Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
93/03.9TBFCR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXECUÇÃO
VENDA
Data do Acordão: 03/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 85º, Nº 2, E 88º DO CIRE
Sumário: I – Traduz a venda efectuada num processo executivo (a venda em execução) uma compra e venda na qual o executado funciona como vendedor, sendo ele o sujeito material do negócio, desempenhando o tribunal o papel de sujeito formal, actuando este no exercício do seu poder de jurisdição executiva.

II – A relação obrigacional decorrente desta compra e venda extingue-se com o cumprimento, traduzindo-se este – em sede de venda executiva – no pagamento do preço pelo comprador (no depósito deste à ordem do tribunal) e na entrega do bem (pelo tribunal, enquanto sujeito formal da venda) ao comprador.

III – O depósito do preço pelo comprador à ordem do tribunal gera, na fase pós-venda, uma relação creditícia autónoma entre o banco e o tribunal, nascida no processo executivo, em função dos fins deste.

IV – O tribunal actua nesta relação, decorrente do depósito do preço, por referência aos fins próprios do processo executivo, dando pagamento ao crédito exequendo e às custas da execução.

V – O preço respeitante à venda não pertence ao executado, excepção feita a uma eventual parte sobrante deste, após o pagamento do crédito exequendo e a satisfação das custas da execução.

VI – Assim, decretada a insolvência do executado na fase pós-venda, a “captura” do produto da venda pela execução não configura um acto de apreensão ou de detenção de um bem compreendido na massa insolvente, não determinando a remessa da execução ao processo de insolvência e não preenchendo o fundamento de remessa previsto no artigo 85º, nº 2 do CIRE.

VII – Esta mesma razão – não pertença do produto da venda ao executado na fase pós-venda – exclui a remessa da execução à insolvência, nos termos do artigo 88º do CIRE.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. A... e mulher, B... (Exequentes e, no contexto deste recurso, Agravantes) intentaram, em 29/05/2003, a presente acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário[1], contra C... (Executada), visando o recebimento da quantia de €75.000,00, acrescida de juros, apresentando como título executivo o documento de fls. 5/11 (contrato de “mútuo com hipoteca”[2]).

            1.1. A execução teve o seu primeiro despacho em 14/05/2004 (fls. 18), tendo-se determinado a citação da Executada nos termos do nº 1 do artigo 811º do Código de Processo Civil (CPC), devolvendo-se aos Exequentes o direito de nomeação de bens à penhora (artigo 836º, nº 1, alínea a) do CPC), procedendo-se a esta (como decorre do artigo 835º do CPC) nos imóveis objecto da hipoteca (v. termo de fls. 24, 25 e 37, respectivamente de 11 e 15/11/2004 e de 27/06/2005).

            Junta a certidão do registo contendo a menção das penhoras (fls. 51/74), e cumprido o artigo 864º do CPC[3], determinou-se (despacho de fls. 114, de 14/06/2007) a realização da venda judicial dos prédios penhorados, mediante proposta em carta fechada (artigo 889º do CPC).

            Foram recebidas as duas propostas que constam de fls. 128/132 e 133/134, tendo-se procedido à abertura das mesmas nos termos documentados a fls. 136/139, aceitando-se a proposta mais alta (a de fls. 128/132), notificando-se no acto o proponente/comprador para proceder ao depósito do preço, mostrando-se este efectuado (fls. 140/141) e satisfeito o imposto devido pela aquisição (fls. 144/149).

            1.2. Foi nesta sequência proferido (em 12/10/2007) o despacho de fls. 151, adjudicando ao comprador os prédios vendidos, sendo passado a este (datado de 27/11/2007) o título de transmissão referido no artigo 900º, nº 2 do CPC (fls. 185/186), determinando-se, através do despacho de fls. 187/188 (data este de 28/11/2007) o cancelamento, nos termos dos artigo 888º do CPC e 824º, nº 2 do Código Civil (CC), dos ónus e direitos incidentes sobre os prédios vendidos.

            Prosseguiu o processo com diversas diligências tendentes ao apuramento dos encargos da execução, tendo os Exequentes requerido, por diversas vezes (fls. 183, 197 e 202), o pagamento imediato da quantia exequenda, pretensão sempre desatendida (v., por último, o despacho de fls. 203, proferido em 18/04/2008).

            1.3. Surge, então – e assim entramos no trecho processual directamente determinante do presente recurso –, proveniente do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa, o expediente de fls. 206/207. Traduz-se este num pedido de remessa dos autos (dos presentes autos de execução) para apensação ao processo, pendente naquela comarca (nº 109/08.2TBVLF), no qual foi decretada a insolvência da aqui Executada.

Mostra-se tal solicitação suportada pelo despacho (proferido nessa insolvência) cuja cópia consta de fls. 207[4], sendo que sobre ela recaiu (nestes autos) a decisão que aqui se transcreve:


“[…]
Tendo em conta o exposto, deverá a presente execução ser suspensa, indo os autos à conta, nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1, alínea c) do CCJ.
Após, como solicitado e nos termos do nº 1 do artigo 85º do CIRE, remetam-se os presentes autos ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa, com vista à sua apensação ao Processo nº 109/08.2TBVLF.
[…]”
            [transcrição de fls. 209]

            Solicitaram os Exequentes, atravessando nos autos o requerimento de fls. 211, a reconsideração (reforma) deste despacho ordenando a remessa da execução ao processo de insolvência[5], pretensão desatendida pelo despacho de fls. 215 (constitui este, integrado pelo despacho de fls. 209, a decisão objecto do presente agravo), no qual se consignou:


“[…]
Em despacho constante de fls. 207 dos presentes autos, veio o Tribunal de Foz Côa determinar «a requisição das referidas acções aos Tribunais da Guarda e de Figueira de Castelo Rodrigo, nos termos previstos no artigo 85º, nº 2 do CIRE». Nos termos do referido nº 2 «[o] juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos de insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente».
Ora, perante isto, este Tribunal não pode fazer mais do que remeter os presentes autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Foz Côa, com vista a ser[em] apensado[s] aos autos de insolvência com o nº 109/08.2TBVLF. Acrescendo que, contrariamente ao alegado pelos Exequentes, o presente processo continua pendente, uma vez que ainda não ocorreu a sentença de extinção da execução e tramitação subsequente (cfr. artigo 919º do CPC).
[…]
Pelo acima exposto, indefere-se o requerido pelos Exequentes, reiterando-se o determinado a fls. 209 dos presentes autos.
[…]”
            [transcrição de fls. 215]

            1.4. Inconformados, interpuseram os Exequentes o presente recurso de agravo (fls. 217), como tal recebido a fls. 220, motivando-o através das alegações de fls. 223/227, rematando estas com as conclusões que aqui se transcrevem:


“[…]
1ª. No dia 16 de Junho de 2008 foi proferida a sentença que aceitou, verificou e graduou os créditos.
2ª. Quase um ano antes haviam sido vendidos os bens penhorados e
3ª. Suficientes para pagar a quantia exequenda, juros, despesas e créditos reclamados.
4ª. A Sentença transitou a 4 de Julho de 2008.
5ª. Após trânsito em julgado desta Sentença só há um caminho: fazer a conta e pagar – artigo 677º do CPC.
6ª. A declaração de insolvência determina a suspensão das diligências executivas e providências requeridas … que atinjam bens integrantes da massa insolvente.
7ª. In casu, a acção executiva já teve o seu trânsito em julgado – 04/07/2008 – com a Sentença de graduação de créditos.
8ª. Os bens que foram objecto de penhora e venda já são de terceiro, que os comprou neste Tribunal recorrido pelo que não se pode aplicar o artigo 85º, nº 1 do CIRE.
9ª. O único bem da insolvente nestes autos é o valor que sobrar, após pagar aos Exequentes, ao Estado, à trabalhadora e as custas.
10ª. É que também é inaplicável o artigo 88º, nº 1 do CIRE porque o dinheiro depositado não é já da insolvente, mas dos Exequentes, trabalhadora, Estado e custas.
11ª. Os bens da insolvente já foram vendidos – os que figuravam na execução – pelo que são inaplicáveis in casu os artigos 85º e 88º do CIRE.
12ª. Violou, pois, o Tribunal a quo o instituto do trânsito em julgado e mal interpretou os artigos 85º e 88º do CIRE.
[…]”
            [transcrição de fls. 226/227]


II – Fundamentação


            2. Encetando a apreciação do recurso, ocorre consignar que o âmbito objectivo deste se define através das conclusões acima transcritas [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[6]], sendo relevantes, enquanto factos a considerar no processo argumentativo subsequente, os actos processuais relatados no antecedente item, actos que se encontram, como é bom de ver, documentalmente provados.

            Trata-se, assim, de determinar se a presente execução, na situação em que se encontrava no momento da requisição pelo Tribunal que decretou a insolvência, preenche a facti species do artigo 85º, nº 2 do CIRE[7], a saber (parafraseando a norma): se constitui um processo no qual se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente[8].

            2.1. Contraditando o entendimento que subjaz ao despacho agravado (o entendimento que aceita estar preenchido, in casu, o nº 2 do artigo 85º citado), referem-se os Exequentes ora Agravantes a um alegado desrespeito do trânsito em julgado da decisão proferida no apenso de reclamação de créditos, no qual foram verificados e graduados o crédito exequendo e os restantes créditos reclamados na execução. Nesta visão das coisas, a aplicação do artigo 85º, nº 2 do CIRE perderia sentido, por se encontrar esgotado o objecto da execução. A decisão respeitante à reclamação esgotaria – é o que os Agravantes afirmam no recurso – o objecto da execução, tendo presente que a venda já se havia realizado ao tempo dessa graduação, formando esta Sentença uma espécie de caso julgado final, sendo que este bloquearia a remessa do processo ao tribunal da insolvência por prévio esgotamento do seu objecto.

            Trata-se este de um argumento cuja construção, estruturada em torno de um pretenso efeito de caso julgado, não nos parece a mais adequada à solução do problema colocado no agravo – não se configura aqui (na execução) qualquer situação que corresponda, no sentido apontado pelos Agravantes, à cobertura substantiva decorrente de um efeito de caso julgado. O argumento dos Agravantes toca, todavia, ao aludir ao esgotamento do objecto da execução, no ponto fulcral colocado pelo recurso, fornecendo-nos, como veremos ao longo da subsequente exposição, um rumo decisório adequado.

Com efeito, a especial posição dos Agravantes, enquanto Exequentes numa execução que atingiu, como sucedeu com esta, a fase pós-venda (sendo que nesta foi “produzido” um valor apto a satisfazer a dívida objecto de execução), e na qual dispuseram eles de uma garantia real representada por uma hipoteca, não pode ser pura e simplesmente desconsiderada, como sucederia – muito injustamente, diga-se desde já[9] – com essa espécie de retorno à “estaca zero” que representaria remeter agora os Exequentes para o processo de insolvência, como se nada tivesse ocorrido durante os últimos cinco anos nesta execução[10].

O direito real de garantia representado pela hipoteca, que os Exequentes/Agravantes fizeram actuar – já lá vão cinco anos – através da presente execução, terá de significar neste momento, quando tal garantia está em vias de cumprir integralmente (e isso sucedeu desde antes da insolvência) a sua função instrumental, e o crédito em causa está inquestionavelmente em condições de ser satisfeito, tal garantia, dizíamos, terá de corresponder a algo mais do que a falsa alternativa oferecida pelo processo de insolvência. E isto vale – rectius, não pode deixar de valer –, mesmo depois do bem ao qual se refere essa garantia ter sido dela libertado, através da venda em execução (v. artigo 824º, nº 2 do CC). Mesmo neste caso, algum elemento de protecção da garantia (hipotecária) de que os Exequentes dispuseram terá de persistir (e persiste efectivamente, nos termos do artigo 824º, nº 3 do CC), e isso aqui passa pela projecção de um qualquer âmbito protectivo, na fase pós-venda, à realização efectiva do crédito, quando este ainda não se extinguiu através do pagamento coercivo, não obstante a execução já ter reunido o conjunto das condições necessárias à realização dessa operação. Aliás, em rigor, o pagamento até já poderia ter ocorrido, se o processo tivesse sido tramitado de uma forma minimamente expedita.

Adiante aprofundaremos esta linha argumentativa que consideramos verdadeiramente estratégica na dilucidação do presente recurso.

2.1.1. Por agora, seguindo o roteiro do recurso, retornando ao argumento dos Agravantes respeitante ao trânsito em julgado da Sentença de graduação dos créditos reclamados, sublinharemos, justificando o qualificativo de inadequado que antes atribuímos a esse argumento, que essa Sentença de graduação se esgotou, contrariamente ao que pretendem os Agravantes, no seu objecto directo (reconhecer e graduar créditos), sendo relativamente a esse objecto – e só relativamente a ele – que tal decisão propiciou, e continua a propiciar, a cobertura própria do caso julgado material. O reflexo dessa Sentença na execução, da qual constituiu tramitação incidental, restringiu-se, pois, à concreta incidência temática que esse caso julgado aí apresentou, ou seja: determinar quais os créditos a considerar e, com base num juízo de compaginação dos respectivos estatutos, qual a ordem pela qual eles deverão ser satisfeitos através do produto da venda executiva aqui realizada.

A execução – a execução propriamente dita – refere-se a uma realidade processual paralela, totalmente autónoma da tramitação incidental relativa ao concurso de credores, só se extinguindo (a execução) com a prolação de uma sentença declarando no processo essa concreta incidência, nos termos previstos no artigo 919º, nº 2 do CPC. Isto, no caso da sujeição da execução ao tipo de tramitação aqui aplicável (v. a nota 2 supra)[11], quando for constatada a efectivação do pagamento coercivo (ou de outro evento com potencialidade extintiva) e a realização das restantes operações acessórias necessárias.

Ora, no caso da presente execução, vale a constatação, que flúi inquestionavelmente do relato do iter processual, de não ter sido ainda proferida qualquer sentença de extinção[12], mantendo-se activa, à data do decretamento da insolvência, a instância; e nisto tem razão o Exmo. Juiz a quo na consideração intercalar que incluiu no despacho de fls. 215: “[…] o presente processo continua pendente, uma vez que ainda não ocorreu a sentença de extinção da execução e tramitação subsequente […]”.

Como antes mencionámos, interessa esta asserção (a de que a execução, de um ponto de vista processual, não está finda) à consideração do argumento dos Agravantes respeitante uma suposta ofensa daquilo que qualificam como “instituto do trânsito em julgado” (conclusão 12ª do recurso transcrita supra), sendo que esse suposto efeito, traduzido na formação de caso julgado, só ocorre – só poderá realmente ocorrer – com a prolação de uma sentença de extinção, nos termos previstos no artigo 919º, nº 2 do CPC[13]. Ora, trata-se este, como facilmente se constata, de um elemento de todo ausente na situação que nos ocupa, não tendo, assim, qualquer sentido falar de um efeito de caso julgado temporalmente referido a um momento anterior ao decretamento da insolvência da Executada. O que, antes de tal decretamento, ocorreu na execução é relevante, como antes referimos, mas não passa pelo “instituto do trânsito em julgado” nem actua em função da projecção da eficácia de qualquer caso julgado.

2.2. Estando em causa, como acabámos de demonstrar, um processo executivo ainda não findo, importará determinar, face à superveniência do decretamento da insolvência, qual a incidência desta circunstância (não estar findo o processo), no quadro dos chamados “efeitos processuais” da declaração de insolvência[14], sendo este o sentido eficaz, a ratio decidendi, que se colhe na fundamentação feita constar do despacho de fls. 215.

2.2.1. Numa primeira aproximação ao problema, somos conduzidos a uma norma distinta da expressamente invocada na requisição feita pelo Tribunal que decretou a insolvência da aqui Executada. Referimo-nos ao artigo 88º do CIRE, especificamente destinado às acções executivas, cuja leitura poderia sugerir a obrigatoriedade de remessa da execução, enquanto execução ainda não declarada extinta, com a consequente desconsideração da satisfação do crédito dos Exequentes[15].

Propugnamos, todavia, no que toca a uma situação como a que aqui se configura, a dar menos importância ao sentido literal e totalmente descontextualizado do mencionado artigo 88º e a considerar que ele não visa – maxime, não determina a apensação à insolvência de – uma execução que alcançou a fase pós-venda em que esta se encontra. A este respeito é sintomática a referência inicial da norma a “diligências executivas ou providências”, enquanto elemento de recondução teleológica a processos executivos ou diligências executivas incidentes (que ainda incidam) sobre “bens integrantes da massa insolvente”. Ora, como veremos adiante, o valor obtido com a venda dos imóveis penhorados não corresponde rigorosamente (excepção feita ao eventual remanescente que se vier a apurar depois de pagos os créditos e as custas) à ideia de um bem integrante da massa insolvente ou com aptidão para a vir a integrar.

2.2.2. Da mesma forma – e aqui afrontamos directamente o fundamento explícito da decisão recorrida –, também a convocação do artigo 85º, nº 2 do CIRE não tem sentido, face a uma execução que atingiu a fase em que esta se encontra, com o apuramento de um valor apto a satisfazer o crédito exequendo.

Respeita este artigo 85º, nº 2 a processos nos quais tenha ocorrido um “acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”. Isto tem a simples razão de ser de essa apreensão ou detenção carecer de articulação no seio da insolvência, enquanto “processo de execução universal” dos bens de um determinado devedor (como o qualifica o artigo 1º do CIRE)[16]. Contudo, constitui pressuposto implícito da remessa do processo prevista no citado nº 2 que os bens apreendidos existam como tal nesse mesmo processo (seja ele uma execução ou não): como bens aí judicialmente apreendidos ou detidos. Nesta lógica (na lógica que subjaz a uma interpretação contextualizada do artigo 85º do CIRE, como norma operante no quadro dos fins próprios de um processo de insolvência), nesta lógica, dizíamos, a penhora sobre os bens extingue-se, absorvida que é pelo estatuto preponderante correspondente à indisponibilidade decorrente da insolvência[17] (mantendo-se só as garantias reais prévias). Ora, na situação que aqui se configura, pelo contrário, já não há nenhum bem penhorado; a coisa hipotecada, com a transferência para o comprador, já não existe – a hipoteca, aliás, para sermos rigorosos, até já se extinguiu[18] –, sendo que o que há (o que agora há) são, tão-só, créditos: o crédito do exequente, o crédito dos outros dois credores graduados, o crédito das custas da execução e, enfim, se algo sobejar, o crédito remanescente final do executado referente ao preço dos bens vendidos na execução.

2.2.2.1. Interessa-nos aqui determinar qual o estatuto correspondente ao produto da venda executiva, no período que medeia entre o pagamento do preço pelo comprador e a extinção da obrigação exequenda através do pagamento coercivo (como o qualifica o artigo 919º, nº 1 do CPC) ao exequente e aos restantes credores graduados.

 Traduz a venda executiva – “venda em execução” como é referida no artigo 824º do CC – um “[…] acto jurídico de estrutura bilateral, pelo qual se opera a transmissão da propriedade de um bem, ou outro direito, contra a constituição da obrigação de pagar determinada quantia em dinheiro”[19]. Assenta este entendimento, tributário de uma chamada “tese contratualista”[20], na consideração da venda executiva por referência ao quadro geral da compra e venda – rectius, enquanto realização de uma compra e venda especial –, asserção que é comum na nossa doutrina e jurisprudência, sendo justificada com base nas seguintes considerações:


“[…]
Com a penhora, a titularidade do direito sobre o bem não se transfere, nem para o tribunal, nem para o exequente. A titularidade do direito continua na esfera jurídica do executado. O direito de propriedade (ou outro direito real de gozo) sobre a coisa executada só se transfere com a venda em execução.
A transferência da titularidade do direito sobre a coisa faz-se, aquando da venda em execução, do executado para o adquirente (artigo 824º, nº 1 do CC). Por isso, o vendedor não é, nem o tribunal, nem o exequente, mas sim o executado, apesar da venda poder ser realizada contra a sua vontade. De outro modo não se entenderia que o remanescente do preço, depois de pagos os créditos, revertesse para o executado.
O vendedor, como sujeito material do negócio, é o executado e o tribunal será o sujeito formal, que actua, não como representante do executado ou do exequente, mas no uso do seu poder de jurisdição executiva.
Está-se, assim, perante uma verdadeira compra e venda, à qual, na falta de normas processuais, se aplicam as regras do Código Civil (artigos 874º e ss. do CC).
[…]”
[sublinhado acrescentado][21]

            Corresponde este entendimento, à afirmação – e seguimos a exposição de Fernando Pessoa Jorge – de que “[…] o dinheiro do preço subroga-se ao bem alienado no património do executado, embora fique em poder do tribunal, o qual, por acto posterior, despojará ou expropriará aquele da titularidade do dinheiro obtido pelo produto da venda, ao proceder à entrega do mesmo aos credores, para satisfação dos respectivos créditos; mas se, a final, sobrar dinheiro, este pertence obviamente ao antigo dono do bem vendido”[22].

            Significa isto, em suma e no que interessa ao presente recurso, que a relação obrigacional emanada da compra e venda em execução se extinguiu com o cumprimento, que aqui se traduziu no pagamento do preço (no depósito deste à ordem do Tribunal) e na entrega do bem ao comprador.

Revertendo estas considerações ao caso concreto, constata-se que o produto da venda executiva traduz, no quadro da execução onde foi prestado pelo comprador (prestação esta que extinguiu o direito de crédito ao preço[23]), uma realidade não assimilável à ideia de detenção de um bem pertencente à massa insolvente. O que existe, dentro da lógica de funcionamento do processo executivo, é um crédito afecto a um fim específico: a satisfação/extinção da dívida exequenda (e dos créditos reclamados e das custas da execução). Tal crédito projecta-se enquanto reflexo da garantia hipotecária, traduzindo o que poderíamos descrever como uma situação de pós-eficácia desta garantia – é esse o sentido, aliás, do nº 3 do artigo 824º do CC (remete-se aqui para a nota 11, supra) –, imprescindível à efectiva realização da mesma no quadro da acção executiva. A não ser assim, criar-se-ia, na fase pós-venda do processo executivo, no período que medeia entre a captura por este do preço da venda e o pagamento ao exequente (que representa o preenchimento do fim da própria execução), um espaço de considerável desamparo do interesse e do direito do exequente, no qual o seu crédito perderia cobertura protectiva, sendo que isso sucederia, algo paradoxalmente, depois de ter sido efectivado o mecanismo de protecção consubstanciado na garantia hipotecária.

Trata-se esta desprotecção do crédito do Exequente – tratar-se-ia, a vingar o despacho agravado – de uma consequência pouco lógica que, como tal, não deve ser interpretativamente tolerada.

2.2.3. O que existe aqui, na fase pós-venda em que a execução se encontra, é um depósito bancário à ordem do Tribunal (que o talão de fls. 141 documenta), sendo que o correspondente direito de crédito sobre o banco não pertence ao Executado, mas sim, como sucede com todos os depósitos bancários, à entidade assinalada na conta, a saber: ao Tribunal, rectius à própria execução.

Está em causa, pois, relativamente ao depósito do preço da venda, uma relação creditícia entre o banco e o Tribunal, nascida no processo executivo, que o Tribunal exercerá, por referência aos fins próprios de tal processo, dando pagamento às custas, ao crédito exequendo e aos demais créditos graduados.

O que não existe, no caso do depósito à ordem da execução do preço da venda nesta realizada, é algo configurável em termos de pertença ou de direito de propriedade do Executado, que possamos reconduzir à facti species do artigo 85º, nº 2 do CIRE, quando se refere a actos “[…] de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”. Não é este, com efeito, o estatuto do produto ou valor da venda no período em que este se mostra capturado pela execução, expressando tal valor um crédito (depositado num banco à ordem do Tribunal)[24] dotado, nesse período, de uma afectação funcional específica (a que decorre do fim visado por aquela execução em concreto) que só poderá ser referenciada ao património do Executado (aqui à massa insolvente) na parcela sobrante, após satisfação das custas da execução e dos créditos graduados.

2.3. É evidente a incompatibilidade das antecedentes considerações com a decisão de enviar a presente execução, sem mais, ao tribunal da insolvência. Importa, pois, revogar o despacho contendo tal determinação, vinculando o Tribunal a quo (e o Tribunal da insolvência fica reflexamente vinculado nos mesmos termos) a proceder, contada que se mostre a execução, ao pagamento, pela ordem legal, das custas e dos créditos graduados no apenso (incluindo, obviamente, o dos Exequentes ora Agravantes), só se disponibilizando à insolvência, e ao Administrador desta, o eventual remanescente do preço da venda apurado após esses pagamentos[25].

2.3.1. É o que resta determinar, com o consequente provimento do agravo, não sem que antes sumariemos os elementos fundamentais do antecedente percurso argumentativo:


I – Traduz a venda efectuada num processo executivo (a venda em execução) uma compra e venda na qual o executado funciona como vendedor, sendo ele o sujeito material do negócio, desempenhando o tribunal o papel de sujeito formal, actuando este no exercício do seu poder de jurisdição executiva.
II – A relação obrigacional decorrente desta compra e venda extingue-se com o cumprimento, traduzindo-se este – em sede de venda executiva – no pagamento do preço pelo comprador (no depósito deste à ordem do tribunal) e na entrega do bem (pelo tribunal, enquanto sujeito formal da venda) ao comprador;
III – O depósito do preço pelo comprador à ordem do tribunal gera, na fase pós-venda, uma relação creditícia autónoma entre o banco e o tribunal, nascida no processo executivo, em função dos fins deste;
IV – O tribunal actua nesta relação, decorrente do depósito do preço, por referência aos fins próprios do processo executivo, dando pagamento ao crédito exequendo e às custas da execução;
V – O preço respeitante à venda não pertence ao executado, excepção feita a uma eventual parte sobrante deste, após o pagamento do crédito exequendo e a satisfação das custas da execução;
VI – Assim, decretada a insolvência do Executado na fase pós-venda, a “captura” do produto da venda pela execução não configura um acto de apreensão ou de detenção de um bem compreendido na massa insolvente, não determinando a remessa da execução ao processo de insolvência, não preenchendo o fundamento de remessa previsto no artigo 85º, nº 2 do CIRE;
VII – Esta mesma razão – não pertença do produto da venda ao executado na fase pós-venda – exclui a remessa da execução à insolvência, nos termos do artigo 88º do CIRE.  


III – Decisão


            3. Assim, concedendo-se provimento ao agravo, revoga-se o despacho contendo a ordem de remessa da presente execução ao Tribunal de Vila Nova de Foz Côa, para efeito de apensação ao processo no qual foi decretada a insolvência da ora Executada, devendo tal despacho ser substituído por outro conforme ao entendimento particularizado no item 2.3 deste Acórdão.

            Sem custas.


[1] A data da instauração da execução (29/05/2003) é relevante, tendo que ver com a determinação do regime legal aplicável. Trata-se, com efeito, de acção executiva instaurada anteriormente a 15/09/2003, à qual não é aplicável a reforma do processo executivo – rectius, as alterações ao Código de Processo Civil – introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (v. artigo 21º, nº 1 deste Diploma). Aplica-se – aplicou-se –, assim, neste caso, a tramitação da acção executiva decorrente da redacção introduzida nas pertinentes normas do Código de Processo Civil, pelos Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro e Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro. É, pois, à redacção introduzida por estes dois últimos Diplomas, que se refere a citação nesta Sentença de qualquer disposição do Código de Processo Civil.
[2] Através deste concederam os aqui Exequentes à sociedade Executada, e a outros, um empréstimo de €75.000,00 que esta garantiu através da constituição a favor deles (dos Exequentes) de uma hipoteca incidente sobre onze prédios.
[3] Originou esta diligência a abertura do apenso A, com a reclamação pelo Ministério Público (fls. 2/4 do apenso) de €563,47, respeitantes a Imposto Municipal sobre Imóveis em dívida, e, mais tarde (já em Janeiro de 2008), por uma ex-trabalhadora da Executada, Maria do Céu Fonseca Lameiras Paiva, de €6.806,31, respeitantes a um crédito laboral (fls. 64/65). Foram estes créditos reconhecidos e graduados (em Junho de 2008) pela Sentença de fls. 120/127 do apenso, dando-se prioridade ao crédito laboral, seguido do crédito fiscal e, finalmente, do crédito exequendo.
[4] Do qual consta o seguinte:
“[…]
Atento o requerido pelo Exmo. Administrador da Insolvência a fls. 92 a 94, determina-se a apensação das acções indicadas.
Para o efeito, determina-se a requisição das referidas acções aos Tribunais da Guarda e de Figueira de Castelo Rodrigo, nos termos previstos no artigo 85º, nº 2 do CIRE.
[…]”
                [transcrição de fls. 207]
Determinou-se, em sede de instrução do presente recurso (tratando-se de elemento ausente da tramitação no Tribunal a quo), a junção de certidão da decisão decretando a insolvência da aqui Executada. Desta resulta ter tal decretamento ocorrido em Setembro de 2008, tendo transitado em 23/09/2008 (v. fls. 241/246).
[5] Fizeram-no nos seguintes termos:
“[…]
I – Por Sentença de 16/06/2008 foram graduados os créditos.
II – A Sentença transitou em julgado em 04/07/2008.
III – A Execução não está, pois, pendente.
IV – O que falta é pagar (após feita a conta) aos Exequentes e demais reclamantes.
V – O processo deverá, após pagamento das custas da quantia exequenda e demais créditos graduados, ser apensado à insolvência por poder haver algum valor sobrante que pertencerá à Massa Insolvente.
Assim, requerem a V. Exa. a reforma do despacho no sentido acabado de expor.
[…]”
                [transcrição de fls. 211]
[6] Este último, por estar em causa um processo iniciado anteriormente a 1 de Janeiro de 2008, na redacção (existência) que apresentava anteriormente à reforma do regime dos recursos introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1 deste Diploma). Note-se que, pela mesma razão, qualquer disposição do CPC citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterada pelo DL 303/2007, o é na versão anterior a este (tal como o é, nos termos consignados na nota 2, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março).
[7] Interessa-nos aqui a redacção deste nº 2 introduzida pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de 18 de Agosto.
[8] É o seguinte o texto da norma:

Artigo 85º
Efeitos sobre as acções pendentes
1. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
2. O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
3. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[9] E remetemos aqui, porque elas algum significado hão-de ter, para as incidências processuais e temporais descritas no relato da (lenta) marcha do processo, feita ao longo do item 1. deste Acórdão.
[10] É certo que os Exequentes, terceiros relativamente à venda executiva, não deixariam de ver a sua garantia hipotecária – rectius, os direitos respeitantes à mesma – transferidos para o produto da venda, como resulta do disposto no artigo 824º, nº 3 do CC.
[11] A tramitação actual do processo executivo – a decorrente do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março – não prevê a existência de sentença julgando extinta a execução (v. a actual redacção do artigo 919º do CPC), discutindo-se se é ao agente da execução ou à secretaria que compete declarar essa incidência final do processo (v., com indicação das diversas posições, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 415, nota 892).
[12] Embora, não deixará também de se sublinhar, nada mais haja a fazer na execução, tudo o leva a crer, para além de dar pagamento aos créditos e às custas, através do produto da venda.
[13] Sendo controversa a associação à sentença de extinção da execução prevista no artigo 919º, nº 2 do CPC (na tramitação anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003) do efeito de caso julgado material, não nos suscita qualquer dúvida que ela produza – produzisse no quadro legal em causa –, no plano da relação processual consubstanciada na instância executiva, um efeito de caso julgado formal, por referência ao artigo 672º do CPC (v. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva. À Luz do Código Revisto, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 294). Note-se que a discussão em torno do caso julgado formado pela sentença de extinção da execução colocava-se (na tramitação anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003) quanto à cobertura do caso julgado material: defendia a existência deste efeito João de Castro Mendes (Acção Executiva, ed. policopiada da AAFDL, Lisboa 1980, p. 211), negando-o José Lebre de Freitas (A Acção Executiva…, cit., pp. 293/294, e nota 7 da primeira).
Esta discussão perdeu sentido, todavia, face à reforma da acção executiva introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003: “[c]om a reforma da acção executiva, deixou de ter lugar essa sentença, produzindo-se automaticamente o efeito extintivo da instância ([actual] artigo 919º, nº 1). A questão da formação de caso julgado no processo executivo deixou, pois, de se pôr. Mas, hoje como ontem, o efeito de direito substantivo do facto (pagamento ou outro) invocado na acção executiva não deixa de se produzir, obstando ao êxito duma nova acção executiva, mas não impedindo a propositura, pelo executado, duma acção de restituição do indevido” (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 360/361).
[14] A expressão “efeitos processuais” constitui a epígrafe do Capítulo II do Título IV do CIRE (artigos 85º a 89º) e neste são tratados, no quadro geral dos efeitos da declaração de insolvência, as repercussões desta nas relações processuais, presentes ou futuras, referidas ao insolvente.
[15] Dispõe o artigo 88º, nº 1 do CIRE: “[a] declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência […]”.
[16] “[A] razão de ser do processo de insolvência é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, p. 167).
[17] Tenham-se aqui presentes os chamados efeitos substantivos patrimoniais da insolvência, traduzidos, no que aos bens integrantes da massa diz respeito, na “autonomização” e no “congelamento” deles (v. José de Oliveira Ascensão, “Insolvência: efeitos sobre os negócios em curso”, in Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, tomo II, pp. 236/237.
[18] Pois, na venda em execução, “[o]s bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem […]” (artigo 824º, nº 2 do CC), repercutindo-se esta vicissitude na hipoteca, não obstante a obrigação a que ela serve de garantia ainda não se mostrar extinta (v. artigo 730º, alínea a) do CC). Tal repercussão, ocorre aqui (após a venda executiva do bem objecto da hipoteca) em termos paralelos aos previstos na alínea c) do mesmo artigo 730º (extinção da hipoteca pelo perecimento da coisa hipotecada), sem prejuízo, como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “[…] da eventual transferência do direito, ou para o crédito da indemnização, ou para a importância paga a esse título, ou para a coisa que veio substituir a que perecera […]” (Garantias das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2006, p. 231).
[19] Fernando Pessoa Jorge, Lições de Direito Processual Civil, ed. policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1972/1973, p. 229.
[20] A expressão é empregue por Fernando Pessoa Jorge, Lições…, cit. p. 227.
[21] Pedro Romano Martinez, “Venda Executiva”, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pp. 335/336 (cfr. João de Castro Mendes, Acção Executiva, cit. pp. 175/176; Acórdão do STJ de 17/11/1977, BMJ, 271, 166).
[22] Lições…, cit., p. 232.
[23] Esse crédito foi exercido aqui, em lugar do vendedor (Executado), pelo Tribunal, enquanto “sujeito formal” da execução.
[24] Circunstância que lhe retira a possibilidade de ser objecto de um direito de propriedade que possa ser reivindicado (artigo 1311º do CC) ou sujeito a quaisquer outras regras próprias do direito de propriedade. Este refere-se sempre a coisas corpóreas determinadas, não sendo configurável relativamente a coisas incorpóreas (como seria neste caso o “dinheiro”) e indeterminadas. Esta asserção resulta, aliás, de inúmeras disposições legais [cfr., todas no Código Civil, os artigos 408º, nºs 1 e 2, 539º e ss. (principalmente 541º), 1144º, 1205º e 1206º e 1465º]. A afirmação de que o “dinheiro da venda está num banco” simplifica a constatação de que alguém tem um “direito de crédito” sobre um banco e o credor deste banco é, exclusivamente, a entidade assim assinalada na conta.   
[25] Não se configura, pois, qualquer necessidade da remessa à insolvência da presente execução, enquanto processo findo e, como tal, irrelevante para aquela. Sublinha-se a este respeito que o artigo 85º, nº 1 estabelece, com vocação de generalidade para todas as acções nele previstas, que o fundamento da apensação reside na “conveniência para os fins do processo”. Ora, o que convém aos fins do processo de insolvência é só o que diz respeito ao destino final do remanescente a que o Executado teria direito. Só quanto a este é que será admissível a intervenção do Administrador e do Tribunal da insolvência.