Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
605/07.9TTMTS.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DIREITO DE DEFESA
DILIGÊNCIAS DE INSTRUÇÃO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A DA RÉ E NEGADA A DO AUTOR
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVA
DIREITO DO TRABALHO - DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO - CESSAÇÃO DO CONTRATO
Doutrina: - Maria do Rosário Palma Ramalho Herschel, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, 3.ª Edição, 2010, pgs. 412, nota 337, a fls. 420, 421.
- Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 561.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 344.º, N.º2, 352.º, 356.º
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 405.º, N.º2, 408.º, N.ºS1, 3, 4, 430.º, N.º2, ALÍNEA B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 519.º, N.º2, 684.º-A, 722.º, N.º2, 729.º, N.ºS2 E 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT/2003): - ARTIGO 119.º, N.º1, 121.º, N.º1, ALÍNEA E), 366.º, 367.º, 382.º, 396.º, N.ºS1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, N.º10, 53.º.
LCCT: - ARTIGO 9.º, N.º1.
LOFTJ: - ARTIGO 26.º
Sumário : I - O (eventual) erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

II - No domínio da matéria de facto, ao Supremo Tribunal de Justiça compete determinar que o processo volte ao tribunal recorrido sempre que entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito ou quando ocorram contradições naquela decisão que inviabilizem a solução jurídica do pleito.

III - A não junção ao processo disciplinar, requerida pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, de elementos e documentos que já se encontram na posse da entidade empregadora não constitui violação do direito de defesa do trabalhador nem acarreta a nulidade do processo disciplinar, visto tratar-se de elementos e documentos que a entidade empregadora não ignora nem pode ignorar.

IV - A justa causa de despedimento pressupõe a assunção, pelo trabalhador, de um comportamento culposo, violador de deveres estruturantes da relação, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo juslaboral, impossibilidade perspectivada enquanto inexigibilidade da sua manutenção.

V - O despedimento-sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador.

VI - O dever de lealdade, enquanto dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato, concretiza-se, essencialmente, no dever de não concorrência e no dever de sigilo.

VII - O autor - sendo Director Comercial da ré, seu trabalhador dependente, com a amplitude dos poderes funcionais que lhe estavam cometidos - ao aceitar constituir uma sociedade concorrencial, da qual era sócio maioritário e gerente, violou o dever de lealdade a que estava contratualmente obrigado, pondo fatalmente em crise a indefectível relação de confiança que o exercício daquelas tarefas pressupõe, justificando-se, por isso, o cominado despedimento.
Decisão Texto Integral:

F.S.[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                            I

1.

AA, com os sinais dos Autos, intentou, em 01.08.2007, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, a presente acção, com processo comum, contra «Grupo BB, S.A.», pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento e a consequente condenação da Ré a pagar-lhe:

- As retribuições que deixou de auferir desde o despedimento;

- Indemnização de antiguidade, pela qual entretanto optou, fixada em 45 dias por cada ano ou fracção de antiguidade;

- Indemnização pelos danos causados pela entrega tardia da documentação com vista à obtenção das prestações de desemprego.

Mais pediu que seja declarado que a sua remuneração mensal era de € 6.382,85 e que a ré seja condenada a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 20.000, tudo, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas.

Subsidiariamente, para o caso de o despedimento ser declarado lícito ou para o caso de o autor optar, como fez, pela indemnização de antiguidade, pediu o pagamento dos créditos salariais, sendo € 7.767,65 relativos ao valor que o autor receberia no seu património, findo o ALD ou leasing do veículo que lhe estava atribuído, atendendo ao valor mensal de € 267,85 ou, pelo menos, a quantia de € 6.964,10, calculada de Julho de 2005 a Maio de 2007, correspondente à divisão do valor venal do veículo pelos meses de duração do contrato de trabalho e do contrato de locação, e ainda € 7.659,42 relativos a 36 dias de férias não gozadas.

Para tanto alegou, em resumo útil, que foi admitido pela Ré em 01/04/1989, sendo actualmente Director Comercial, com enorme autonomia na execução das suas funções até 2005, o que foi drasticamente limitado daí em diante.

Auferia mensalmente, desde 2006, € 3.850,00 ilíquidos, a que acrescia, por imposição da Ré, a quantia de € 650,00 líquidos.

Estava-lhe reconhecido o direito à utilização da uma viatura automóvel do segmento médio alto, para uso profissional e pessoal, com todos os custos suportados pela Ré, e ainda o direito de adquirir o veículo, findo o leasing ou ALD de 4 anos, sem pagamento de qualquer contrapartida, cujo valor ascendia a € 15.000,00, estando-lhe também atribuído para uso profissional e pessoal, sem limitação, um telemóvel com todos os custos suportados pela Ré.

Mais alegou ter sido despedido em 22/05/2007, no termo de um processo disciplinar instaurado pela Ré, em que nem o processo de inquérito, nem a suspensão preventiva, nem a nota de culpa, nem a instauração do processo disciplinar foram precedidos de deliberação válida da Ré, invocando a nulidade do despedimento por o mesmo se fundar em factos falsos, distorcidos e incorrectos e também factos caducos para efeitos do exercício de acção disciplinar, entendendo que o despedimento foi apenas produto da animosidade que o principal accionista da Ré, CC, nutre pelo A.

Referiu que foi a convite de um administrador da Ré que aceitou integrar o capital social da sociedade “DD, Ld.ª”; que esta não exerce actividade concorrencial com a Ré, por serem diferentes os produtos comercializados pelas duas sociedades; que todos os administradores da Ré estão autorizados a exercer directa ou indirectamente actividade concorrencial com a Ré, o que sempre aconteceu, e que levou o autor a ter como pacífico que a constituição e a actividade da sociedade e a sua participação, sendo até accionista da Ré e em tempos seu administrador, estavam por esta autorizadas.

O autor alegou ainda, que a actividade da “DD, Ld.ª” sempre foi pública e de todos conhecida, tendo até sido contratado o mesmo despachante da Ré para realizar as operações alfandegárias, sendo certo que já em Outubro de 2006 o referido CC e a administradora EE sabiam da existência da “DD, Ld.ª”.

Por outro lado, o autor concluiu que não podia haver concorrência entre as duas sociedades, a não ser em teoria, atentos os objectivos e a actividade comercial da Ré, que funcionava como uma central compras dos associados, o que não acontece com a “DD, Ld.ª”.

 Alegou ainda que em 14/02/2007 não lhe foi entregue qualquer carta, tendo-lhe sido apenas comunicada a suspensão de funções, na sequência do que contactou os administradores que, após reunião, lhe comunicaram que devia desconsiderar a suspensão até que regressasse a Presidente do Conselho de Administração, ninguém lhe tendo solicitado a devolução de qualquer objecto, pelo que continuou a trabalhar até receber a nota de culpa, não tendo desobedecido a qualquer ordem.

Finalmente invoca que ao longo de 18 anos, por necessidade de serviço, gozou sempre e só duas semanas de férias, tendo apenas gozado três semanas em três anos.

                                            __

                         

A Ré contestou, tendo o articulado sido aperfeiçoado, a convite do Tribunal, alegando, em síntese que a remuneração mensal do autor era a que constava dos respectivos recibos, tendo o automóvel sido atribuído para uso profissional, ainda que o autor estivesse autorizado ao seu uso pessoal, não tendo sido acordado o direito de aquisição da propriedade do veículo no termo do respectivo contrato de leasing ou ALD, muito menos sem qualquer contrapartida.

O despedimento do autor resultou do facto de, sendo Director Comercial da Ré, ter constituído uma sociedade comercial cujo objecto social e actividade eram na mesma área da Ré, com o manifesto intuito de utilizar os conhecimentos adquiridos no exercício das suas funções na Ré com fornecedores e clientes em favor daquela sociedade e com prejuízo para a Ré, que deixou de fornecer produtos às empresas suas clientes, tendo comprado para a Ré produtos a preço superior do que comprou para a dita sociedade, vendendo esta o mesmo produto a preço inferior.

Foi ainda causa do despedimento o facto de o autor, apesar da comunicação da suspensão preventiva, que recusou receber, se ter mantido no seu posto de trabalho, recusando a entrega da chave das instalações, do automóvel e do telemóvel, tendo sido visto no dia 15/02 a transportar sacos com objectos do interior das instalações da Ré.

A Ré alegou ainda que o autor, apesar de considerar que a sanção que lhe foi aplicada é ilegal e nula, não concretiza tais vícios, limitando-se a afirmar de que são falsos, distorcidos e incorrectos os factos dados como provados e que é irrelevante a relação societária do autor com a ré, nomeadamente o facto de ser accionista, já que não é verdade que os accionistas e/ou os administradores da ré desenvolvam actividade comercial igual à da ré, e que não foi enquanto accionista que surgiu o litígio com a ré, mas enquanto trabalhador.

 Conclui que o autor sabia que, ao constituir a sociedade, o administrador da ré também estava a violar os seus deveres para com os demais administradores e por isso, não só violou os seus deveres laborais como cooperou com uma conduta reprovável de um administrador da sua entidade empregadora.

Finalmente a ré impugna os fundamentos das pretensões indemnizatórias deduzidas pelo autor, bem como dos créditos relativos a férias não gozadas.

                                   

O A. respondeu e aditou uma causa de pedir, invocando a nulidade do despedimento por violação dos seus direitos de defesa, já que não foram juntos ao procedimento disciplinar os documentos cuja junção havia sido deferida pelo instrutor, que visavam a prova da ausência de culpa na conduta imputada ao A.

                                   

A ré respondeu, requerendo o desentranhamento da resposta à contestação e opondo-se ao aditamento da causa de pedir.

                                   

Foi admitido o aditamento da causa de pedir e considerada parcialmente não escrita a resposta à contestação, por inadmissível.

                                   

Inconformados com esta decisão, dela agravaram o A. e a Ré.

                                            __

                                 

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova produzida, – no seu decurso foi declarado pelo autor optar pela indemnização de antiguidade – após o que foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos.

                                           __

2.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o A., tendo a Relação do Porto, conforme Acórdão prolatado a fls. 2553-2636, negado provimento aos recursos de agravo e concedido parcial provimento à Apelação, revogando a sentença, na parte impugnada, e declarando a ilicitude do despedimento efectuado pela R., que condenou a pagar ao A. as quantias discriminadas de € 77.855,00 de indemnização de antiguidade, sem prejuízo do montante eventualmente devido até à data do trânsito em julgado da decisão, e de € 5.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais, com juros de mora, além das retribuições que o A. deveria auferir desde 2.7.2007 e até ao trânsito da decisão, tudo de acordo com o respectivo dispositivo.

No mais, foi a sentença confirmada.

                                            __

É a R., que, irresignada, vem pedir Revista, terminando a sua alegação com estas conclusões:

1.

- Vem o presente recurso interposto do Acórdão que concede parcial provimento ao recurso de apelação, revogando a sentença, na parte impugnada, e, declarando a ilicitude do despedimento efectuado pela Ré, condena-se esta a pagar ao Autor as seguintes quantias:

A pagar-lhe as retribuições que este deveria auferir desde 02.07.2007 até à data do trânsito em julgado desta decisão, cujo montante, nos termos (explanados no Acórdão), se relega para liquidação, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde a liquidação;

- € 77.855, de indemnização de antiguidade, sem prejuízo do montante eventualmente devido até á data do trânsito em julgado desta decisão, acrescida de juros legais de mora, desde o trânsito em julgado da presente decisão;

- € 5.000, de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de ora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento.

2.

Tendo em consideração a factualidade considerada provada, o litígio dos autos reconduz-se, neste momento, à questão de saber se o despedimento do autor foi, ou não, operado com justa causa, com fundamento em violação culposa do dever de lealdade, a que o mesmo estava obrigado para com a entidade patronal.

3.

Nos termos do art. 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Trata-se de um conceito normativo, como tal carecido de preenchimento valorativo, caso a caso, devendo o tribunal atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (art. 396.º, n.º 2, do Código do Trabalho).

4.

Na apreciação da justa causa deverá ser analisado o comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em atenção as consequências resultantes da infracção cometida, a natureza das funções exercidas, a antiguidade do trabalhador na empresa, os seus antecedentes disciplinares e tudo o mais que, no caso, se mostre relevante para aferir da impossibilidade prática da manutenção do vínculo, ou seja, se no confronto entre a premência da desvinculação do empregador e a premência da conservação do vínculo laboral pelo trabalhador, se considera preponderante o interesse do empregador por a continuidade da relação laboral representar uma insuportável e injusta imposição.

5.        

Tal impossibilidade prática de manutenção do vínculo laboral existirá quando se consubstancie uma situação de quebra absoluta ou abalo profundo na relação de confiança entre o trabalhador e o empregador, tornando inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.

O que se verifica no caso sob apreciação e determinou o despedimento do autor, com invocação de justa causa.

6.        

Face à factualidade provada, dúvidas não subsistem que o autor violou, de forma grave, o dever de lealdade a que estava obrigado para com a ré, provocando a ruptura da indispensável relação de confiança entre autor e ré.

7.        

Contrariamente ao que foi entendido no acórdão recorrido, o autor agiu com culpa grave.

8.

O autor trabalhava há 18 anos na ré, sem que tivesse sido alguma vez demandado por responsabilidade disciplinar. A antiguidade do autor torna ainda mais grave o seu comportamento, já que lhe era ainda mais exigível do que a um trabalhador com menor antiguidade, tendo em conta as especiais relações de confiança que se estabelecem na vigência do contrato de trabalho, e no caso ainda reforçadas pela natureza das funções exercidas, que se abstivesse de comportamentos da natureza dos apurados nos autos.

9.

Não pode ser entendido como atenuante, muito menos, como exclusão da culpa, o facto de o autor, em 28/02/2007, ter comunicado a sua renúncia à gerência da “DD, Ld.ª” e ter cedido as suas quotas.

10.

Trata-se, em nosso entender, de uma actuação irrelevante, na medida em que o autor só o fez depois de tomar conhecimento da instauração do processo disciplinar, e não sem antes conseguir protelar tal conhecimento, não tendo levantado nos C.T.T. a carta que lhe foi dirigida em 12/02/2007 pela ré, logrando também deferir para momento posterior à comunicação da renúncia à gerência e à intenção de venda da quota, a produção de efeitos da suspensão preventiva cuja comunicação foi reiterada em 14/02/2007.

11.

Também o facto de o autor ter sido convidado por um administrador da ré, que não a representava, para constituir a sociedade, em nada pode sequer minimizar a sua culpa. A este respeito sublinhe-se o facto de que a ré se obriga em todos os actos e contratos por dois administradores e que no caso sob apreciação nenhum outro administrador teve conhecimento que a sociedade ia constituir-se.

12.

Por conseguinte, nem sequer se pode admitir que a ré tivesse conhecimento e tivesse prestado, por alguma forma, consentimento, à constituição da sociedade concorrente.

13.

 Impunha-se que o autor, face à sua antiguidade, à responsabilidade e confiança que gozava ao serviço da ré, tivesse um comportamento totalmente diferente e recusasse a participação na sociedade concorrente. A este respeito veja-se o que consta do parecer junto aos autos pela ré, emitido pelo Sr. Prof. Dr. Pedro Romano Martinez e Sr. Prof. Diogo Pereira Duarte.

14.

Pelas razões aduzidas, o despedimento do autor foi lícito, tal como foi decidido pelo Tribunal de primeira Instância, cujos fundamentos, aliás, a este respeito, não merecem qualquer censura.

15.

Por isso, o acórdão recorrido faz errada interpretação e aplicação do disposto no art. 396.º do Código do Trabalho.

16.

    Sem prejuízo disso, e caso não se entendesse assim, a indemnização de antiguidade fixada pelo acórdão recorrido carece de fundamento e omite totalmente a reprovável conduta do autor.

17.

Nunca, o autor poderia beneficiar de uma indemnização pela cessação do contrato de trabalho, e mais quando violou o dever que lhe é imposto por lei, de lealdade para com a entidade patronal.

18.

Contudo, a fixar-se um a indemnização, face à factualidade provada, esta nunca poderia exceder o mínimo de 15 dias por cada ano de antiguidade, por não ser discutível aquela violação do dever imposto ao autor. Não sendo assim, faz-se errada interpretação e aplicação do art. 439.º da LT (?!) – quis-se seguramente escrever Código do Trabalho.

19.

Por fim, também não se encontra fundamentada no acórdão recorrido a fixação da indemnização pelo dano moral ou não patrimonial. Sendo certo que, da factualidade assente, também não é possível a sua fixação, pelo que o acórdão recorrido também violou o disposto no art. 493.º do C.C.

Termina pedindo o acolhimento das suas razões e a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

                                            __

Notificado da admissão do recurso interposto pela R., o A. veio deduzir recurso subordinado por não se conformar com o decidido no Acórdão na parte em que julgou parcialmente improcedente a indemnização peticionada pelos danos morais, bem como inconsiderou como integrante da sua remuneração o valor de aquisição do veículo automóvel cuja utilização lhe estava afecta, e ainda na parte em que foi denegada a alteração da matéria de facto peticionada quanto aos pontos 7, 12 a 15 e 45 da B.I., 8 a 10, 16 a 18 e 11 da mesma Base, e à insuficiência da matéria de facto para a decisão e, por fim, quanto à decisão proferida relativamente à data da contagem dos juros moratórios respeitantes às remunerações intercalares.

                                            __

A arguição da nulidade, simultaneamente deduzida, foi indeferida, na sequência, conforme deliberação a fls. 2682-2686.

                                            __

Entretanto, contra-alegando, o A. requereu a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 864.º-A do C.P.C., formulando, a rematar, as seguintes conclusões:

1 – Demonstrado como está nos Autos que a Recorrente compra aquilo que os seus sócios pretendem para eles próprios, ou seja, só compra aquilo que lhes vende, e na exacta medida do interesse individual de cada um, a ‘DD’ não concorre, nem sequer potencialmente, com aquela, porquanto não disputa com ela mercados nem clientes.

2 – Para se aferir sobre a verificação do incumprimento do dever de não concorrência, que no âmbito juslaboral acarreta violação do dever de lealdade, mais do que a identidade ou a semelhança dos bens ou serviços produzidos pelas empresas consideradas, e muito mais do que o facto de pertencerem ao mesmo ramo, género ou sector de actividade económica, há que atentar no requisito elementar da hipótese de concorrência: a possibilidade factual de desvio de clientela, tornando-se necessário que no caso concreto concorra um elemento subjectivo capaz de relacionar, nalguma medida, o efeito negativo sofrido pelo empregador originário com a vontade do trabalhador.

3 – Assim, a circunstância de o recorrido ter sido, enquanto foi trabalhador da recorrente, sócio-gerente da ‘DD’, não permite concluir pela violação de um dever de não concorrência, e consequentemente comportamento desleal do trabalhador, sequer em potência, pela insusceptibilidade, fáctica e em concreto, dessa sociedade ‘DD’ não poder disputar a clientela da recorrida, confinada desde sempre aos accionistas, nem gera perdas patrimoniais, dado que a recorrente, desde sempre, só comprou os produtos que sabe já estarem vendidos aos seus sócios/compradores que os encomendaram previamente.

4 – Sabida e conhecida como foi, por um dos seus administradores da Recorrente a participação do A. na sociedade ‘DD’, deveria considerar-se ferido de caducidade o direito a exercer acção disciplinar sobre ele, nos termos do art. 372.º, n.º 1, do CT, porquanto o conhecimento como facto que releva da declaração de um terceiro ou da apreensão de uma realidade não está sujeito às regras da vinculação da sociedade nos negócios jurídicos, mas sim excepcionada por lei, nos termos do n.º 3 do art. 408.º do CSC, podendo operar-se na pessoa de qualquer administrador sem hipótese de ser estatuído em sentido diverso.

5 -  A omissão das diligências probatórias requeridas pelo Recorrido e deferidas pelo instrutor do processo disciplinar constituem causa de nulidade do mesmo, pois que, os factos que o Recorrido visou que fossem apreciados pelo instrutor – estranho à recorrida – eram essenciais à sua defesa (falta de culpa e boa-fé) e não foram tidos em conta na decisão de despedimento e, respeitando opinião contrária, não só não é lícito ao trabalhador invocar, em abono da sua defesa, toda a contabilidade e os documentos da sua entidade patronal, a granel e sem critério, como também não é lícito à entidade empregadora, sob pena de violação dos arts. 413.º e 414.º do CT e 32.º da CRP, não juntar e não apreciar os documentos que lhe não dá jeito para efeito do projectado e anunciado despedimento, como por [exemplo] ocorreu com o mapa de férias e a acta que autoriza os seus administradores a exercerem actividade similar, concorrente ou não.

6 - Tudo o que, mesmo na procedência do recurso de revista interposto pela Recorrente, sempre determinaria a procedência da acção, com as legais consequências.

Termos em que V. Ex.as, julgando improcedente o recurso de revista interposto pela Recorrente, ou, na hipótese de vencimento do mesmo, pela procedência das conclusões supra, julgando procedente a acção, farão Justiça.

                                            __

Produzida alegação no recurso subordinado de Revista, o recorrente/A. elaborou, em remate, este quadro de síntese:

1 - No douto Acórdão, tal como na 1.ª instância, optou-se por valorizar a não confissão de um conjunto de factos como meio de prova bastante, suficiente, para infirmar a prova, testemunhal e documental, que o Autor produziu em abono da demonstração da realidade desses factos, assim se violando, data venia, as disposições dos arts. 352.º e 356.º do CC.

2 - No caso vertente todos os indícios factuais que se apontaram no recurso de apelação interposto – na parte (…) não permitem, salvo o devido respeito, outra conclusão que não a de serem bastantes para permitirem a demonstração dos factos ora em causa, ainda que por presunção.

3 - Especial e principalmente se os depoimentos e elementos probatórios convocados pelo Recorrente no recurso de apelação em sustento da sua pretensão, forem, como deveriam ter sido, apreciados à luz da conduta da Recorrida.

4 -  Ou seja, tendo a Recorrida incumprido comando judicial que lhe foi notificado no sentido de juntar aos autos documentos, atentos os elementos e indícios probatórios recolhidos, atentos os factos que poderiam constar nos documentos cuja junção a Recorrida inviabilizou, deveria, em aplicação do disposto no art. 519.º, n.º 2, do CPC e 344.º, n.º 2, do CC, ter sido alterada a decisão de facto no sentido em que o recorrente pugnou.

5 -  Também quanto aos pontos 8 a 10, 16 a 18 e 11 da B.I. o douto Acórdão recorrido efectuou menos feliz interpretação e aplicação das regras dos arts. 352.º e 356.º do CC.

6 -   Pois se é acertado que a Recorrida, através dos seus actuais administradores, confessou que o Recorrente usava de forma plena, integral, ininterrupta, no exercício das suas funções e fora delas, qualquer um desses dois veículos – Audi e VW Passat –, e que, sendo conhecedora dessa utilização, pagava todos os custos inerentes à mesma, sem qualquer distinção, sem qualquer restrição ou limite em função da natureza da utilização, deveria ter sido dado também como provada a intenção de atribuição desses veículos ao Recorrente para sua utilização pessoal.

7 -   A prova dos custos inerentes à utilização do veículos e do telemóvel em causa nos autos, bem como a dos factos constantes dos pontos 47 e 48 da B.I., deveria ter-se considerada por efectuada nos exactos termos alegados pelo Recorrente e transpostos para os mencionados pontos da B.I., já que, conjugadamente com a sobredita confissão e com os demais indícios factuais apurados nos autos, a valoração e aplicação das regras legais que sancionam condutas como a que a Recorrida assumiu nos autos o impõe.

8 -  A Recorrida foi expressamente notificada, por várias vezes, para juntar aos autos os documentos constantes da alínea D) do requerimento probatório efectuado na petição inicial, que permitiam a prova cabal e plena do alegado pelo recorrente, mas apesar de os possuir – pois, notificada para os juntar, não negou a sua existência nem a sua detenção – arts. 528.º e 530.º do CPC – recusou-se injustificada e ilicitamente, a juntá-los, tendo mesmo sido condenada na multa de 2 UCs nos termos dos arts. 528.º, 529.º e 519.º, n.º 2, do CPC.

9 -  Ora, dispondo o art. 519.º, n.º 2, do CPC que a recusa na colaboração devida permite, para além do sancionamento e outros mecanismos de reacção legal dessa conduta ilícita, a inversão do ónus da prova nos termos do n.º 2 do art. 344.º do Cód. Civil, e estatuindo este normativo que ocorre inversão do ónus da prova quando a parte contrária torne culposamente impossível a prova de determinado facto a quem tem o ónus da sua demonstração.

10 - Deveria ter-se considerado invertido o ónus da prova, e assim, dar como provado o valor dos custos que o Recorrente alegou, pois só por acto voluntário e, portanto, culposo, ilícito, porque em infracção de uma ordem judicial e das disposições dos arts. 519.º e 528.º do CPC, da Recorrida é que tal prova foi impossibilitada ao recorrente.

11 - Do conjunto factual constante factos alegados nos pontos 103 a 106 e 188 da petição, cuja inclusão na B.I. o Recorrente requereu, decorre a alegação pelo recorrente de que, quando recebeu e aceitou o convite para participar no capital da sociedade ‘DD’, não só estava convicto de que essa participação era autorizada, ou no mínimo sabida, pela Recorrida, sua entidade patronal, mas também que não supôs, nem sequer suspeitou de que essa participação poderia constituir uma deslealdade face à sua entidade empregadora.

12 - Tais factos eram, como são, essenciais à procedência da pretensão do Recorrente – da ilicitude do seu despedimento – por permitirem a demonstração de que a sua conduta e o seu comportamento, invocados pela Recorrida como violadores dos seus deveres laborais, não tenham sido por si culposamente praticados, ou, no mínimo, com uma atenuação da actuação que conduzisse à inverificação de justa causa de despedimento.

13 - Tal alegação, respeitante a factos psicológicos ou internos do autor, constitui matéria de facto susceptível de alegação e prova, donde a sua não inclusão na Base Instrutória gerou insuficiência para a decisão em violação do disposto nos arts. 264.º, 511.º e 646.º do CPC.

