Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3309/10.1TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
BANCÁRIO
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
DEVER DE OBEDIÊNCIA
DEVER DE LEALDADE
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO/ DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR
Doutrina: - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234; in Temas Laborais, Almedina, págs. 62-63.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.OS 1 E 2, 762.º, N.º2.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009: - ARTIGOS 126.º, N.º1, 128.º, N.º1, 351.º, 357.º, N.º 4, 387.º, N.OS 1 E 3,
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20/3/96, AC. DOUTRINAIS 416.º, 1069;
-DE 16/10/96, AC. DOUTRINAIS 423.º, 396;
-DE 21/5/97, COL. JUR.- AC. DO STJ, 1997, II, 288;
-DE 18/1/05, PROCESSO N.º 3157/04;
-DE 22/09/2010, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 15/1/2003, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário : 1.  Provando-se que o trabalhador, que exercia as funções de director de balcão, com o desrespeito pelos mais elementares deveres de cautela da actividade bancária e sem garantias sólidas, aprovou créditos de valor considerável, permitiu saldos devedores por montantes e períodos superiores ao regulamentado e desobedeceu, conscientemente, a normas atinentes à concessão de crédito, violou, culposamente e de forma grave, os deveres de realizar com zelo e diligência as funções que lhe estavam confiadas, de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do trabalho e de guardar lealdade ao empregador, previstos no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) e f) do Código do Trabalho de 2009.

2.  Neste contexto, o trabalhador, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a respectiva manutenção, que não é razoável exigir à empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 3 de Setembro de 2010, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 4.º Juízo, 1.ª Secção, AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos do artigo 98.º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, na redacção do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, contra o BANCO BB, S. A., pedindo que fosse declarada a ilicitude/irregularidade do respectivo despedimento, sendo que, frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes, a entidade empregadora foi notificada com vista a apresentar articulado para motivar o despedimento e juntar o correspondente procedimento disciplinar.

A empregadora apresentou aquele articulado e o correspectivo procedimento disciplinar, alegando que o autor, director de balcão, cometeu factos integradores de justa causa de despedimento, nomeadamente, concedeu crédito, através de uma nova empresa e seu administrador, a clientes cujos indicadores negativos requeriam o não envolvimento ao nível de crédito, permitiu a prática de rotação de cheques em contas de clientes, a fim de ocultar situações de saldos devedores e tentou manipular a ferramenta scoring, de modo a aprovar operações ao nível da Unidade de Negócios, pelo que se verificam fundamentos para declarar a licitude do despedimento operado.

O autor contestou, impugnando os factos que lhe foram imputados no procedimento disciplinar e alegando a desproporção da sanção aplicada, caso se entenda que a sua conduta constitui infracção disciplinar; em reconvenção, alegou a existência de danos não patrimoniais no valor de € 35.000, pediu o pagamento das retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento até ao trânsito da decisão que venha a ser proferida, e a reintegração ou o pagamento da indemnização legal, caso venha a ser essa a sua opção, tudo acrescido de juros de mora.

A empregadora apresentou articulado de resposta.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, tendo declarado ilícito o despedimento e condenado a dita empregadora: (a) a pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde a data de despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, incluindo os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal; b) a pagar ao trabalhador € 2.000, a título de danos não patrimoniais; c) a pagar juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do vencimento de cada uma das retribuições e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e desde a data da citação, no que respeita à indemnização por danos não patrimoniais, e vincendos até efectivo e integral pagamento; d) a reintegrar o trabalhador, sem prejuízo da categoria, antiguidade, retribuição e posto de trabalho que o mesmo detinha à data do despedimento.

2. Inconformada, a ré empregadora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou o recurso de apelação procedente, revogou a decisão recorrida, na parte impugnada, e absolveu o Banco réu do pedido, sendo contra o assim deliberado que o trabalhador agora se insurge, mediante recurso de revista, no qual formulou as conclusões que se passam a transcrever:

