Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1279/09.8TBCTB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA COM EFICÁCIA REAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
VENDA DIRECTA
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE CASTELO BRANCO – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 830º C. CIVIL; 903º DO CPC; 119º DO C.R.PRED.
Sumário: I – A celebração de um contrato-promessa com eficácia real validamente constituída e registada confere ao promitente comprador a faculdade de adquirir o bem objecto da promessa, designadamente desencadeando essa aquisição sem o concurso do promitente vendedor e contra os actos de disposição do bem por este realizados.

II – A forma mais comum de accionar esta faculdade autónoma de aquisição corresponde à execução específica, através da chamada acção ex artigo 830º do CC.

III – No quadro de uma execução instaurada contra o promitente vendedor, na qual tenha sido penhorado o bem por este prometido vender, essa mesma faculdade, o direito de aquisição do bem pelo promitente comprador, actua através da venda directa, ao mesmo promitente, nas condições fixadas no contrato, nos termos previstos no artigo 903º do CPC, que expressamente referiu esse tipo de venda à promessa real na redacção nele introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.

IV – Este artigo 903º do CPC não enferma de qualquer inconstitucionalidade material, por ofensa da “reserva de juiz” prevista no artigo 202º, nº 2 da Constituição, sendo certo que a discussão das incidências do contrato-promessa pode ocorrer incidentalmente (e sempre traduz uma discussão judicial) na própria execução, designadamente sendo suscitada por qualquer dos contraentes da promessa, nos mesmos termos em que, substancialmente, poderia ocorrer na acção visando a execução específica dessa promessa.

V – Este entendimento coloca em plano de igualdade substancial os promitentes, quanto à discussão das incidências do contrato-promessa, tanto no quadro adjectivo da acção declarativa visando a execução específica, como no quadro adjectivo desencadeado na execução com a venda directa prevista no artigo 903º do CPC, não ocorrendo, assim, qualquer ofensa ao princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º, nº 1 da Constituição.

VI – O artigo 119º do CRPred não tem aplicação à situação em que a penhora incida sobre bem do Executado que este tenha prometido vender, quando a tal promessa tenha sido atribuída eficácia real.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

1. Em 01/09/2009 foi instaurada uma execução para pagamento de quantia certa[1] pelo Banco C…, S.A., Sociedade Aberta (doravante designado como Exequente e Apelado no contexto deste recurso) contra os seguintes Executados: M…, É…, C…, I… e F… (este último Executado ocupa, na presente instância, em conjunto com um interveniente adiante indicado, a posição de Apelante[2]).

Refere-se a execução ao valor de €204.061,97 (capital e juros), apresentando o Banco como título executivo uma livrança subscrita pelos Executados.

1.1. No desenvolvimento desta instância executiva viria a ter lugar, efectivada pela Agente de Execução designada, a penhora de vários imóveis (no que aqui interessa de partes destes)[3], entre os quais, designados no correspondente auto de penhora como verbas 1 e 3, ambas pertencentes ao Executado F…, descritas nos seguintes termos: (a)1/2 fracção autónoma designada pela letra ‘X’, correspondente ao 5.º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito … (verba nº 1); (b)Fracção autónoma designada pela letra ‘P’, correspondente ao 3.º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito … (verba nº 3).

1.2. Notificado do referido auto de penhora, atravessou o Executado F… na execução o requerimento aqui certificado a fls. 5/7 contendo, no que respeita às mencionadas verbas 1 e 3, as seguintes informações:
“[…]
Foi penhorado 1/2 da fracção X, bem identificada sob o nº 1 e 1/2 da fracção P, bem identificada sob o nº 3.
1/2 das referidas fracções pertence à sua ex-mulher, E…, de quem está divorciado, sendo certo que foram compradas em comum e partes iguais, estando casado sob o regime de separação de bens.
As mesmas não admitem divisão em substância.
Sobre as metades indivisas, pertencentes ao executado, das fracções X e P, está inscrita, através da Ap.1632 de 2010/06/18, uma promessa de alienação, com eficácia real, com início em 18/06/2010, em que é sujeito activo (promitente comprador) J…, casado com C…, no regime de comunhão de adquiridos, tudo conforme se vê da descrição nº 657 e 668, freguesia de ...
Promessa que obsta ao prosseguimento da execução, face à natureza da promessa de alienação, com registo definitivo, e ao disposto no artigo 119º, nº1 do Código do Registo Predial.
[…]”.
            Recaiu sobre este requerimento o despacho que se mostra aqui certificado neste apenso a fls. 15/17 (despacho datado de 29/03/2011 e com a referência citius 2437331). Este, na parte respeitante às ditas verbas 1 e 3, contém a seguinte asserção decisória:
“[…]
No que toca à observação efectuado pelo executado F… à penhora da verba n.º 1 e 3, defendendo que deverá ser dado cumprimento ao disposto no art. 119.º CRP atento [o] registo de promessa de alienação com eficácia real daqueles bens, reitera-se o acima exposto. Ou seja, não se verificam os pressupostos da citação a que alude o art. 119.º, n.º 1, CRP, dado que o titular inscrito de 1/2 da fracção penhorada é o próprio executado e não o promitente comprador com eficácia real. Acresce que quanto à penhora da verba n.º 1, foi a mesma sustada nos termos do art. 871.º CPC (fls. 6).
[…]”.

            1.2.1. Ainda neste contexto apresentou o Executado F… o seguinte requerimento (retemos o trecho respeitante à verba 3 aqui em causa), respondendo à Agente de Execução que o ouviu nos termos do artigo 886º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) sobre a venda:
“[…]
Quanto à  verba nº 3:
Vai arguir, perante a M.mª Juiz, a nulidade de decisão, que consiste em não ter sido efectuada a notificação do promitente comprador, J…, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 119º do C. R. Predial, em virtude de entender que tal verba não pode ser vendida, por existir registo de alienação da respectiva fracção, antes do registo da penhora, invocada pelo exequente.
Por mera cautela, propõe o valor base de €130 000,00.
[…]”.

            Neste mesmo contexto apresentou o promitente comprador do imóvel em causa na verba 3 (J…[4], a pessoa como tal identificada pelo Executado F…[5]) o requerimento certificado a fls. 24/29, no qual, sob a forma de arguição de nulidade, sustenta a aplicação ao caso (dele promitente comprador) do disposto no artigo 119º, nº 1 do Código do Registo Predial (CRPred) – haveria, portanto, necessidade de o notificar nesses termos, sendo essa a nulidade alegadamente cometida – e a inaplicabilidade do artigo 903º do CPC[6]. Juntou a este requerimento o “contrato-promessa de compra e venda com eficácia real”, respeitante às partes envolvidas nas verbas aqui penhoradas. Neste contrato, que é datado de 18/06/2010 (é, pois, posterior à instauração desta execução e à citação para a mesma do Executado F…[7]) é promitente vendedor o referido Executado e promitente comprador J...

            1.3. Recaiu sobre esta arguição – do promitente comprador – o despacho certificado a fls. 42 (datado de 24/05/2012, referência citius 2938294) – consubstancia este, integrado pelo despacho de fls. 15/17, a decisão objecto do presente recurso –, indeferindo a mencionada arguição de nulidade, nos seguintes termos:
“[…]
Uma vez que o Tribunal já se pronunciou expressamente sobre a questão entendendo que o registo de promessa de alienação com eficácia real não cria qualquer obstáculo à penhora do bem prometido vender, apenas conferindo ao promitente comprador com eficácia real um direito de aquisição oponível à execução, ou seja, a possibilidade de requerer que a venda lhe seja feita directamente, nos termos do disposto no artigo 903.º do CPC, pelo que não estamos perante a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva não se verificando qualquer irregularidade ou nulidade – cfr. artigo 201.º, n.º 1, do CPC.
Face ao exposto, sem necessidade de mais considerandos, indefere-se arguida nulidade.
[…]”.

            1.4. Inconformados – inconformado o promitente vendedor aqui Executado com o não atendimento da nulidade suscitada pelo promitente comprador e a viúva deste último, entretanto habilitada –, inconformados, dizíamos, interpuseram estes o presente recurso, motivando-o a fls. 49/63, rematando tal peça processual com as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos dois Apelantes – transcrevemo-las no item 1.4. supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[8]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            Resulta das conclusões – e assim enunciamos o fundamento do recurso (trata-se, como veremos, de um fundamento estruturado em duas vertentes) – que os Apelantes pretendem a aplicação, nesta execução (e constitui a primeira vertente), ao caso do promitente comprador que seja parte numa promessa dotada de eficácia real, do regime previsto do artigo 119º do CRPred. Esta pretensão segue em paralelo (e constitui a segunda vertente), face ao entendimento do Tribunal quanto à sujeição da situação da promessa com eficácia real ao artigo 903º do CPC, à defesa da não aplicação deste, sendo que constitui elemento particular deste entendimento dos Apelantes a consideração de que esta norma (o artigo 903º) padece de inconstitucionalidade material.

            O recurso estrutura-se, assim, na opção alternativa entre considerar aplicável o artigo 119º do CRPred ou o artigo 903º do CPC, sendo relevantes para apreciação desta questão o conjunto de incidências relatadas ao longo do item 1. deste Acórdão, com particular destaque para a seguinte circunstância: estando o processo agora já no dealbar da fase da venda, a penhora anteriormente efectuada incidiu, entre outros bens, sobre metades indivisas de prédios urbanos (parte de fracções de dois prédios em propriedade horizontal) inscrito em nome do Executado, sendo que este, depois de ter sido citado para a execução (mas antes da penhora), decidiu celebrar um contrato-promessa de compra e venda desse bem, atribuindo-lhe eficácia real, nos termos do artigo 413º do CC. Foi a posterior penhora – posterior relativamente ao registo da promessa – das referidas fracções (da parte do Executado nelas) que colocou aqui a necessidade de articular a venda executiva com a situação do promitente comprador titular, por via dessa eficácia real, de um “direito real de aquisição”[9] daquele bem penhorado no intuito de ulterior venda para satisfação do direito do credor enquanto Exequente.

            2.1. Como ponto de partida tomamos aqui o texto das duas normas convocadas. Começamos pela constante do Código do Registo Predial, sendo esta – o artigo 119º – a disposição que os Apelantes entendem ser a aplicável ao caso:

Artigo 119º
Suprimento em caso de arresto, penhora ou apreensão
1 – Havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência de bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou o direito lhe pertence.
2 – No caso de ausência ou falecimento do titular da inscrição, far-se-á a citação deste ou dos seus herdeiros independentemente de habilitação, afixando-se editais pelo prazo de 30 dias na sede da junta de freguesia da situação dos prédios e na conservatória competente.
3 – Se o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, será expedida certidão do facto à conservatória para conversão oficiosa do registo.
4 – Se o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns, expedindo-se igualmente certidão do facto, com a data da notificação da declaração, para ser anotada ao registo.
5 – O registo da acção declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respectivo prazo até caducar ou ser cancelado o registo da acção.
6 – No caso de procedência da acção, deve o interessado pedir a conversão do registo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado.

            Consideraremos mais adiante, a culminar este Acórdão (item 2.2. infra), a questão da invocada aplicação deste artigo 119º do CRPred, sendo que a encaramos, nos termos em que os Apelantes a colocam, como alternativa interpretativa à aplicação, que todavia nos parece evidente, do artigo 903º do CPC.

Por ora, quanto a este último, quanto ao artigo 903º do CPC (cuja redacção actual foi introduzida pela reforma da acção executiva consubstanciada no Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), constituindo este a disposição que a decisão recorrida entendeu aplicável à situação do promitente comprador beneficiário da atribuição de eficácia real à promessa, estabelece o seguinte:

Artigo 903º
Venda directa
Se os bens houverem, por lei, de ser entregues a determinada entidade, ou tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda ser-lhe-á feita directamente.

            2.1.1. É relevante sublinhar a respeito dos termos actuais deste artigo 903º – e é pela incidência dele no caso concreto que vamos começar –, na referenciação expressa da promessa com eficácia real como situação de venda directa, e essa incidência corresponde exactamente ao segmento da norma que se apresenta operante no contexto deste recurso, é relevante sublinhar, dizíamos, que o artigo 903º antes de 1995 (correspondia então ao artigo 885º[10]) se limitava a determinar que “[s]e os bens houverem, por lei, de ser entregues a determinadas entidades, a venda ser-lhes-á feita directamente”. Não faltava, face a esta redacção, quem visse aí consagrado, precisamente, o caso dos bens objecto de promessa de venda à qual tivesse sido atribuída eficácia real[11]. E foi com este sentido que o legislador do Decreto-Lei nº 38/2003, em sede de revisão do regime da acção executiva, entendeu consagrar expressamente a venda em execução directamente ao promitente comprador de bem entretanto penhorado, quando à promessa em causa tiver sido atribuída eficácia real e esse promitente queira exercer o direito de execução específica, rectius – e parece-nos ser o entendimento adequado do artigo 903º do CPC –, quando o promitente comprador queira fazer valer, no especial contexto da acção executiva, o direito a adquirir o bem penhorado – que anteriormente lhe foi prometido vender – sem o concurso do promitente vendedor, como resulta do nº 1 do artigo 830º do CC[12].
            Claro que este efeito – referimo-nos ao efeito normal da acção ex artigo 830º do CC[13] –, necessitaria de adaptação ao ambiente especial da acção executiva na fase de venda, quando esta incida sobre bem objecto de promessa com eficácia real. Note-se que a penhora, no que traduz um dos seus efeitos mais relevantes, altera o poder de disposição do bem seu objecto, deslocando esse poder do proprietário (executado) para o tribunal[14], introduzindo um novo elemento na equação da execução específica da promessa neste caso, quanto ao efeito de aquisição do bem. Pode-se dizer que a penhora tornaria impossível o cumprimento da promessa pendente ao promitente vendedor e que a possibilidade de obter o cumprimento forçado desta – a possibilidade de ultrapassar a inacção de quem a deve cumprir resultante da eficácia real – coloca problemas específicos à venda executiva, sendo esta – digamo-lo assim – subjectivamente livre. 
É este o sentido do artigo 903º do CPC, a disposição legal que os Apelantes, absurdamente face à respectiva redacção, pretendem afastar da aplicação ao caso vertente, contra a evidência do preenchimento neste caso da correspondente facti species.
Com efeito, essa aplicabilidade é afirmada pela generalidade da Doutrina – como se fosse necessário afirmar uma evidência que presentemente decorre da letra da lei[15] – e é caracterizada nos seguintes termos:
“[…]
A venda directa (cfr. artigos [886º, nº 1, alínea c)] e 903º) é realizada pelo tribunal ao sujeito ou à entidade com direito a adquirir o bem a alienar. Se o adquirente do bem for o promitente-comprador, as condições de venda são as que constam do respectivo contrato-promessa.
[…]”[16].

            Mais expressivamente, José Lebre de Freitas[17], indicando a natureza excepcional da venda em bolsa (artigo 902º do CPC) e da venda directa prevista no artigo 903º, reporta esta última aos bens “[…] que tenham sido objecto de contrato-promessa com eficácia real”, acrescentando o seguinte:
“[…]
O promitente comprador vê assim salvaguardados os seus direitos em processo de execução: sem se poder opor à penhora, adquire, porém, os bens nos termos contratualmente acordados. Não sendo obrigado a adquirir senão nas condições contratuais.
[…]”[18].

            2.1.2. Salvo erro, do qual a ocorrer nos penitenciamos desde já, apenas se detecta na Doutrina uma posição discrepante deste entendimento[19]. Referimo-nos a Fernando Amâncio Ferreira, sendo que a discordância deste Autor, na vigência do regime anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003 – portanto, ainda sem que a letra expressa do preceito introduzida em 2003, aludisse à promessa –, traduzia-se na negação pura e simples, contra o entendimento maioritário, de que o artigo 903º do CPC abrangesse, entre as hipóteses de venda directa nele previstas, o caso da promessa de venda a que tivesse sido atribuída eficácia real pelos contraentes. Note-se que é esta a base argumentativa à qual os Apelantes vão buscar o fundamento do recurso (daí a especial consideração desta posição no contexto do presente Acórdão). Interessa reter aqui, para compreensão do problema colocado no recurso, o argumento – o argumento de então – esgrimido pelo Conselheiro Amâncio Ferreira:
“[…]
Há quem sustente haver venda directa a favor do promitente comprador sempre que o bem penhorado haja sido objecto de um contrato-promessa com eficácia real (artigo 413º, nº 1 do CC), mas tal entendimento é inaceitável.
Com efeito, o direito real de aquisição do promitente comprador concretiza-se, não por meio de uma forma especial de venda, mas do direito de execução específica, através do qual aquele comprador obtém do tribunal sentença (constitutiva) que produz os efeitos da declaração negocial do promitente vendedor (artigo 830º, nº 1 do CC).
A realidade que acompanha este direito de execução específica, em confronto com o que detém mera eficácia obrigacional, implica a possibilidade dele sempre se efectivar, ainda que haja sinal passado ou cláusula penal, para além de se manter, mesmo que o promitente vendedor tenha disposto da coisa a favor de terceiro, desde que a promessa tenha sido registada antes de o ser esse acto de alienação. Mas a realidade não tem qualquer projecção no âmbito da venda executiva, porquanto a coisa só pode transferir-se para o património do promitente comprador, quando o promitente vendedor se recusa a celebrar o contrato prometido, através da sentença constitutiva que ponha termo à acção de execução específica.
[…]”[20].

            A opção expressa do Legislador em 2003, com a edição Decreto-Lei nº 38/2003, introduzindo a referência no próprio texto do artigo 903º do CPC à promessa de venda com eficácia real, enquanto caso previsto de venda directa do bem penhorado, colocou em causa a particular linha interpretativa que aqui vimos considerando – a do Conselheiro Fernando Amâncio Ferreira. Desde então, a crítica deste Autor passou a dirigir-se à própria opção de abranger o contrato de promessa – passou a assumir-se como crítica contundente ao direito constituído –, à qual se acrescentou um argumento de inconstitucionalidade. Importa considerar os termos desta particular posição, sempre tendo presente ser por adesão expressa a ela que os Apelantes argumentam – rectius, se limitam a argumentar – neste recurso:
“[…]
Infelizmente, contra o que escrevemos, o inacreditável aconteceu e agora temos, em flagrante violação da norma substantiva contida no nº 1 do artigo 830º do CC, a declaração negocial do promitente vendedor substituída, não por uma sentença, a ultimar uma acção declarativa, mas por um acto material (a venda), a fazer padecer a norma que possibilita tal comportamento de inconstitucionalidade, por desrespeito da regra da reserva de juiz, que impõe que conflitos de interesses entre privados, na circunstância entre promitente comprador e promitente vendedor, sejam dirimidos por um tribunal, ante o estatuído no nº 2 do artigo 202º da [Constituição].
E provavelmente uma outra inconstitucionalidade é susceptível de ser assacada à inovação legislativa, por desrespeito do princípio da igualdade recebido no nº 1 do artigo 13º da CRP. Com efeito, havendo penhora do bem prometido vender, com eficácia real, o promitente vendedor não tem possibilidade de questionar o direito que se arroga o promitente comprador; mas, se essa penhora não ocorrer, já assiste ao promitente vendedor, no âmbito da acção de execução específica, a possibilidade de amplamente se defender da pretensão formulada pelo promitente comprador.
Esqueceu também o legislador que o promitente comprador de bem penhorado, com eficácia real atribuída à promessa, tem à sua disposição […], os embargos de terceiro, onde todos os interessados têm a possibilidade de defender os seus direitos sob supervisão do juiz que, a final, decidirá.
Ainda, no reformulado artigo 903º, não se diz por que preço são os bens vendidos ao promitente comprador, designadamente se deve ser abatido o sinal passado, caso o haja, e de que forma podem o exequente e os credores reclamantes, estes se tiverem garantia real sobre os bens a vender, questionar o valor fixado pelo agente de execução.
[…]”[21].


            Reconhecendo a individualidade e a importância nesta posição da questão de inconstitucionalidade normativa – questão à qual aderem os Apelantes que expressamente a suscitam (v. o artigo 204º da Constituição) – trataremos de a abordar mais à frente, autonomamente. Por ora interessa-nos a discussão que se trava a este respeito num plano distinto da violação de regras ou princípios constitucionais, quanto à compatibilização da venda directa do artigo 903º do CPC com a execução específica da promessa dotada de eficácia real.
            2.1.2.1. O problema nesta perspectiva é abordado por Miguel Teixeira de Sousa, tomando por base a crítica à posição (crítica) que acima caracterizámos:
«“[…]
São dois os principais argumentos que utiliza [refere-se à posição de Fernando Amâncio Ferreira]: um é o de que a declaração negocial do promitente vendedor é substituída, não, como impõe o artigo 830º, nº 1 do CC, por uma sentença proferida numa acção de execução específica, mas por um acto material (que é a venda); o outro é o de que o promitente comprador com eficácia real tem a possibilidade de deduzir embargos de terceiro contra a penhora (cfr. artigo 351º, nº 1), pelo que – subentende-se –, se os não deduzir, não tem direito a qualquer aquisição do bem penhorado. Todavia, nenhum destes argumentos parece ser decisivo. Quanto à substituição da execução específica pela venda directa, a verdade é que o que importa na execução, não é suprir a falta de uma declaração de vontade do executado promitente vendedor por uma decisão judicial, dado que, na venda executiva, aquela vontade é necessariamente irrelevante e, por isso, não há que supri-la através de qualquer decisão judicial. Quanto à possibilidade do promitente comprador deduzir embargos de terceiro, não se percebe bem como é que esse promitente pode obstar à penhora de um bem com o argumento de que ele tem direito a adquiri-lo; se assim é, o que importa, não é que o bem não seja penhorado, mas que ele seja vendido ao promitente comprador.
[…]”[22].
            Especial destaque merece a abordagem de Rui Pinto, dada a forma desenvolvida como trata o problema e como equaciona as críticas de Fernando Amâncio Ferreira à solução legal expressa na actual redacção do artigo 903º do CPC:
“[…]
[A] colocação do bem à venda na execução configura precisamente [uma] situação de impossibilidade culposa[[23]]; a natureza executiva da venda não altera o essencial do problema. Daí que, nessa situação, o promitente comprador esteja em condições de exercer o seu direito à execução específica.
[…]
[C]abe perguntar [agora] como é que o promitente exerce a execução específica ou, se quisermos, cabe averiguar se a compra nos termos do artigo 903º é uma forma de execução específica. Seguramente que ela não se enquadra no artigo 830º do CC, pois não passa por obter uma sentença que supra a falta de vontade negocial do faltoso, pela simples razão de que o título de aquisição é a venda executiva. Por outras palavras, o direito de aquisição confere uma legitimidade específica para o acto de venda, mas não se trata de substituir a venda privada em falta.
Isto significa que o promitente comprador, ao adquirir o bem em sede de venda executiva, não está a exercer o seu direito à execução específica, mas, no entanto, vê satisfeito o seu interesse na compra da coisa.
[…]”[24].

            E prossegue este Autor na caracterização da venda directa em execução, no caso do promitente comprador, respondendo à seguinte questão “[…] o promitente comprador que esteja em condições de instaurar a acção de execução específica tem o ónus de enveredar pelo caminho do artigo 903º ou pode não seguir optando pelo regime previsto no artigo 830º do CC?”:
“[…]
Poder-se-ia dar uma resposta no sentido do primeiro destes termos, referindo que não se pode configurar o direito de execução específica como um direito absoluto: tal como as normas relativas à venda em execução condicionam o exercício das preferências reais, também as normas relativas à venda directa em execução condicionam o exercício da faculdade de aquisição real do promitente comprador. Nesta visão, teríamos em linha de conta o interesse do exequente, pois, se a existência de uma preferência real não é obstáculo à venda – alguém compra sempre –, já o mesmo não se pode dizer sobre a existência de uma promessa real: quem compraria um bem onerado com um tal direito real?
Mas também se pode dar uma resposta no sentido de negar o ónus de aquisição pelo promitente comprador, se fizermos prevalecer o interesse deste terceiro: enquanto, por regra, o promitente comprador está limitado pelo tempo, o preferente não está; aquele deverá comprar no momento previsto no contrato, este comprará quando aparecer uma proposta de compra feita por um terceiro, nomeadamente quando ele pode não ter interesse ou disponibilidade financeira para a compra.
O que resulta agora do artigo 903º? Parece que se seguiu a primeira linha: a venda é feita directamente a quem ‘queira’ exercer o direito de execução, ou seja, como já dissemos, a quem possa e queira comprar uma coisa na execução.
[…]”[25].

            E conclui este mesmo Autor:
“[…]
[O] promitente comprador, por estar em condições legais de adquirir, tem o ónus de adquirir a coisa prometida, tal como sucede com o preferente, mesmo que com isso, perda o benefício do prazo. Se o não fizer e vier a intentar uma acção de execução específica contra o adquirente, deverá o tribunal absolver o réu do pedido, por verificação de um facto extintivo do direito real de aquisição.
[…]”[26].

2.1.2.2. Um dos óbices invocados (nos termos já antes caracterizados no item 2.1.2., supra) quanto à venda directa em execução ao promitente comprador, isto sempre na hipótese de à promessa de venda ter sido conferida eficácia real, prende-se com uma possível indefinição dos exactos termos da venda prometida – do contrato definitivo – face aos termos eventualmente insuficientes da promessa. Trata-se, contudo, de um problema que não é especificamente criado pela consideração da promessa dotada de eficácia real no quadro da venda directa em função do regime estabelecido no artigo 903º do CPC. Não se trata, pois, de um problema que este artigo 903º coloque e que, por isso mesmo, deva ser resolvido – maxime, que possa ser eficazmente resolvido –, como pretendem os Apelantes, na base do afastamento do mesmo artigo 903º.
Com efeito, vale a este respeito, e tanto basta, a resposta que vem sendo encontrada – a que vem sendo equacionada na Doutrina – para todas as situações em que a insuficiência de regulamentação contratual da promessa erga algum obstáculo à concretização do contrato definitivo por via da execução específica, isto é, ultrapassando a falta de colaboração contratual do promitente vendedor na concretização desses espaços lacunares contratuais. Note-se que muitos desses obstáculos só são aparentes, não colocando verdadeiras questões inultrapassáveis na construção referencial do contrato prometido – aqui, no caso concreto, a falada falta de fixação de prazo não apresenta relevância no afastamento da venda directa, como veremos adiante. Existem, não obstante, diversas possibilidades de abordar este problema, quando ele se coloque, possibilidades estas que vão desde a constatação da invalidade do contrato-promessa até ao suprimento, por via de interpretação e integração do negócio jurídico, do que se mostre em falta. Esta tem sido, invariavelmente, a posição da Doutrina:
“[…]
Como agir, na execução específica, relativamente aos pontos omissos do contrato prometido?
É uma situação que não raro se verifica. Salientou-se, aliás, que a utilização do contrato-promessa se explica algumas vezes pela circunstância de as partes não se encontrarem desde logo, em condições de acordar sobre todos os aspectos do negócio cuja realização se pretende.
Temos como solução mais razoável a de que a invalidade do contrato-promessa, lacunoso a respeito de elementos essenciais do contrato definitivo, apenas se produz quando esses elementos não possam ser determinados através do recurso aos critérios gerais (artigos 326º a 329º do CC) e especiais (por ex., artigos 539º, 543º, nº 2 e 883º do CC) predispostas para a interpretação e integração da vontade dos contraentes. É doutrina que decorre ainda do princípio da equiparação (artigo 410º, nº 1 do CC). Tudo na suposição de que as partes hajam celebrado um efectivo contrato-promessa, ultrapassando a esfera das meras negociações preliminares e da consequente culpa in contrahendo.
[…]”[27].

            No caso concreto, tendo presente que o único desvalor apontado pelos Apelantes à promessa “celebrada” (v. a alínea y) das conclusões acima transcritas no item 1.4., supra) respeita à não fixação nessa promessa de prazo para celebrar o contrato prometido, admitindo que isso não constituiu, tão-somente, uma opção deliberada num quadro muito mal disfarçado de conluio entre o promitente vendedor e o promitente comprador para subtrair à execução os bens aqui em causa, admitindo que não se tratou disto, dizíamos, a falta de prazo não constitui aqui óbice algum, sendo certo que a venda directa em execução (a actuação do artigo 903º do CPC) pretende salvaguardar (como refere Rui Pinto no trecho antes transcrito) o interesse que o promitente comprador tenha na efectiva aquisição do bem prometido vender, quando este é posteriormente penhorado, em função do significado da eficácia real da promessa, face à incidência nesse bem da possibilidade de venda executiva e à consequente frustração, por esta via, desse interesse do promitente comprador. Ponto é que esse interesse do promitente interessado na efectiva concretização do contrato definitivo exista de facto e se venha a manifestar no quadro da execução. Coisa diferente disto – e é o que aqui parece, sem grande lógica, suceder – é o promitente que seria beneficiário da venda directa aparecer, em conjunto com o outro promitente (o Executado), a pugnar pela demonstração da impossibilidade de concretizar a promessa, ao mesmo tempo que pretende a aplicação de uma norma (o artigo 119º do CRPred) que supostamente lhe permitiria afirmar ser o “dono” do bem prometido vender, antes da celebração do contrato definitivo. Pode parecer confuso e complicado, mas é a esta absurda incoerência que corresponde a argumentação dos Apelantes: queremos – dizem eles – discutir a validade da promessa por falta de prazo de celebração do contrato definitivo, quanto à possibilidade de execução específica, mas o promitente comprador quer já ser tratado como “dono” da coisa com base no registo do contrato com eficácia real.
Seja como for, com o sentido que acima referimos, poderemos considerar, quanto à inexistência de prazo para a celebração do contrato, que a venda executiva sempre aparece como um factor externo (como um novo dado relevante no iter que vai da promessa ao contrato prometido) que opera como que um “vencimento”, porventura antecipado – quando de antecipação se tratar relativamente a um prazo mais tardio que tenha sido fixado pelas partes[28] –, desencadeador da celebração do contrato prometido, que o mesmo é dizer, determinante dessa celebração na nova conjuntura entretanto criada pela execução e pela penhora, quando, como aqui sucedeu, não se tiver fixado um prazo para celebrar o contrato definitivo.
Esta nova incidência relativiza a questão do prazo, para não dizer que a afasta totalmente. Tratar-se-á, pois, para o promitente comprador – aqui para quem foi habilitado na posição dele, a ora Apelante – de decidir se pretende realizar efectivamente a compra prometida aqui no âmbito da venda directa, com base no artigo 903º do CPC, ou se perdeu o interesse na celebração desse negócio (pressupondo que algum interesse alguma vez terá tido) e, nessa base, deixa o bem liberto para uma venda não condicionada no âmbito desta execução.
Note-se adicionalmente, a benefício de um completo esclarecimento da posição do promitente comprador na venda directa (e afastando a incidência neste caso de outro hipotético óbice), que não se coloca aqui qualquer problema respeitante à imputação no preço final da venda de algum valor que tivesse sido entregue pelo promitente comprador a título de sinal, porque nada foi prestado pelo promitente comprador aquando da celebração da promessa, como decorre inequivocamente do texto contratual de fls. 33/37, nada havendo a descontar no preço da venda então fixado. Este corresponderá, portanto, a ocorrer a venda directa ao promitente comprador, ao exacto valor estabelecido no contrato (€50.000,00) pelas duas metades indivisas das fracções (aliás o contrato até individualiza o preço de cada uma delas).
É desta forma que o problema do preço se coloca no caso concreto, não se justificando estar aqui a especular sobre incidências de cariz abstracto que esta situação pura e simplesmente não convoca.
2.1.3. Como antes referimos, um dos elementos centrais da crítica do Conselheiro Fernando Amâncio Ferreira à solução expressamente introduzida no artigo 903º do CPC pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, no que respeita à venda directa ao promitente interessado na celebração do contrato definitivo, quando ao contrato-promessa tenha sido atribuída eficácia real, prende-se com uma invocada inconstitucionalidade material, por ofensa da chamada “reserva de juiz” (artigo 202º, nº 2 da Constituição[29]) e do “princípio da igualdade” (artigo 13º, nº 1 do texto constitucional[30]). É tempo de abordarmos esta questão, tendo presente que os Apelantes a suscitam, aderindo expressamente ao entendimento que afirma essa desconformidade constitucional. Obviamente que se o artigo 903º do CPC fosse inconstitucional, haveria aqui que recusar a sua aplicação. Não é esse, porém, o caso.
2.1.3.1. No que respeita à função jurisdicional – à violação da “reserva de juiz” –, assenta o argumento aqui convocado pelos Apelantes numa visão muito particular do funcionamento da venda directa ao promitente interessado na compra, no confronto com o funcionamento da execução específica. Esta – e estamos a reproduzir os argumentos de Fernando Amâncio Ferreira já transcritos supra no item 2.1.2. –, a execução específica, actua a culminar uma acção declarativa de condenação, através da prolação de uma sentença que, procedendo o pedido, produz os mesmos efeitos da celebração do contrato prometido (os efeitos da declaração negocial do faltoso, como se diz no artigo 830º, nº 1 do CC), sendo que a venda directa nos termos do artigo 903º do CPC, substituiria (afastaria) a apreciação jurisdicional da situação, própria da acção ex artigo 830º do CC, por um “acto material (a venda)” de natureza não jurisdicional[31].
O pressuposto no qual assenta esta visão das coisas – na venda directa está excluída qualquer possibilidade de intervenção de um juiz – é, todavia e salvo melhor entendimento, muito discutível e pode ser facilmente contra-argumentado, sendo certo que o carácter judicial da venda em execução – rectius, a circunstância desta ocorrer no quadro de um processo judicial, não obstante a venda em si mesma ser materialmente implementada por um agente de execução (cfr. o artigo 808º do CPC) –, esta circunstância, dizíamos, não impede ou obstaculiza a que o juiz da execução – logo, um juiz[32] –, como inequivocamente resulta do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 809º do CPC (redacção do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro), resolva qualquer questão das que teriam susceptibilidade de ser colocadas pelas partes no quadro da acção declarativa visando a execução específica daquele mesmo contrato-promessa. Não corresponde à realidade, pois, sempre ressalvado o devido respeito – que é sincero e elevado –, afirmar que a venda directa na execução exclua a intervenção de um juiz ou que ocorra fora de ambiente judicial (que, portanto, exclua a intervenção de um juiz e traduza qualquer ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, como impõe o artigo 20º, nº 1 da Constituição). Não ocorre, por isso, qualquer desrespeito, através da venda directa ao promitente, pela essência da função jurisdicional, estabelecida no artigo 202º da Constituição, por via da recondução de um possível conflito de interesses privado surgido na execução a propósito da incidência dessa venda directa para fora de um tribunal, com algum tipo de descaso da chamada “reserva de juiz estadual”[33].
Aliás, não deixaremos de observar, que o surgimento neste processo da questão que veio a dar origem a este recurso desmente cabalmente qualquer asserção de que exista – de que tenha existido e possa vir a existir – aqui, na preparação e implementação no processo de uma possível venda directa prevista no artigo 903º do CPC, alguma exclusão da possibilidade de discussão judicial das diversas questões que se poderiam colocar (que poderiam ser colocadas) numa acção visando a execução específica do contrato-promessa aqui em causa. Note-se que a “reserva de juiz” neste caso, maxime, a necessária recondução aos Tribunais da apreciação de um possível conflito de interesses privados (para usarmos a linguagem do nº 2 do artigo 202º da Constituição), actua e é operante através do simples acesso à via judiciária, aqui plenamente garantido no quadro do artigo 903º do CPC. É que não abrange essa garantia, no que às possíveis incidências desta situação diz respeito, qualquer direito a que a tutela judicial efectiva opere através de uma acção declarativa com as características da acção prevista no artigo 830º, nº 1 do CC, ou através de uma apreciação (judicial) incidental no quadro de uma acção executiva, nos termos do artigo 809º, nº 1, alínea d) do CPC. Não há, pois, por via do artigo 903º do CPC, qualquer arredar dos Tribunais da apreciação de conflitos de interesses entre privados, designadamente entre promitente vendedor e promitente comprador, contra o estatuído no nº 2 do artigo 202º da Constituição. A garantia refere-se ao acesso em si, aqui plenamente actuante, e não à forma que possa revestir esse acesso. A forma, o tipo de adjectivação construída, situa-se num plano ao qual a Constituição é indiferente. 
Seja como for, caso se entendesse – e neste processo ainda ninguém o entendeu – que a actuação do artigo 903º do CPC, com a venda directa ao promitente comprador, querendo este exercer o direito de execução específica[34], excluía a apreciação judicial, incidentalmente na própria execução, das incidências do contrato-promessa celebrado entre o Executado e o referido promitente, se alguém no contexto deste processo entender isto, dizíamos, fica desde já assente que a interpretação constitucionalmente conforme do artigo 903º do CPC[35], pressupõe a possibilidade de apreciação judicial, no âmbito desta execução, de qualquer incidência relativa ao contrato-promessa que algum interveniente na instância executiva (designadamente os aqui Apelantes) pretenda suscitar.
Não existe espaço, pois, para qualquer entendimento, no contexto deste processo, do artigo 903º do CPC como inconstitucional por ofensa da “reserva de juiz” ou do acesso a uma tutela judicial efectiva.
2.1.3.2. E o mesmo se dirá quanto a uma possível violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º, nº 1 da Constituição) – e continuamos a referir-nos a um argumento cujo suporte doutrinal foi transcrito supra no item 2.1.2. e que foi suscitado pelos Apelantes neste recurso.
Vale a este respeito o que antes dissemos quanto à possibilidade de discussão no âmbito da presente execução das possíveis incidências do contrato-promessa de fls. 34/37, seja esta discussão introduzida pelo promitente vendedor ou pelo promitente comprador. Fica, assim, sem sentido prático a afirmação, que suportava a alegação de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade: que “[…] havendo penhora do bem prometido vender, com eficácia real, o promitente vendedor não tem possibilidade de questionar o direito que se arroga o promitente comprador”, em contraste desigual com os mesmos contraentes, inexistindo penhora, no quadro da acção declarativa visando a execução específica[36]. Esta possibilidade é afastada pela interpretação do artigo 903º do CPC que acima equacionámos e, enfim, tanto basta para excluir qualquer situação de desigualdade.
2.2. Assente ser aplicável à presente situação o artigo 903º do CPC e assente que este não enferma de qualquer inconstitucionalidade, é tempo de apreciar o argumento central dos Apelantes quanto à aplicação ao caso do artigo 119º do CRPred[37].
A aplicação deste último significa, no argumentário do recurso, a exclusão do artigo 903º do CPC e, consequentemente, a não incidência da venda directa. Tratar-se-ia, na estranha lógica aqui desenvolvida pelos Apelantes, de “perguntar” ao promitente comprador, na execução e na sequência da efectivação da penhora, se as partes das fracções penhoradas lhe “pertencem” (a ele promitente comprador antes da celebração do contrato prometido), isto por aplicação do nº 1 do artigo 119º do CRPred, para de seguida, face à resposta do mesmo promitente de que os bens lhe pertenceriam, o Juiz da execução remeter as partes para os meios comuns, desta feita nos termos do nº 4 do mesmo preceito.
É isto, com efeito, o que os Apelantes pretendem. Isto, todavia, defronta-se com diversos obstáculos inultrapassáveis.
Tudo se poderia resumir nesta sede à inaplicabilidade do artigo 119º do CRPred, por a situação do promitente comprador, na promessa com eficácia real, estar expressamente prevista no artigo 903º do CPC. Mas essa não aplicação sempre resultaria – resulta – do acumular de outras circunstâncias absolutamente decisivas.
Desde logo, da própria circunstância da norma em causa (do artigo 119º, nº 1 do CRPred), ao invés do artigo 903º do CPC, não prever a existência de registo de uma promessa com eficácia real: refere-se, tão-só, e é muito diferente, à existência de registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência. De seguida, da circunstância de a mesma norma prever a existência de registo em favor de pessoa diversa do Executado: e aqui, contrariamente a isso, os bens penhorados estão registados em nome do Executado. E, enfim, exclui igualmente a aplicação deste artigo – e também se trata da inverificação da respectiva facti species – a circunstância do promitente comprador na promessa com eficácia real não poder, por definição e por decorrência de um regime legal imperativo, declarar que os bens lhe pertencem – o que tem é um direito, ao qual um sector da Doutrina atribui a natureza de Direito Real de aquisição[38], de desencadear a aquisição do bem prometido, mas antes disso ocorrer – e aqui ainda não ocorreu – não pode o mesmo promitente, com apoio legal, afirmar que o bem prometido lhe pertence.
A situação deste promitente expressa-se, isso sim, em termos de interesse na salvaguarda do bem prometido para a respectiva aquisição. Só que para tutela desse particular interesse vale – como amplamente demonstrámos ao longo deste Acórdão – o regime do artigo 903º do CPC, a venda directa ao promitente comprador nele prevista.
Passaria a possibilidade de convocação do artigo 119º do CRPred à situação da promessa com eficácia real, no quadro de uma acção executiva em que o objecto da promessa venha a ser penhorado, admitindo que seria possível transpor a situação, passaria essa aplicação indirecta, dizíamos, pela existência de uma lacuna carecida de regulamentação, funcionando a norma do Código do Registo Predial como caso idêntico, apto a alicerçar o recurso à analogia[39]. Só que isso não sucede com a promessa a que foi atribuída eficácia real, quando o bem em causa é penhorado numa execução, sendo certo existir a tal respeito regime legal específico, expressamente previsto: existe precisamente o artigo 903º do CPC, contendo este – este sim – o regime aplicável à situação, a regra que directamente resolve o problema do promitente comprador investido no direito de execução específica, salvaguardando o respectivo interesse na aquisição do bem.
Vale isto pela exclusão do entendimento dos Apelantes quanto à aplicabilidade do artigo 119º do CRPred no âmbito desta execução. E valeram as considerações anteriores a este item pela afirmação da aplicabilidade ao caso do artigo 903º do CPC. Tudo isto conforme foi decidido – e bem – pela instância apelada.
2.3. Assim, apreciados que estão os fundamentos do recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida, resta-nos julgar o recurso totalmente improcedente, apresentando antes a seguinte síntese conclusiva referida ao antecedente percurso expositivo (sumário):
I – A celebração de um contrato-promessa com eficácia real validamente constituída e registada confere ao promitente comprador a faculdade de adquirir o bem objecto da promessa, designadamente desencadeando essa aquisição sem o concurso do promitente vendedor e contra os actos de disposição do bem por este realizados;
II – A forma mais comum de accionar esta faculdade autónoma de aquisição corresponde à execução específica, através da chamada acção ex artigo 830º do CC;
III – No quadro de uma execução instaurada contra o promitente vendedor, na qual tenha sido penhorado o bem por este prometido vender, essa mesma faculdade, o direito de aquisição do bem pelo promitente comprador, actua através da venda directa, ao mesmo promitente, nas condições fixadas no contrato, nos termos previstos no artigo 903º do CPC, que expressamente referiu esse tipo de venda à promessa real na redacção nele introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março;
IV – Este artigo 903º do CPC não enferma de qualquer inconstitucionalidade material, por ofensa da “reserva de juiz” prevista no artigo 202º, nº 2 da Constituição, sendo certo que a discussão das incidências do contrato-promessa pode ocorrer incidentalmente (e sempre traduz uma discussão judicial) na própria execução, designadamente sendo suscitada por qualquer dos contraentes da promessa, nos mesmos termos em que, substancialmente, poderia ocorrer na acção visando a execução específica dessa promessa;
V – Este entendimento coloca em plano de igualdade substancial os promitentes, quanto à discussão das incidências do contrato-promessa, tanto no quadro adjectivo da acção declarativa visando a execução específica, como no quadro adjectivo desencadeado na execução com a venda directa prevista no artigo 903º do CPC, não ocorrendo, assim, qualquer ofensa ao princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º, nº 1 da Constituição;
VI – O artigo 119º do CRPred não tem aplicação à situação em que a penhora incida sobre bem do Executado que este tenha prometido vender, quando a tal promessa tenha sido atribuída eficácia real.
III – Decisão
            3. Assim, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão recorrida.
            Custas do recurso a cargo dos Apelantes.

 (J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Esta data – a da instauração da execução – marca o momento relevante para determinação do regime aplicável ao presente recurso, sendo este o decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1).
[2] Referimo-nos à viúva de J…, entretanto habilitada, v. item 1.2.1. e nota 5, infra.
[3] O apenso que integra este recurso, subido a esta instância em separado, está deficientemente organizado, faltando concretamente o auto de penhora ao qual tivemos acesso através da importação, pela Secretaria desta Relação, do histórico registado no sistema citius. Tal auto de penhora consta deste histórico com a data de 04/02/2011.
[4] Este – aliás a sua viúva habilitada na execução – será igualmente Apelante neste recurso.
[5] Aliás, representado pelo Mandatário do Executado F…
[6] Aqui se transcrevem as passagens desse requerimento onde se centra a caracterização desta linha argumentativa:
“[…]

18º- Assim, à M.mª Juiz não assiste razão quando afirma, no douto despacho referido, na 2ª página:

‘Na verdade, o registo de promessa de alienação com eficácia real não cria qualquer obstáculo à penhora do bem prometido vender, apenas conferindo ao promitente comprador com eficácia real um direito de aquisição oponível à execução, ou seja, a possibilidade de requerer que a venda lhe seja feita directamente, nos termos do disposto no artigo 903º do CPC’.

19º- É evidente, face ao texto do artigo 119º do C.R.Predial e à doutrina e jurisprudência citadas que o artigo 903º do C. P. Civil não tem aplicação no caso vertente.

20º- Foi cometida, portanto, uma nulidade, que prejudica quer o executado Frutuoso, promitente vendedor, quer o promitente comprador, J…, pelo que ambos têm legitimidade para a arguir.

21º- Sendo assim, o promitente comprador J… devia ter sido citado, nos termos do disposto no artigo 119º do C.R.Predial, para se pronunciar.

22º- E, se tivesse sido citado, teria declarado, obviamente, que lhe pertence o direito de adquirir a aludida fracção, o que teria como consequência, a aplicação do nº4 do mesmo artigo: remissão dos interessados para os meios comuns e o mais dele constante.
[…]

27º- Tendo sido cometida a nulidade consistente em não ter sido citado o J…, nos termos do nº1 do artigo 119º., requer a V.Exª. que fique sem efeito a decisão da M.mª Juiz de fls. e ordene, relativamente à fracção em causa, a notificação deste nos termos referidos.
[…]” (transcrição de fls. 28/29).
[7] Sublinha-se esta circunstância, porque se trata de um dado relevante (sugestivo, para não dizer, até, apelativo): a citação deste Executado, F…, ocorreu em 13 de Abril de 2010 (data da assinatura pelo próprio do aviso de recepção que lhe foi expedido pela Agente de Execução; consultámos este elemento no sistema citius), tendo o contrato-promessa com eficácia real (estranhamente incidente sobre metades de fracções prediais…) sido celebrado, como mencionámos no texto, em 18 de Junho de 2010. E, enfim, aparece-nos aqui o promitente vendedor e o promitente comprador em absoluta comunhão de ideias e esforços, rectius de actuação processual e de Advogado (v., por exemplo, o requerimento do Executado de fls. 40 deste recurso; todos estes dados, valoremo-los como os valorarmos, estão documentados no processo).
[8] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[9] V. sobre a caracterização nestes termos – direito real de aquisição – da chamada promessa real, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direitos Reais, Coimbra, 2009, pp. 513/516, em especial esta última (com indicação das fontes das diversas posições doutrinárias). No sentido da qualificação como direito de crédito com eficácia erga omnes, v. Mário Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 11ª ed., Coimbra, 2008, pp. 128/129 e nota 3, desta e p. 412. Note-se que, na economia argumentativa da decisão do recurso, a questão da qualificação da natureza do direito do promitente comprador na promessa com eficácia real não apresenta qualquer relevância, no sentido em que não determina, em função dessa qualificação, soluções distintas. Chamemos-lhe Direito Real ou Direito de Crédito actua aqui – em execução quando o objecto da promessa foi penhorado – o direito do promitente a adquirir o bem em termos idênticos.
[10] Foi a Reforma processual de 1995, o Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que fez avançar na ordem do Código de Processo Civil a chamada venda directa do artigo 885º para o artigo 903º onde hoje a encontramos.
[11] Era o caso do Professor João de Castro Mendes, v. Acção Executiva, Lisboa, 1980, ed. policopiada, p. 179.
[12] É nestes termos que Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego caracteriza o artigo 903º do CPC, na transformação consubstanciada na reforma de 2003: “[a]dita expressamente a hipótese de venda directa, prevista na anterior redacção, a situação consistente em haver contrato-promessa com eficácia real, exercendo o respectivo titular o direito de execução específica – cabendo, neste caso, ao agente de execução proceder à venda directa dos bens ao promitente comprador” (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2004, pp. 142/143).
[13] Aqui o vemos – o efeito da acção ex artigo 830º – caracterizado por Mário Júlio de Almeida e Costa:
“[…]
A decisão do tribunal que julgue procedente o pedido de execução específica produz os efeitos do contrato prometido, quer dizer, fica valendo como seu título constitutivo. Eis porque a lei se refere a execução específica, muito embora a sentença seja proferida em processo declarativo. Deste modo substitui-se, não só a manifestação de vontade do promitente faltoso, mas também a da parte que estaria disposta a emiti-la” (Contrato-Promessa. Uma Síntese do Regime Vigente, 8ª ed., Coimbra, 2004. pp. 67/68).
[14] V. Fernando Pessoa Jorge, Lições de Direito Processual Civil, ed. policopiada, Lisboa 1972/73, pp. 219/220:
“[…]
[A] penhora envolve diminuição na disponibilidade do bem por parte do executado, uma vez que os actos de disposição dos bens penhorados não podem prejudicar os objectivos da execução. Por isso, a lei declara-os ineficazes em relação ao exequente, fórmula que deve entender-se em sentido amplo, de modo a abranger os outros intervenientes no processo executivo (credores reclamantes, arrematantes, etc.).
Esta consequência tem o alcance de os intervenientes no processo executivo poderem exercer os seus direitos sobre os bens penhorados mesmo contra os adquirentes dos ditos bens, desde que a respectiva aquisição seja posterior à penhora deles, ou ao registo desta, se se trata de bens sujeitos a registo; é, aliás, reflexo da criação dos direitos reais de garantia […].
[…]” (p. 220).
Sobre a venda executiva, v. o Acórdão desta Relação de 03/03/2009, proferido pelo ora relator no processo nº 93/03.9TBFCR.C1, disponível na base do ITIJ, directamente, no endereço seguinte:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/dc2193cc5c1f83be8025757b00592c4f:
Sumário:
“[…]

I – Traduz a venda efectuada num processo executivo (a venda em execução) uma compra e venda na qual o executado funciona como vendedor, sendo ele o sujeito material do negócio, desempenhando o tribunal o papel de sujeito formal, actuando este no exercício do seu poder de jurisdição executiva.

II – A relação obrigacional decorrente desta compra e venda extingue-se com o cumprimento, traduzindo-se este – em sede de venda executiva – no pagamento do preço pelo comprador (no depósito deste à ordem do tribunal) e na entrega do bem (pelo tribunal, enquanto sujeito formal da venda) ao comprador.
[…]”).
[15] Que é logo destacada, no que ela representa, na enunciação geral das modalidades da venda em execução, in casu no artigo 886, nº 1, alínea c) do CPC, sendo evidente que na promessa dotada de eficácia real o promitente comprador tem o direito de adquirir a coisa.
[16] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, p. 373. Adiante consideraremos a posição deste Autor posterior à redacção do artigo 903º posterior ao Decreto-Lei nº 38/2003 (v. nota 23 e texto que para ela remete).
[17] Retomando considerações que atravessam toda a Obra deste Autor dedicada à acção executiva, v., por exemplo (explicando a evolução que culminou com a redacção dada ao artigo 903º na Reforma de 2003), com Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Coimbra, 2003, p. 596.
[18] A Acção Executiva. Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., Coimbra, 2009, p. 327 e nota 3.
Em decisões judiciais, sendo muito pouco significativas as referências ao artigo 903º do CPC, encontramos, na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo o Acórdão de 06/04/2011 (António Calhau), proferido no processo nº 0249/11, disponível na base do ITIJ, directamente, no endereço seguinte:
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/73ba544ef9851eea80257870003d4458.
Destacamos as seguintes passagens do respectivo sumário:
“[…]
II – O direito do promitente comprador, quando o contrato tem eficácia real, nos termos do artigo 413.º do CC, está salvaguardado de forma expressa pelo artigo 903.º do CPC, de acordo com o qual, quem queira exercer o direito de execução específica, a venda ser-lhe-á feita directamente.
III – O direito do promitente comprador só pode, porém, ser atendido no processo de execução fiscal (mediante venda directa, nos termos do artigo 903.º do CPC) se o registo da promessa for anterior ao registo da penhora ou arresto e dos direitos reais de garantia.
[…]”.
[19] Como aliás resulta da caracterização das diversas posições a este respeito feita por Rui Pinto em A Acção Executiva Depois da Reforma, Lisboa, 2004, p. 203.
[20] Curso de Processo de Execução, 2ª ed., Coimbra, 2000, p. 269 (sublinhámos a data da obra no intuito de destacar ser ela anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março).
[21] Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 10ª ed., Coimbra, 2007, p. 376 (interessa a diferença de data relativamente à edição da obra indicada na nota anterior).
[22] A Reforma da Acção Executiva, Lisboa, 2004, p. 195. Fernando Amâncio Ferreira aborda esta crítica no Curso…, cit. na nota 22, p. 377.
[23] Que, obviamente, também teria a virtualidade de desencadear o direito à execução específica.
[24] A Acção Executiva…, cit., p. 204.
[25] Rui Pinto, A Acção Executiva…, cit., p. 205.
[26] Ibidem.
[27] Mário Júlio de Almeida e Costa, Contrato-Promessa…, cit., p. 68.
[28] O que, voltamos a sublinhar, não é o caso aqui configurado, já que não se fixou qualquer prazo de celebração do contrato definitivo.
[29] Preceitua este:

Artigo 202º
Função jurisdicional
1 – Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2 – Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
3 – No exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades.
4 – A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.
[30] E preceitua este:
Artigo 13º
Princípio da igualdade
1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
[31] Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, cit. na nota 22 supra, p. 376.
[32] O juiz do Tribunal onde corre o processo de execução; um magistrado com o mesmo estatuto daquele que julgaria a acção declarativa respeitante à execução específica do contrato-promessa.
[33] V. a caracterização do sentido da “reserva de juiz” por J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed., Coimbra, 2002, pp.663/672 ; v. também, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP. Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 2010, pp. 509/510.
[34] O que até agora este ainda não disse se queria, não percebendo esta Relação, aliás, o verdadeiro sentido – excluída a litigância de má fé e o conluio processual para frustrar a execução – desta comunhão de actuação processual entre o promitente vendedor/Executado e o promitente comprador.
[35] Esta, nos termos em que a define J. J. Gomes Canotilho, opera: “[…] no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas deve[ndo] dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição”, ou seja, “[…] a interpretação conforme a Constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a Constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela […]”; “[…] o princípio da interpretação conforme a Constituição é um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. , pp. 1212/1213 e 1294).
[36] Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, cit. na nota 22 supra, p. 376.
[37] Aqui repetimos o respectivo teor:
Artigo 119º
Suprimento em caso de arresto, penhora ou apreensão

1 – Havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência de bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou o direito lhe pertence.

2 – No caso de ausência ou falecimento do titular da inscrição, far-se-á a citação deste ou dos seus herdeiros independentemente de habilitação, afixando-se editais pelo prazo de 30 dias na sede da junta de freguesia da situação dos prédios e na conservatória competente.

3 – Se o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, será expedida certidão do facto à conservatória para conversão oficiosa do registo.

4 – Se o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns, expedindo-se igualmente certidão do facto, com a data da notificação da declaração, para ser anotada ao registo.

5 – O registo da acção declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respectivo prazo até caducar ou ser cancelado o registo da acção.

6 – No caso de procedência da acção, deve o interessado pedir a conversão do registo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado.

[38] V. a nota 10 supra.
[39] “Para além do juízo de similitude que preside à analogia, temos ainda de localizar a lacuna, isto é: uma anomia onde, pelo sistema, seria de esperar uma regra. Na falta de lacuna, temos normas de aplicação directa: o apelo a outras normas perde, logicamente, o sentido” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol I, 4ª ed., Coimbra, 2012, p. 758).