14 - Resultando dos factos provados nos pontos 11 e 14 que o recorrente auferia, de forma certa e inquestionável, uma remuneração de € 3.850,00 ilíquidos, paga 14 vezes por ano, e no último dia de cada mês de trabalho, não deveria ter sido relegado para execução de sentença o cálculo das retribuições intercalares nessa precisa, mas certa, parte, e, muito menos, deveriam os juros demora calculados a partir da data da liquidação, daí que o douto acórdão tenha violado nessa parte o disposto no art. 661.º, n.º 2, do CPC.

15 - Por fim, tendo-se demonstrado, conforme se dá nota no douto Acórdão recorrido, que o Recorrente sofreu consequências no seu estado e condição física e psíquica, que passou a ser uma pessoa irritadiça, explosiva e nervosa, tendo em conta que o recorrente foi despedido, no circunstancialismo que consta dos autos, sem possibilidade de demonstração da sua boa-fé, desconsiderando-se os anos de serviço prestado, sem reparo, à recorrida, a compensação fixada no douto Acórdão recorrido é manifestamente insuficiente, já que os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo recorrente justificam a sua compensação pelo pagamento da quantia peticionada na petição inicial.

Remata perorando pela procedência do recurso.

                                            __

A R./recorrida respondeu às alegações do recurso subordinadamente interposto pelo A., pugnando pela negação de provimento do mesmo.

                                            __

Já neste Supremo Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta produziu circunstanciado e proficiente Parecer em que propendeu no sentido da improcedência da ampliação do recurso pedida pelo A., como também do recurso subordinado por si interposto, antes devendo proceder o recurso principal trazido pela R.

Dele notificadas as partes, veio o A. responder-lhe, manifestando a sua discordância e concluindo como na resposta que debitou à alegação da R. e plasmou nas conclusões do recurso subordinado por si interposto.

                                            __

Corridos os vistos devidos, cumpre analisar, ponderar e decidir.

                                 

                                            II

A – O objecto dos recursos.

Questões a dilucidar e resolver:

- Na Revista da R.

- Da ampliação do objecto do recurso requerida pelo recorrido;

- Da justa causa do despedimento;

              - Do cômputo da indemnização de antiguidade e da falta de fundamento para a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais.

- Na Revista subordinada do A.

- Alteração da matéria de facto por pretensa violação das regras de direito probatório material;

- Indeterminação do cálculo das retribuições intercalares, diferido para liquidação em execução posterior;

- ‘Quantum’ da compensação/indemnização fixada por danos não patrimoniais.

                                            __

B – Dos Fundamentos.

B.1 De Facto.

Vem seleccionada das Instâncias a seguinte factualidade:

1. A Ré é uma sociedade comercial, sob a forma anónima, e tem como objecto social o comércio, indústria, importação e exportação de produtos alimentares frescos e congelados.

2. Desde a sua génese, a Ré foi criada para constituir, como desde sempre e até hoje ocorreu, uma central de compras dos seus associados.

3. Desde sempre, e até hoje, os sócios da Ré, primeiro das quotas e, agora, das acções representativas do seu capital social, sempre foram pessoas individuais ou colectivas que importavam, exportavam e vendiam produtos alimentares e congelados.

4. Os sócios da Ré visaram, através da sua constituição e giro comercial, concentrar e aproveitar, reciprocamente, das necessidades de aquisição de produtos alimentares congelados, especialmente pescado, de cada um dos seus sócios para, assim, conseguirem adquirir no mercado esses produtos em maiores quantidades e, consequentemente, em condições mais vantajosas das que lograriam obter se as efectuassem isoladamente.

5. E, como tal, deveriam canalizar, ainda que não obrigatoriamente, para a Ré as necessidades de aquisição desses produtos, de modo a que fosse a Ré a adquiri-los.

6. Aquisições que eram decididas em função das quantidades de produtos que os sócios careciam e do interesse comum ou, pelo menos, da maioria dos sócios, na compra dos mesmos.

7. O A. foi admitido ao serviço da Ré, em um de Abril de mil novecentos e oitenta e nove, desempenhando actualmente as funções inerentes à categoria profissional de Director Comercial da Ré.

8. No âmbito das suas funções competia ao A. efectuar prospecção de mercados, informando e apresentando à administração e sócios da Ré preços e produtos (com menção das suas características e qualidades), propor a aquisição de novos produtos, colher propostas de preços e quantidades junto de fornecedores, apurar nos mercados e fazer saber à Ré, dando conselho e opinião, sobre eventuais rupturas de stocks de produtos e vantagens em aquisições de larga escala, estabelecimento das condições de venda, selecção dos compradores e realização dos negócios de vendas nas exportações/trocas intracomunitárias e outras, inerentes a sua categoria profissional.

9. O local de trabalho do A. foi, desde a sua contratação e até à data da cessação do contrato, as instalações da Ré, sitas na morada indicada supra e, ainda, os locais necessários à aquisição e importação de produtos (mormente o mercado espanhol), compreendendo, também, visitas e viagens de prospecção de negócios e mercados, como sejam os mercados chinês e vietnamita.

10. O Autor efectuava deslocações semanais a Espanha, permanecendo durante o período da manhã nos mercados de peixe galegos, e das viagens que efectuou a outros países, como o Vietname, China, EUA, África ..., Namíbia, Bélgica, Marrocos, Canada, Inglaterra, entre outros.

11. Desde 2006, o auferia a remuneração mensal de € 3.850,00 mensais ilíquidos, paga 14 vezes ao ano.

12. Foi atribuído ao Autor um veículo automóvel para uso profissional, sendo a sua utilização autorizada para fins pessoais, sendo o mesmo, desde Junho de 2005, da marca VW, modelo Passat 2000 TDI e matrícula -AF-.

13. O veículo referido em 12. foi escolhido por acordo estabelecido entre a Ré e o A., que, previamente, fixaram o preço de mercado até ao qual o A. poderia escolher um veículo para sua utilização (€ 40.000 euros), forma de aquisição e acordaram no período de utilização do mesmo ao serviço da Ré.

14. A remuneração mensal do Autor deveria ser paga pela Ré no último dia de cada mês de trabalho.

15. Com data de 12/02/2007, foi lavrado o auto de notícia que constitui fls. 398 cujo teor se reproduz.

16. Em 12/02/2007, foi elaborada a comunicação de fls. 399, cujo teor se reproduz, determinando a suspensão preventiva do Autor, a qual, tendo-lhe sido remetida registada com A/R, foi devolvida com a indicação de "Não reclamada".

17. Por carta datada de 9/3/2007 e recebida pelo Autor a 12/3/2007, foi comunicado ao A. ter-lhe sido instaurado pela Ré um processo disciplinar visando o seu despedimento com justa causa e, ainda, que continuaria suspenso preventivamente das suas funções, em conformidade com o teor da carta que lhe foi remetida, por correio registado e entregue pessoalmente em 14/02.

18. [[2]]

«Conjuntamente com tal carta, foi, ainda, remetida ao A. a nota de culpa que constitui o doc. de fls. 437 a 444, cujo teor é o seguinte:

    

O arguido foi admitido ao serviço da arguente em um de Abril de mil novecentos e oitenta e nove, desempenhando actualmente as funções inerentes à categoria profissional de Director Comercial da empresa arguente.

     2°

A sociedade arguente tem como objecto social o comércio, indústria, importação e exportação de produtos alimentares frescos e congelados.

     3°

As funções exercidas pelo arguido são de elevada responsabilidade e implicam um nível superior de confiança, dada a sua natureza de representação externa da Empresa, nomeadamente junto de fornecedores e clientes nacionais e estrangeiros.

     4°

Tais funções como Director Comercial são ainda desempenhadas pelo arguido com grande autonomia junto daqueles fornecedores, não havendo um controlo directo da sua actividade "no terreno", o que implica uma especial diligência, zelo e responsabilidade no seu exercício.

     5°

Contudo, o arguido, com culpabilidade, incorreu em infracções disciplinares graves, susceptíveis de quebrar, de forma irremediável, a confiança, essencial à manutenção da relação laboral, tendo criado na sua entidade empregadora, ora arguente, legítimas dúvidas quanto à idoneidade da sua conduta laboral.

Vejamos:

     6°

Conjuntamente com FF, titular de uma quota no valor nominal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), GG, titular de uma quota no valor nominal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), o Arguido constituiu a sociedade "DD, LDA.", com sede na Rua ... n.º …, em Matosinhos, na qual detém uma quota no valor nominal de € 3.000,00 (três mil euros), como se comprova pela matrícula da respectiva sociedade que infra se identifica;

     7°

O objecto social da aludida sociedade consiste: "Armazenista de produtos alimentares congelados, transformação e congelação de pescados, legumes, mariscos e carnes, comércio dos memos produtos, importação e exportação e aluguer de frio”

     8°

Aquela sociedade encontra-se matriculada na 3.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º ..., inscrita sob a Ap.4/20060908;

     9°

Todos os elementos relativos à identificação da sociedade e inscrições em vigor estão comprovados pelo teor da certidão emitida pela 3ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto.

     10°

Aquela sociedade obriga-se em todos os actos e contratos, mediante a assinatura conjunta de dois gerentes sendo sempre obrigatória a do arguido.

     11°

A sociedade que o arguido fundou e de que é gerente, efectuou diversas vendas à sociedade "HH, Lda.", com sede na Rua ..., n.º …, em Matosinhos, que é cliente da arguente, nomeadamente em 09/10/2006, vendeu "1.976,00 Kgs. de Linguado Int. - Capturado no At. Centro Este Synaptura cadenati", ao preço unitário de € 2,70, acrescido de 5% de IVA, no valor total de € 5.601,96 – cf. documento que integra este processo.

     12°

No dia 18 de Janeiro de 2007, a mesma sociedade adquiriu à sociedade "DD, Lda." 20 caixas – 360 Kgs. de Camarão 8B (120/140), capturado no At. Centro Este Parapenaeopsis atlântica", com um preço unitário de € 3,00, acrescido de 21% de IVA, no valor total de € 1.080,00 – cf. documentos que integram este processo.

     13°

Foram ainda efectuadas vendas pela sociedade "DD, Lda., à sociedade denominada II Lda., cf. documentos que também integram este processo.

     14°

Para o exercício da actividade da sociedade "DD, Lda.", o arguido contactou a empresa "JJ", despachante oficial, com domicílio no ... n.º …, …, em Matosinhos, a quem solicitou que lhe fossem concedidas iguais condições às que são concedidas à "Grupo BB".

     15°

E, na sequência de contactos e conhecimentos adquiridos no âmbito da actividade que desenvolve para a arguente, o arguido, em representação da “DD", contratou com a empresa fornecedora da arguente, "KK", da Bélgica, a venda de camarão proveniente da Nigéria.

     16°

O arguido interveio ainda na importação que a "DD, Ld.ª" efectuou de amêijoa proveniente do Vietname.

     17°

E, contratou, pelo menos, com uma outra empresa fornecedora da arguente denominada "LL".

     18°

Acresce que o arguido, em finais do ano de 2006, no âmbito das funções que desempenha na arguente, deslocou-se ao Vietname, com intuito de efectuar negócios para esta.

     19°

Pelo que conclui-se que o arguido utilizou esta viagem também para efectuar negócios a favor da sociedade "DD, Ld.ª.", de que é sócio-gerente.

     20°

Sendo certo que os resultados comerciais para a arguente, da viagem efectuada pelo Arguido, foram muito escassos.

     21°

A sociedade "DD, Lda." colocou no mercado o referido produto que importou do Vietname, a um preço inferior ao praticado pela arguente em cerca de 20%.

     22°

Por conseguinte, o Arguido fundou a sociedade "DD, Lda.”, objecto social e actividade na área da arguente, com o manifesto intuito de utilizar os conhecimentos adquiridos no âmbito das suas funções na relação com fornecedores e clientes em favor daquela.

     23°

E, consequentemente, com evidente prejuízo económico para a arguente, que deixou de fornecer os produtos, por si comercializados, às empresas suas clientes, que os compraram a "DD".

     24°

Com o manifesto intuito, premeditado, de beneficiar a sociedade de que é sócio-gerente, o arguido adquiriu produtos para a arguente a um preço superior ao que o fez para a "DD".

     25°

O que justifica que aquela sociedade vendesse o mesmo produto a um preço inferior.

     26°

Assim que a sociedade arguente tomou conhecimento dos factos supra descritos, atenta a sua gravidade, decidiu proceder à abertura de um processo prévio de inquérito.

     27°

Pelo que, no dia catorze de Fevereiro de dois mil e sete, pelas nove horas e trinta minutos, nas instalações da arguente, onde o arguido presta o seu trabalho, foi-lhe entregue pessoalmente uma carta, comunicando-lhe a suspensão imediata das suas funções, sem perda de retribuição.

     28°

A mesma carta foi remetida para o domicílio do arguido, através de correio registado com aviso de recepção que, aquele recusou receber, uma vez que, foi devolvida pelos CTT com a indicação de "Não reclamada".

     29°

Apesar da comunicação que lhe foi efectuada pela arguente, o arguido recusou cumprir a decisão expressa e legítima da arguente, mantendo-se no seu posto de trabalho, o que continua a fazer até à presente data.

     30°

Bem como recusou entregar a chave do imóvel onde exerce a sua actividade profissional, do automóvel que lhe está distribuído e do telemóvel.

     31°

Na manhã do dia 15 de Fevereiro p.p., o arguido foi visto a transportar do interior das instalações da arguente, sitas na Av. ..., em Matosinhos, sacos com objectos que não foi possível identificar e que colocou no veículo automóvel que lhe está confiado pela arguente.

     32°

Com esta conduta o arguido desobedeceu e desrespeitou de forma expressa decisão da sua entidade empregadora, pois tem consciência de que a decisão da arguente foi legítima e foi proferida por quem tem poderes para o efeito.

     33°

Com os comportamentos supra descritos, o arguido violou, de forma culposa e extremamente grave, fundamentais deveres laborais a que se encontra vinculado por força do seu contrato de trabalho, tais como:

O dever de guardar lealdade a sua entidade empregadora;

O dever de realizar o seu trabalho com zelo e diligência;

O dever de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeita à execução e disciplina do trabalho.

O dever de respeitar e tratar com urbanidade e probidade o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as demais pessoas que estejam ou entrem em relação com a empresa.

Deveres estes impostos por força do disposto nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 e n.º 2 do art. 121.º do Código do Trabalho.

     34°

A conduta do Arguido, de deslealdade e desobediência reiterada para com a arguente, quebrou de forma irreversível, a confiança essencial à vigência do contrato de trabalho, sendo que, a confiança se torna ainda mais determinante, considerando que o Arguido exerce funções de Direcção, com evidentes reflexos nas relações externas, de representação da sua entidade empregadora, sem controlo imediato da hierarquia.

     35°

Em cargos de direcção, como é o caso do Arguido, a responsabilidade do trabalhador é acrescida. O "chefe" tem de servir de exemplo aos seus subordinados, observando estritamente as directivas e ordens legítimas emanadas da empresa. O comportamento do trabalhador tem de ser analisado na perspectiva da sua projecção sobre o vínculo laboral em atenção às funções que exerce e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irremediável dos deveres fundamentais inerentes. Esta lesão é tanto mais grave quanto mais grave e responsável for a função do trabalhador no complexo da actividade em que se integra.

     36°

O incumprimento do dever de obediência afronta o princípio do poder directivo da entidade empregadora e, em última análise, o princípio da subordinação jurídica, elemento essencial do contrato de trabalho.

     37°

O comportamento ilícito e culposo do Arguido, supra descrito, pela sua gravidade e elevado grau de censurabilidade, torna, prática e imediatamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento a face do disposto no n.º 1 e nas alíneas a), d) e e) do art. 396.º do Código do Trabalho».

19. Em 26/3/2007, o aqui A. apresentou junto do instrutor nomeado pela Ré, Ex.mo Sr. Dr. MM, e também junto da Ré, ambas por cartas registadas com aviso de recepção, resposta à nota de culpa deduzida, nos termos do documento de fls. 487 a 529, cujo teor se reproduz.

20. Foi proferido o despacho de fls. 541 a 543, cujo teor se reproduz, sobre as diligências de prova requeridas pelo A., não tendo os documentos cuja junção foi deferida sido juntos ao Processo Disciplinar.

21. Por sua iniciativa, o instrutor ordenou a inquirição de duas testemunhas, para prova dos factos alegados na nota de culpa.

22. Após a produção da prova testemunhal, foi elaborado o relatório final e proferida decisão de despedimento do A., com justa causa, que constitui fls. 584 a 606, a qual lhe foi comunicada por carta expedida sob registo postal e com aviso de recepção, em 22/5/2007.

23. Em Maio de 2005, em reunião do CA da entidade empregadora, presidida pelo dito CC, foi deliberado que todas as ordens de compra de produtos pelo ‘Grupo BB’, teriam de passar a ser autorizadas e/ou confirmadas individualmente pela Administração.

24. Nessa mesma reunião foi igualmente decidido que as compras efectuadas no mercado espanhol, um dos principais mercados de abastecimento da entidade empregadora, deveriam ser todas confirmadas pela Administração da entidade empregadora, sendo que as de grandes quantidades só poderiam ser efectuadas com prévia autorização e confirmação da Administração.

25. E, no que respeita às compras de produto noutros países, passaram as mesmas a estar condicionadas, no mínimo, a um prévio contacto telefónico do arguido com um dos Administradores e obtenção da sua concordância.

26. No que respeita às compras efectuadas no mercado espanhol, foi, também, determinado nessa reunião que as deslocações do A. a Espanha passassem a ser efectuadas às segundas-feiras, de maneira a garantir a "recepção atempada da confirmação de compra pelos nossos fornecedores".

27. Em conformidade com essa determinação, o A. passou, então, a efectuar as deslocações que, quase semanalmente, realizava a Espanha para aquisição de produtos para o ‘Grupo BB’, preferencialmente às 2.ªs feiras e, até, acompanhado por um ou dois Administradores da entidade empregadora.

28. Sempre foi o Autor, pelo menos há cerca de 18 anos, quem, no ‘Grupo BB’, se deslocava a Espanha e outros países, aí visitando fornecedores e mercados e, em função dos preços, da qualidade do pescado e das necessidades da empresa, negociava condições de preço, de entrega e contratava essas aquisições.

29. Tudo o que, até 2005, sempre foi efectuado pelo A., com autonomia de escolha e decisão dessas contratações e aquisições, balizada, obviamente, pelas directivas de preços, produtos e necessidades da empresa que lhe eram indicadas pela Administração.

30. O negócio que presidiu à constituição da "DD" foi um de aquisição de linguado a capturar em África, que havia sido proposto à entidade empregadora e que esta, expressamente recusara celebrar, mormente adquirindo esse linguado, por entender que essa aquisição não era adequada ao giro comercial do ‘Grupo BB’, nem satisfazia as suas necessidades desse tipo de produto.

31. Negócio que, aliás, foi pessoalmente ajustado, contratado e executado pelo Dr. FF, face ao conhecimento que ele tinha enquanto administrador do ‘Grupo BB’.

32. O Autor era accionista da Ré à data de constituição da dita "DD, Lda.", sendo hoje titular de 2.700 acções no capital social da Ré.

33. A ‘DD’ contratou os serviços de "JJ", o despachante que prestava serviços para a Ré, para realização das operações alfandegárias necessárias às importações.

34. A sociedade "KK" vende, entre outros produtos, camarão, de diversas marcas e proveniências e características, a múltiplas sociedades e pessoas, entre as quais a Ré e a "DD, Ld.ª".

35. Sempre que são adquiridos produtos, e de forma a preparar as reuniões em que os sócios da Ré efectuam e concretizam as suas compras, são-lhes previamente remetidos pela Ré documentos - mapas de vendas - que contêm a identificação e características dos produtos adquiridos pela Ré, entre as quais, e sobre o mais, constam expressamente os nomes dos produtos e exportadores ou importador, origem e marca.

36. Mensalmente são entregues aos sócios da Ré cópias dos certificados sanitários respeitantes aos produtos importados dos países extracomunitários, onde constam o nome dos produtores, das entidades exportadoras, fornecedores, qualidade, origem, marca entre outros.

37. Sendo que, desde sempre, quer o Autor, quer os administradores da Ré, quer os seus sócios, regularmente se deslocavam a feiras internacionais de divulgação do tipo de produtos adquiridos e comercializados pela Ré, especialmente a feira de Bruxelas, nas quais conheciam, como conheceram, os novos produtos e, também, os próprios fornecedores desses produtos, com quem conviveram, privaram e estabeleceram relações, pessoais e comerciais.

38. A Ré havia adquirido, em 2005 e em Abril de 2006, amêijoa à empresa ‘LL’, que tem sede em Londres e não no Vietname.

39. A fornecedora habitual da entidade empregadora é a empresa denominada "DD", sediada na Coreia ... (em Seul) e com filial no Vietname.

40. A amêijoa que a administração da Ré habitualmente compra, para venda aos seus sócios, é a provinda do fabricante com a referência DL 84 e do tamanho 40/60 peças por quilo.

41. Ao passo que a "DD, Ld.ª" adquiriu amêijoa provinda do fabricante com a referência DL 22, sendo o tamanho da amêijoa 60/80 peças por quilo.

42. É facto sabido e pacífico, no ‘Grupo BB’ que a dita ‘CC, SA’, adquire, pelo menos, produtos idênticos aos comprados pela entidade empregadora, aos fornecedores comuns NN, OO PP QQ, RR, SS, TT, UU e VV, entre outros.

43. Produtos adquiridos, quer quando o dito CC era Presidente do Conselho de Administração do ‘Grupo BB’, quer depois de abandonar a administração, e que, posteriormente, chegaram, até, a ser revendidos pela ‘CC, SA’, a accionistas do ‘Grupo BB’.

44. Desde 14/2/2007 e até 12/3/2007, o Autor continuou a exercer as suas funções.

45. Por carta registada com A/R, datada de 28/2/2007, que constitui fls. 176/177, cujo teor se reproduz, o Autor comunicou ao administrador da Ré, Dr. FF, a renúncia à gerência da "DD, Ld.ª", manifestando-lhe a vontade de ceder a sua quota nessa sociedade, sem qualquer contrapartida financeira, a qualquer um dos sócios ou a quem quer que eles lhe indicassem para o efeito.

46. A renúncia à gerência, datada de 10/3/2007, foi registada em 14/3/2007.

47. Na mesma data foi registada a transmissão da quota do Autor àquele FF.

48.   As funções do A. junto dos fornecedores da Ré, como Director Comercial, são desempenhadas sem um controlo directo da sua actividade "no terreno".

49. Conjuntamente com FF, titular de uma quota no valor nominal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), GG, titular de uma quota no valor nominal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), o Autor constituiu a sociedade "DD, LD.ª", com sede na Rua ..., n.º …, em Matosinhos, na qual detém uma quota no valor nominal de € 3.000,00 (três mil euros).

50. O objecto social da aludida sociedade consiste em: "Armazenista de produtos alimentares congelados, transformação e congelação de pescados, legumes, mariscos e carnes, comércio dos mesmos produtos, importação e exportação e aluguer de frio".

51. Aquela sociedade encontra-se matriculada desde 8/9/2006 na 3.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto, sob o nº …, inscrita sob a Ap. ….

52. Aquela sociedade obriga-se em todos os actos e contratos, mediante a assinatura conjunta de dois gerentes, sendo sempre obrigatória a do Autor, enquanto foi gerente.

53. A sociedade que o Autor fundou e de que é gerente, efectuou diversas vendas à sociedade "HH, Ld.ª", com sede na Rua ..., n.º …, em Matosinhos, que é cliente da Ré, nomeadamente em 09/10/2006 vendeu "1.976,00 kgs. de Linguado Int. - Capturado no At. Centro Este Synaptura cadenati", ao preço unitário de € 2,70, acrescido de 5% de IVA, no valor total de € 5.601,96.

54. No dia 18 de Janeiro de 2007, a mesma sociedade adquiriu à sociedade "DD, LD.ª", "20 caixas – 360 Kgs. de Camarão 8B (120/140), capturado do At. Centro Este Parapenaeopsis atlântica", com um preço unitário de € 3,00, acrescido de 21% de IVA, no valor total de € 1.080,00.

55. Foram ainda efectuadas pela sociedade "DD, LD.ª", à sociedade denominada "II, Lda." as vendas a que se referem as facturas de fls. 418, 424 a 434, cujo teor se reproduz.

56. O Autor deslocou-se em viagem de serviço ao Vietname em Junho de 2006.

57. Os administradores da Ré estão autorizados a exercer actividades comerciais no âmbito do comércio e indústria de produtos alimentares congelados.

58. Na sequência da reunião ocorrida no dia 14/2/2007, foi elaborado o doc. de fls. 227, cujo teor se reproduz, assinado pelos Administradores da Ré presentes.

59. Depois de adquiridos pela Ré os produtos em causa, a sua comercialização era efectuada aos próprios sócios, directamente ou através de sociedades por eles detidas e dominadas.

60. Desde sempre, e com especial ênfase a partir de 2002, os sócios da Ré efectuaram aquisições de produtos alimentares congelados a par, e em simultâneo, da Ré.

61. Aquisições efectuadas, quer em relação a produtos que a Ré, de acordo com os seus critérios de gestão, se omitia de adquirir, quer em relação a produtos idênticos (em género, qualidade e características) aos que a Ré adquiria e possuía para venda aos sócios.

62. Como, também, especialmente a partir de 2002, os sócios da Ré importavam e comercializavam, vendendo inclusive a outros sócios da Ré, produtos idênticos aos que a Ré adquiria e possuía em stock.

63. Isto no que respeita ao mercado interno.

64. A Ré suportava mensalmente todos os custos relativos à utilização da viatura referida em 12., nomeadamente portagens, gasóleo, manutenção, reparação e seguro.

65. A Ré atribuiu ao Autor uma viatura para uso profissional, sendo a sua utilização autorizada para fins pessoais.

66. A Ré atribuiu ao Autor um telemóvel para uso profissional, nunca se tendo oposto à sua utilização para fins pessoais, suportando todos os custos da respectiva utilização pelo autor, em valor não inferior a € 80,00 mensais.

67. A ré pagou ao autor, pelo menos nos anos de 2005 e 2006, quantias não apuradas, a título de gratificação.

68. Após a aquisição do veículo referido em 12., o outro veículo de marca Audi A4, modelo 1900 TDI, de matrícula -RH, antes atribuído ao autor, com o valor venal de cerca de € 15.000,00, foi entregue pela ré ao autor, sem qualquer contrapartida monetária.

69. Quer na qualidade de legal representante da accionista CC, S.A., quer enquanto administrador, o Sr. CC desde sempre tem tido influência na vida e actividade comercial da ré.

70. O Sr. CC, na qualidade de legal representante da ‘CC, S.A.’, accionista da ré, e compradora, participa e opina nas reuniões efectuadas com os associados para vendas de produtos adquiridos pela ré (reuniões de vendas), apenas participando nas reuniões que semanalmente se efectuam para análise e decisão das aquisições de produtos para a ré (reuniões de compras), enquanto foi administrador.

71. Nas reuniões de compras apenas intervêm os administradores, e o autor, quer na qualidade de administrador, enquanto o foi, quer na qualidade de director comercial.

72. O aludido CC acede com total liberdade às instalações da ré.

73. As aquisições de produtos que o autor efectuava, em Espanha e noutros países, sempre se revelaram conformes às necessidades e giro comercial da ré.

74. Foi a convite do Administrador da Ré, FF, que o Autor aceitou integrar o capital social da sociedade "DD, Ld.ª".

75. Já em Outubro de 2006, a administradora da ré, à data, EE, sabia da existência da ‘DD, Ld.ª’, à qual a sociedade HH, Ld.ª, representada pela dita EE, havia adquirido produtos.

76. Todas as vendas efectuadas pela ‘DD, Ld.ª’ à HH, Ld.ª, foram sabidas pela administradora da ré, EE, desde Outubro de 2006.

77. O camarão adquirido pela "DD", era da marca K... e a ré tinha adquirido ao mesmo fornecedor camarão da marca B....

78. Quando a "DD, Ld.ª" adquiriu a amêijoa, em Dezembro de 2006, já a entidade empregadora tinha comprado amêijoa e possuía amêijoa em stock em quantidade suficiente para as necessidades.

79. Inexistindo qualquer recomendação ou ordem para que o A. procedesse à aquisição de tal produto desse artigo, pois era, nessa data, desnecessária.

80. As aquisições de produtos pela ré, em quantidade e qualidade, dependiam, em parte, das necessidades da ’CC, S.A.’, sendo esta uma das principais compradoras da ré.

81. No dia 14/2/2007 foi transmitido ao Autor o teor de uma carta, cujo envio pelo correio lhe foi anunciado como tendo sido já efectuado, e que se destinaria a comunicar-lhe a suspensão imediata das suas funções.

82. No final da reunião ocorrida no dia 14/02/2007, a pedido do autor, na qual estiveram presentes todos os administradores, com excepção da Presidente do Conselho de Administração, XX, que estava de férias, aqueles, comunicaram ao autor que tinham decidido aguardar pela Presidente para esclarecer e discutir o teor da notificação dirigida ao autor referida em 81., suspendendo a execução da suspensão preventiva.

83. No dia 16/02/2007, o autor acedeu às instalações da ré antes da 9:00h, abandonando-as pouco depois.

84. No dia 16/02/2007, o autor esteve presente na ‘CMR – Centro de Radiologia da Maia, Serviços Médicos, S.A.’, para exames da especialidade de cardiologia das 9:00h às 10h30m.

85. Além das quantias discriminadas no documento de fls. 126, cujo teor se reproduz, a ré pagou ao autor, em numerário, a quantia de € 2.112,50.

86. A ré entregou ao autor o certificado de trabalho e a declaração destinada a obter as prestações de desemprego em Julho de 2007, após pedido do autor, incluindo por fax e por carta.

87. O autor contou aos colegas de trabalho, que comentaram, os factos que lhe foram imputados no processo disciplinar.

88. Na sequência da instauração do processo disciplinar e do despedimento, o autor tornou-se numa pessoa irritadiça, explosiva e nervosa, com dificuldades a adormecer.

89. O autor tomou conhecimento do teor da carta de 12/02/2007, no dia 14/02/2007.

90. O autor interveio na compra, pela ‘DD, Ld.ª’, de camarão da Nigéria e de amêijoa do Vietname, dando informações sobre a intenção de venda do fornecedor.

91. A ‘DD, Ld.ª’ fez negócios com a ‘LL’, fornecedora da ré.

92. Após a comunicação referida em 89., e a reunião referida em 82., o autor continuou a exercer as suas funções até 12/03/2007, tendo entregue o veículo, o telemóvel, o cartão de crédito e as chaves do imóvel em 05/06/2007.

93. A decisão da Ré de não se celebrar o negócio de linguado a capturar em África também foi aprovada pelo administrador da Ré, FF, o que era do conhecimento do Autor.

94. O autor efectuou contactos com fornecedores e clientes em nome e em representação da ‘DD, Ldª’.

95. A sociedade HH – Comercialização e Industria de Produtos Alimentares, Ld.ª, tem como sócios e gerentes, entre outros, CC e EE (doc. fls. 1272 a 1277).

96. O Conselho de Administração da ‘CC, S.A.’, no triénio 2005/2007, era composto por XX, ZZ e AAA, este substituído por CC, em 17/08/2006, mantendo-se a composição no triénio de 2008/2010 (doc. de fls. 1278 a 1283).

97. A sociedade II – Produtos Alimentares, Ld.ª, tem como sócio maioritário e gerente BBB, obrigando-se pela intervenção da gerente XX (doc. de fls. 1284 a 1289)

98. No triénio 2000/2002 o Conselho de Administração da ré era composto por CC, CCC, AA (o autor), DDD e EEE (doc. de fls. 1454 e segs.).

99. No triénio 2006/2008 o Conselho de Administração da ré era composto por XX, FF, FFF, GGG e EE, os quais cessaram funções, por renúncia, em 31/03/2007 (doc. de fls. 1454 e segs.).

100. Por deliberação de 31/03/2007, foi designada nova administração para o triénio 2007/2009 composta por CC, XX e FFF (doc. de fls. 1454 e segs.).

101. A Ré obriga-se pela assinatura de dois administradores ou de um administrador e um mandatário.

102. O autor recebeu a decisão final do processo disciplinar no dia 24/05/2007 (doc. de fls. 1428).

                                            __

B.2 – Os Factos e o Direito.

Conhecendo.

Previamente porém:

Irresignada, a R. interpôs recurso independente de Revista.

O A./recorrido, não só requereu, na respectiva contra-alegação, a ampliação do âmbito do objecto do recurso, nos termos consentidos pelo art. 684.º-A do C.P.C.[3], como também deduziu recurso subordinado.

Os recursos são apreciados, por via de regra, pela ordem da sua interposição.

Sabido, porém, que a solução alcançada em qualquer um dos recursos é susceptível de repercutir-se no tratamento e decisão do outro – … indiferentemente da sua natureza subordinada ou autónoma – impõe-se-nos ponderar, antes de prosseguir, acerca da prioridade de conhecimento das pretensões recursórias formuladas, nomeadamente conferindo se a questão ou questões propostas na Revista subordinada (e, em caso afirmativo, quais) pode/m prejudicar a temática objecto do recurso principal.

Vejamos então.

Como deflui do enunciado conclusivo que fecha a motivação da Revista subordinada, o A. visa fundamentalmente a alteração do quadro de facto estabelecido pelas Instâncias, não obstante estar certo, como adianta, dos comandos legais que tornam insindicável a decisão sobre a matéria de facto proferida pela Relação.

Porque, em caso de procedibilidade, esta pretensão – como o mais a que adiante se aludirá – pode ter reflexos no conteúdo da materialidade da causa e contender, de algum modo, com a solução do objecto do recurso independente, por aqui se começa, pois.

1. Do recurso subordinado.

Tendo presente que apenas é lícito a este Supremo Tribunal debruçar-se e decidir sobre a aplicação que as Instâncias efectuaram quanto a regras de direito probatório material – sic, a fls. 2856 dos Autos – o recurso deduzido versa, contudo, sobre a decisão tomada no Acórdão recorrido quanto à matéria de facto respeitante aos pontos 7, 12 a 15 e 45, 8 a 10, 16 a 18 e 11, 47 e 48 da B.I., no pressuposto de que foram nela violadas regras de direito probatório material.

Como se concluirá adiante, o A./recorrente carece de razão.

Os poderes do S.T.J., no que tange à modificabilidade da decisão de facto, são residuais, limitando-se exclusivamente, conforme sobredito, à apreciação da observância ou não das regras de direito material probatório.

Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, cumprindo assim a sua vocação-regra, plasmada então no art. 26.º da LOFTJ (ora no art. 33.º, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto): …o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito.

A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do art. 722.º, como prescreve o n.º 2 do art. 729.º do C.P.C.

O (eventual) erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art. 722.º, n.º 2.

Só quando se entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando ocorram contradições naquela decisão que inviabilizem a solução jurídica do pleito, é que se determinará, nesta sede, que o processo volte ao tribunal recorrido para o devido efeito – n.º 3 do art. 729.º do mesmo diploma.

De nenhuma dessas concretas situações se trata nos identificados pontos da B.I., que aliás foram oportunamente considerados/desatendidos no Acórdão revidendo aquando da reapreciação da prova a que procedeu, em termos que lembramos e a que se faz reporte.

 Não é juridicamente sustentável, pois, neste âmbito, por força da enunciada limitação de cognoscibilidade, o apelo a presunções, enquanto ilações extraídas da matéria de facto assente, (as presunções judiciais são juízos de valor tirados de factos provados, inspiradas na lógica, nas regras empíricas da experiência comum e em intuídas noções de probabilidade, redundando, por isso, em julgamento da matéria de facto), não se mostrando factualizado, para além disso, o reclamado cenário da confissão provocada, enquanto reconhecimento, pela parte, de factos que lhe sejam desfavoráveis e favoreçam a parte contrária (arts. 352.º e 356.º do Cód. Civil).

No mais aduzido, diremos, vale o adiantado entendimento que suporta a regra da intangibilidade da decisão de facto, maxime quanto à fundamentada (in)consideração, pelas Instâncias, por inverificação dos respectivos requisitos, das circunstâncias pretendidamente determinantes da inversão do ónus da prova (arts. 519.º/2 do C.P.C., conjugado com o n.º 2 do art. 344.º do Cód. Civil).

O restante acervo/argumentário da alegação, adrede produzido, não pontualmente abordado, mostra-se, mutatis mutandis, igualmente inconsequente.

 Não se acolhem, por isso, as correspondentes asserções conclusivas, sem embargo da abordagem e solução das demais, que a subsequência expositiva possa oportunamente justificar.

                                            __

2. – Pelas mesmas razões de lógica prejudicialidade, como acima anunciado, importará que nos detenhamos, antes de avançar, na requerida ampliação do âmbito do recurso.

Reza o art. 684.º-A do C.P.C. que no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o Tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação.

Como resulta da transcrição supra, o Acórdão sob censura não ratificou a sentença apelada em que se decidira pela assunção, por banda do A., de um comportamento culposo e grave, havido como justa causa para o cominado despedimento, conduta essa caracterizada como patente violação do dever de lealdade.

O fundamento da deliberação sob protesto, que, revogando a sentença, proclamou decisão no sentido da ilicitude do despedimento – acolhendo, assim, a tese do A./apelado – analisa-se, em suma, no reconhecimento da violação do referido dever de lealdade, mas em termos significativamente mitigados que, enquanto tal, não assumiu, na perspectiva culpa/ilicitude, a densidade normativa postulada pela noção de justa causa para despedimento.

Resta saber, em bom rigor e rectas contas, se, ante o enunciado da previsão, se mostra válida, e por isso pertinente, a requerida ampliação do âmbito do recurso, relembrando para o efeito a motivação e o acervo conclusivo alinhado a propósito pelo recorrido e acima transcrito.

Compulsado, constata-se que o recorrido se reporta, afinal, não só à questão substantiva da violação do dever de lealdade, mas também às suscitadas (mas desatendidas) questões das (oportunamente arguidas) nulidade do processo disciplinar e da caducidade.

Se, quanto à primeira (violação do dever de lealdade) tudo aconselha que a mesma seja abordada aquando do tratamento da Revista interposta pela R. (da qual constitui o único objecto, aliás, sendo duvidoso – …embora se conceda – que, face à a economia da decisão, essa questão assuma autonomia enquanto fundamento em que a parte vencedora decaiu, antes se confundindo praticamente com a qualificação/valoração da respectiva factualidade, pressuposto do juízo final sobre a idoneidade ou não da factualizada conduta enquanto justa causa de despedimento), atentemos nas demais.

Reedita o recorrido, nesta sede, os argumentos já refutados, quer na sentença, quer no Acórdão que os reapreciou, relativos à temática da (desatendida) caducidade, pretensão que mereceu da Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta as cabidas considerações – in ‘Parecer’, a fls. 2940, a que nos reportamos – em cujos termos a invocada pretensão utiliza um argumento ‘ad absurdum’, que repugna ao senso comum, ao pretender-se que um administrador da R., que convida o A. para criar uma sociedade como a constituída ‘DD’, estivesse simultaneamente legitimado para instaurar-lhe um processo disciplinar por tal façanha, ou devesse dar conhecimento disso à sociedade Ré para o respectivo efeito…

E, na verdade – para além da tese ser falha de apoio jurídico consistente, como adequadamente se decidiu na sentença, segmento decisório que o Acórdão revidendo ratificou, de modo sóbrio mas bastante, que sufragamos, e a que nos reportamos – acolher-se o pretendido entendimento não deixaria de ser de todo irrazoável, por óbvias razões.

É efectivamente o conselho de administração que detém exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade, exercidos estes conjuntamente pelos administradores, ficando a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos administradores ou por eles ratificados, ou por número menor destes fixado no contrato de sociedade – assim se contém no n.º 2 do art. 405.º e no n.º 1 do art. 408.º, ambos do CSC (Código das Sociedades Comerciais).

Ainda que se quisesse enquadrar a factualizada actuação do A. na previsão do n.º 3 do referido art. 408.º (‘As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos administradores’…) – operação obviamente desvirtuada, no mínimo, não se vendo como possa prefigurar-se como tal, em qualquer perspectiva contida na vocação da previsão, o convite/envolvimento de um administrador com o A. no referido desiderato de constituição da identificada sociedade… – mesmo assim a pretensa notificação/declaração de um administrador cujo destinatário seja (como teria de ser, no caso) a própria sociedade em que se integra, deveria ser dirigida ao presidente do conselho de administração, ou, sendo ele o autor ou não havendo presidente, ao conselho fiscal, como prescreve o n.º 4 da mesma norma, circunstancialismo que se não mostra minimamente verificado.

E sabido que o A., sendo perfeito conhecedor de todo o contexto genético da proposta de constituição da sociedade para que avançou, com o escopo acima definido, (assumindo-se como sócio fundador maioritário, sem cuja assinatura, enquanto foi gerente, a mesma não se obrigava), com esta a realizar diversas vendas v.g. à sociedade ‘HH, Ld.ª’, que é cliente da R., e à ‘II, Ld.ª’ – nomeadamente as factualizadas nos itens 53, 54 e 55 da FF[4] – não pode aceitar-se, à luz da compreensão e sentido crítico do cidadão comum, aferidos pelo padronizado critério do bonus paterfamilias, a esgrimida argumentação de que o A. interiorizou a convicção de que a conduta do identificado administrador foi normal e sobretudo lícita, pretendendo significar-se, com a asserção, que o A. agiu, no dito conspecto, com falta de consciência da ilicitude da sua participação na dita sociedade ‘DD’, como o próprio alega a fls. 2959 dos autos.

Não pode acolher-se, pois, tal aduzido argumentário, e, menos, consequentemente, reter os efeitos que dessa fundamentação se pretendiam retirar.

                                            __

No que concerne à pretensa arguição da nulidade do processo disciplinar, é igualmente falha de razão a reiterada tese do A.

Servindo-se da oportunidade, insiste o aqui recorrido em que a omissão das diligências probatórias por si requeridas constituem causa de nulidade do PD, uma vez que os factos (falta de culpa e boa-fé) que com isso visou que fossem apreciados pelo instrutor eram essenciais à sua defesa e não foram tidos em conta na decisão de despedimento, significando que, deste modo – não juntando a R. e não apreciando os documentos …que lhe não dá jeito para o efeito do projectado e anunciado despedimento, como ocorreu com o mapa de férias e a acta que autoriza os seus administradores a exercerem actividade similar, concorrente ou não… – se violou o disposto nos arts. 413.º e 414.º do Código do Trabalho e 32.º da C.R.P.

O prazo de que dispõe o trabalhador, como se estabelece na primeira das citadas previsões, visa possibilitar-lhe a consulta do processo e a resposta à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.

No desenvolvimento da ‘instrução’, o empregador poderá não proceder às diligências requeridas na resposta à nota de culpa, contanto que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito – assim se preceitua naquelas duas primeiras normas que, reportadas ao art. 430.º/2, b), da mesma Codificação, concretizam, na Lei ordinária, o comando programático Constitucional segundo o qual são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa em quaisquer processos de feição sancionatória (n.º 10 do art. 32.º da C.R.P.).

A deliberação sub judicio manifestou total concordância com o adrede ajuizado na sentença, a cuja fundamentação se reportou, transcrevendo-a, por concluir que a mesma traduziu uma correcta aplicação do Direito e Jurisprudência citada aos factos provados.

Tudo revisto e ponderado, a solução aí alcançada não nos suscita qualquer reparo ou censura, antes concitando o nosso inteiro sufrágio.

A transcrita fundamentação do correspondente excerto da sentença, que se subscreve nos seus traços essenciais, é do seguinte teor:

«Importa, pois, apreciar a nulidade decorrente da violação do direito de defesa do autor, por não terem sido juntos os documentos requeridos na resposta à nota de culpa, cuja junção foi deferida pelo instrutor.

Para tanto, importa considerar que nos termos do disposto pelo art. 430.º, n.º 1, do Código do Trabalho o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ilícito se o respectivo procedimento foi inválido e que uma das causas de invalidade é, nos termos do n.º 2, b), da mesma disposição legal, o desrespeito pelo princípio do contraditório, nos termos enunciados nos arts. 413.º, 414.º e 418.º, n.º 2, todos do Código do Trabalho.

Na verdade, o processo disciplinar organizado com vista ao despedimento por facto imputável ao trabalhador, pelas suas consequências, que se produzem ao nível dos erigidos direitos a direitos fundamentais, direito ao emprego e à segurança no emprego (art. 53.º da Constituição da República Portuguesa) tem de respeitar e encontra os seus limites nos princípios da defesa e do contraditório do trabalhador (art. 32.º, n.º 10, da C.R.P.).

Assim, nenhuma decisão que implique a responsabilidade disciplinar do trabalhador (art. 371.º do Código do Trabalho) e, em especial, se dela puder resultar a perda de emprego, pondo em causa a realização pessoal e até a subsistência do trabalhador e do seu agregado familiar, poderá ser tomada sem que o trabalhador seja ouvido e tenha oportunidade de demonstrar o que diz em sua defesa.

Por isso, se encontra prevista a possibilidade de o trabalhador, notificado da nota de culpa, no prazo de 10 dias, consultar o processo e apresentar a sua defesa, por escrito, com os elementos que considere relevantes, juntando documentos e solicitando a realização de diligências probatórias pertinentes para o esclarecimento da verdade (art. 413.º do Código do Trabalho), sob pena de o processo ser inválido e o despedimento ilícito.

Por isso, também, o empregador é obrigado a fazer as diligências requeridas pelo trabalhador, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito, sob pena de o processo ser inválido e o despedimento ilícito.

A questão perante qual estamos colocados é a de saber se, no caso dos autos, foi violado o direito de defesa do trabalhador por não terem sido juntos ao processo disciplinar os documentos que o autor requereu na resposta à nota de culpa, na parte em que tal requerimento foi deferido pelo instrutor do processo.

A este propósito afigura-se-nos oportuno reproduzir, pelo menos em parte, o teor do Ac. STJ de 25/06/2009, in www.dgsi.pt. com o qual concordamos na íntegra.

Ali se lê o seguinte, ainda que reportado à interpretação do art. 10.º do DL 64-A/89, que no que aos presentes autos diz respeito, mantém toda a actualidade quando referido ao disposto pelo art. 413.º e segs. do Código de Trabalho de 2003: "(...) o objectivo da lei, ao conferir ao trabalhador o direito de juntar documentos e requerer diligências probatórias, foi o de lhe dar a possibilidade de colocar ao alcance da entidade empregadora elementos tendentes à prova dos factos alegados, na resposta à nota de culpa, para melhor a habilitar a proferir a decisão, e que as diligências probatórias a que se referem os n.ºs 4 e 5 do art. 10.º são necessariamente as diligências tendentes a dar conhecimento à entidade que conduz o processo de algo de que esta, à partida, não tem conhecimento, para que pondere o elemento probatório que lhe é trazido pela defesa e, depois, conclua pela verdade ou inverdade do facto que aquele é susceptível de demonstrar. Neste contexto, e perante a não realização de alguma das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, o que importa averiguar é se estamos perante uma verdadeira diligência probatória e, no caso afirmativo, se tal diligência era relevante para a defesa do trabalhador.

Assim, quando os documentos ou elementos cuja junção foi requerida pelo trabalhador são documentos ou elementos que são da autoria do empregador ou que já estão na posse, deve entender-se que a junção dos mesmos não é uma verdadeira diligência probatória, para efeitos do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 10.º, uma vez que, nesse caso, o que o trabalhador realmente solicita é que o empregador aprecie documentos ou elementos que já estão na sua posse e, que por isso, não pode desconhecer.

Ao juntar tais documentos, o empregador não realizaria em rigor qualquer diligência probatória; limitar-se-ia a praticar o acto material de colocar no processo disciplinar documentos que já eram do seu conhecimento e que estavam em seu poder".

No caso em apreço, na resposta à nota de culpa, além dos demais documentos cuja junção foi indeferida pelo instrutor por entender que os mesmos não tinham qualquer interesse para a decisão, o autor requereu e o instrutor deferiu a junção aos autos dos seguintes documentos: cópia da acta da reunião do CA, na composição que tinha à data, ou que tinha tido até à data da prática dos factos imputados ao autor, na qual foi deliberada a autorização dos administradores a exercerem actividades concorrenciais com a arguente, o registo disciplinar do autor e mapas de férias relativos ao autor dos últimos 5 anos.

Tais documentos não foram juntos ao processo disciplinar, tendo a decisão final do processo disciplinar sido proferida sem eles.

Porém, face às considerações constantes do douto acórdão do STJ acima reproduzidas, afigura-se-nos que não se pode concluir que a não junção daqueles documentos constitui qualquer violação do direito de defesa do autor.

De facto, tal como se concluiu também naquele Acórdão, independentemente de sabermos se aqueles documentos eram ou não relevantes para a defesa apresentada pelo autor, a sua junção ao processo disciplinar não pode ser considerada uma verdadeira diligência de prova, para os efeitos do disposto pelos arts. 413.º e 414.º do Código do Trabalho, por se tratar de documentos internos da própria R. e que, por isso, esta não ignorava, nem podia ignorar.

Daí que, em nosso entender, improceda a invocada nulidade do processo disciplinar por violação do direito de defesa do autor».

Com efeito, visando o A., em termos da sua defesa, tentar demonstrar a sua ‘falta de culpa e boa-fé’ com os alegados meios de prova documentais, na posse da própria empregadora – elementos a apreciar pelo instrutor e a levar em conta na decisão disciplinar – mostra-se patente que não se trata de verdadeiras diligências de prova, em sentido próprio, no âmbito da vocação prevista na citada previsão.

A conclusão acerca da qualificação da sua actuação (‘falta de culpa e boa-fé) em nada dependia/dependeu, como se concederá, da junção ou não de documentos (da R.) como o mapa de férias, do registo disciplinar e da reclamada acta, para além do que foi oportunamente relevado e se mostra factualizado.

Como bem considera a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta (fls. 2940-41), a não junção de tais documentos em nada afectou o direito de defesa/contraditório do A.

A pretendida junção desses elementos elaborados pela R., e na sua posse, não se destinava propriamente à refutação/neutralização da factualidade imputada, em termos de defesa efectiva.

 Visando-se tão-somente, como deflui da alegação, ‘atestar’ a postura psicológica do A., no contexto, não são de considerar tais pretendidas diligências probatórias pertinentes para o esclarecimento da verdade.

A não junção dos identificados documentos ao PD não constitui por isso violação do direito de defesa do arguido disciplinar.

Não foram violadas, por conseguinte, as referidas normas.

                                            ___

3. - Da Revista da Ré.

O Acórdão sub specie, concedendo parcial provimento à apelação interposta pelo A., revogou a sentença, na parte impugnada e, declarando a ilicitude do despedimento, condenou a R. em conformidade (reportamo-nos ao dispositivo a fls. 2635).

Reagindo, a R. delimita o objecto da impugnação, conforme ponto II, a fls. 2693 dos Autos, à questão primordial de saber se a constituição, pelo A., de uma sociedade comercial concorrente com a da empregadora patronal configura, ou não, justa causa para o cominado despedimento.

1. As Instâncias não coincidiram na solução do litígio.

Enquanto a sentença julgou a acção improcedente, o Acórdão que a apreciou, e que ora se sindica, concluiu que o despedimento promovido pela R. é ilícito, nos termos da alínea c) do art. 429.º do Código do Trabalho/2003.

Ao debruçar-se sobre a identificada questão nuclear, a deliberação revidenda valeu-se – reproduzindo-a, em parte significativa – da fundamentação jurídica da sentença no que tange, também e antes de mais, à delimitação do quadro normativo de subsunção, que, adequadamente caracterizado, subscrevemos na sua generalidade.

2. Com efeito – e em síntese (quase) esquemática:

Sob a epígrafe ‘Segurança no emprego’, a C.R.P. consagrou no seu art. 53.º a garantia aos trabalhadores de que são proibidos os despedimentos sem justa causa, proibição que o art. 382.º do CT/2003 textualmente reproduz.

Dispõe-se no n.º 1 do art. 396.º/1.º deste Compêndio – em termos praticamente coincidentes com a noção antes constante do art. 9.º/1 da LCCT – que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

A relação juslaboral é, como se sabe, tendencialmente duradoura ou de execução duradoura.

A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa (havida como uma organização de meios materiais e humanos), um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva.

Do elenco gradativo das previstas sanções disciplinares (art. 366.º), o despedimento sem qualquer indemnização ou compensação surge como a ‘ultima ratio’, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.

Estes são os casos de justa causa de despedimento, com os contornos delimitados pela referida noção/cláusula geral, preenchida por um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo juslaboral, impossibilidade perspectivada enquanto inexigibilidade da sua manutenção, como é entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime, pacífico e reiterado.

Na respectiva apreciação, para além das circunstâncias que se mostrem particularmente relevantes no caso, ponderam-se, com objectividade e razoabilidade, os factores a que alude o n.º 2 do art. 396.º, aferindo-se a final a gravidade do comportamento em função do grau de culpa e da ilicitude, como é regra do direito sancionatório, nela incluído necessariamente o princípio da proporcionalidade, convocado aquando da opção pela adequada sanção disciplinar – art. 367.º.

O despedimento-sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador[5].

No desenvolvimento do princípio geral da boa fé na execução do contrato de trabalho, plasmado no art. 119.º/1 (‘O empregador e o trabalhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé’), é dever do trabalhador, dentre outros, o de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios – art. 121.º, n.º 1, alínea e), igualmente mantido no homólogo art. 128.º/1, f), do Código do Trabalho revisto/2009.

Adoptando o critério classificativo laboral proposto por Herschel, Maria do Rosário Palma Ramalho[6] – na esteira das referências já antes aportadas na doutrina nacional, v.g. por Meneses Cordeiro e J. Moreira da Silva – qualifica o referido dever do trabalhador, (com outros, v.g., os deveres de respeito e urbanidade e de custódia) como deveres acessórios autónomos, os quais, não dependendo propriamente da prestação principal (a actividade laboral), surgem com a celebração do contrato (maxime o dever de lealdade), mantêm-se ao longo da sua execução, subsistem nas situações de não prestação do trabalho e/ou de suspensão do contrato e perduram mesmo para além da cessação do vínculo.

Subscrevendo as suas clarividentes considerações, secundadas por outros igualmente ilustres Autores da nossa doutrina (identificados na nota 337, a fls. 420, ibidem), diremos que o dever de lealdade (significando genericamente honestidade, honradez, pundonor), assume no contrato de trabalho uma dupla dimensão, sendo considerado, na sua ambivalência, como o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato.

Referimo-nos concretamente à sua específica singularidade relativamente aos demais vínculos obrigacionais: o seu ‘intuitu personae’, o envolvimento pessoal do trabalhador na conformação da relação contratual.

Na sua dimensão restrita (ibidem, pg. 421), o dever de lealdade concretiza-se essencialmente no dever de não concorrência e no dever de sigilo.

 O primeiro ‘veda ao trabalhador a negociação, por conta própria ou alheia, nas áreas em que possa concorrer com a actividade desenvolvida para o seu empregador.

Nesta concretização, o dever de lealdade impõe restrições à liberdade que assiste ao trabalhador de exercer outra actividade profissional fora do tempo de trabalho passado na empresa (…), pelo que só haverá incumprimento deste dever quando se observe uma efectiva concorrência entre as duas actividades em questão, ou porque se inserem na mesma área – e desde que a actividade suplementar seja susceptível de vir a prejudicar o negócio do empregador – ou porque aquela actividade desvia ou pode desviar clientes ao empregador’.

Complementa-o o dever de sigilo, que – impondo genericamente ao trabalhador que guarde segredo sobre as informações essenciais que possua acerca da organização, negócios, clientes, métodos de produção, etc., do seu empregador – vê a sua densificação e extensão directamente dependentes da natureza das funções que lhe estão confiadas na estrutura organizativa em que se insere e do correspondente grau de confiança nele depositada.

3. Isto posto, voltemos à decisão sob censura.

Reproduzindo a fundamentação adrede expendida na sentença que sindicou – e concordando embora com a conclusão aí alcançada de que a conduta do A./trabalhador configura afinal uma violação do dever de lealdade – a deliberação sujeita dissentiu, todavia, do entendimento firmado quanto à relevância da conduta desviante do A., considerando não constituir a mesma um comportamento com a gravidade e consequências postuladas pela noção de justa causa constante do art. 396.º/1 do Código do Trabalho.

Nestes termos (transcrevemos o excerto correspondente):

«Vejamos o caso dos autos.

A decisão de despedimento do autor fundamentou-se em dois núcleos de questões: a constituição pelo autor conjuntamente com um administrador da ré, de uma sociedade comercial cujo objecto social e actividade era concorrente daquela, cooperando com uma conduta reprovável de um administrador da entidade empregadora, e a desobediência à ordem de suspensão preventiva, recusando a entrega da chave das instalações, do carro e do telemóvel, o que remete a discussão para o âmbito dos deveres de lealdade e obediência a que se referem as als. e) e d) do n.º 1 do art. 121.º do Código do Trabalho, respectivamente.

É cada vez mais inquestionável a relevância do dever de lealdade a que se encontram sujeitos os trabalhadores no âmbito da relação que estabelecem com o empregador, enquanto corolário do dever geral de boa fé e de cooperação para a obtenção da maior produtividade (art. 119.º do C.T.), com inevitáveis reflexos ao nível da própria segurança no emprego.

Nesse sentido dispõe o referido art. 121.º, n.º 1, e), do C.T. que o trabalhador tem o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.

Como se lê no Ac. do STJ de 09/04/2008, e se reitera do Ac. RP de 23/11/2009, ambos in www.dgsi.pt "A violação do dever de lealdade, através da criação de uma situação de concorrência pelo trabalhador, não exige ou implica a efectividade de prejuízos para o empregador em causa, nem o efectivo desvio de clientela, sendo suficiente que esse desvio seja potencial, isto é, não é imperioso que se verifique a prática efectiva de negócios, bastando que o comportamento do trabalhador seja meramente preparatório de molde a criar a expectativa de uma actividade concorrencial".

Para que haja violação daquela obrigação, não é, pois, necessário que se verifique a prática efectiva de "negócios" no sentido corrente do termo; basta a criação de um perigo específico de perda de clientela.

Nas palavras de Monteiro Fernandes, citado no supra referido Ac. STJ de 14/07/2010, in www.dgsi.pt. «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de "execução leal" tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de "perigo" (…) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa …), sendo que, nos cargos de direcção ou de confiança, «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador», o que aponta no sentido de que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e que, encarado de um outro ângulo, «apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», «com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT», donde promana, «no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional – razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja "no contrato", isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte» (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234).

No caso dos autos, ficou demonstrado que a ré tem como objecto social o comércio, indústria, importação e exportação de produtos alimentares frescos e congelados, tendo sido criada para constituir, como desde sempre e até hoje ocorreu, uma central de compras dos seus associados, pessoas individuais ou colectivas que importam, exportam e vendem produtos alimentares congelados. Visavam os seus sócios conseguir comprar os produtos em maiores quantidades e consequentemente, em condições mais vantajosas do que as que lograriam obter se as efectuassem isoladamente, pelo que deveriam, ainda que não obrigatoriamente, canalizar para a ré as necessidades de aquisições desses produtos de forma a que fosse a ré a adquiri-los. As aquisições da ré eram, pois, decididas em função das quantidades de produtos que os sócios careciam ou do interesse da maioria dos sócios na compra dos mesmos.

Juntamente com FF (titular de uma quota de 1500,00), à data administrador da ré, e com GG (titular de uma quota de 1500,00), o autor, director comercial da ré e à data seu accionista, em Setembro de 2006, constituiu a sociedade DD, Ld.ª, sendo titular de uma quota de € 3 000,00.

O objecto social desta sociedade era de armazenista de produtos alimentares congelados, transformação e congelação de pescados, legumes, mariscos, carnes, comércio dos mesmos produtos, importação e exportação e aluguer de frio.

O autor, além de sócio maioritário, era um dos gerentes desta sociedade, a qual se obrigava mediante a assinatura conjunta de dois gerentes, sendo obrigatória a assinatura do autor.

Presidiu à constituição da sociedade DD, Ld.ª um negócio de aquisição de linguado que havia sido proposto à ré e que esta, com a concordância do administrador FF, o que era do conhecimento do autor, expressamente recusara celebrar por entender que essa aquisição não era adequada ao seu giro comercial, nem satisfazia as suas necessidades desse tipo de produto.

Enquanto efectuado pela DD, Ld.ª, o negócio foi pessoalmente ajustado, contratado e executado pelo sócio do autor e administrador da ré, FF, face aos conhecimentos que ele tinha enquanto administrador da ré. Ou seja, uma vez rejeitado pela ré o negócio, um dos seus administradores que concordara com a rejeição, resolveu aproveitar o negócio, convidando, para o efeito, o autor, que aceitou constituir a dita sociedade DD.

É evidente que a não realização do negócio pela ré não foi causada pela realização do negócio pela DD, Ld.ª. Mas a inversa já é verdadeira, demonstrando cabalmente que mais do que sobreposição, pelo menos parcial, dos objectos sociais das duas sociedades, se verificava uma sobreposição das respectivas áreas de negócio e mercados.

De resto, ficou demonstrado que a DD, Ld.ª contratou os serviços do mesmo despachante alfandegário da ré e que tem como fornecedores empresas como a LL e a KK, que também são fornecedoras da ré, e que fez vendas a empresas que também são clientes da ré, como a HH e a II.

Apesar do fim com o qual a ré foi constituída e com o qual opera no mercado, face aos factos apurados não podemos deixar de concluir que a sociedade DD, Ld.ª tem uma actividade concorrente com a da ré.

É certo que a DD não foi constituída, nem funciona como central de compras, mas não é menos certo que as duas sociedades negoceiam no mesmo sector e ramo de actividade e tendo como clientela, ainda que potencialmente, as mesmas empresas.

Veja-se que os sócios da ré não se limitam a comprar à ré, nem sobre eles existe qualquer obrigação de o fazer, já que como ficou provado eles efectuavam aquisições a par e em simultâneo com a ré, quer quanto a produtos de que a ré não dispunha, quer quanto a produtos de que a ré dispunha e que vendiam inclusivamente uns aos outros produtos idênticos aos que a ré adquiria e possuía em stock para venda.

Ora, o autor é trabalhador da ré desde 1 de Abril de 1989 e desempenhava as funções de Director Comercial da ré.

Tinha como funções efectuar prospecção de mercados, informando e apresentando à administração e sócios da Ré preços e produtos (com menção das suas características e qualidades), propor a aquisição de novos produtos, colher propostas de preços e quantidades junto de fornecedores, apurar nos mercados e fazer saber à Ré, dando conselho e opinião, sobre eventuais rupturas de stocks de produtos e vantagens em aquisições de larga escala, estabelecimento das condições de venda, selecção dos compradores e realização dos negócios de vendas nas exportações/trocas intracomunitárias e outras, inerentes a sua categoria profissional.

Mesmo com as limitações introduzidas relativamente às ordens de compra cuja autorização ou pelo menos confirmação por um administrador, passou a ser exigida a partir de Maio de 2005, o autor tinha no exercício daquelas suas funções, pela própria natureza destas, uma acentuada autonomia e um peso significativo na actividade da ré, contactando fornecedores, negociando preços, condições de entrega, deslocando-se às feiras.

Tinha também um elevado nível de acesso às informações relativas ao mercado e sobretudo ao negócio e organização da ré, participando mesmo nas reuniões do conselho de administração em que eram decididos os produtos a adquirir pela ré.

Tinha uma posição, como todos aqueles que têm funções de direcção, de elevada confiança, em que o controlo da sua actividade se exerce de forma difusa e indirecta.

Ao aceitar o convite do administrador da ré para integrar a DD, ao intervir em negócios e efectuar contactos com fornecedores e clientes em nome e em representação da DD, mantendo simultaneamente a sua posição de Director Comercial da ré, o autor aceitou a sua participação numa empresa que não podia ignorar ser, pelo menos, potencialmente concorrente da ré, violando o seu dever de lealdade para com a sua entidade empregadora, apresentando-se num mercado em que sempre actuou, como lhe era exigível, em representação da ré, também como representante de uma outra sociedade do mesmo ramo de actividade, sendo o seu comportamento susceptível de prejudicar a posição da ré no mercado.

É indiferente se o camarão, a amêijoa ou qualquer outro produto que a DD comprou, com ou sem intervenção do autor, era ou não de calibre diferente do que é comercializado pela ré. O que é relevante é que se trata de produtos que a ré podia e pode, se e quando assim o entender, comercializar e que para isso, enquanto teve o autor ao seu serviço, era ele que em primeira linha tinha conhecimento e negociava as condições do negócio.

Não se discutiu nos autos se o autor tinha a intenção de utilizar os conhecimentos adquiridos no exercício das suas funções na ré, em proveito da DD, Ld.ª, nem se a ré deixou de fornecer produtos aos seus clientes por estes os terem comprado à dita DD em condições mais vantajosas, porque tais afirmações ainda que feitas no processo disciplinar ali assumiram carácter manifestamente conclusivo.

Mas, como já vimos, para a violação do dever de lealdade, na sua vertente da não concorrência, não é necessária a existência de concretos negócios, nem a consumação dos prejuízos, basta que o comportamento adoptado seja susceptível de os vir a causar.

E, no caso em apreço, não temos dúvidas de que o facto de o autor integrar a sociedade DD, Ld.ª, a operar no mercado, era potencialmente gerador de perda de clientela para a ré.

Não se ignora que, tal como ficou retratado na matéria de facto provada, o mercado em causa tem limites, do ponto de vista da concorrência, algo difusos. Porém, não está em causa nos autos apreciar a ética do relacionamento entre as empresas a operar no sector, mas o relacionamento de um trabalhador com a sua entidade empregadora, que se pauta por critérios necessariamente diferentes.

O autor, sendo como é trabalhador dependente da ré, ainda que seja simultaneamente seu accionista, não pode, pois, reclamar para si o estatuto igual ao dos sócios não trabalhadores, já que a qualidade de sócio não tem qualquer consequência sobre o vínculo contratual e a manutenção dos direitos e deveres que dele resultam e o constituem.

Nem tão pouco pode reclamar para si o estatuto igual aos dos administradores da ré (estes sim autorizados a exercer actividades concorrenciais no âmbito do comércio e indústria de produtos alimentares congelados), mesmo que também o autor tenha sido administrador da ré, porquanto tal apenas aconteceu no triénio 2000/2002.

Não temos, assim, dúvidas em concluir, que, enquanto trabalhador da ré, o autor violou o dever de lealdade a que estava vinculado e que, considerando as funções que exercia na ré, de Director Comercial, tal violação assumiu gravidade tal que pôs definitivamente em causa o laço de confiança necessariamente subjacente à manutenção do vínculo contratual, constituindo, por si só, justa causa de despedimento.

É certo que o autor trabalhava há 18 anos na ré, sem que tivesse sido alguma vez demandado por responsabilidade disciplinar. Contudo, a antiguidade do autor toma ainda mais grave o seu comportamento, já que lhe era ainda mais exigível do que a um trabalhador com menor antiguidade, tendo em conta as especiais relações de confiança que se estabelecem na vigência do contrato de trabalho, e, no caso, ainda reforçadas pela natureza das funções exercidas, que se abstivesse de comportamentos da natureza dos apurados nos Autos.

 

É certo, também, que o autor, logo em 28/02/2007, comunicou a sua renúncia à gerência da DD, Ld.ª, e cedeu as suas quotas, tudo sendo registado em 14/03/2007. Trata-se, em nosso entender de uma actuação irrelevante, na medida em que o autor só o fez depois de tomar conhecimento da instauração do processo disciplinar e não sem antes conseguir protelar tal conhecimento, não tendo levantado nos C.T.T. a carta que lhe foi dirigida em 12/02/2007 pela ré, logrando também deferir para momento posterior à comunicação da renúncia à gerência e à intenção de venda da quota, a produção de efeitos da suspensão preventiva cuja comunicação foi reiterada em 14/02/2007, solicitando nesse mesmo dia a presença dos administradores que acederam ao pedido (assim se demonstrando mais uma vez o peso do autor na estrutura da ré) e acabaram, na ausência da Presidente do Conselho de Administração, por suspender a execução da suspensão preventiva até ao regresso desta. Deste modo, apenas em 12/03/2007 lhe foi confirmada a suspensão preventiva juntamente com a nota de culpa.

Destes factos não pode no entanto deixar de se retirar a conclusão de que o autor, ao contrário do que lhe foi imputado na decisão disciplinar, mantendo-se a trabalhar após 14/02/2007 não desobedeceu à ordem de suspensão preventiva, nem recusou a entrega das chaves das instalações, do carro e do telemóvel já que a execução da ordem foi suspensa nesse mesmo dia 14/02/2007, pelos quatro administradores que compareceram, a pedido do autor, não produzindo a mesma qualquer efeito antes de 12/03/2007. A actuação do autor, obstando à produção de efeitos da decisão da ré de o suspender preventivamente e de entregar os pertences da ré que tinha em seu poder acabou, pois, por ser legitimada pelos referidos administradores da ré, não podendo ser, nessa parte, assacada ao autor qualquer responsabilidade disciplinar.

Importa finalmente referir que não ficou demonstrado, como o autor pretendeu, que o seu despedimento procedeu apenas da animosidade exacerbada que o sócio da CC, S.A., a principal accionista da ré, nutre por ele, pois os factos a esse propósito alegados, cuja prova competia ao autor, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, acabaram por não ficar provados.

Tudo para concluir, que apesar de não se verificar a infracção disciplinar imputada ao autor relativa à desobediência à ordem de suspensão e de entrega dos pertences desta, nem por isso, deixa de subsistir a justa causa de despedimento na parte relativa à violação do dever de lealdade, e consequentemente que o despedimento do autor foi lícito».

Na sequência, consignou-se:

“Esta fundamentação tem a nossa concordância, no tocante à conclusão de que a conduta do recorrente configura uma violação do dever de lealdade, constante do art. 128.º, n.º 1, alínea f).

É essa também a conclusão formulada, em termos muito claros e convincentes, no parecer junto aos autos, subscrito pelo Prof. Romano Martinez e Dr. Diogo Duarte.

Ora, neste parecer, questionando-se, num caso como este, se um trabalhador de normal diligência, sagacidade e experiência, poderia deduzir do comportamento da Ré, ao admitir o exercício de actividades concorrentes para os administradores, que isso significaria, com toda a probabilidade, que ele estaria também autorizado a concorrer, a resposta foi negativa, assim se discorrendo:

«Independentemente de ser verdade que quer o vínculo de administração quer o vínculo laboral têm subjacentes um importante elemento fiduciário, qualquer trabalhador de normal diligência conhece perfeitamente a enorme e substancial diferença de estatuto e regime que separa o administrador de uma sociedade comercial e o trabalhador subordinado. Nenhum trabalhador de normal diligência utilizará, como bitola do que lhe é permitido ou proibido na empresa, aquilo que nessa mesma empresa se permite ou proíbe a um administrador.

Se o faz, faz erradamente como parece ser evidente.

Qualquer trabalhador de normal diligência não desconhece que, ao contrário do que sucede com a sua própria situação contratual, os aspectos essenciais do vínculo dos administradores são decididos pelos accionistas e não pelo órgão que administra a sociedade, ou seja, o Conselho de Administração: (i) é à Assembleia-geral e não ao Conselho de Administração que cabe a designação dos administradores e a sua livre destituição (artigos 376.º, n.º 1, alínea d), 391.º, n.º 1, e 403.º, n.º 1, do CSC; (ii) é a Assembleia-geral, e não o Conselho de Administração que determina a sua remuneração (399.º, n.º 1, do CSC; (iii) é à Assembleia-geral de accionistas e não ao Conselho de Administração, como se viu, que cabe a autorização para o exercício de actividade concorrente (art. 398.º, n.º 3, do CSC)».

Não vai no mesmo sentido o parecer, também junto aos autos, subscrito pelo Prof. Júlio Gomes, mas, com todo o respeito, a argumentação desenvolvida não convence.

Mas aqui chegados, discordamos já da sentença recorrida, no tocante à afirmação de existência de justa causa para o despedimento, concretamente à afirmação de um comportamento do recorrente como ilícito, culposo e grave. (Bold nosso).

Na verdade, para este efeito, o art. 396.º, n.º 2, manda atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

Ora, como mostram os factos provados, não deixa de ser relevante, como aliás, disso dá nota a sentença, que tudo se passa num quadro gestionário da Ré muito complexo, funcionando como central de compras para as diversas empresas integrantes, mas em que estas mesmas, ou seja, os seus administradores, podiam desenvolver actividade concorrencial: actividades comerciais dentro do mesmo ramo, compra e venda de pescado congelado.

Por outro lado, a participação do recorrente na sociedade DD e a assunção da gerência ocorreu por convite de um administrador da recorrida que igualmente fazia parte do capital social e da gerência, e, sendo certo que tal não exclui a ilicitude, não deixa de ser certo que tal ilicitude se encontra diminuída de forma acentuada, uma vez que actuou por solicitação de pessoa de quem dependia ou a quem devia obediência, ele também um dos titulares dos interesses jurídicos lesados pela actividade concorrencial.

Por outro lado, e não menos relevante, para a diminuição da culpa, é o facto, provado, de o recorrente, coincidindo praticamente com o início do processo disciplinar – a nota de culpa, datada de 09.03.2007, foi recebida pelo autor em 12.03.2007 – ter, de imediato, posto termo à sua ligação à empresa concorrente, não só renunciando à sua gerência, como tendo mesmo transmitido a sua participação social, factos estes registados em 14.03.2007 – pontos de facto n.ºs 45, 46 e 47.

Esta última conduta não deixa de traduzir um arrependimento do recorrente, procurando remover e pôr cobro ao dano causado à Ré, logo que esta deu início ao processo disciplinar.

Por isso, tudo ponderado, podemos concluir que, nas concretas circunstâncias de actividade e funcionamento da Recorrida, a falta cometida pelo A. não assumiu gravidade bastante para suportar a decisão de despedimento, especialmente com um passado de 18 anos sem registo de qualquer incidente ou infracção disciplinar.

Concluindo:

Sendo improcedentes os fundamentos invocados, o despedimento promovido pela Ré é ilícito, nos termos do art. 429°, alínea c)”.

Não é este o nosso entendimento.

Com efeito, as razões ora aduzidas para fundamentar a solução firmada no Acórdão sob protesto não são bastantes para jugular, revogando-a, a acertada decisão proclamada na sentença, não colhendo as mesmas, por isso, o nosso sufrágio:

- Não o é, objectivamente, à míngua de uma adequada concretização, o falado quadro de gestão da empresa, cuja específica natureza comercial, enquanto central de compras, de gestão mais ou menos complexa, não pode justificar – por não implicar perturbação/neutralização, por qualquer modo e/ou medida – a dispensa ou o incumprimento, por parte de um seu trabalhador subordinado, dos seus deveres contratuais;

- Não o é, seguramente, a circunstância (apenas aparentemente atenuante, …mas nunca dirimente, pela sua evidente perversidade) de ter sido solicitado para o efeito por um administrador da R., no descrito contexto, sabido que não se confundem de todo – e o A. não poderia negligenciá-lo, ante as responsáveis funções desempenhadas, que implicavam a correspectiva confiança nele depositada pelo empregador – os estatutos de accionista/administrador da sociedade patronal e o de trabalhador subordinado;

Não o é, em rigor e boa verdade, o facto de o A., quando já no decurso do procedimento disciplinar, se ter dado conta do mal feito, desvinculando-se formalmente da sociedade que constituiu, por tal suposto arrependimento não ter a virtualidade de reparar a consumada ruptura do requisito fiduciário constitutivo do suporte psicológico da relação.

O A. – sendo Director Comercial da R., seu trabalhador dependente, com a amplitude dos poderes funcionais que lhe estava cometidos, ao aceitar constituir uma sociedade concorrencial, no contexto e com as descritas características – violou flagrantemente o dever de lealdade a que estava contratualmente obrigado, pondo fatalmente em crise a indefectível relação de confiança que o exercício daquelas tarefas, por tantos anos prolongado, pressupunha, em alto e determinante grau.

O A., a partir do momento em que se constituiu sócio maioritário e gerente da referida sociedade ‘DD’ passou a utilizar necessariamente, em benefício próprio e à custa de uma actividade no mínimo em concorrência potencial com a prosseguida pela sociedade sua entidade empregadora, todo o ‘know-how’ adquirido ao serviço da R., servindo-se do seu equipamento, contactos, circuitos comerciais, fornecedores, etc., em exercício paralelo, não podendo ver-se justificada a sua opção na solicitação desviante do administrador, de que pretende valer-se.

Para que se verifique uma situação de concorrência – nos termos e para os efeitos da equacionada subsunção – não é necessário que exista um efectivo desvio de clientela, como é pacificamente aceite e jurisprudencialmente reiterado, bastando que esse desvio seja potencial.

Tendo como respaldo tudo quanto acima se expendeu relativamente à densificação do dever de lealdade, na sua ambivalência/dupla manifestação, e à dimensão axiológico-normativa da noção de justa causa de despedimento, diremos, em conclusão, que a factualizada conduta, na consideração global dos seus delineados contornos, configura justa causa de despedimento, bem se tendo ajuizado na sentença que o Acórdão sob censura, erradamente, não confirmou.

Acolhendo-se os fundamentos que enformam as correspondentes asserções conclusivas da motivação da Revista, a deliberação sindicada não pode subsistir.

A solução alcançada deixa prejudicado o tratamento das demais questões que nos vinham propostas.

                                            __

                                            III –

                                      DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, desatendida a requerida ampliação do âmbito do recurso, delibera-se:

1 – Conceder a Revista interposta pela R. e, revogando, em consequência, o Acórdão impugnado, repristina-se a sentença da 1.ª Instância.

2 – Nega-se provimento ao recurso subordinado de Revista, interposto pelo A.

Custas pelo A., nas Instâncias e neste Supremo Tribunal.

                                            ***

Lisboa, 12 de Setembro 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

__________________
[1] - Relator.
[[2]] - O teor deste ponto da Fundamentação de Facto corresponde ao estabelecido no Acórdão sub judicio, (fls. 2592/ss. dos Autos), na sequência da intervenção suscitada na Apelação do A. relativamente à alteração/impugnação/ampliação da matéria de facto.

[3] - Na versão aplicável, a anterior à aportada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[4] - FF = Fundamentação de Facto.
[5] - Cfr. Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 561.
[6]  - Vide o seu ‘Direito do Trabalho’, Parte II, 3.ª Edição, 2010, pg. 412, que acompanhamos.