                «1.    Deve ser concedida a revista, revogando-se o acórdão recorrido e mantendo-se a sentença da 1.ª instância, porquanto:
                      a)   A matéria de facto dada como provada na 1.ª instância deve manter-se sem qualquer alteração;
                      b)   O Tribunal da Relação ao alterar alguns factos dados como provados e dando outros como provados não teve em consideração o princípio da oralidade do julgamento dos factos e não teve em conta que a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância resulta do juízo crítico de toda a prova produzida, que não aconteceu com o acórdão recorrido;
                      c)   Se a decisão do Tribunal da 1.ª instância for devidamente fundamentada, sendo uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ele será inatacável visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção do julgador;
                      d)   No caso dos autos a decisão recorrida limita-se a transcrever “ipsis verbís” as propostas de alteração da matéria de facto que lhe haviam sido sugeridas pelo ora Recorrido;
                      e)   Entende-se, por isso, que seja emitido em juízo de censura sobre a forma como o Tribunal da Relação usou dos seus poderes para alterar a matéria de facto uma vez que não existe, in casu, uma flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, devendo, pois, manter-se a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância;
                      f)    Sobre a questão de direito. Verifica-se que a decisão recorrida violou o disposto no n.º 4 do art. 357 do Código do Trabalho ao levar em consideração na sua decisão factos que não foram tidos em consideração na motivação do despedimento e na Nota de Culpa. Na realidade,
                      g)   O Recorrido balizou no art. 49 da Motivação do Despedimento três situações: aprovação de crédito a uma empresa; permissão da prática de rotação de cheques e tentativa de manipulação de uma ferramenta de scoring de forma a aprovar operações ao nível da unidade de negócios, sendo estes, pois, os casos que deveriam ser apreciados e já não a questão dos descobertos;
                      h)   A concessão do crédito à empresa EE não foi feita tendo em conta os pressupostos constantes dos artigos 16.° a 18.° da Motivação, que não ficaram provados e era isso que estava em causa e não a concessão do crédito em si mesma;
                      i)    Por isso, a questão da confiança não pode proceder com este fundamento [por lapso, nas subsequentes conclusões repetem-se as alíneas h) e i)];
                      h)   Não se provou que o A. tivesse permitido uma rotação de cheques com vista a ocultar saldos devedores e por isso também esta acusação improcede na totalidade não podendo de um facto não provado tirar-se uma conclusão de falta de confiança;
                      i)    Não se verificou qualquer manipulação da ferramenta scoring nem sequer a Nota de Culpa fala nisso, mas sim em simples tentativa. A matéria de facto que ficou provada nos artigos 40 a 43 da decisão da 1.ª instância não permite que, honestamente, se fale em manipulação quando o crédito já estava aprovado mas ainda não disponível ao nível do balcão;
                      j)    Relativamente aos descobertos — não fundamento do despedimento nos termos do art. 49.° da Motivação ― não podia a Relação deles conhecer e daí partir para a perda confiança;
                      k)   Deve dizer-se, aliás, que não há qualquer agência bancária de qualquer banco que não tenha clientes com a conta a descoberto por mais ou menos tempo, o que normalmente acontece quando existe apenas saldos sobre valores em cobrança;
                      l)    Trata-se, pois, de uma situação usual na banca, bem conhecida das respectivas Administrações e que não tem o cunho da grave responsabilidade;
                     m)   O entendimento expresso no acórdão recorrido sobre esta matéria implicava que todos os balcões bancários teriam de fechar;
                      n)   Face a todo o exposto, o comportamento do A. não se revestiu de culpa grave que imponha como única sanção possível o despedimento;
                      o)   A sanção aplicada é desproporcionada ao comportamento do A. tendo em conta todas as circunstâncias que foram dadas como provadas e que constam dos n.os 60, 74, 75 e o parecer da Comissão de Trabalhadores;
                      p)   A confiança mantém-se se não for a entidade empregadora a destruí-la como aconteceu neste caso, uma vez que a actuação do A., como pessoa trabalhadora, séria e honesta nada contribuiu para a pôr em crise.
                  2. O acórdão recorrido violou ou, no mínimo, fez errada interpretação nomeadamente dos seguintes preceitos legais:
                       Código do Processo Civil: Artigos 653, n.º 2, 655, 712, n.º 1, alíneas a), b) e 2;
                       Código do Trabalho: Artigos n.os 351, n.º 1, 2 e 3, 357, n.º 4.
                  Na concessão da revista, será feita JUSTIÇA.»

O Banco recorrido apresentou contra-alegação, defendendo a confirmação do julgado, e aludiu, no respectivo ponto IV), à «Ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art. 684.º-A do CPC», mas não requereu que o âmbito do recurso fosse ampliado sobre qualquer matéria, nem formulou as necessárias conclusões.

Em sede de exame preliminar, tendo o relator considerado que não se podia conhecer do objecto do recurso, na parte relativa à reapreciação da matéria de facto, pois o recorrente não invocava que o Tribunal da Relação tivesse ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, e que, por outro lado, também não se podia conhecer da ampliação do âmbito do recurso revista, porquanto o recorrido não a tinha requerido expressamente, nem formulado conclusões, em que explicitasse os atinentes fundamentos, determinou‑se a audição das partes, ao abrigo  do n.º 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto‑Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, sendo que apenas o Banco recorrido respondeu.

Por despacho proferido em 21 de Março de 2012, o relator decidiu não conhecer do objecto do recurso, no segmento a que se referem as conclusões 1., alíneas a) a e), e 2., primeira parte, da alegação do recurso de revista, bem como não conhecer da pretendida ampliação do âmbito do recurso de revista por parte do Banco recorrido, despacho que, notificado às partes, não foi impugnado.

Seguidamente, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no qual suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso na parte «relacionada com a não coincidência entre os motivos indicados na Nota de Culpa e os invocados nos autos, pela entidade patronal, para fundamentar o seu despedimento» e se pronunciou pela improcedência do recurso de revista quanto à aduzida inexistência de justa causa para o despedimento, parecer que, notificado às partes, determinou resposta por parte do autor, em que discordou da aludida questão prévia e concluiu pela procedência do recurso de revista, tendo o Banco recorrido replicado no sentido da procedência da enunciada questão prévia, remetendo, a final, para o concluído na contra-alegação.   

3. No caso, excluído o segmento julgado inadmissível do recurso de revista, a que se reportam as conclusões 1., alíneas a) a e), e 2., primeira parte, da alegação do recurso de revista, e, bem assim, o respeitante à ampliação do âmbito do recurso de revista por parte do Banco recorrido, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

              a) Se o aresto recorrido violou o disposto no n.º 4 do artigo 357.º do Código do Trabalho de 2009 [conclusões 1., alíneas f) a i), e 2., na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
              b) Se o despedimento do trabalhador foi ilícito, por não ocorrer justa causa para aplicar tal sanção disciplinar [conclusões 1., alíneas h), repetida, a p), e 2., na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                               II

1. Importa começar por apreciar a questão prévia suscitada pela Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal e a que as partes responderam.

Ora, o recorrente não fundamenta a alegada violação do n.º 4 do artigo 357.º do Código do Trabalho de 2009 na discrepância entre os factos aludidos na nota de culpa e a decisão de despedimento proferida pela entidade empregadora, antes afirma que «a decisão recorrida violou o disposto no n.º 4 do artigo 357.º do Código do Trabalho ao levar em consideração na sua decisão factos que não foram tidos em consideração na motivação do despedimento e na nota de culpa».

Tratando-se de um vício imputado ao acórdão recorrido e não à decisão em que se operou o despedimento, embora tal constitua uma questão nova, há que dele conhecer, porque só agora se colocou, pelo que improcede a referida questão prévia.

2. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) Em 1 de Julho de 2003, o trabalhador CC foi admitido ao serviço do Banco empregador para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções correspondentes à categoria de empregado bancário;
2) Exercendo, desde Setembro de 2008, as funções de Director do balcão …– … / …;
3) Na sequência de um alerta efectuado, em finais de Novembro de 2009, pelo Departamento de Seguimento de Clientes não Encarteirados Sul, o Director Coordenador de Particulares e Negócios Sul do Banco empregador, Dr. DD, solicitou, em 29.01.2010, a intervenção do Gabinete de Inspecção (GI) no sentido de esclarecer as circunstâncias em que foram aprovadas algumas operações de crédito pela Comissão de Crédito do Balcão ... – …, ..., aos clientes «EE, S. A.» e FF;
4) Após averiguações, este Gabinete elaborou um relatório, datado de 10.03.2010, que foi presente à Comissão Executiva;
5) A qual o apreciou, na sua reunião de 29.03.2010, tendo deliberado a instauração de processo disciplinar ao trabalhador, com intenção de despedimento;
6) Em 30.03.2010, o Banco empregador enviou ao trabalhador, que a recebeu em 31.03.2010, a Nota de Culpa que consta de fls. 128 a 135 dos autos, e que aqui se dá por reproduzida;
7) Informando ainda o trabalhador de que «de acordo com o despacho da Comissão Executiva, de 2010/03/29, deliberou igualmente suspendê-lo da prestação de trabalho, nos termos do disposto na cláusula 119.ª, n.º 1, do A. C. T. V. para o Sector Bancário em vigor e n.º 1 do artigo 354.º do Código do Trabalho, com efeitos a contar da notificação da Nota de Culpa»;
8) No mesmo dia 30.03.2010, o Banco empregador enviou cópia da Nota de Culpa à Comissão Nacional de Trabalhadores (CNT), a quem foi ainda comunicado que, pelos factos da mesma constantes, era intenção do Banco proceder ao despedimento do trabalhador por justa causa;
9) O trabalhador respondeu à nota de culpa em 06.05.2010 (dentro da prorrogação de prazo que lhe foi concedido), conforme consta de fls. 144 a 158 dos autos;
10) Com data de 07.07.2010, o Instrutor elaborou o Relatório Final, que se encontra a fls. 208 a 221 dos autos;
11) E enviou à CNT, nesse mesmo dia, todo o processo;
12) A CNT emitiu, com data de 19.07.2010, o Parecer que se encontra junto a fls. 224 e 225, o qual foi recebido pelo Banco em 20.07.2010;
13) Por deliberação de 04.08.2010, a Comissão Executiva do Banco procedeu ao despedimento do trabalhador por justa causa, o qual foi notificado desta decisão em 05.08.2010;
14) O Banco empregador integra em «grupos económicos» os seus clientes, empresas e/ou pessoas singulares, que têm entre si relações estatutárias e/ou económicas;
15) Em data que não foi possível apurar, mas que se situa entre Janeiro de 2009 e Janeiro de 2010, o Banco empregador integrou no «Grupo Económico EE» dois clientes:
     a) A empresa «EE, S. A.», cliente n.º ... e
     b) FF, cliente n.º ...;
16) Em data que não foi possível apurar, mas que se situa em Janeiro de 2010, o cliente n.º ..., GG, foi associado informaticamente como fazendo parte integrante do Grupo «EE»;
17) A sociedade «EE, S. A.», foi registada em 12.01.2009 com um capital social constituído por 10 mil acções de € 5 cada;
18) Teve nomeado como Administrador Único, até 27.02.2010, FF;
19) Esta sociedade tem por objecto, entre outras, a exploração de actividades de hotelaria, nomeadamente restauração;
20) E dedicou-se, desde que foi constituída, à exploração de um restaurante em Massamá;
21) O referido restaurante tinha sido explorado anteriormente pela empresa «HH, Lda.»;
22) Esta empresa foi constituída em 26.01.06 e detinha uma conta à ordem no Banco empregador que foi bloqueada a débito em 05.02.2009, não detendo desde essa data posições activas no Banco empregador;
23) Um dos seus sócios, GG, está classificado, a nível interno do Banco empregador, em vigilância especial (VE9 – Impedir Crédito) desde Janeiro de 2010 e inibido do uso de cheque;
24) A «EE» detém uma conta à ordem no Banco Empregador com o n.º ..., aberta em 13.01.2009;
25) No dossier de crédito da sociedade «EE, S. A.», não constavam elementos contabilísticos da empresa;
26) Apenas constava que havia movimentação na conta entre depósitos e POS, que variavam entre cinquenta a sessenta mil euros mensais;
27) O património desta sociedade estava a ser adquirido através de leasing imobiliário acordado com outra instituição bancária;
28) Os limites de poderes de crédito do Balcão ... ― Almada/D. ..., até 16.03.2009, eram de € 7.500,00 e/ou prazo superior a 15 dias [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
29) A partir daquela data, o Balcão só passou a poder permitir um montante a descoberto de € 2.500,00 e/ou descobertos até 15 dias [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
30) Entre 11 de Março de 2009 e 24 de Junho de 2009, verificaram-se saldos devedores, por montantes superiores aos descritos em 28) e 29), na conta de depósitos à ordem da «EE»;
31) No período de 08.04 a 27.04.2009, o saldo devedor da conta DO prolongou-se por esses 19 dias [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
32) Em 19.02.09, a Comissão de Crédito da Unidade de Negócio (CCUN) do balcão ... — Almada / ..., que era constituída pelo autor/trabalhador e pela Gestora de Particulares, Sr.ª D. II, aprovou à sociedade «EE» um limite de crédito em conta corrente no valor de € 49.000,00.
33) O qual podia ser incrementado em mais 25% (€ 12.250,00) em função do fluxo dos movimentos do POS;
34) Como garantia desta operação foi subscrita uma livrança em nome da empresa, com aval da sua Administrador Única (à data), FF;
35) Que, no ano de 2008, apresentou rendimentos de €. 7.000;
36) Em 30.11.09, o Banco empregador notificou a «EE» da denúncia do contrato desta conta-corrente negócios, com efeitos a partir do dia 11.03.2010;
37) A «EE» beneficiou também de um financiamento por livrança no montante de € 35.000,00, aprovada em 17.02.2009, pela CCUN, constituída pelo trabalhador, ora autor, e pela gestora II;
38) O produto deste financiamento regularizou o saldo devedor da conta à ordem no montante de € 18.277,87, que teve início em 11.02.09 e foi originado pelo pagamento de diversos cheques apresentados na Compensação;
39) Esta livrança foi liquidada em 19.03.09, com fundos provenientes da utilização da conta corrente negócios;
40) O Autor tentou, através do sistema informático ― ferramenta de decisão NG (scoring negócio) —, que o financiamento fosse aprovado ao nível do Balcão da seguinte forma: [remete-se aqui para o quadro constante da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância por dificuldades do atinente tratamento informático];
41) O autor não conseguiu obter a decisão pretendida de «Aceite» para poder aprovar a operação ao nível do Balcão;
42) A decisão do scoring de «Revisão» implicava que os responsáveis do balcão teriam de remeter/submeter a mesma à apreciação do escalão de decisão superior, neste caso, a Unidade de Decisão de Operações Sul (UDO);
43) Com o objectivo de contornar o sistema informático ― decisão NG (Scoring negócio) ―, o Autor optou por carregar e aprovar a operação através da criação de proposta pontual de crédito (PR) [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
44) Desde, pelo menos, Julho/Agosto de 2009 existiu uma situação de «rotação de cheques» ― que consiste na utilização de duas ou mais contas em balcões diferentes, em cada uma das quais são efectuados depósitos de cheques sacados sobre a outra ou outras contas, sendo fictícios os saldos apresentados, anulando-se quando os cheques chegam ao balcão sacado ― entre as contas da EE no Banco empregador e no JJ [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
45) Existindo ainda um cheque sacado pela «EE» junto do Banco KK;
46) Esta prática foi assumindo maiores proporções até Novembro de 2009, com um aumento gradual dos saldos devedores, que foram sendo autorizados pela CCUN;
47) No decurso do mês de Novembro de 2009, o «JJ» devolveu, por falta de provisão, diversos cheques da conta da empresa sacados sobre aquele Banco, cessando a rotação de cheques em curso;
48) Terminada a rotação, o Banco empregador ficou exposto a um risco no montante de € 50.000,00, associado ao saldo devedor da conta à ordem da «EE»;
49) Desde aquela data, a conta à ordem da «EE» registou os seguintes movimentos:
     1 – Entre 26.11.2009 e 03.02.2010, créditos decorrentes do POS ― que cessaram a partir de 03.02.2010 ― instalado no restaurante, no total de cerca de € 6.000,00;
     2 – Em 02.12.09, uma transferência a crédito, de € 9.000,00, com origem na conta corrente negócios;
     3 – Em 22.12.09, duas transferências a crédito, no valor de € 41.502,l95 e de € 40.784,61 ― idem Doc. 5;
50) A FF detém no Banco empregador uma conta à ordem com o n.º 0003.21409826020, aberta em 22.07.2009;
51) Em 27.07.2009, a CCUN, constituída pelo Director do balcão, o ora autor/trabalhador, e pelo subdirector, LL, aprovou à cliente FF um crédito, no valor inicial de € 15.000,00, pelo prazo de 60 meses;
52) Tratou-se do primeiro movimento da conta à ordem desta cliente;
53) O produto do empréstimo foi levantado em numerário;
54) Desde pelo menos Setembro de 2009, existiu uma situação de «rotação de cheques» — com o sentido descrito em 44) ― entre a conta à ordem da FF no Banco empregador e a conta da EE no JJ [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
55) Esta prática foi assumindo maiores proporções até Novembro de 2009, conforme o descrito em 46) e 47);
56. Após o termo da rotação mencionado em 47), e atento o descrito em 54) e 55), o Banco empregador ficou exposto a um risco na ordem dos € 73.000,00;
57) O sistema do Banco Empregador debitava por defeito todos os cheques sem provisão que teriam que ser devolvidos pelo balcão até às 15 horas, sob pena de serem pagos;
58) Se o sistema estiver off-line, o balcão não pode actuar nestes casos;
59) O trabalhador esteve de férias em Julho/Agosto de 2009;
60) No exercício das suas funções, o autor deslocava-se para visitar e angariar clientes, não se encontrando sempre no balcão;
61) Em 22.12.09, a conta à ordem da «EE» foi creditada com fundos provenientes de duas transferências: — uma, no valor de € 41.502,95 e — outra de € 40.784,61, com o seguinte descritivo: «MOVIM CORRECÇÃO SALD SCN/GOLD»;
62) Na ocasião, a conta à ordem da «EE» registava um saldo devedor de € 39.680,92;
63) E a conta corrente da mesma estava utilizada pelo montante de € 58.000,00;
64) Em 23.12.09, pelas 12 horas e 28 minutos, o Balcão elaborou um Remedy (HD4201572), solicitando esclarecimentos do Gabinete de Suporte e Apoio ao Utilizador quanto à origem da transferência de € 41.502,95, realizada em 22.12.09, para crédito da conta da empresa «EE»;
65) No referido Remedy, não foi feita referência à outra transferência no valor de € 40.784,61, que foi efectuada no mesmo dia para crédito da mesma conta à ordem;
66) Nesse mesmo dia, às 16 horas e 25 minutos e às 17 horas e 33 minutos, o trabalhador, ora autor, processou duas transferências no montante total de € 73.526,73, por débito da conta à ordem da «EE», respectivamente de € 42.000,00 e € 31.526,73, para crédito da conta à ordem da Administradora FF;
67) A transferência destes fundos permitiu a regularização do saldo devedor existente na conta à ordem de FF;
68) O que foi feito incorrectamente através de fundos provenientes de uma conta interna do Banco;
69) Facto que decorreu de uma anomalia ao nível do sistema informático do Banco empregador, que creditou verbas em dinheiro em diversos clientes, incluindo a «EE»;
70) O descrito em 61) a 69) foi do conhecimento e teve o aval da hierarquia do autor, designadamente do seu Director Comercial;
71) Em 02.03.2010, o «Grupo Económico EE» apresentava a seguinte posição no Banco empregador:
     – Recursos: € 0,00;
     – Responsabilidade: € 190.791,00 (que inclui o valor de € 82.288, pendente da regularização e referente à transferência ocorrida em 22.12.2009, proveniente da conta interna 58991014 — Cash Pool — Zona de Balcões);
72) A FF regista crédito em situação de vencido (mora) no Banco empregador desde 30.11.09;
73) E está classificada em VE9 ― Impedir Crédito, desde 09.02.2010;
74) A agência onde o trabalhador foi colocado (balcão ... — Almada / ... e Almada) era problemática, com clientes que apresentavam incidentes, e teve três Directores no espaço de um ano;
75) O trabalhador ora autor foi sempre uma pessoa séria, bom profissional e não tinha antecedentes disciplinares;
76) À data da instauração do procedimento disciplinar ao trabalhador a sua esposa encontrava-se grávida;
77) À data do seu despedimento estava colocado no nível 12 de retribuição e auferia as seguintes quantias: € 1.600,84, a título de retribuição base, € 40,80, a título de diuturnidades/antiguidade, € 3,21, a título de complemento e € 762,21, a título de isenção de horário de trabalho;
78) Era ainda portador de um cartão Galp frota com um crédito de combustível de € 1.800,00 anual, que utilizava no exercício das suas funções e na sua vida privada.

Eis o acervo factual a considerar para resolver a questão posta no recurso.

3. O trabalhador invoca que «a decisão recorrida violou o disposto no n.º 4 do art. 357 do Código do Trabalho ao levar em consideração na sua decisão factos que não foram tidos em consideração na motivação do despedimento e na Nota de Culpa», que «[n]ão se provou que o A. tivesse permitido uma rotação de cheques com vista a ocultar saldos devedores e por isso também esta acusação improcede na totalidade não podendo de um facto não provado tirar-se uma conclusão de falta de confiança», que «[n]ão se verificou qualquer manipulação da ferramenta scoring nem sequer a Nota de Culpa fala nisso, mas sim em simples tentativa», e, em relação aos descobertos, não podia deles conhecer (não fundamento do despedimento nos termos do artigo 49.° da Motivação), pelo que «o comportamento do A. não se revestiu de culpa grave que imponha como única sanção possível o despedimento», e «[a] sanção aplicada é desproporcionada ao comportamento do A. tendo em conta todas as circunstâncias que foram dadas como provadas e que constam dos n.os 60, 74, 75 e o parecer da Comissão de Trabalhadores».

A sentença do tribunal de primeira instância decidiu que os comportamentos imputados ao trabalhador, apesar de merecedores de uma sanção disciplinar, não são suficientemente culposos e graves que justifiquem a irremediável ruptura da relação laboral, termos em que concluiu «pela falta de fundamento para o despedimento, por falta da justa causa invocada, e pela ilicitude do mesmo».
Diversamente, o acórdão recorrido entendeu que a conduta do autor pôs em crise a confiança que nele depositava o réu e que deve nortear as relações jurídico-‑laborais, tornando inexigível, nos termos descritos, a manutenção do contrato de trabalho, tornando essa subsistência imediata e praticamente impossível.

3.1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

No plano infraconstitucional, estando em causa um despedimento efectuado em 5 de Agosto de 2010, há que atender à disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador contida no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em vigor a partir de 17 de Fevereiro de 2009, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

De acordo com o n.º 1 do artigo 351.º constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

O conceito de justa causa formulado neste normativo integra, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Na concretização do critério geral para determinação da justa causa, o n.º 2 do artigo 351.º indica alguns comportamentos do trabalhador que podem configurar justa causa de despedimento, indicação que assume clara natureza exemplificativa.

Por outro lado, os deveres do trabalhador são listados no artigo 128.º, sendo que o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho [alínea g)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no n.º 1 do artigo 126.º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea f)], que são apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

Como afirma MONTEIRO FERNANDES, «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)», sendo que, nos cargos de direcção ou de confiança, «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador», o que aponta no sentido de que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e que, encarado de um outro ângulo, «apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», «com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. [126.º]/1 CT», donde promana, «no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte» (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234).

Tal como determina o n.º 3 do artigo 351.º, «[p]ara apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Face ao alegado pelo recorrente, importa aditar que, conforme o estatuído no n.º 4 do artigo 357.º, na decisão de despedimento «são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade» e, ainda, que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento (artigos 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e 387.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho).

3.2. Resulta da matéria de facto demonstrada que, em 1 de Julho de 2003, o trabalhador CC foi admitido ao serviço do Banco empregador para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções correspondentes à categoria de empregado bancário, exercendo, desde Setembro de 2008, as funções de Director do balcão ... – Almada / ..., sendo que, na sequência de um alerta efectuado, em finais de Novembro de 2009, pelo Departamento de Seguimento de Clientes não Encarteirados Sul, o Director Coordenador de Particulares e Negócios Sul do Banco empregador, Dr. DD, solicitou, em 29.01.2010, a intervenção do Gabinete de Inspecção (GI) no sentido de esclarecer as circunstâncias em que foram aprovadas algumas operações de crédito pela Comissão de Crédito do Balcão ..., aos clientes «EE, S. A.», e FF, detendo aquela sociedade uma conta à ordem no Banco Empregador, aberta em 13.01.2009, mas não constando elementos contabilísticos da empresa no dossier de crédito [factos provados 1) a 3), 24) e 25)].

Também se apurou que:

             «28) Os limites de poderes de crédito do Balcão ... ― Almada/D. ..., até 16.03.2009, eram de € 7.500,00 e/ou prazo superior a 15 dias;
               29) A partir daquela data, o Balcão só passou a poder permitir um montante a descoberto de € 2.500,00 e/ou descobertos até 15 dias;
               30) Entre 11 de Março de 2009 e 24 de Junho de 2009, verificaram-se saldos devedores, por montantes superiores aos descritos em 28) e 29), na conta de depósitos à ordem da «EE»;
               31) No período de 08.04 a 27.04.2009, o saldo devedor da conta DO prolongou-se por esses 19 dias;
               32) Em 19.02.09, a Comissão de Crédito da Unidade de Negócio (CCUN) do balcão ... — Almada / ..., que era constituída pelo autor/trabalhador e pela Gestora de Particulares, Sr.ª D. II, aprovou à sociedade «EE» um limite de crédito em conta corrente no valor de € 49.000,00;
               33) O qual podia ser incrementado em mais 25% (€ 12.250,00) em função do fluxo dos movimentos do POS;
               34) Como garantia desta operação foi subscrita uma livrança em nome da empresa, com aval da sua Administrador Única (à data), FF;
               35) Que, no ano de 2008, apresentou rendimentos de €. 7.000;
               37) A «EE» beneficiou também de um financiamento por livrança no montante de € 35.000,00, aprovada em 17.02.2009, pela CCUN, constituída pelo trabalhador, ora autor, e pela gestora II;
               38) O produto deste financiamento regularizou o saldo devedor da conta à ordem no montante de € 18.277,87, que teve início em 11.02.09 e foi originado pelo pagamento de diversos cheques apresentados na Compensação;
               39) Esta livrança foi liquidada em 19.03.09, com fundos provenientes da utilização da conta corrente negócios;
               40) O Autor tentou, através do sistema informático ― ferramenta de decisão NG (scoring negócio) —, que o financiamento fosse aprovado ao nível do Balcão […];
               41) O autor não conseguiu obter a decisão pretendida de «Aceite» para poder aprovar a operação ao nível do Balcão;
               42) A decisão do scoring de «Revisão» implicava que os responsáveis do balcão teriam de remeter/submeter a mesma à apreciação do escalão de decisão superior, neste caso, a Unidade de Decisão de Operações Sul (UDO);
               43) Com o objectivo de contornar o sistema informático ― decisão NG (Scoring negócio) ―, o Autor optou por carregar e aprovar a operação através da criação de proposta pontual de crédito (PR).»

Face ao mencionado acervo factual, impõe-se concluir que o trabalhador, com o comportamento adoptado, violou, culposamente e de forma grave, os deveres de realizar com zelo e diligência as funções que lhe estavam confiadas, de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução do trabalho e de guardar lealdade ao empregador, previstos no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) e f) do Código do Trabalho aplicável, e que esse comportamento, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, tornou, pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

Na verdade, tal como foi decidido no acórdão recorrido:

                   «O que se deve inferir da matéria de facto provada é que o Autor violou, de forma inadmissível, dois deveres fundamentais ínsitos à relação laboral: o dever de honestidade e o dever de lealdade, destruindo a confiança que a entidade empregadora nele depositava, inviabilizando, dessa forma, a subsistência da relação laboral.
                      Com efeito, e embora, como se concluiu na sentença, a matéria de facto não lhe permita imputar a responsabilidade pelas “rotações de cheques”, temos que:
                      – Com o desrespeito pelos mais elementares deveres de cautela da actividade bancária e sem garantias sólidas, o Autor aprovou créditos de valor considerável a clientes que tinham conta no Banco-Réu há menos de um mês, sendo esses clientes uma empresa da qual não constavam, no dossier do Banco, elementos contabilísticos, e a administradora da mesma empresa, que apresentou rendimentos no montante de € 7.000,00, no ano anterior ― pontos 24, 25, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 39;
                      – Permitiu a existência de saldos devedores (descobertos) superiores ao que as normas do Banco lhe impunham — pontos 28, 29, 30, 31;
                      – Desobedeceu, conscientemente, a normas que lhe impunham que os créditos fossem aprovados superiormente, através da ferramenta própria, fazendo-o manualmente, por forma a contornar aquela necessidade de aprovação ― pontos 40, 41, 42 e 43.
                      Ao trabalhador, como sinalagma da obrigação do empregador de o retribuir, está adstrito o dever de realizar o seu trabalho com zelo e diligência, bem como os de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias, e de guardar lealdade ao empregador — art. 128º, n.º 1, als. c), e) e f) do CT.
                      Por outro lado, no contrato de trabalho assumem particular relevo as relações pessoais inter-partes, sendo um dos valores mais salientes que as devem nortear o da honestidade, da lealdade que reciprocamente devem comportar-se. No cumprimento da sua obrigação contratual é vedado ao trabalhador criar situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa (Acórdãos do S.T.J. de 20/3/96, Ac. Doutrinais 416.º, 1069, de 16/10/96, Ac. Doutrinais 423.º, 396, e de 21/5/97, Col. Jur. ― Ac. do STJ, 1997, II, 288).
                      O dever de lealdade é uma manifestação do princípio da boa fé e, dado o carácter essencialmente pessoal da relação de trabalho, visa proteger o bom funcionamento da empresa.
                      Como refere Monteiro Fernandes, in Temas Laborais, Almedina, pág. 62-63, “o dever de lealdade tem uma parte subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência da confiança entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de abalar ou destruir essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade do trabalhador. Mas o dever de lealdade apresenta também um faceta objectiva, que se reconduz à necessidade de ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações (art. 762.º do C. Civil), dele deriva o imperativo de uma certa adequação funcional da conduta do trabalhador à realidade do interesse do empregador.”
                      E a perda de confiança entre as partes não depende da existência de concretos prejuízos, nem de culpa grave do trabalhador, mas da materialidade de um comportamento violador de um dever (Ac. Rel. Lisboa de 15/1/2003, in www.dgsi.pt, e do STJ de 16/10/96, citado).
                      É que o comportamento do trabalhador tem de ser analisado na perspectiva da sua projecção sobre o vínculo laboral, em atenção às funções que ele exerce e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irremediável dos deveres fundamentais inerentes.
                      O que importa reter é que, mesmo com a ausência de qualquer passado disciplinar, a conduta do Autor foi de molde a pôr em crise a confiança que nela depositava o Réu e que deve nortear as relações jurídico-laborais, tornando inexigível, nos termos descritos, a manutenção do contrato de trabalho, tornando essa subsistência imediata e praticamente impossível.
                      Não se pode esquecer que o Autor exercia funções de especial responsabilidade, de director de balcão, onde a relação de confiança é mais acentuada.
                      O comportamento daquele assumiu uma acentuada gravidade e abalou irremediavelmente a relação de confiança que é pressuposto essencial do contrato de trabalho, na medida em que criou justificadas dúvidas no espírito do empregador sobre a idoneidade da sua futura conduta, além de que, também do ponto de vista objectivo, revela uma completa desadequação da conduta do trabalhador no respeito pelos interesses da entidade empregadora.
                      Encontram aqui particular acuidade as considerações expendidas no acórdão do STJ de 22/09/2010, citado pelo apelante e disponível em www.dgsi.pt:
                      “Este Supremo Tribunal tem vindo frequentemente a pronunciar-se sobre situações de despedimento de trabalhadores colocados em cargos de maior confiança na organização das entidades empregadoras, designadamente em casos que envolvem o trabalho de gerentes e subgerentes bancários: depois de considerar que o dever de lealdade é aí mais acentuado, por serem mais exigentes e qualificadas as funções atribuídas, tem vindo a concluir que a subsistência dessa confiança constitui o fundamento nuclear da subsistência do vínculo.
                      A título de mero exemplo, convoca-se o Acórdão de 18/1/05 (Revista n.º 3157/04), de harmonia com o qual:
                      – Sendo a empregadora uma instituição bancária, a respectiva actividade assume transcendente relevância a nível interno e internacional, sendo objecto de fiscalização por banda dos bancos centrais, e cabendo-lhe, em boa medida, o papel de motor da economia e do desenvolvimento;
                      – Por via disso, os bancos necessitam de colaboradores de grande confiança, dinâmicos e com capacidade de iniciativa, o que necessariamente rejeita a adopção de esquemas ou procedimentos duvidosos e obscuros, à margem das boas práticas comerciais e de grave risco para as instituições que os acolhem.
                      “Na verdade [discorre-se, por seu turno, no Acórdão de 4/3/2009 ― Revista n.º 3535/08] exige-se dos trabalhadores bancários que assumam uma postura de inequívoca transparência e que exerçam as suas funções de forma idónea, leal e de plena boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas dos respectivos Conselhos de Administração, de forma a preservar a imagem dos bancos empregadores enquanto instituições ...”
                      O Réu perderia toda a sua autoridade, com injustificável prejuízo do seu poder disciplinar, sobre os outros trabalhadores, se pactuasse, no sentido de manter o vínculo laboral, com um comportamento tão grave como o adoptado pelo Autor.
                      A circunstância, tão valorada na sentença, de ter ocorrido “incompreensível falta de acompanhamento/fiscalização por parte da hierarquia”, a existir — e nada ficou provado nesse sentido — não desculpabilizaria, por si só, a conduta do Autor, que, repete-se, ocupava cargo de elevada responsabilidade, assim lhe estando adstrito um especial dever de observar as normas de funcionamento da empresa sua empregadora.»

Tudo ponderado, sufragam-se, no essencial, as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.

3.3. E nem se diga que o aresto recorrido violou o disposto no n.º 4 do artigo  357.º do Código do Trabalho ao levar em consideração na sua decisão factos que não foram tidos em consideração na motivação do despedimento e na nota de culpa, em concreto, quanto ao circunstancialismo em que foi concedido crédito à EE.

Com efeito, o circunstancialismo tido em consideração, nesse quadro, foi o apurado na matéria de facto dada como provada e esta teve como base a factualidade imputada na nota de culpa (artigos 4.º a 6.º), objecto de reafirmação no articulado apresentado pelo Banco réu para motivar o despedimento (artigos 19.º e 24.º a 29.º).

Por isso, a questão da perda da confiança no trabalhador pode proceder com fundamento na conduta por aquele protagonizada na concessão daquele crédito.

Sublinhe-se que carece de qualquer relevância o afirmado na conclusão 1., alínea h), da alegação do recurso de revista, porquanto, como bem decorre do trecho acima transcrito, também no acórdão recorrido se consignou que a matéria de facto não permite imputar a responsabilidade pelas «rotações de cheques» ao trabalhador.

E o mesmo se deve afirmar quanto à tentativa de manipulação da ferramenta scoring, perante o circunstancialismo enunciado nos factos provados 41) a 43), factos em que o acórdão recorrido, expressamente, se apoia para concluir que o trabalhador «desobedeceu, conscientemente, a normas que lhe impunham que os créditos fossem aprovados superiormente, através da ferramenta própria, fazendo-o manualmente, por forma a contornar aquela necessidade de aprovação ― pontos 40, 41, 42 e 43», sendo que deste último resultou provado que, «[c]om o objectivo de contornar o sistema informático ― decisão NG (Scoring negócio) ―, o Autor optou por carregar e aprovar a operação através da criação de proposta pontual de crédito (PR)».

E no respeitante à existência de saldos devedores por montantes e/ou prazos superiores aos poderes atribuídos à Comissão de Crédito integrada pelo trabalhador em causa, constam os mesmos do artigo 6.º da nota de culpa e dos artigos 28.º e 29.º do articulado motivador do despedimento, tendo-se provado que, entre 11 de Março de 2009 e 24 de Junho de 2009, verificaram-se saldos devedores, por montantes superiores aos descritos em 28) e 29), na conta de depósitos à ordem da EE e que, no período de 8 de Abril a 27 de Abril de 2009, o saldo devedor da conta DO prolongou-se por 19 dias [factos provados 30) e 31)].

Assim, há que atender à existência daqueles invocados saldos devedores.

Note-se que as circunstâncias aludidas nos factos provados 60), 74) e 75), bem como no parecer da Comissão de Trabalhadores (junto a fls. 224-225 dos autos), não têm a virtualidade de dirimir a gravidade dos actos praticados, e que, tal como se assevera no acórdão recorrido, «[o] que importa reter é que, mesmo com a ausência de qualquer passado disciplinar, a conduta do Autor foi de molde a pôr em crise a confiança que nele depositava o Réu».
Neste contexto, o autor, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a respectiva manutenção, que não é razoável exigir à entidade empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho aplicável.

Não se verifica, assim, a pretendida violação do disposto nos artigos 351.º, n.os 1, 2 e 3, e 357.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2009, pelo que improcedem as conclusões 1, alíneas f) a p), e 2, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

                                              III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.


Lisboa, 5 de Julho de 2012
 
Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha)