Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
656/10.6TTVIS.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: BANCÁRIO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
DEVER DE OBEDIÊNCIA
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO/ CLÁUSULAS ACESSÓRIAS - REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DO CONTRATO - CESSAÇÃO DO CONTRATO/ POR INICIATIVA DO EMPREGADOR
Doutrina: - MARIA do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pp. 899 e 900, 903, 904.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 2009, Almedina, 14.ª Edição, p. 591.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2010, 5.ª edição, Almedina, p.p. 676 e 677.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE TRABALHO (CT/2009): - ARTIGOS 128.º, N.º1 ALÍNEAS E) E F), N.º2, 351.º, N.ºS1 E 3, 396.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 18.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24/6 /2003, REVISTA N.º 3495/02, DISPONÍVEL NAS BASES DE DADOS JURÍDICAS DA DGSI;
-DE 6/12/2006, PROCESSO N.º 2713/06, DISPONÍVEL NAS BASES DE DADOS JURÍDICAS DA DGSI;
-DE 30/4/2008, REVISTA N.º 241/06, DISPONÍVEL NAS BASES DE DADOS JURÍDICAS DA DGSI;
-DE 22/9/2010, REVISTA N.º 217/2002.L1.S1, DISPONÍVEL NAS BASES DE DADOS DA DGSI;
-DE 23/11/2011, REVISTA N.º 318/07.1TTFAR.E1.S1, DISPONÍVEL NAS BASES DE DADOS JURÍDICAS DA DGSI;
-DE 21/3/2012, REVISTA 196/09.6TTMAI.P1-S1- 4.ª.
Sumário :
1.º – A noção de justa causa de despedimento, consagrada no artigo 351.º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;

2.º – Na actividade bancária, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada;

3.º – Viola grave e culposamente os deveres de obediência e de lealdade, consagrados nas alíneas e) e f), do n.º1 e no n.º 2 do artigo 128.º, do mesmo Código do Trabalho, o trabalhador responsável pela gestão de agência bancária que, para fazer face a descobertos, altera os limites de crédito que lhe estão atribuídos em contas de que é titular naquela agência, visando impedir dessa forma que os mesmos descobertos fossem detectados pelos mecanismos de controlo interno da instituição;

4.º – A conduta do trabalhador descrita nos números anteriores quebra de forma irreparável a relação de confiança entre as partes que é essencial à relação de trabalho no âmbito de instituições bancárias, tornando inexigível a sua manutenção e integra, por tal motivo, justa causa de despedimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I


1 - AA, apresentou formulário de oposição ao despedimento de que foi objecto, nos termos do artigo 98º - C do CPT, promovido pelo BANCO BB, S.A, requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade daquele despedimento, com as legais consequências. Juntou documento escrito que integra a decisão de despedimento.

Realizada a audiência de partes, frustrada a tentativa de conciliação, foi o empregador regularmente notificado para apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer provas, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 98.º -I do Código de Processo de Trabalho.

No prazo legal veio a Ré apresentar articulado inicial, no qual pede que sejam julgados procedentes os fundamentos invocados para o despedimento da Autora, nos termos do disposto no artigo 98º - M do Código de Processo do Trabalho e artigo 387º, nº 4, do Código do Trabalho, de 2009.

Em reconvenção que deduziu juntamente com a contestação, a Autora pediu que:

«a) Seja considerado ilícito o despedimento da Autora promovido pelo Banco Réu;

b) Em consequência, seja o Réu condenado a reintegrar a Autora sem prejuízo de todos os seus direitos e regalias e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

c) Ser o Réu condenado a pagar à Autora, em alternativa uma indemnização de antiguidade de montante não inferior a € 101.734,80, indemnização pela qual a Autora reserva a opção até ao termo da discussão em audiência de julgamento;

d) Ser o Réu condenado a pagar à Autora todas as retribuições em dinheiro que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, no montante já vencido de € 8.966,85;

e) Ser o Réu condenado a pagar à Autora todas as retribuições do equivalente em espécie relativo à viatura automóvel que lhe estava atribuída que se calculam em € 1.250,00 mensais, desde o despedimento até ao trânsito da decisão, cifrando-se o vencido já em € 3.750,00, bem como a pagar-lhe o valor de € 3.042,00 por ela suportado com o pagamento da 1ª renda;

f) Ser o Réu condenado a pagar à Autora todos os custos e acréscimos que esta haja de suportar em consequência do despedimento relacionados com os créditos à habitação de que é credor o Réu, acréscimos esses já liquidados de € 297,50 mensais, no total de € 594,10;

g) Ser o Réu condenado a pagar à Autora todos os custos e acréscimos que haja de suportar em consequência do despedimento relacionados com um crédito individual concedido pelo Réu, no montante já liquidado mensalmente de € 60,00 mensais, no total de € 120,00;

h) Ser o Réu condenado a pagar à Autora todas as remunerações dos montantes que detém ou venha a deter da sua conta à ordem interrompidos em consequência do despedimento, montantes esses que por não estarem ainda liquidados se remetem quantitativamente para execução de sentença;

i) Ser o Réu condenado a pagar à Autora a título de danos não patrimoniais por esta sofridos a quantia de € 250.000,00;

j) Ser o Réu condenado a pagar à Autora o crédito de formação não ministrado no montante de € 2.933,70;

k) Ser o Réu condenado a pagar à Autora os juros de mora desde a citação no caso das quantias vencidas e acima reclamadas e desde o vencimento relativamente às prestações vincendas;

l) Ser o Réu condenado na sanção pecuniária compulsória diária não inferior a € 250,00 em caso de incumprimento na reintegração da Autora nas condições por esta reclamadas».

2 - A acção prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 26 de Agosto de 2011, de cujo dispositivo resulta o seguinte:

«1 - Julga-se improcedente a acção relativamente ao pedido formulado pelo Réu empregador Banco BB, S.A, absolvendo-se a Autora Trabalhadora AA do pedido de declaração de licitude do despedimento.

2 - Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada a reconvenção deduzida e em consequência:

a) Declara-se a ilicitude do despedimento da Autora/trabalhadora AA promovido pelo Réu/empregador Banco BB, S.A.

b) Condena-se o Réu a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo de categoria profissional, direitos, regalias e antiguidade, no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da presente decisão, fixando-se uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento de tal reintegração, no montante diário de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).

b) Condena-se o Réu a pagar à Autora o valor das retribuições em dinheiro que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, mostrando-se já vencidas nesta data retribuições no montante total de € 38.856,35, (trinta e oito mil oitocentos e cinquenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos).

A tais retribuições terão que ser feitas as deduções previstas no nº 2, al.s a) e c) do artº 390º do CT.

c) Condena-se o Réu a pagar à Autora todas as retribuições do equivalente em espécie relativo à viatura que lhe estava atribuída, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, no montante que se vier a liquidar em incidente após a sentença.

d) Condena-se o Réu a pagar à Autora todos os custos e acréscimos que esta haja de suportar em consequência do despedimento e relacionados com os créditos à habitação de que é credor o Réu, sendo os já liquidados no montante de € 594,10 (quinhentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos) acrescido do montante que se vier a liquidar em incidente de liquidação após a sentença.

e) Condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais.

f) Condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de € 732,70 (setecentos e trinta e dois euros e setenta cêntimos) a título de crédito de formação não ministrado.

g) Condena-se a Ré a pagar à Autora os juros de mora desde a citação quanto às prestações já vencidas, desde a presente sentença quanto à indemnização por danos não patrimoniais e desde a data do respectivo vencimento quanto às prestações vincendas, à taxa legal de 4% e até integral pagamento.»

Inconformado com esta decisão dela recorreu em apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra a Ré Banco BB, SA, pedindo a revogação da «douta sentença recorrida e, julgando-se lícito o despedimento», seja «o Banco BB absolvido de todos os pedidos».

A Autora respondeu ao recurso interposto pela Ré e interpôs recurso subordinado da decisão recorrida, «da parte da sentença que condenou o Réu e recorrente apenas na quantia de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais» - alínea e) do dispositivo da sentença proferida em primeira instância, acima transcrito.

3 - Por acórdão de 29 de Fevereiro de 2012, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu «julgar:

a) O recurso independente de apelação parcialmente procedente, e, em consequência, revogar a sentença quanto às alíneas a) a e) do decisório, com consequente absolvição da Recrte., confirmando-‑se a mesma quanto à condenação reportada na alínea f) e respectivos juros de mora.

Custas por ambas as partes na proporção de vencidas.

b) O recurso subordinado de apelação improcedente.

Custas pela Recrte».

4 - Inconformada com esta decisão dela recorre agora de revista para este Supremo Tribunal de Justiça a autora AA, apresentando nas alegações do recurso interposto as seguintes conclusões:

«I) A Recorrente pugna no presente recurso de revista pela revogação do acórdão recorrido na sua totalidade e, consequentemente a manutenção e confirmação do decidido em 1.ª Instância, e pela revogação do mesmo acórdão recorrido na parte também em que julgou improcedente o recurso subordinado de apelação, devendo, em consequência, este ser  apreciado  e considerado procedente.

II) A alteração da matéria de facto efectuado nos Factos 20 e 21 dos Factos Provados tem de considerar-se inócua uma vez que com a inscrição da expressão "Para fazer face a descobertos autorizados" não resulta que a Recorrente visasse cobrir qualquer descoberto nas contas anteriormente atingido, sendo, diferentemente, que tais descobertos sempre se quedaram no limite dos plafonds existentes previamente no sistema informático do Banco Recorrido, nada resultando em contrário disto da matéria provada ou dos autos, em termos de prova documental ou testemunhal.

III)      Toda a factualidade dada como assente (em particular a expressa nos Factos 1, 2, 3, 16, 17, 18, 19, 23 a 36, 37 a 62, 63 a 71, 72 a 75, 76 a 93 e 100) e que aqui se dá integralmente por reproduzida, justifica, face às normas legais aplicáveis (em particular os arts. 351°, 126° e 330°, todos do CT/2009) e impõe uma análise e ponderação em concreto, que, bem vistas as coisas, não pode deixar de conduzir a revogação da decisão recorrida como supra se reclama já, considerando-se ilícito o despedimento de que foi alvo a trabalhadora Recorrente.

IV) A decisão recorrida, face à aludida factualidade, viola nomeadamente o art. 351° (em termos de conceito de justa causa para despedimento), o art. 126° (em termos de boa fé na execução dos contratos a que estão vinculados trabalhador e empregador) e o art. 330° (em termos de proporcionalidade exigível entre a culpa do trabalhador e a sanção aplicada), normativos cujo ponderação se convoca no presente caso.

V) Sendo imputado à Recorrente apenas a circunstância de ter renovado a sua conta ordenado e a conta ordenado do seu marido, e aumentado o plafond para valores que até lhe eram devidos, em duas ocasiões em Dezembro de 2008, inserida tal operação no procedimento da renovação de todas as outras contas ordenado dos funcionários e dos clientes, não visando cobrir descobertos previamente efectuados, e sendo renovadas automaticamente as mesmas contas em Maio de 2009 pelo sistema informático, em procedimento habitual da Recorrente e de outras agências bancárias do Banco Recorrido e do qual este nunca tirou quaisquer consequências disciplinares, não pode merecer especial protecção e exigência o valor da confiança na execução do contrato de trabalho na actividade bancária.

VI) Tal comportamento imputado à Recorrente, atentas as circunstâncias em que ocorreu e evidenciadas nos factos provados, e o facto de se tratar de uma actividade meramente administrativa e rotineira em termos semestrais, não constitui sequer um comportamento culposo da sua parte.

VII) À Recorrente nenhum juízo de censura pode ser assacado, mesmo a título de simples negligência, porquanto tais contas vinham sendo sucessivamente renovadas e os plafonds actualizados, também sucessivamente, por diversas pessoas, incluindo com a intervenção da Recorrente, nunca tendo este procedimento merecido qualquer reparo do Banco Recorrido ou de qualquer um dos responsáveis da hierarquia, sendo uma forma de proceder seguida em outros balcões do país do Banco Recorrido, nunca tendo o mesmo sancionado ninguém por causa deste procedimento, não ocorrendo, além disso, qualquer prejuízo para o mesmo.

VIII) Não pode, segundo as regras da boa fé, o empregador - e em consequência, a ordem jurídica, num campo de direitos disponível como é a disciplina laboral -sancionar como indevido um comportamento que o alegado ofendido aceitava como normal na renovação e alteração das contas ordenado dos seus funcionários.

IX) Aliás, tal renovação e alteração dos plafonds das contas ordenado de funcionários, cuja aplicação informática estava acessível aos mesmos em termos de gerência, só começou a ser sancionada como infracção na alteração do Código de Conduta do Banco Recorrido efectuada em Fevereiro de 2010, posteriormente, pois, aos factos em causa.

X) Até porque no caso em apreço, não se trata de uma verdadeira concessão de crédito atento o procedimento necessário e o facto de estar garantido o retorno do Banco Recorrido e a cobertura de tais contas com o salário dos mesmos a pagar pelo próprio Banco Recorrido.

XI) Mas, ainda que se considerasse existir um comportamento culposo por parte da ora Recorrente, com violação formal do disposto na Cláusula 34.ª/1, b) do ACT aplicável, sempre o comportamento da mesma, atentos os critérios da razoabilidade concretos elencados nomeadamente no art. 351.º/3 do CT/2009, imporiam uma solução que não fosse a ruptura do vínculo contratual, impondo-se eventualmente outra sanção que não a ruptura do vínculo laboral segundo critérios de proporcionalidade.

XII) Entrando na ponderação de justa causa o entendimento, no quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e todas as outras circunstâncias que no caso sejam relevantes, estaria fora de toda a razoabilidade aplicar uma sanção de despedimento disciplinar a uma pessoa, como a Recorrente, com o seu passado profissional no Banco Recorrido e face ao procedimento, que nesta matéria de renovação de contas e alterações de plafonds, sempre foi seguido e aceite pelo Banco Recorrido.

XIII)   Não existe no caso dos autos qualquer impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, nem nenhum nexo causal entre o comportamento da Recorrente e essa impossibilidade, sendo que a avaliação que um empregador de normal ponderação faria nesta situação seria a da sua absoluta irrelevância em termos subjectivos e objectivos.

XIV) Como bem refere a Mm.ª Juiz da 1.ª Instância "No caso em apreço, consideramos que o comportamento da Autora, só por si, não revela gravidade objectiva, perante as concretas funções exercidas pela Autora, que permita concluir que constituem um comportamento susceptível de pôr em causa a relação laboral, tanto mais que a Autora durante o tempo que vigorou a relação laboral sempre cumpriu as suas funções de forma zelosa, sendo pessoa dinâmica, empenhando-se no cumprimento das tarefas que lhe foram sendo cometidas, recebendo vários prémios como reconhecimento pela sua dedicação. Por outro lado, as condutas da Autora foram praticadas numa altura em que a mesma tinha regressado de França, após uma comissão de serviço, estando no balcão onde exercia funções com sobrecarga de trabalho na ausência de sub-gerente que se encontrava de baixa médica e que não foi substituída, sendo certo que a aplicação informática permitia a alteração dos plafonds por parte da gerência, não se mostrando bloqueada" e " por outro lado a alteração dos plafonds daquelas contas vinham sendo sucessivamente actualizados por diversas pessoas, incluindo com a intervenção da Autora, enquanto gerente bancária, sem que tal procedimento nunca tenha merecido qualquer reparo do Réu ou de qualquer um dos responsáveis" e ainda que "A autora no período   em   causa   tratou   da renovação/ carregamento dos plafonds das contas ordenado, renovando as contas em causa quando procede ao normal procedimento de renovação de todas as contas ordenado, sendo que a respectiva listagem foi assinada por si e pela sub-gerente".

XV)     Sendo que, ainda como a mesma refere, ao que se adere, "ponderando a concreta actuação da Autora com todo o circunstancialismo envolvente dos factos, terá de se concluir pela inexistência de gravidade objectiva da conduta da Autora que determine a perca de confiança por parte do Réu que torne impossível a manutenção da relação laboral".

XVI)   Ora, tais considerações não decaem por obediência a uma especial relação de confiança existente na actividade bancária, relação esta ponderável face à imagem externa que este tipo de actividade tem que possuir e merecer, mas já não nas suas relações internas quando baseadas em comportamentos tolerados e mesmo aceites pela entidade bancária, diferentemente do que se pondera no acórdão recorrido, sendo que a consideração de que a "violação da confiança não admite graduações" feita no acórdão recorrido, é, salvo o devido respeito, despida de qualquer conteúdo face ao que a ponderação concreta das circunstâncias impõe.

XVII)  Acrescendo, ainda, que tal consideração absoluta do princípio da confiança, sempre justificaria o afastamento da ponderação da proporcionalidade imposta pelo n° 3 do art. 351° e 330° do CT/2009, em que se impõe que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, constituindo a sanção do despedimento a última das sanções aplicáveis nos termos do que dispõe o art. 328°/1 do mesmo CT/2009.

XVIII)            Por todo o exposto, é para a Recorrente evidente que o acórdão recorrido viola as regras e princípios inscritos no nosso ordenamento legal, nomeadamente as regras e princípios dos arts. 351°, 330° e 126°, todos do CT/2009, e o entendimento que a doutrina e a jurisprudência deles vêm fazendo, devendo, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido e confirmar-se a decisão proferida em primeira instância, reponderando-se esta apenas pela correcção do montante indemnizatório devido à Recorrente a título de danos não patrimoniais sofridos pela mesma.

XIX)   A decisão recorrida viola, ainda, os inerentes valores e princípios constitucionais inscritos, nomeadamente, nos arts. 53°, 18° e 13° do Texto Fundamental.

XX) Desde logo, viola o princípio da segurança no emprego e inerente proibição de despedimentos sem justa causa elencados no art. 53° da CRP.

XXI) Viola, também, o princípio da proporcionalidade inscrito no art. 18° da CRP na medida em que no caso dos autos, é evidente a violação de tal principio, por um lado porque a ruptura do vínculo contratual não encontra qualquer adequação no comportamento das partes e nas circunstâncias em que ambas actuaram e permitiram a actuação, por outro lado não havia necessidade de uma tal ruptura contratual, quando ao alcance do empregador existiam outras medidas menos onerosas para os direitos de ambas, sendo, ainda por outro lado e finalmente, excessiva a aplicação da sanção de despedimento, face ao valor da confiança que se queria salvaguardar e se justificava na medida das relações entre as partes.

XXII) E, por fim, viola flagrantemente o princípio da igualdade a que está vinculado o empregador e o tribunal por força do disposto no art. 13° da CRP e da sua aplicabilidade directa e vinculação a todas as entidades públicas e privadas nos termos do art. 18.º/1 da mesma CRP, sendo, no dizer da Mm.ª. Juiz da 1.ª Instância - a que se adere a este propósito por inteiro - onde claramente se evidencia a incoerência e discricionariedade do comportamento disciplinar do Banco Réu, em desfavor da ora Recorrente, referindo que "acresce que a aplicação de tão gravosa sanção sempre se teria de considerar violadora do princípio da igualdade previsto no art. 13° da CRP, aplicável por força do art. 18° de tal diploma legal. Na verdade, como resulta dos factos provados o Banco Réu instaurou contra outros trabalhadores processos disciplinares que culminaram nas decisões que constam dos documentos a fls. 623 a 739 e 889 a 1017. Ora, compulsado o teor de tais decisões resulta que nos casos em que foi aplicada a sanção de despedimento, estavam em causa situações mais gravosos com atribuições de plafonds   superiores   aos   devidos segundo os critérios de atribuição do Banco, para salvaguardar descobertos em conta ou associados a outras infracções disciplinares ou a trabalhadores com antecedentes disciplinares, sendo certo que no caso dos trabalhadores CC e DD (cfr. fls. 966 a 995) estando em causa a atribuição de plafonds em contas próprias ou de familiares excedendo os limites definidos pelo Banco para a sua atribuição, o Réu aplicou apenas sanções de suspensão da prestação de trabalho, com perda de retribuição, por um período de 24 dias."

XXIII)            Assim, também por violação do princípio da igualdade sempre seria de considerar o despedimento promovido pelo Banco Recorrido ilícito, com a legais consequências.

XXIV)            Face ao conjunto de argumentos invocados no recurso subordinado intentado pela Recorrente, e que se dá aqui por integralmente reproduzido, deve ser o mesmo considerado procedente e aumentado o valor da indemnização devida a título de danos não patrimoniais, e condenado, em consequência, o Banco Recorrido, a pagar tais danos àquela Recorrente»

Conclui referindo que «deve revogar-se o acórdão recorrido e confirmar-se a decisão do tribunal da 1.ª Instância integralmente, e na parte não anteriormente impugnada pela ora Recorrente, e considerar-se procedente o seu recurso subordinado, e em consequência fixar-se em valor superior (não inferior a 250.000 €) o montante dos danos não patrimoniais sofridos pela mesma Recorrente, no que se fará inteira».

A ré respondeu ao recurso interposto, sustentando o acerto da decisão proferida concluindo no sentido de que «com o douto suprimento que se invoca, deve ser confirmado integralmente o acórdão recorrido».

5 - A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, teve visto nos autos, nos termos do artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo de Trabalho, tendo proferido parecer em que na parte conclusiva refere que «um gerente de balcão é, por definição, um funcionário que se deve impor aos restantes pelas suas qualidades pessoais e profissionais, tendo por outro lado, os comportamentos aqui em causa sempre repercussões negativas na imagem do empregador, sobretudo em meios pequenos como sucede na cidade de N..., nomeadamente quando o empregador é uma entidade bancária, como sucede “in casu”, pronunciando-se no sentido de que «o despedimento da A. foi levado a cabo com justa causa e portanto licitamente, nos termos do art. 396.º, n.º 1 do CT/2003, tal como decidiu a Relação, devendo pois manter-se o respectivo Acórdão», pronunciando igualmente no sentido de se não conhecer do recurso subordinado «por tal se mostrar prejudicado pelo destino» do recurso independente.

Notificado este parecer às partes não foi apresentada qualquer tomada de posição sobre o mesmo.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º -A, do Código de Processo Civil, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista:

- determinar se há ou não justa causa para o despedimento da Autora, por ser inexigível a manutenção do vínculo por parte da R.;

- sendo ilícito o despedimento, se o montante determinado a título de compensação por danos não patrimoniais deve ser superior aos € 15 000,00 fixados em 1.ª instância.


II

É a seguinte a matéria de facto fixada pelas instâncias:

«1 - A Autora AA celebrou com o Réu Banco BB, S.A um contrato de trabalho sem termo, com início em 01-02-1995;

2 - A Autora encontra-se inscrita no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, aplicando-se à relação laboral o ACT publicado no BTE, 1ª Série, nº 32, de 29-08-2007, uma vez que quer aquele sindicato quer o Banco Réu outorgaram tal ACT;

3 - A Autora que estava colocada no nível 13, do referido ACT, auferia uma retribuição mensal constituída pelas seguintes parcelas:

- Retribuição base ………………………. € 1.748,10;

- Diuturnidades …………………………… € 122,40;

- Isenção total de horário de trabalho …. …€ 868,45;

- Retribuição complementar ………….….. € 250,00;

4 - A Autora ultimamente e a partir de 08-06-2009 exercia as funções de Gerente do Balcão que o Réu banco BB possui em N...;

5 - Na sequência da informação nº 28198766/AI/09 da DAI datada de 23-12-2009, constante de fls. 32 a 146 dos autos a Comissão Executiva do Conselho de administração do Banco Réu (doravante CECA) deliberou em 02 de Março de 2010 instaurar um processo disciplinar à Autora com intenção de despedimento e suspensão preventiva da prestação de trabalho;

6 - Em 19 de Março de 2010, o Réu suspendeu preventivamente a Autora de funções devido à instauração de processo disciplinar com intenção de despedimento;

7 - No âmbito de tal processo disciplinar foi em 24 de Março de 2010 elaborada a nota de culpa, notificada à Autora em 29 de Março de 2010, onde consta a intenção do Réu de proceder ao despedimento da Autora com justa causa, com base nos fundamentos ali indicados, conforme documento constante de fls. 167 a 169 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida;

8 - A Autora respondeu a tal nota de culpa justificando a sua actuação e negando a prática de alguns dos factos que lhe eram imputados, juntando documentos e requerendo meios de prova nos termos constantes do documento de fls. 175 a 296 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

9 - Em 14 de Julho de 2010 foi elaborado o relatório final em tal processo disciplinar, nos termos constantes do documento de fls. 340 a 352 dos autos;

10 - Tal relatório final foi notificado à Comissão de trabalhadores em 16 de Julho de 2010, para juntar parecer fundamentado no prazo de 10 dias, o qual foi emitido e junto ao processo disciplinar em 30 de Julho de 2010, conforme documentos de fls. 353 a 355 dos autos;

11 - Em tal processo disciplinar foi proferida decisão por deliberação da CECA de 24 de Agosto de 2010, que considerou provados os factos constantes do relatório final que eram imputados à Autora, concluindo pelo seu despedimento com alegação de justa causa, a qual deu entrada na DRH do Banco Réu em 01 de Setembro de 2010, conforme documentos de fls. 361 e 996 a 997 dos autos cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos;

12 - De tal decisão foi notificada à Autora por carta registada com Aviso de Recepção remetida em 01 de Setembro de 2010 e recebida por esta em 02 de Setembro de 2010, conforme documentos de fls. 362 a 364 dos autos que aqui se dão por reproduzidos;

13 - A Autora exerceu funções de Gerente do balcão de Celorico da Beira de 03-07-‑2008 a 08-06-2009, tendo, nesta última data, sido transferida para o Balcão de N... onde passou a exercer as mesmas funções de Gerente;

14 - A Autora era juntamente com o seu marido EE titular da Conta 0-2583411.000.001 (vencimento BB), que estava sediada no Balcão de Celorico da Beira;

15 - Nesse mesmo Balcão de Celorico da Beira, estava também domiciliada a Conta -..., de que eram titulares também a Autora e seu marido, sendo este o 1º titular;

16 - Nos termos do estabelecido internamente:

a) A Conta Ordenado é uma conta de Depósito à Ordem para domiciliação de ordenado/reforma que permite o acesso a um descoberto autorizado até ao valor do ordenado líquido, domiciliado;

Sendo que,

b) A conta ordenado destina-se a trabalhadores por conta de outrem ou reformados que assegurem a domiciliação do ordenado/reforma com carácter regular e mensal de um ordenado/reforma líquido, igual ou superior a € 500,00;

E sendo que,

c) O plafond de descoberto atribuível é variável em função do perfil do cliente e da modalidade de domiciliação de ordenado/reforma, com base em critérios pré-definidos, que podem variar entre 25% (mínimo) e 100% (máximo) do ordenado líquido.

17 - Dispõe no artº 10º do Código de Conduta do Grupo BB, na redacção anterior a 2010:


“(Impedimento de Movimentação ou Gestão de Contas Próprias)

1 - Os Colaboradores com perfil de acesso à movimentação de contas através do sistema informático interno dos Bancos do Grupo estão impedidos de processar movimentos nas contas em que figurem como Titulares, Procuradores ou Representantes ou das quais sejam beneficiários ou herdeiros.

2 - Eventuais excepções à regra definida no número anterior, nomeadamente quando não exista alternativa para o processamento, carecem de prévia autorização da respectiva hierarquia, a qual deverá ser expressa no documento suporte da operação.

3 - Os Colaboradores estão igualmente impedidos de serem responsáveis pelo acompanhamento comercial (Gestor de Cliente) de quaisquer contas em que intervenham como Titulares, Procuradores ou Representantes ou das quais sejam beneficiários ou herdeiros, bem como de contas cujos Titulares, Procuradores ou Representantes sejam seus familiares”.

18 - Para atribuição de conta ordenado de empregado do Banco Réu o normativo interno exige que a Direcção de Recursos Humanos emita parecer por escrito;

19 - Para além dos requisitos/condições plasmados na ficha do produto, os colaboradores:

- Só podem beneficiar de descobertos aqueles que nos últimos dois anos não tenham emitido cheques sem provisão, de que tenha resultado a aplicação de sanção disciplinar;

- não tenham sido objecto de sanção disciplinar; ou

- se encontrem suspensos preventivamente da prestação de trabalho no âmbito de processo disciplinar em curso.

20 - Para fazer face a descobertos, a Autora carregou ela própria, na conta identificada no nº 14 – Conta …, os seguintes plafonds (limites de crédito)

Data // Plafond // Descoberto Data/Fim // Desc. Max. Registado//Data

a) - 03.12.2008 -- €2.250,00 -- 31.12.2008 ------------- €2.219,06 ---------10.12.2008

b) - 19.12.2008 -- €2.250,00 -- 01.07.2009 ------------- €2.219,06 ---------10.12.2008

c) - 19.12.2008 -- €2.300,00 -- 01.07.2009 ------------- €2.330,59 ---------23.04.2009

d) - 03.05.2009 -- €2.300,00 -- 01.07.2009[1] ----------    €2.099,95 ---------11.05.2009

e) - 05.06.2009 -- € 2.300,00 -- 01.01.2010 ------------  €2.261,08 ---------12.06.2009

21- Para fazer face a descobertos, a Autora carregou ela própria, na conta identificada no nº 15 – Conta … – os seguintes plafonds (limites de crédito):

Data // Plafond // Descoberto Data/Fim // Desc. Max. Registado//Data

a) - 03.12.2008 -- €2.450,00 -- 31.12.2008 ------------- €2.344,86 ---------29.12.2008

b) - 19.12.2008 -- €2.450,00 -- 01.07.2009 ------------- €2.411,23 ---------28.01.2009

c) - 19.12.2008 -- €2.500,00 -- 01.07.2009 ------------- €2.498,40 ---------20.02.2009

d) - 03.05.2009 -- €2.500,00 -- 01.07.2008[2] -- --------- €2.134,00 ---------21.05.2009

e) - 05.06.2009 -- € 2.500,00 -- 01.01.2010 ------------- €2.455,49 ---------22.06.2009

22 - Na situação referida na al. c) do nº 20 a Autora ultrapassou o plafond no montante de € 30,59 com o pagamento do Cartão Universo;

23 - Na situação referida na al. c) do nº 21º, no mês de Fevereiro de 2009, os créditos nessa conta foram de € 3.340,00, sendo € 1.400,00 transferidos da Conta 001 referida no nº 20;

24 - As equipas comerciais do Banco têm objectivos que são fixados superiormente, existindo um sistema de incentivos trimestrais. Sendo premiados os bancos que atingem os objectivos propostos, sendo que no final do ano são premiados 10% dos melhores balcões;

25 - As funções de gerente são primordialmente comerciais, com necessidade de uma actividade permanente, dedicada, exigente e com um ritmo de trabalho intensivo, procurando ater simultaneamente, em face da necessidade de cumprir os objectivos determinados pelo Banco, às exigências do cliente e aos melhores interesses da Instituição;

26 - A Autora esteve colocada em França ao serviço do Banco Réu entre 02-10-2007 e 19-06-2008;

27 - Depois de regressar de França a Autora foi colocada no início de Julho de 2008 no Balcão de Celorico da Beira;

28 - O pai da Autora faleceu em 08-07-2008;

29 - Após esta última data, a Autora não teve subgerente no Balcão, em permanência e efectividade de funções, durante vários meses, designadamente nos meses de Março de 2009 a Janeiro de 2010;

30 - Efectivamente, a subgerente, a Sra. D. FF, chegou ao Balcão de Celorico em Outubro de 2008, tendo gozado 3 dias de férias no mês de Dezembro 2008;

31- Desde Março de 2009, até à saída da Autora do Balcão em 08-06-2009, esta encontrou-se a trabalhar sozinha na Gerência do Balcão;

32 - Nessa medida, a Autora não teve qualquer outro apoio presencial para a apoiar e substituir na função e no balcão;

33 - Balcão que assim ficou composto com apenas três pessoas, a Autora e duas assistentes comerciais, ambas ainda contratadas a prazo;

34 - O Balcão de Celorico da Beira tem muitos clientes não residentes em Portugal, especialmente dos EUA, o que exige um esforço maior para a venda dos produtos do Banco;

35 - Desde finais de Setembro de 2008 e até meados de 2009, houve uma grave crise financeira nos EUA, o que fez com que houvesse mais contactos de clientes para o Balcão, o que ocupou mais tempo aos funcionários;

36 - Reportada verbalmente à hierarquia a situação relativa à subgerente e a necessidade da sua substituição, ninguém foi ali colocado como subgerente, nem sequer a título provisório;

37 - A Autora exerce a função de gerência desde 2001, sendo que pelo menos desde 2006 a renovação das contas ordenado dos colaboradores do banco não carecem de autorização do Director de Área, tendo apenas de ser confirmadas pela comissão local de crédito, composta pelo gerente e subgerente do balcão, sendo integrada pelo gerente de outro balcão em caso de impedimento de algum dos membros, designadamente por estarem em causa a renovação de contas próprias ou de familiares;

38 - Face à ausência de subgerente, foi a Autora que tratou da reno-vação/carregamentos dos plafonds das contas ordenado, assim como outras funções administrativas que envolvessem crédito e/ou risco para o Banco;

39 - A Autora renovou o plafond da sua conta e o da conta do marido quando procedeu ao normal procedimento de renovação de todas as contas ordenado;

40 - Antes da alteração de 03-12-2008 o plafond da conta da Autora, correspondente à conta aludida no nº 20 era de € 2.100,00 e o plafond da conta do seu marido correspondente à conta aludida no nº 21 era de € 2.300,00, carregado e renovado por outros funcionários do Banco Réu, por diversas vezes;

41 - Em Dezembro de 2008, quando a Autora renovou todas as contas ordenado do Balcão e na respectiva listagem também constavam as duas contas aludidas nos nº 20 e 21º também actualizou o plafond destas contas;

42 - Os plafonds das contas ordenado são renovados semestralmente, normalmente entre finais de Novembro e finais de Dezembro e entre finais de Maio e meados de Junho, sendo tais renovações obrigatórias, uma vez que não o fazendo o próprio sistema faz a renovação automática mantendo o mesmo plafond;

43 - As renovações devem ser efectuadas um mês antes do seu vencimento;

44 - Tais renovações devem ser efectuadas com tal antecedência para que tal tarefa fique realizada antes do vencimento;

45 - A Autora, em Dezembro de 2008, tratou de todas as renovações dos plafonds, tendo a respectiva listagem sido assinada pela mesma e pela subgerente;

46 - A Autora tinha conta desde 1995 e conta ordenado desde pelo menos 1998 (conta aludida no nº 20);

47 - Desde 13-06-2003 existe a outra conta aludida no nº 21 para depósito dos salários e restantes rendimentos do marido da Autora;

48 - Tais contas aludidas nos nºs 20 e 21 vinham sendo sucessivamente renovadas e com “plafonds” actualizados também sucessivamente por diversas pessoas, incluindo com a intervenção da Autora enquanto gerente bancária a que corresponde o nº de utilizador ..., conforme documentos de fls. 52 a 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

49 - O procedimento aludido no nº 48 nunca mereceu qualquer reparo do Banco Réu ou de qualquer um dos responsáveis da hierarquia;

50 - Excepto na criação das contas ordenado e respectivas atribuições de plafonds nunca era a renovação das contas antecedida por parecer favorável da hierarquia ou da Direcção dos Recursos Humanos;

51 - A prática aludida nos nºs 37 e 50 foi instituída e aceite pelo próprio Banco, relativamente a todas as contas ordenado dos seus trabalhadores, gerentes, subgerentes ou outros colaboradores;

52 - O carregamento referente a 03-05-2009 aludido nos nºs 20 e 21 foi realizado automaticamente pelo sistema;

53 - A renovação das contas aludidas nos nºs 20 e 21 não configurou um acto isolado, inserindo-se no tratamento e renovação de todas as contas do Balcão;

54 - As aplicações financeiras da arguida no período aludido no nº 20º sempre foram superiores ao montante de actualização do plafond, conforme documentos de fls. 214 a 282 cujo teor aqui se dá por reproduzido;

55 - Em 06 de Maio de 2009, a Autora fez uma transferência para a conta aludida no nº 20, no montante de € 10.000,00 conforme documento de fls. 261 que aqui se dá por reproduzido.

56 - A Autora pagou comissão por descoberto acidental no valor de €5,00 e respectivo imposto de selo pela ultrapassagem do plafond aludida no nº 22, apesar de no dia imediato, ou seja, em 24-04-2009, ter sido creditado na sua conta a sua remuneração no Banco Réu, no valor de € 4.004,93;

57 - O marido da Autora tem de ordenado da entidade patronal “...” dois valores transferidos mensalmente por esta: vencimento e refeições, conforme documentos de fls. 283 a 286 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

58 - A transferência aludida no nº 23 tratou-se de um lapso corrigido de imediato, tendo a Autora nessa conformidade transferido € 2.800,00 da conta 002 para a conta 001 para anular os € 1,400,00 que por engano transferida da conta 001, ou seja o saldo das transferências fora de € 1.400,00 para a conta 001;

59 - Pelo menos nos meses de Março a Junho de 2009, em face da baixa médica da subgerente, a Autora exerceu todas as tarefas de gerência no balcão de Celorico da Beira;

60 - A aplicação informática para alteração dos plafonds das contas ordenado estava acessível pelo menos aos gerentes dos balcões;

61 - Em 2008 e 2009, a atribuição de plafonds não estava bloqueada na aplicação informática;

62 - Em 18-02-2010, o Banco Réu alterou o artº 10º do Código de Conduta passando o nº 2 de tal artigo a ter a seguinte redacção “os colaboradores com perfil de acesso ao carregamento dos limites de crédito em contas através do sistema informático interno nos Bancos do Grupo estão impedidos de carregar limites de crédito em contas que figurem como titulares, procuradores ou representantes ou das quais sejam beneficiários ou herdeiros.”, conforme documento de fls. 464 a 475 cujo teor aqui se dá por reproduzido;

63 - A Autora era uma pessoa dinâmica e zelosa, empenhando-se no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas;

64 - Houve reconhecimento pelo Banco da dedicação da Autora, designadamente tendo recebido prémios e participações de lucros.

65 - O bom comportamento profissional da Autora encontra-se evidenciado na sua ficha curricular constante de fls. 155 a 161 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

66 - Desde 1995 até 2010 a Autora recebeu trimestralmente alguns prémios de cumprimento de objectivos, os prémios denominados SIM (Sistemas de Incentivos e Motivação);

67 - A Autora obteve cinco prémios anuais de bom desempenho, tendo sido em 2000 premiada com dinheiro, em 2001 com uma viagem a Berlim, em 2002 com uma viagem a Estocolmo e em 2003 com uma viagem e estadia em Nova Iorque nos EUA, concretizada em 2007;

68 - Esses prémios anuais eram atribuídos apenas a 10% de todos os cerca de 700 balcões do Banco;

69 - Quando foi para a França a autora tinha duas crianças de tenra idade, que deixou a residir em Viseu no ano em que mudou a sua residência para Paris;

70 - No ano de 2008 a Autora não recebeu variáveis, não obstante ter alcançado um prémio SIM nos 3º e 4º Trimestre daquele ano, quando no mesmo balcão de Celorico as contratadas a termo GG e HH receberam tais variáveis remuneratórias de respectivamente € 540,00 e €430,00, tendo a HH sido admitida nesse Balcão em Janeiro de 2009, embora já estivesse a trabalhar no Banco desde 03-09-2007;

71 - O corte das variáveis à Autora resultou da ausência de proposta nesse sentido por parte do Director de Área, não obstante a Autora ter tido uma avaliação de 108% em 2007 e 96% em 2008;

72 - A forma de proceder da Autora na renovação dos plafonds era também seguida em outros balcões do país do Banco Réu;

73 - Constituía a excepção e não a regra a intervenção da DRH ou da Hierarquia do Banco (Director de Área ou Director Regional) na renovação dos limites de crédito nas contas ordenado dos funcionários do BB;

74 - Nunca tendo o Banco despedido algum funcionário por não ter visto renovado o limite da sua conta ordenado pela DRH ou pela hierarquia;

75 - O Banco Réu nenhum prejuízo sofreu com qualquer dos comportamentos da Autora;

76 - À Autora estava atribuído em exclusivo para seu uso pessoal e profissional uma viatura de marca M...;

77 - A Autora pagou relativamente a tal veículo em Junho de 2009, pelo menos € 3.042,00;

78 - Em face do despedimento à Autora foram já actualizadas as taxas dos créditos de que dispunha no Banco Réu e por iniciativa exclusiva deste;

79 - A Autora tem diversos empréstimos para crédito à habitação beneficiando de majoração de taxas de juro e pelos quais pagava antes do despedimento o montante de 820,28 euros (238,06 euros do crédito … 338,64 euros do crédito …; 178,99 euros do crédito …; e 64,59 euros do crédito …);

80 - Passando a pagar pelos mesmos créditos, em face do despedimento a taxa Euribor acrescida de um spread de 3% como já lhe comunicou o Banco R., na prestação mensal total de 1.117,33 euros, ou seja mais 297,05 euros mensalmente, valor cujo acréscimo ocorreu já em Setembro e Outubro de 2010,no valor total já de 594,10 euros;

81 - A Autora desde sempre e enquanto trabalhadora do Banco Réu irradiava alegria, simpatia e dinamismo, atributos aliás reflectidos na excelente progressão profissional que teve no Banco e nos resultados alcançados;

82 - Mercê dessa alegria, simpatia, dinamismo viu crescer sempre o seu nível de vida, estruturado numa vida de trabalho e sacrifício, muitas vezes em prejuízo da sua vida pessoal e familiar;

83 - Em face disso perspectivou a sua vida profissional, a sua vida familiar e os encargos que podia assumir em função da carreira que meritoriamente prosseguia;

84 - A Autora tem hoje 2 filhos de 13 e 6 anos de idade;

85 - E tem encargos assumidos em função do rendimento que auferia e decorrentes da sua prestação de trabalho ao Banco Réu;

86 - Em consequência da decisão e posição assumida pelo Réu a Autora entrou em depressão, não conseguindo impedir as lágrimas ainda hoje quando tem que abordar o assunto do despedimento;

87 - Os seus níveis de ansiedade, tristeza e depressão implicam o seu acompanha-mento médico permanente, inclusive em termos psiquiátricos;

88 - A Autora ficou e está em pânico, face por um lado à quebra de rendimento que teve tendo passado a receber apenas e transitoriamente o montante do subsídio de desemprego e por outro lado ao aumento de encargos que tem que suportar ao serviço da sua divida, temendo em entrar em incumprimento;

89 - A sua tristeza e amargura face à decisão de despedimento contagiaram a sua vida familiar, sofrendo o seu marido e as suas filhas com a apatia da Autora, renitente em sair de casa;

90 - A sua vida familiar alterou-se completamente, refugiando-se a Autora em casa, não dormindo de noite e tendo permanentes pesadelos e deixando de conviver com o seu grupo de amigos e as pessoas das suas relações;

91 - A Autora evita sair à Rua com vergonha de o seu despedimento ser comentado no seu meio social, bem como no meio bancário;

92 - A Autora é economista, estando na fase mais produtiva da sua vida profissional, causando o seu despedimento danos na sua honestidade, honorabilidade e brio pessoais e profissionais;

93 - Tanto mais que face a sua excelente carreira profissional dos últimos 15 anos, seria de perspectivar a continuação de tal carreira profissional, no Banco Réu ou noutra empresa, em termos de excelência, com o quadro remuneratório dai decorrente;

94 - O único órgão que tem poder disciplinar no Banco Réu é o Conselho de Administração que o exerce pela sua Comissão Executiva – CECA;

95 - A CECA tomou conhecimento dos factos imputados à Autora em 02/03/2010 data em que lhe foi presente a informação nº … da DAI;

96 - A DAI, no Banco Réu, não detém qualquer poder disciplinar, limitando-se a averiguar os problemas, que lhes são suscitados pelas diferentes áreas do Banco e a transmitir as suas conclusões à CECA, sendo que esta analisado o problema determina a abertura ou não de processo disciplinar;

97 - A Autora foi admitida no Banco em 01.02.1995, foi nomeada Subgerente em 27.09.1999, foi nomeada gerente em 01.04.2001. exerceu essas funções de 01.04.2001 a 02.10.2007, esteve ausente em França de 02.10.2007 a 02.07.2008 e retomou as funções de gerente nesta última data, tendo-as exercido até 26.03.2010;

98 - A DRH não emitiu qualquer parecer, anteriormente a qualquer renovação ou alteração dos plafonds aludidos nos nºs 20 e 21

99 - A Autora em 2010 teve 14 horas de formação, em 2009 teve 38,5 horas, em 2008 teve 10 horas e em 2007 teve 10,5 horas, conforme documento de fls. 755 a 764 que aqui se dá por reproduzido.

100 - O Banco Réu instaurou contra outros trabalhadores processos disciplinares que culminaram nas decisões que constam dos documentos de fls. 623 a 739 e 889 a 1017, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».


III


1 – A execução dos factos eventualmente integradores de justa causa de despedimento teve o seu início ainda na vigência do Código do Trabalho de 2003, mas veio a cessar já na vigência do Código do Trabalho de 2009, diploma à luz do qual deverão ser aferidos.

Nos termos do n.º 1 do artigo 351.º daquele Código, «constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral», especificando o número 2 daquele artigo, de forma exemplificativa, várias situações que poderão preencher aquele conceito.

O conceito de justa causa consagrado naquele dispositivo corresponde no essencial ao n.º 1 do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003, que retomou a noção de justa causa de despedimento que vinha do direito anterior, concretamente do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. 

Deste modo, são elementos do conceito de justa causa de despedimento: a) a existência de uma conduta do trabalhador que evidencie uma violação culposa dos seus deveres contratuais; b) que essa conduta seja objectivamente grave em si mesma e nas suas consequências; c) e que por força dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

Na síntese de M. do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, o conceito de justa causa exige a verificação cumulativa de «um comportamento ilícito, grave e em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjectivo da justa causa); a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objectivo da justa causa); a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem de decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador»[3].

Os factos integrativos do conceito de justa causa hão-de materializar um incumprimento culposo dos deveres contratuais por parte do trabalhador, numa dimensão susceptível de ser considerada como grave, quer a gravidade se concretize nos factos em si mesmos quer ocorra nas suas consequências.

Para além disso, exige-se que essa dimensão global de gravidade torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a que a Doutrina vem chamando elemento objectivo da justa causa.

A subsistência do contrato é aferida no contexto de juízo de prognose em que se projecta o reflexo da infracção e do complexo de interesses por ela afectados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma.

Por isso mesmo, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, «na apreciação da justa causa, deve atender-se ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».

A ponderação integral deste conjunto de circunstâncias permite projectar os factos imputados ao trabalhador no contexto da relação de trabalho e ponderar a partir daí o reflexo dos mesmos na estabilidade daquela relação, como base do juízo de tolerabilidade da sua manutenção.

A impossibilidade de manutenção da relação laboral deve ser apreciada no quadro da inexigibilidade com a ponderação de todos os interesses em presença, existindo sempre que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.

Segundo MONTEIRO FERNANDES, «o que significa a referência legal à “impossibilidade prática” da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador» e que «[n]as circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador»[4].

M. do ROSÁRIO RAMALHO, debruçando-se sobre a construção jurisprudencial deste elemento da justa causa, afirma que «o requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como impossibilidade objectiva»; «a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto»; «a impossibilidade de subsistência do contrato tem que se imediata»[5].

Do mesmo modo, conforme se refere no Acórdão desta secção, de 21 de Março de 2012, proferido na revista 196/09.6TTMAI.P1-S1- 4.ª, será sempre necessário que se possa concluir que a «conduta do trabalhador provocou a ruptura do contrato por se ter tornado impossível manter a relação laboral, impondo-se que a ruptura seja irremediável em virtude de não haver outra sanção susceptível de sanar a crise aberta com a conduta do trabalhador», verificando-se «impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador, que seja susceptível de criar no espírito deste a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele, estando portanto o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato».

No âmbito dos assinalados juízos de prognose, de que pode decorrer a constatação da impossibilidade de manutenção da relação de trabalho, conforme se referiu no Acórdão desta secção, de 22 Setembro de 2010, proferido na revista n.º 217/2002.L1.S1, disponível nas Bases de Dados da DGSI, «tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina».

2 – Esta secção tem-se debruçado sobre situações de cessação da relação de trabalho com fundamento na violação do dever de lealdade e de obediência no exercício de funções de gestão de agências bancárias.

Assim, no acórdão desta secção de 22 de Setembro de 2010, proferido na revista n.º 217/2002.L1.S1[6], referiu-se:

«Este Supremo Tribunal tem vindo frequentemente a pronunciar-se sobre situações de despedimento de trabalhadores colocados em cargos de maior confiança na organização das entidades empregadoras, designadamente em casos que envolvem o trabalho de gerentes e sub-gerentes bancários: depois de considerar que o dever de lealdade é aí mais acentuado, por serem mais exigentes e qualificadas as funções atribuídas, tem vindo a concluir que a subsistência dessa confiança constitui o fundamento nuclear da subsistência do vínculo.

A título de mero exemplo, convoca-se o Acórdão de 18/1/05 (Revista n.º 3157/04), de harmonia com o qual:

- sendo a empregadora uma instituição bancária, a respectiva actividade assume transcendente relevância a nível interno e internacional, sendo objecto de fiscalização por banda dos bancos centrais, e cabendo-lhe, em boa medida, o papel de motor da economia e do desenvolvimento;

- por via disso, os bancos necessitam de colaboradores de grande confiança, dinâmicos e com capacidade de iniciativa, o que necessariamente rejeita a adopção de esquemas ou procedimentos duvidosos e obscuros, à margem das boas práticas comerciais e de grave risco para as instituições que os acolhem.

“Na verdade [discorre-se, por seu turno, no Acórdão de 4/3/2009 – Revista n.º 3535/08] exige-se dos trabalhadores bancários que assumam uma postura de inequívoca transparência e que exerçam as suas funções de forma idónea, leal e de plena boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas dos respectivos Conselhos de Administração, de forma a preservar a imagem dos bancos empregadores enquanto instituições ...”».

Em conformidade com estas considerações foi referido no sumário daquele acórdão, na parte que ao objecto do presente recurso interessa, o seguinte:

«III - No âmbito das relações de trabalho tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança, salientando-‑se, para o efeito, a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.

IV - Consubstancia violação do dever de lealdade o comportamento do trabalhador – sub-gerente bancário – traduzido na concessão directa de crédito a familiares de um cliente da instituição bancária empregadora – cuja concessão estava reservada a um escalão decisório hierarquicamente superior –, crédito esse cujo produto veio a ser, imediatamente, transferido para a conta do referido cliente.

V - Embora não resulte provada a participação do trabalhador no referido plano de transferência – nos termos do qual o verdadeiro destinatário do crédito era o cliente referido em IV e não os seus familiares – já não se poderá escamotear o seu efectivo conhecimento dessa realidade: as propostas de crédito já o indiciavam claramente e o destino dos financiamentos veio inexoravelmente confirmá-lo.

VI - Com esse seu conhecimento, o trabalhador não podia ignorar que estava a ser ostensivamente desrespeitada uma ordem superior a que devia necessária obediência. E, pior do que desrespeitar directamente uma ordem superior, era assumir um comportamento que, objectivamente, encobria um artifício destinado a dificultar o controlo superior do Banco sobre o efectivo cumprimento da ordem proferida.

VII - Traduz, igualmente, a violação do dever de obediência, o comportamento do trabalhador que, contrariando frontalmente uma ordem de serviço, autoriza um pagamento, com a conta a descoberto, instruindo, para tal efeito, uma sua subordinada no sentido de manter a referida ordem no saldo da caixa pagadora, sem ser debitada, fazendo com isso acumular o descoberto da referida conta.

VIII - As instituições bancárias necessitam de colaboradores de grande confiança, dinâmicos e com capacidade de iniciativa, o que necessariamente rejeita a adopção de esquemas ou procedimentos duvidosos e obscuros, à margem das boas práticas comerciais e de grave risco para as instituições que os acolhem.

IX - Os comportamentos assumidos pelo trabalhador – descritos em IV e VII – revelam que, no exercício das suas funções, não realizou o seu trabalho com zelo e diligência, não exerceu as suas funções de forma idónea, diligente, leal, conscienciosa, segundo as normas e instruções recebidas, desobedecendo concretamente a despachos e regras procedimentais, emanadas da hierarquia, assim como não zelou pela boa utilização dos recursos que lhe estavam confiados, justificando-se, por isso, a aplicação da sanção de despedimento com fundamento em justa causa».

A orientação subjacente àquele acórdão foi mantida ainda recentemente no acórdão desta secção de 23 de Novembro de 2011, proferido na revista n.º 318/07.1TTFAR.E1.S1[7], de cujo sumário se destaca o seguinte:

«III - Na actividade bancária, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.

IV - É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a quebra da relação de confiança, quando está demonstrado que o A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, alterou, sucessivamente, os plafonds dos cartões de crédito que lhe estavam afectos, sem a devida autorização hierárquica, com movimentações cruzadas entre duas contas bancárias de que era titular, em inobservância das correspondentes normas procedimentais de controlo instituídas pela R., consubstanciando-se, assim, uma conduta fora da imperativa transparência exigível no comportamento do trabalhador bancário, não sendo de relevar, na concretização do juízo subsumível à noção de justa causa, os montantes dos valores monetários em causa, a reposição dos eventuais prejuízos, ou mesmo a sua inverificação real».


IV

1 - Com base na matéria de facto dada como provada, que apenas foi alterada pelo Tribunal da Relação no sentido de ser aditada aos n.ºs 20 e 21 o segmento «para fazer face a descobertos», decidiu-se na primeira instância no sentido da ilicitude do despedimento da Autora, com base nas seguintes considerações:

«No caso em apreço resultou provado, no que concerne às eventuais infracções cometidas pela Autora, que esta no período compreendido entre 03-12-2008, carregou plafonds na conta ordenado que a própria tinha no banco e na conta ordenado e na conta ordenado existente no banco Réu da qual o seu marido era titular.

Assim, e na sua própria conta, sendo o plafond que lhe estava atribuído de €2.100,00, em 03-12-2008 a Autora carregou um plafond de € 2.250,00 com a data fim de 31-12-2008, em 19-12-2008 manteve o mesmo plafond alterando a data fim para 01-07-2009, sendo que nesse mesmo dia alterou o plafond para €2.300,00 mantendo a mesma data fim, em 03-05-2009 houve uma renovação automática efectuada pela aplicação informática e em 05-06-2009 a Autora mantendo o mesmo plafond alterou a data fim para 01-01-2010.

Por sua vez na conta ordenado titulada pelo seu marido, correspondendo o plafond que lhe estava atribuído de € 2.300,00, carregou ela própria, em 03-12-2008 a Autora carregou um plafond de € 2.450,00 com a data fim de 31-12-2008, em 19-12-2008 manteve o mesmo plafond alterando a data fim para 01-07-2009, sendo que nesse mesmo dia alterou o plafond para €2.500,00 mantendo a mesma data fim, em 03-05-2009 houve uma renovação automática efectuada pela aplicação informática e em 05-06-2009 a Autora mantendo o mesmo plafond alterou a data fim para 01-01-2010.

Tais factos na sua objectividade permitem concluir que a Autora violou as normas internas do Banco Réu no que respeita ao processamento de movimentos na sua própria conta ordenado e na conta ordenado em que figurava como titular o seu marido, atendendo à sua qualidade de trabalhadora do banco onde se encontravam sediadas tais contas, situação violadora do artº 10º do Código de conduta do Banco Réu que estabelecia à data dos factos que impedia a movimentação de contas pelos colaboradores do Banco em que os mesmos fossem titulares ou de familiares de que os mesmos fossem beneficiários ou herdeiros.

Ora, contrariamente ao que defende a Autora, o carregamento de plafonds em contas ordenado não poderá deixar de se considerar um movimento na conta, porquanto são alterados os limites de crédito atribuídos em tais contas.

Tais factos e circunstâncias permitem concluir que existiram condutas irregulares da Autora consubstanciadoras da violação pela mesma do dever de zelo e diligência no exercício das suas funções enquanto gerente de um balcão do banco Réu e do dever de obediência às ordens e instruções do Banco/empregador respeitantes à execução do trabalho.

Tal circunstancialismo configura também a existência de um comportamento culposo, ainda que negligente, dos deveres especiais consignados na cláusula 34º, nº 1, al. b) do ACT aplicável à relação laboral em causa, que refere que ser dever do trabalhador “Exercer de forma idónea, diligente, leal, assídua, pontual e conscienciosa as suas funções, segundo as normas e instruções recebidas e com observância das regras legais e usuais da deontologia da profissão e das relações de trabalho, salvo na medida em que essas normas ou instruções ofendam os seus direitos e garantias;”

No entanto, como supra se referiu não basta qualquer comportamento culposo do trabalhador para se mostrar configurada a existência de justa causa de despedimento, sendo essencial que tal comportamento revele gravidade que torne impossível a subsistência da relação laboral.

(…)

No caso em apreço, consideramos que o comportamento da Autora, só por si não revela gravidade objectiva, perante as concretas funções exercidas pela Autora, que permita concluir que constituem um comportamento susceptível de pôr em causa a relação laboral, tanto mais que Autora durante o tempo que vigorou a relação laboral sempre cumpriu as suas funções de forma zelosa, sendo pessoa dinâmica, empenhando-se no cumprimento das tarefas que lhe foram sendo cometidas, recebendo vários prémios como reconhecimento pela sua dedicação.

Por outro lado, as condutas da Autora foram praticadas numa altura em que a mesma tinha regressado de França, após uma comissão de serviço, estando no balcão onde exercia funções com sobrecarga de trabalho na ausência de sub-gerente que se encontrava de baixa médica e que não foi substituída, sendo certo que a aplicação informática permitia a alteração dos plafonds por parte da gerência, não se mostrando bloqueada.

Por outro lado a alteração dos plafonds daquelas contas vinham sendo sucessivamente actualizados por diversas pessoas, incluindo com a intervenção da Autora, enquanto gerente bancária, sem que tal procedimento nunca tenha merecido qualquer reparo do Réu ou de qualquer um dos responsáveis.

Mais se provou que a renovação das contas ordenado dos colaboradores do banco não carecem de autorização do Director de área, tendo apenas de ser confirmadas pela comissão local de crédito, composta pelo gerente e subgerente do balcão sendo tal comissão integrada pelo gerente de outro banco em caso de impedimento de algum dos membros, designadamente por estarem em causa a renovação de contas próprias ou de familiares.

A Autora no período em causa tratou da renovação/carregamento dos plafonds das contas ordenado, renovando as contas em causa quando procede ao normal procedimento de renovação de todas as contas ordenado, sendo que a respectiva listagem foi assinada por si e pela subgerente.

Dos factos provados não resulta também que os plafonds atribuídos se destinassem a cobrir descobertos em conta ou que não fossem devidos (tendo a Autora sempre aplicações financeiras superiores ao montante de actualização do plafond) ou que daí tenha resultado qualquer prejuízo para o banco Réu, sendo certo que quando acidentalmente a Autora teve um descoberto de € 30,59 pagou o respectivo imposto de selo no valor de € 5,00.

Assim, ponderando a concreta actuação da Autora, bem como todo o circunstancialismo envolvente dos factos, terá de se concluir pela inexistência de gravidade objectiva da conduta da Autora que determine a perca de confiança por parte do Réu que torne impossível a manutenção da relação laboral.

Na verdade, pese embora a actividade bancária se baseie essencialmente num princípio de confiança, tal princípio visa essencialmente promover e garantir a confiança dos cliente, o que salvo melhor entendimento não foi posto em causa pelo comportamento da Autora, apesar do cargo de Direcção exercido por esta, tanto mais que na sua actuação não foi posto em causa qualquer bem patrimonial de terceiros.

Assim, pese embora se possa considerar que a actuação da Autora era passível de aplicação de sanção disciplinar, esta nunca poderia ser a sanção mais gravosa, porquanto a permanência da Autora na estrutura organizativa não se revela impossível ou necessária.

Assim, verifica-se que dos factos provados não resulta a existência de qualquer comportamento culposo da Autora que pela sua gravidade ponha em causa a subsistência da relação laboral e que constitua justa causa para o seu despedimento.

Acresce que a aplicação de tão gravosa sanção sempre se teria de considerar violadora do princípio da igualdade previsto no artº 13º da Constituição da Republica Portuguesa, aplicável por força do artº 18º de tal diploma legal.

Na verdade, como resulta dos factos provados o banco Réu instaurou contra outros trabalhadores processos disciplinares que culminaram nas decisões que constam dos documentos de fls. 623 a 739 e 889 a 1017.

Ora, compulsado o teor de tais decisões resulta que nos casos em que foi aplicada a sanção de despedimento, estavam em causa situações mais gravosas com atribuições de plafonds superiores aos devidos segundo os critérios de atribuição do Banco, para salvaguardar descobertos em conta ou associadas a outras infracções disciplinares ou a trabalhadores com antecedentes disciplinares, sendo certo que nos casos dos trabalhadores CC e DD (cfr. fls. 966 a 995) estando em causa a atribuição de plafonds em contas próprias ou de familiares excedendo os limites definidos pelo Banco para a sua atribuição, o Réu aplicou apenas sanções de suspensão da prestação de trabalho, com perda de retribuição, por um período de 24 dias.

Assim, estando em causa no caso em apreço apenas a atribuição de plafonds em conta própria e do marido, sem que se mostre comprovado que os mesmos excederam os limites máximos segundo os critérios definidos pelo Réu e atento todo o circunstancialismo envolvente aos factos, verifica-se desde logo um claro tratamento desigual entre a sanção aplicada à Autora e as sanções aplicadas aos trabalhadores CC e DD cuja actuação se mostra mais gravosa que aquela que foi praticada pela Autora.

Assim, também por violação do princípio da igualdade sempre seria de considerar o despedimento promovido pelo Réu de ilícito

Do exposto terá que se concluir que o Réu não tinha justa causa para proceder ao despedimento da Autora, motivo pela qual o despedimento promovido pela Ré terá que se considerar ilícito, em conformidade com o disposto no artº 381º, al. b) do CT.

Assim e nestes termos terá que ser julgado improcedente o pedido formulado pela Ré, com a consequente improcedência da acção e procedente o primeiro dos pedidos reconvencionais deduzido pela Autora».

2 - No Tribunal da Relação, por sua vez, decidiu-se que o despedimento se deveria considerar lícito, com base nas seguintes considerações:

«No caso concreto, a apelada desenvolvia funções de gerente de balcão o que, como é sabido, implica actividades de elevada responsabilidade, seja do ponto de vista interno, seja do externo. Donde, especiais exigências comportamentais se lhe aplicam, não se revelando desculpável a sua actuação no caso concreto.

 Sendo embora verdade, tal como se exarou na sentença, que até então a mesma vinha exercendo as suas funções de forma zelosa e empenhada, o que até motivou a atribuição de prémios, a verdade é que, perante a oportunidade, cedeu aos deveres e não se absteve de cometer os actos que lhe foram imputados, sem que provasse alguma especial razão motivadora de tal conduta.

Não justifica tal conduta a circunstância de ter regressado de França, estando ao balcão com sobrecarga de trabalho motivada pela ausência de sub-gerência, tanto mais que o regresso de França ocorreu seis meses antes da prática dos factos (19/06/2008) e a inexistência de sub-gerente deu-se três meses após aquele mesmo início (Março de 2009).

Além disso, o acervo fáctico é bem explícito quanto à necessidade de os funcionários titulares de conta se absterem de renovar contas próprias ou de familiares (ponto 37). E, após a reapreciação que efectuámos da prova, não restam dúvidas de que as alterações tiveram como finalidade cobrir descobertos em conta (pontos 20 e 21).

 Ocorre ainda que, propendendo nós para a necessidade de alguma coerência empresarial no exercício do poder disciplinar, ela só é violada se, em presença da notícia da infracção, o empregador agir de um modo quanto a uns trabalhadores e de outro quanto a outros.

Ora, não se vê do acervo fáctico que se evidencie algo que possa inculcar no sentido de algum tratamento desigual de situações semelhantes.

E, também se nos afigura que a violação da confiança não admite graduações.

A actividade de um gerente de balcão vive da confiança que aqueles que, por um lado a atribuem e, por outro, a solicitam, nela depositam, pelo que a imagem que transmite há-de estar solidamente estruturada.

(…)

Concluímos, pois, que não só não é exigível ao empregador manter esta relação laboral, como a conduta da trabalhadora é adequada a causar a impossibilidade de manutenção da relação por pôr em causa a relação de confiança inerente ao seu desempenho.

 Não há, assim, como não concluir que o despedimento é lícito, por se fundar em justa causa.

 Procede, pois, a apelação, com revogação da sentença na parte afectada – alíneas a) a e) do decisório».

3 – Ponderada a matéria de facto fixada pelas instâncias evidencia-se que a Autora por várias vezes, em 3 de Dezembro de 2008 e em 19 do mesmo mês, sendo certo que neste dia actuou por duas vezes, e no dia 5 de Junho de 2009, alterou os plafonds (limites de crédito) das contas referidas nos n.ºs 20 e 21 da matéria de facto, contas essas de que era titular juntamente com o seu marido.

Procedeu a tais alterações, tal como resulta da matéria de facto fixada, para «fazer face a descobertos».

Esta finalidade evidencia uma conduta pré-ordenada à obtenção de um resultado, ou seja uma conduta dolosa, conduta esta que tem subjacente uma direcção da vontade da sua autora em relação àquela finalidade.

O facto de tais alterações ocorrerem, segundo a matéria de facto, no contexto do «normal procedimento de renovação de todas as contas ordenado», «não configurando uma acto isolado», «sendo os plafonds renovados semestralmente, normalmente ente finais de Novembro e finais de Dezembro e entre finais de Maio e meados de Junho», não põe em causa aquela caracterização da conduta da Autora.

Na verdade, assente que tais alterações visavam fazer face a descobertos, o enquadramento temporal e natural das mesmas seria o momento em que as demais contas eram actualizadas, uma vez que era a forma menos ostensiva de diluir a intencionalidade que lhes estava subjacente.

A intencionalidade subjacente à actuação da Autora, que resulta da alteração da matéria de facto decorrente da intervenção do Tribunal da Relação não é «inócua», tal como aquela pretende, sendo irrelevante que não visasse cobrir qualquer descoberto existente, já que era apta para os cobrir no futuro.

Ao pretender ocultar «fazer face» a descobertos, a Autora pretendia evitar que as ultrapassagens dos limites de crédito de que beneficiava fossem despistadas pelos serviços de controlo da Ré.

Neste sentido a conduta da Autora é claramente violadora do dever de lealdade para com a entidade empregadora, dever que a onera enquanto parte da relação de trabalho, e que é expressão da confiança entre as partes - um dos suportes da relação de trabalho.

Ao pretender ocultar situações actuais ou futuras de ultrapassagem dos limites de crédito de que beneficiava, a Autora põe em causa, conforme se referiu, o dever de lealdade para com a sua entidade empregadora, dever de lealdade que assume uma particular intensidade no contexto da gestão de agências bancárias, conforme a jurisprudência desta secção há muito vem considerando.

4 – Por outro lado, a conduta da Autora viola normas internas de gestão do serviço a que devia obediência, nomeadamente o artigo 10.º do Código de Conduta do Grupo BB, na redacção anterior a 2010, que estabelece o impedimento relativamente à movimentação de contas próprias ou de familiares.

A Autora, apesar de ter conhecimento dessa normativa e de saber claramente os fundamentos da mesma, nomeadamente a transparência e objectividade que deve estar subjacente ao exercício da actividade bancária, fez as alterações em causa, quando nada a impedia de ter recorrido aos procedimentos normais para realizar as actualizações dessas contas nas épocas em que tais actualizações eram levadas a cabo.

As condições em que prestou o seu serviço nessas circunstâncias, nomeadamente o reduzido número de profissionais ao serviço da agência em que trabalhava e a sobrecarga de trabalho que a possa ter onerado, não a impedia de recorrer àqueles procedimentos.

Neste sentido o incumprimento da directiva interna relativamente a impedimentos articula-se por inteiro com a intencionalidade que está subjacente à actuação da Autora, ou seja, fazer face aos descobertos, conforme acima se referiu.

Nesta parte a actuação da autora evidencia uma clara violação do dever de obediência que a onera, enquanto parte subordinada na relação de trabalho.

O facto de a «forma de proceder da Autora na renovação dos plafonds» ser «seguida em outros balcões do Banco Réu» e de ser excepção a intervenção da «DRH ou da hierarquia do banco (…) na renovação dos limites de crédito nas contas ordenado dos funcionários do BB», embora possa atenuar a culpa com que a Autora actuou, não põe em causa a ilicitude da sua conduta nem a intencionalidade que lhe estava subjacente.

Importa que se tenha presente que a intervenção da Autora em violação da norma relativa a impedimentos se articula com a intenção de «fazer face a descobertos», elemento que individualiza a sua actuação face a procedimentos que poderão ter sido tolerados em situações «normais», onde a mencionada intencionalidade estava ausente.

5 – Pretende a Autora que a decisão recorrida viola o princípio da igualdade, «a que está vinculado o empregador e o tribunal por força do disposto no art. 13.º da CRP e da sua aplicabilidade directa e vinculação de todas as entidades públicas e privadas nos termos do ar. 18.º/1 da mesma CRP», louvando-se do teor da decisão proferida na 1.ª instância, na parte acima transcrita, nomeadamente, no seguinte:

«Ora, compulsado o teor de tais decisões resulta que nos casos em que foi aplicada a sanção de despedimento, estavam em causa situações mais gravosas com atribuições de plafonds superiores aos devidos segundo os critérios de atribuição do Banco, para salvaguardar descobertos em conta ou associadas a outras infracções disciplinares ou a trabalhadores com antecedentes disciplinares, sendo certo que nos casos dos trabalhadores CC e DD (cfr. fls. 966 a 995) estando em causa a atribuição de plafonds em contas próprias ou de familiares excedendo os limites definidos pelo Banco para a sua atribuição, o Réu aplicou apenas sanções de suspensão da prestação de trabalho, com perda de retribuição, por um período de 24 dias.

Assim, estando em causa no caso em apreço apenas a atribuição de plafonds em conta própria e do marido, sem que se mostre comprovado que os mesmos excederam os limites máximos segundo os critérios definidos pelo Réu e atento todo o circunstancialismo envolvente aos factos, verifica-se desde logo um claro tratamento desigual entre a sanção aplicada à Autora e as sanções aplicadas aos trabalhadores CC e DD cuja actuação se mostra mais gravosa que aquela que foi praticada pela Autora».

Da matéria de facto dada como provada resulta – ponto 100 - que «o Banco Réu instaurou contra outros trabalhadores processos disciplinares que culminaram nas decisões que constam dos documentos de fls. 623 a 739 e 889 a 1017, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».

Analisados os documentos em causa, não pode deixar de se repudiar tal conclusão.

Na verdade, o que resulta dos procedimentos disciplinares instaurados aos trabalhadores CC e DD é a ocorrência de situações que no caso foram consideradas pela entidade competente como fundamento bastante para a não aplicação da sanção de despedimento proposta nas respectivas «notas de culpa».

Trata-se de situações de natureza económica que motivaram e enquadraram os factos ilícitos que eram imputados a esses trabalhadores e que levaram a que o Réu tenha entendido que a sanção adequada nesses casos era uma mera suspensão do exercício de funções com perda de vencimento por determinado número de dias.

Não pode, deste modo, considerar-se que a diferenciação dessas situações face a decisão que foi tomada no caso da Autora evidencia um tratamento arbitrário desta e revelador de uma violação dos comandos derivados do princípio da igualdade que exige «um tratamento igual de situações similares e um tratamento diferenciado de situações diferentes, e não havendo paralelismo que permita afirmar terem os ilícitos disciplinares sido praticados pelos seus autores com os mesmos graus de ilicitude e de culpa, não pode afirmar-se que foi postergado pela entidade patronal o princípio da igualdade no domínio disciplinar»[8].

Importa, por outro lado, que se tenha presente, como refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, que «o poder disciplinar não é um poder funcional, como o poder paternal; apresenta-se antes como um poder discricionário, no sentido de só ser exercido se o empregador julgar oportuno. Assim sendo, não cabe aos poderes públicos substituírem-se ao empregador, para impor ou impedir o exercício do poder disciplinar».  

Prossegue aquele Autor, referindo, «poder-se-ia argumentar no sentido de que a discricionariedade no exercício do poder disciplinar contrariar o princípio da igualdade, pois idênticas infracções poderiam conduzir a resultados diferentes, consoante o empregador pretendesse ou não agir. Contudo, o exercício do poder disciplinar relaciona-se com a actividade empresarial, relativamente à qual a liberdade de iniciativa não pode ser coarctada. Deste modo, será o empregador  quem decide se é conveniente ou não instaurar um procedimento disciplinar; tal actuação não lhe pode ser imposta» (…) A discricionariedade tem por limite a igualdade, mas, ainda assim, desde que justificado – sem intuito persecutório, portanto –, o empregador pode punir diferentemente, passar a sancionar ilicitudes que até então perdoava numa perspectiva laxativa que é abandonada, etc. A discricionariedade e a igualdade têm de ser enquadradas no exercício do poder de gestão e da liberdade que lhe é inerente»[9].

É neste contexto que a prática disciplinar da empresa, como expressão do princípio da coerência disciplinar se transforma num dos elementos a atender no preenchimento dos elementos que integram a justa causa de despedimento, nomeadamente, por força do disposto no n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho.

No que se refere à distribuição do ónus da prova relativo à violação do princípio da coerência disciplinar, tem esta secção repetidamente afirmado que incumbe ao trabalhador fazer prova dos «factos que permitam concluir que o seu despedimento não respeitou» a prática disciplinar da empresa[10].

No caso dos autos a Autora não fez decididamente prova de que a sanção que lhe foi aplicada contrarie a prática disciplinar do Réu e que a mesma seja arbitrária quando comparada com as sanções que pelo mesmo são aplicadas habitualmente em casos análogos.

6 - Entende igualmente a recorrente que a sanção que lhe foi aplicada se mostra manifestamente desadequada da gravidade dos factos que lhe são imputados e que por isso a mesma seria violadora do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º da Constituição da República.

Destaca que «por um lado porque a ruptura do vínculo contratual não encontra qualquer adequação no comportamento das partes e nas circunstâncias em que ambas actuaram e permitiram a actuação, por outro lado não havia necessidade de uma tal ruptura contratual, quando ao alcance do empregador existiam outras medidas menos onerosas para os direitos de ambas, sendo, ainda por outro lado e finalmente, excessiva a aplicação da sanção de despedimento, face ao valor da confiança que se queria salvaguardar e se justificava na medida das relações entre as partes».

A conduta imputada à Autora integra, conforme acima se referiu, a violação do dever de lealdade, materializada na intenção de ocultar ultrapassagens dos limites de crédito que lhe estavam atribuídos e do dever de obediência, uma vez que para a realização do objectivo que está subjacente à sua conduta, a Autora viola disposições internas relativas ao impedimento de intervenção sobre contas de que seja titular ou de que sejam titulares familiares seus.

As circunstâncias que enquadram a prática da infracção, nomeadamente as condições de trabalho, não atenuam a responsabilidade da Autora pelos factos violadores do dever de lealdade, embora, no que se refere à quebra do dever de não intervir em contas relativamente às quais existam impedimentos, o contexto possa traduzir alguma atenuação.

Contudo, neste caso tais infracções são claramente instrumentais relativamente à «ocultação de descobertos» que motiva a actuação da Autora.

Tal como a jurisprudência desta secção tem reafirmado, a confiança entre as partes na relação de trabalho atinge no que refere à actividade de gestão de agências bancárias níveis elevados, que derivam da especificidade do negócio, do papel e da imagem dos bancos enquanto agentes da gestão do crédito e do seu papel na actividade económica, indissoluvelmente ligada à credibilidade que os profissionais bancárias possam transmitir para os cidadãos que entram em contacto com a actividade bancária.

Se a acção dos bancos é profundamente condicionada pela imagem que os seus profissionais transmitem para o mercado, ao funcionamento da instituição bancária é imprescindível a confiança do banco nos seus profissionais que é a base em que assentam todos os diferentes níveis de decisão necessários ao funcionamento do negócio.

Essa confiança é fundamental para o exercício da actividade bancária e ela tem como pressuposto uma dimensão elevada de respeito pelo dever de lealdade por parte dos profissionais bancários.

Tal como resulta da matéria de facto, a Autora «era uma pessoa dinâmica e zelosa, empenhando-se no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas» tendo o Banco Réu reconhecido a «dedicação da Autora, designadamente tendo recebido prémios e participações nos lucros».

As suas qualidades profissionais não são alheias à progressão que ocorreu na sua actividade profissional, que se lhe reconheceu o mérito, mas também fazia esperar dela uma dedicação e uma lealdade mais intensas.

Os factos praticados pela Autora atingem a confiança que a Ré nela depositou e que foi a base em que assentou aquela progressão profissional e a sua designação para o exercício das funções de direcção de agências bancárias. Deste modo, a conduta da Autora atingiu este núcleo fundamental de forma que torna a subsistência da relação de trabalho impossível, devendo o respectivo despedimento ser considerado lícito.

Improcedem, deste modo, as Conclusões I a XXIII da revista interposta pela Autora, confirmando-se integralmente a decisão recorrida, nessa parte.

Nos termos do artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, face ao decidido, fica prejudicada a questão subjacente à matéria da conclusão XXIV das alegações daquela revista.


V

Termos em que se acorda em negar a revista, confirmando a decisão recorrida.

As custas da revista ficam a cargo da Autora.

Anexa-se sumário do Acórdão.

Lisboa, 12 de Setembro de 2012

António Leones Dantas (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

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[1] Consta ainda do Acórdão do Tribunal da Relação: «E não 2008 como por mero lapso que aqui se corrige se referiu na resposta à matéria de facto».
[2] Consta ainda do Acórdão do Tribunal da Relação: «E não 2008 como por mero lapso que aqui se corrige se referiu na resposta à matéria de facto».
[3] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pp. 899 e 900.
[4] Direito do Trabalho, 2009, Almedina, 14.ª Edição, p. 591.
[5] Obra citada, pp. 903 e 904.
[6] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[7] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[8] Acórdão desta secção de 24 de Junho de 2003, proferido na revista n.º 3495/02, e citado no acórdão de 6 de Dezembro de 2006, proferido na revista n.º 2713/06, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[9] Direito do Trabalho, 2010, 5.ª edição, Almedina, p.p. 676 e 677.
[10] Cfr., entre outros, os acórdãos de 6 de Dezembro de 2006, proferido no processo n.º 2713/06, e de 30 de Abril de 2008, proferido na revista n.º 241/06, ambos disponíveis nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.