pelo autor.
A final, improcederam todos os pedidos formulados pelo autor.
Assim sendo, o valor da acção deve ser calculado, na situação em apreço, pelo correspondente à utilidade económica dos pedidos deduzidos pelo autor, apesar destes terem improcedido integralmente.
A decisão recorrida fez corresponder o valor de € 67.110,94 à utilidade económica dos pedidos deduzidos pelo autor, sem que esse valor individualizadamente considerado e os respectivos critérios quantificadores tenham sido objecto de qualquer impugnação, razão pela qual nessa parte aquela decisão transitou.
Como assim, tem de aceitar-se o valor de € 67.110,94 atribuído à acção pela sentença recorrida, por ser esse o da utilidade económica dos pedidos deduzidos pelo autor, assim se cumprindo o determinado no art. 98º-P/2 do CPT.
*
Terceira questão: se as infracções disciplinares protagonizadas pelo recorrente integram justa causa de despedimento.

Prescreve o art. 338º CT/2009 que “É proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”, estatuindo o nº 1 do art. 351º do mesmo diploma que “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”.
Por sua vez, no nº 2 da mesma disposição legal, a título exemplificativo, o legislador concretizou alguns dos comportamentos do trabalhador que poderão constituir, eventualmente, justa causa de despedimento.
Os nºs 1 e 2 do art. 351º do CT/2009 correspondem, no essencial, aos nºs 1 e 3 do art. 396º do CT/2003, bem como aos nºs 1 e 2 do art. 9º da anterior Lei dos Despedimentos (DL 64-A/89, de 27/02), pelo que mantiveram actualidade a doutrina e jurisprudência anteriores, relativas à justa causa de despedimento.
Ora, segundo tem sido doutrina e jurisprudência pacíficas, a existência de justa causa de despedi­mento nos termos do citado preceito, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
1) um, de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
2) outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
3) e, ainda, a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Assim, para que se esteja perante justa causa de despedimento torna‑se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador e que a sua gravidade seja de tal ordem que torne impossível a subsistência da relação de trabalho.
A justa causa do despedimento pressupõe uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou, pela disciplina da organização em que essa actividade se insere, ou, ainda, pela boa-fé que tem de registar-se no cumprimento do contrato.
Não basta, porém, aquele comportamento culposo do trabalhador. É que, sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, de modo a tornar impossível a subsistência da relação laboral.
E a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir‑se em função do critério subjectivo do empregador, devendo atender‑se a cri­térios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – nº 3 do art. 351º do Código do Trabalho/2009.
Tanto a gravidade como a culpa hão‑de ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto, e segundo critérios de objectividade e razoabilidade (cfr. art. 487º/2 CC), sendo certo que o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral.
Por isso se pode afirmar que existe justa causa de despedimento quando o estado de premência do despedimento seja de julgar mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato, só se podendo concluir pela existência de justa causa quando, em concreto e tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa seja de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador (sobre o conceito de justa causa de despedimento, por consultar-se, na doutrina, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 8.ª edição, vol. I, pp. 461 e segs; Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, p. 822; Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1992, p. 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, p. 249; na jurisprudência, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 29/04/2009, proferido no processo nº 08S3081, de 17/06/2009, proferido no processo nº 08S3698, de 03/6/2009, proferido no processo nº 08S3085, de 15/09/2010, proferido no processo nº 254/07.1TTVLG.P1.S1, de 7/10/2010, proferido no processo nº 439/07.0TTFAR.E1.S1, de 13/10/2010, proferido no processo nº 142/06.9//LRS.L1.S1, de 12/9/2012, proferidos nos processos nº 492/08.0TTLMG.P1.S1, 656/10.6TTVIS.C1.S1 e 605/07.9TTMTS.P1.S1, de 5/7/12, proferido no processo nº 3309/10.1TTLSB.L1.S1).
E porque o despedimento é sempre um facto socialmente grave por lançar o trabalhador no desemprego e atendendo a que tal sanção é a mais grave do elenco das sanções disciplinares previstas no Código do Trabalho/2009, a justa causa só deve operar quando o comportamento do trabalhador é de tal modo grave em si mesmo e nas suas consequências, que não permite, em termos de razoabilidade, a aplicação de sanção viabilizadora da manutenção da relação de trabalho, não esquecendo que a sanção disciplinar deve ser sempre proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (princípio da proporcionalidade – art. 330º do Código do Trabalho/2009).
Este princípio da proporcionalidade, que é comum a todo e qualquer direito punitivo, implica uma dupla apreciação: a determinação da gravidade da falta e a graduação das sanções. Aquela resultará da apreciação do facto delituoso em si, das circunstâncias em que ocorreu a sua prática, das suas consequências, da culpabilidade e dos antecedentes disciplinares do arguido. Esta justifica-se na medida em que apenas se deverá aplicar uma sanção mais grave quando sanção de gravidade menor não for suficiente para defender a disciplina dentro da empresa - Pedro Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, pp. 55/56.
Cabe, agora, apreciar a situação em apreço.
Fazendo-o, consideramos, tal como considerou a sentença recorrida, que de facto o autor assumiu comportamentos que, no seu conjunto e globalmente considerados, o fizerem incorrer em justa causa de despedimento.
Na verdade, é sabido que no âmbito das relações jurídicas de trabalho subordinado, o trabalhador deve proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres [arts. 126º/1 CT/09 e 762º/2 CC – com a ideia de boa-fé estão relacionadas, como é sabido, as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 1968, p. 2)], estando sujeito à obrigação de cumprir um conjunto de deveres que estão enunciados no art. 128º/1 do CT/09, alguns principais, como por exemplo o de realizar o trabalho com zelo e diligência (alínea C), outros secundários, como por exemplo o de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho (alínea G), e ainda outros que são acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa-fé supra referido, como por exemplo o de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios (alínea F) - Maria do Rosário Palma Ramalho qualifica o referido dever de lealdade e outros, como por exemplo os de respeito e urbanidade e de custódia, como deveres acessórios autónomos, os quais, não dependendo propriamente da prestação principal (a actividade laboral), surgem com a celebração do contrato, mantêm-se ao longo da sua execução, subsistem nas situações de não prestação do trabalho e/ou de suspensão do contrato e perduram mesmo para além da cessação do vínculo (Direito do Trabalho, Parte II, 2010, p. 412).
Ora, volvendo ao caso em apreço, temos resumidamente e para lá do mais que agora não importa recordar, que: o autor subscreveu fundos de investimento de risco moderado e risco elevado (pontos 16º e 17º dos factos provados) com utilização de dinheiro de três clientes do réu, sem o conhecimento e o consentimento desses clientes (pontos 56º a 58º, 63º, 67º, 70º, 79º, 81º a 87º, 99º a 102º) tendo para o efeito forjado a assinatura de um desses clientes (ponto 71º dos factos provados); como forma de esconder as aplicações em fundos assim efectuadas e de iludir os clientes quando ao verdadeiro destino dado ao dinheiro dos mesmos, o autor emitiu documentação falsa relativa à existência de depósitos bancários (pontos 72º a 76º, 104º dos factos provados); o autor vinculou o réu ao pagamento de taxas de juros de valor superior aos daquelas para que tinha competência (pontos 77º, 96º, 103º e 104º dos factos provados);  causou prejuízos ao réu no montante de 64.442, 40 euros (ponto 125º dos factos provados); procurou ressarcir directamente um cliente do banco de prejuízos advindos para este de comportamentos assumidos pelo autor no exercício da sua profissão ao serviço do réu (pontos 112º a 114º dos factos provados), e aceitou em contas bancárias suas depósitos de um cliente do réu que no dizer o autor eram doações desse cliente (pontos 118º, 119, 120º e 124º dos factos provados), violando instruções de serviço do réu a que estava vinculado.
Tanto basta para concluir que o autor minou irremediavelmente a confiança sem a qual não pode subsistir uma relação de trabalho e, por essa via, violou o dever de lealdade a que estava obrigado para com o réu.
Com efeito, é sabido que a confiança entre o empregador e o trabalhador desempenha um papel essencial nas relações de trabalho, tendo em consideração a forte componente fiduciária daquelas; com efeito, a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.
Do mesmo modo, sabe-se que a subsistência daquela confiança pressupõe a observância do mencionado dever de lealdade do trabalhador para com o empregador, pois que aquela será sempre afectada, podendo mesmo ser irremediavelmente destruída, quando se fere o mencionado dever, sendo que a observância deste é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.
Em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)…”, sendo que “…o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)…” e que, encarado de um outro ângulo, “… apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações…”, “… com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT…”, donde promana, “… no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte.” – Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, pp. 231 a 234.
O “… dever de lealdade manifesta-se hoje, basicamente, nos deveres de não concorrência e de sigilo profissional, sendo expressão da boa-fé contratual e significando que o trabalhador não deverá aproveitar-se da posição funcional que ocupa na empresa em detrimento do empregador (desviando a sua clientela, revelando segredos à concorrência, etc.)” - Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 386.
Trata-se, conforme o exposto, de um dever que numa vertente objectiva se traduz na necessidade do trabalhador ajustar o seu comportamento ao princípio da boa-fé no cumprimento do contrato, e numa vertente subjectiva se reconduz à relação de confiança entre as partes que impõe que a conduta do trabalhador não seja susceptível de abalar tal confiança e, assim, criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador – cfr. acórdãos do STJ de 14/4/1999, Acs. Dout. do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXVIII, N.º 456, p. 1653, de 17/04/1996 e de 14/01/1998, proferidos, respectivamente, nos processos 4429 e 110/97.
Como assinala Joana Vasconcelos, em artigo que publicou sobre “O conceito de justa causa de despedimento”, é necessário fazer “um juízo de prognose, de probabilidade sobre a viabilidade futura da relação de trabalho” – Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. II, Almedina, pp. 33/34.
Naturalmente que esse dever de lealdade não apresenta, sempre, o mesmo conteúdo; ao invés, este varia em função da natureza das funções do trabalhador, sendo mais acentuado quanto mais qualificadas forem as funções desempenhadas pelo trabalhador na organização técnico-laboral do empregador; coerentemente com o acabado de afirmar, o juízo de censura dirigido ao trabalhador não tem de ser sempre igual, devendo ser tanto mais severo quanto mais elevado for o grau de confiança estabelecido entre as partes, objectivado nas funções confiadas ao trabalhador na respectiva estrutura organizativa da empresa – no caso note-se que o autor era gerente da dependência do réu onde levou a efeito as condutas ilícitas supra referidas, desempenhando funções qualificadas na estrutura organizativa do réu e sendo, por isso, merecedor de um juízo de censura particularmente severo.
Atente-se, no entanto, em que dado o carácter absoluto do dever de lealdade e a consequente impossibilidade de gradações na perda da confiança[1] (v.g., acórdãos do STJ de 22/1/1992, Ac. Dout. 373º, p.108, de 20/3/96, Ac. Dout. 416º-417º, p.1069, e de 18/12/91, BMJ 412, p. 342, acórdãos da Relação do Porto de 10/6/97, CJ, 1997, T. 4, p. 256, de 5/12/11, proferido na apelação 513/10.6TTMAI.P1, de 12/9/2011, proferido na apelação 787/10.2TTPRT.P1, de 21/5/2012, proferido no âmbito da apelação 1212/09.7TTGMR.P1, da Relação de Lisboa de 8/2/2012, proferido no âmbito da apelação 3061/03.7TTLSB.L1-4, de 26/9/2012, proferido no âmbito da apelação 1004/10.0TTLRS.L1, de 15/1/03, proferido no processo 7777/02; na doutrina pode consultar-se, por exemplo, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pp. 826 a 828, Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, p. 19, e José Andrade Mesquita, Direito do Trabalho, 2ª edição, 2004, p. 556), a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais, nem da existência de culpa grave do trabalhador: por isso, a simples materialidade desse comportamento lesivo do dever em apreço, aliado a um moderado grau de culpa do trabalhador pode, em determinado contexto, levar a um efeito redutor das expectativas de confiança (acórdão do STJ de 11/10/95, publicado na CJ, tomo III, p. 277).
Como decidiu o STJ no acórdão de 03/04/1987, “Ainda que o prejuízo da entidade patronal seja pequeno, mais que isso releva a quebra de confiança que o comportamento do trabalhador provoca.” (BMJ, n.º 366, p. 425).
Como ensina Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951), no tocante às consequências da conduta do trabalhador, “…estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.”.
Reportando-nos à situação em apreço importa não perder de vista que as infracções disciplinares cometidas pelo trabalhador o foram no exercício da actividade bancária para que foi contratado pelo réu, ocupando o autor o lugar de maior responsabilidade no estabelecimento do réu onde exercia a sua actividade profissional – a agência do réu em Castro Daire.
Assim sendo, na valoração dos pressupostos integradores da justa causa não pode perder-se de vista as especificidades do sector de actividade (bancária) em que se desenvolve a prestação contratada pelo réu ao autor e a particular exigência da componente fiduciária nela pressuposta, domínio em que a “confiança”, mais que mero “suporte psicológico” de uma relação jurídica inter-pessoal duradoura, se traduz afinal no exercício de uma “função de confiança”, essencial na organização técnico-laboral criada e mantida pelo empregador.
Como assim, exige-se dos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa-fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional) – cfr. acórdãos do STJ de 8/1/2013, proferido no âmbito do processo 447/10.4TTVNF.P1.S1, de 22/12/04, proferido no âmbito do processo 1284/04, de 18/1/2005, proferido no âmbito do processo 3157/04, de 3/3/05, proferido no âmbito do processo 2517/05; acórdão da Relação de Coimbra, de 14/11/1989, in Colectânea de Jurisprudência, 1989, T. 5, p. 97; acórdão da Relação de Porto de 24/2/2014, proferido no âmbito do processo 108/11.7TTVFR.P2
Tudo visto, conclui-se que a violação do dever de lealdade e a consequente violação da relação de confiança que é fundamento nuclear da subsistência do vínculo de trabalho subordinado constituirá justa causa de despedimento, por comprometer de forma prática e irremediável a subsistência da relação de trabalho, se não for possível reconstituir no empregador a confiança perdida.
Ora, como dito, o autor violou por diversas vezes e através de condutas materialmente diversificadas, de forma dolosa e por isso particularmente censurável, a confiança nele depositava pelo réu e, consequentemente, o dever de lealdade a que estava obrigado para com ele e para com os clientes assim defraudados, assim minando, irremediavelmente, pela gravidade intrínseca dos seus comportamentos, a relação de confiança que tinha de existir entre ele e o réu como pressuposto de manutenção da relação de trabalho.
Ora, estando minada essa relação de confiança, está prática e irremediavelmente comprometida a subsistência da relação de trabalho entre o autor e o réu.
Na verdade, tendo em conta aqueles concretos comportamentos de relevância disciplinar do recorrente, entendemos que está inviabilizada de forma incontornável uma prognose favorável à restauração de uma relação de confiança entre o autor e o réu e que o primeiro lesou intencionalmente, ficando irremediavelmente comprometida a necessária relação de confiança sem a qual não pode subsistir a relação de trabalho entre ambos.
Por tudo quanto supra se deixa exposto, é forçoso concluir-se no sentido de que nas circunstâncias concretas em apreciação, a permanência do contrato do autor e das relações pessoais e patrimoniais que ele importava feririam, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, que a continuidade do vínculo representaria uma insuportável e injusta imposição ao réu.
Bem andou o réu ao sancionar o autor com a sanção de despedimento, bem assim como o tribunal recorrido ao confirmá-lo.
*
*
IV - Decisão

Termos em que deliberam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Coimbra, 20/11/2014

 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
(Ramalho Pinto)
 (Azevedo Mendes)



[1] A confiança existe ou deixa de existir. Deixando de existir, não há o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral.