Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00085/01 - PORTO
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2006
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:LOTEAMENTO – VENDA DE LOTES – RENDIMENTOS DA CATEGORIA C - IRS
Sumário:1. Para efeitos de tributação em IRS, na categoria C (rendimentos comerciais e industriais) cabem os lucros resultantes de toda a actividade, habitual ou esporádica, que visa a obtenção do lucro mediante a revenda ou transformação de bens, enquanto na categoria G (mais-valias) cabem apenas os ganhos inesperados ou fortuitos, ou seja, os resultantes das valorizações produzidas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, os ganhos trazidos pelo vento (windfalls), na expressão consagrada na doutrina.
2. Assim, e face ao disposto no artigo 4º, nº 1, alínea e), do CIRS, os ganhos resultantes da venda de lotes de terreno na sequência de loteamento efectuado pelos vendedores, devem ser considerados rendimentos da categoria C, ou seja, como rendimentos de actividade comercial, e não como rendimentos da categoria G, mais-valias.
3. Na verdade, os donos do terreno não venderam o terreno que adquiriram, caso em que eventuais ganhos haveriam de ser considerados como inesperados ou fortuitos, antes venderam os lotes resultantes da operação de loteamento, operação para a qual nele efectuaram infra-estruturas, bem como desencadearam o competente processo junto da autarquia local com vista à obtenção das necessárias licenças, tudo com fins lucrativos, motivo por que é de considerar que desenvolveram uma actividade de natureza comercial (sendo que o conceito de comércio implícito no artigo 4º do CIRS não é o jurídico, mas o económico).
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I
A Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente) não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por Manuel Mota e Ermelinda , NIF e , respectivamente, (adiante Impugnantes ou Recorridos) contra a liquidação adicional de IRS, do ano de 1994, no montante de € 98 925,69, veio dela recorrer, concluindo, em sede de alegações:
1- Consiste a questão controvertida em saber se a liquidação de IRS n.° 5323447328, respeitante ao ano de 1994, padece de inexistência de facto tributário, ou se pelo contrário, se enquadra no preceituado na al. E) do n.° 1 do art.° 4° do CIRS;
2- A sentença ora recorrida, deu como provados todos os factos que levaram a Administração Fiscal, a elaborar a liquidação de I.R.S. supra, relativa ao ano de 1994, de forma legal e congruente;
3- O tribunal "a quo" considera que os rendimentos obtidos pelos impugnantes mediante a venda dos lotes de terreno constituem ganhos fortuitos e inesperados, independentemente de todo o procedimento de valorização urbanística levado a cabo;
4- A Fazenda Pública, discorda de tal entendimento, defendendo que, tendo sido dado como provado todo o procedimento de loteamento do terreno em causa, o produto da venda dos terrenos constantes do Termo de Sisa n.° 2226, da Freguesia de Francelos- Vila Nova de Gaia, deve ser havido como rendimento comercial, ao abrigo do preceituado no art.° 4° n.° 1, al. E) do CIRS;
5- Na verdade, a douta sentença recorrida dá como facto provado e assente o facto de se haver verificado a alienação dos referidos terrenos no ano de 1994;
6- Sendo assim, reconhecida a existência do facto tributário -art.° 36° da LGT - deve haver-se como legal todo o procedimento da Administração Fiscal no enquadramento dos factos tributários na lei em vigor à data dos mesmos;
7- No seguimento do douto Acórdão do TCA, de 26.11.2002, proferido no recurso n.° 4048, a liquidação impugnada não padece de inexistência de facto jurídico, subsumindo-se os factos controvertidos no âmbito das normas em vigor à data dos mesmos;
8- Pela douta sentença recorrida foram violadas as seguintes normas legais: art.°36° da Lei Geral Tributária; art.° 4°, n.° 1, al. E) do Código de Imposto Sobre O Rendimento.
Termos em que se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra alegações.

O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal teve “vista” nos autos, a fls. 172, apondo: esgotando-se hoje o prazo para o MP emitir parecer e passando já das 18 horas, abstenho-me de me pronunciar.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância (a bold, corrigem-se lapsos):
A) Em 17.Maio.1984 a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia emitiu a favor do impugnante marido e outros o Alvará de Loteamento n.° 41 /84, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o qual titula uma operação de loteamento que incidiu sobre um terreno sito na Avenida de Francelos, freguesia de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, o qual se encontrava inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 416 a 423 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 34744, a folhas 122, do Livro B-89, na sequência da qual foi autorizada a constituição de 10 lotes de terreno para construção -cfr. doc. de fls. 24 a 27 dos autos.
B) Pela guia modelo 7, n.° 4018, o impugnante e outros pagaram, em 24.04.1984, à entidade loteadora, a importância de Esc. 58.152$00 a título de encargo de mais valias - cfr. doc. de fls. 24 dos autos e 67 do PA;
C) Também em 1984 e por referencia ao aludido loteamento foram pagas à entidade loteadora as quantias de 106.757$00 proveniente de desvio de conduta de água no referido loteamento e a quantia de 970.200$00 como comparticipação para abastecimento de energia eléctrica e iluminação pública do loteamento - cfr. docs de fls. 69 e 70 do PA.
D) Foi ainda cedida à entidade loteadora, por exigência camarária, para integração no domínio público, uma parcela de terreno com a área de 1400,5 m2, para alargamento de arruamento, passeio, P.T eléctrico, para a Escola Primária e Rua-passeio - cfr. doc. de fls. 69 e 70 do P.A
E) Em 12 de Agosto de 1988, entre os impugnantes e Manuel A.C.Pais Clemente foi celebrado o acordo escrito que consta do documento de fls. 7 a 11 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Em 22 de Dezembro, os impugnantes e Manuel A.C.Pais celebraram o acordo escrito que consta de fls. 12 a 15 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
G) Por documento constante de fls. 18 e 19 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os impugnantes constituíram «seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer o Sr. Dr. Manuel António Caldeira Pais Clemente (...) ao qual conferem poderes para em nome de ambos, vender, pelos preços e condições que entender, os seguintes imóveis:
—Terreno destinado a construção urbana, sito na Avenida de Francelos (...) descrito na Conservatória do registo Predial, sob o número trinta e três mil e trinta e sete, do Livro B- oitenta e cinco
—Terreno para construção, designado por lote número cinco (...)
—Terreno para construção, designado por lote número seis (...)
H) Por documento escrito constante de fls. 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, os impugnantes declararam que receberam de Manuel António Caldeira Pais Clemente a quantia de Esc. 60.000.000$00 «para liquidação do preço de venda» constante do contrato - promessa de compra e venda referido em E.
I) Em 1994 os imóveis identificados em G) foram alienados a favor de terceiro, pelo preço total de Esc. 30.000.000$00.
J) A Administração Fiscal, por ofício de 1999.07.05 notificou o impugnante nos termos que constam do documento de fls. 49 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente, para apresentarem uma nova declaração de substituição, juntando o anexo G da declaração de rendimentos;
L) À notificação referida em J) o impugnante respondeu pela forma que consta do documento de fls. 59 dos autos, referindo, designadamente, que as parcelas de terreno em causa faziam parte do loteamento 41/84 e que não estariam sujeitas ao pagamento de mais valias.
M) Na sequência de uma acção de fiscalização realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária foi elaborado, em 28.09.99, o projecto de correcções que consta do documento de fls. 60 e 61 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«Dado que a venda de terrenos, precedida de uma operação de loteamento configura uma actividade comercial, estando sujeitas a IRS no âmbito da Categoria C, procedeu-se ao apuramento dos rendimentos em falta.
Assim, os proveitos da venda dos referidos lotes foram considerados rendimentos da categoria C no valor de 30.000.000$00, a acrescer aos rendimentos declarados.(...)
Face ao exposto, a correcção à matéria tributável é de 30.000.000$00».
N) Pelo ofício n.° 529293 de 29.09.1999 o impugnante marido foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no at. 60.° da LGT e art. 60.° do RCPIT - cfr. doc. de fls. 62 dos autos;
O) Na sequência da notificação referida no ponto que antecede o impugnante exerceu o seu direito de audição nos termos que constam do documentos de fls. 63 e 64 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
P) Em 25 de Outubro de 1999 foi elaborado o relatório final de correcções cujo teor consta de fls. 66 e 67 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, cuja fundamentação é a seguinte:
«Como já foi referido no projecto de correcções, a venda de lotes de terreno para construção precedida de uma operação de loteamento configura uma actividade comercial, sujeita a tributação em IRS no âmbito da categoria C. De acordo com o disposto no n.° 2 da Circular n.° 16/92 de 14.09.92, "a venda de lotes de terreno para construção pelo proprietário do terreno, que tenham ocorrido já na vigência do CIRS, ficam sujeitos a IRS",, ainda que anteriormente, no domínio do revogado C.I.M.V, tenha sido pago o encargo de mais - valias".
Assim, para apuramento da matéria tributável, foi considerado o proveito no valor de 30.000.000$00, resultante da venda dos três lotes de terreno. Relativamente aos custos, considerou-se os valores conhecidos no montante de 1.135.109$00, resultante do somatório das despesas pagas à Câmara, conforme consta do alvará de loteamento n.° 41/84 (...).
(...)
Resultado.............................:...+ 28.864.891$00».
Q) Em 09 de Dezembro de 1999 foi efectuada a liquidação adicional de IRS n.° 5323447328 referente a 1994 e respectivos juros compensatórios, no montante de Esc. 19.832.820$00, cujo data limite de pagamento ocorreu em 26.01.2000.
R) Os prédios identificados em G) estiveram na posse de Manuel António Pais Clemente desde 1990.
S) A presente impugnação foi deduzida em 15.02.2000.
* * *
Ao abrigo do disposto no art.712º, nº 1, do CPC, altera-se, a bold, a seguinte matéria de facto:
G) Em 04 de Outubro de 1990, Por documento constante de fls. 18 e 19 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os impugnantes constituíram «seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer o Sr. Dr. Manuel António Caldeira Pais Clemente (...) ao qual conferem poderes para em nome de ambos, vender, pelos preços e condições que entender, os seguintes imóveis:
—Terreno destinado a construção urbana, sito na Avenida de Francelos (...) descrito na Conservatória do registo Predial, sob o número trinta e três mil e trinta e sete, do Livro B- oitenta e cinco
—Terreno para construção, designado por lote número cinco (...)
—Terreno para construção, designado por lote número seis (...)
H) Em 04 de Outubro de 1990, Por documento escrito constante de fls. 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o impugnante marido declarou que recebeu de Manuel António Caldeira Pais Clemente a quantia de Esc. 60.000.000$00 «para liquidação do preço da venda constante do contrato promessa de compra e venda entre nós celebrado em 03 de Outubro de 1990, (…).
I) Em 02 de Dezembro de 1994, Luísa Maria Domingues Costa Oliveira, gestor de negócios de Joaquim Augusto Martins Marques, declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência a compra que vai fazer aos impugnantes nestes autos dos imóveis identificados em G), pelo preço total de Esc. 30.000.000$00 – cfr. fls. 53 dos autos.
Q) Em 09 de Dezembro de 1999 foi efectuada a liquidação adicional de IRS n.° 5323447328 referente a 1994 e respectivos juros compensatórios, no montante de Esc. 19.832.820$00, cujo data limite de pagamento ocorreu em 26.01.2000 e notificada aos Impugnantes por carta registada com data de 16/12/1999 – cfr. fls. 85.

III
A questão sob recurso é a de saber se a sentença recorrida enferma ou não de erro de julgamento por ter considerado ilegal a liquidação que foi levada a cabo pela AT, pelos ganhos resultantes da transmissão dos imóveis objecto de compra e venda, por estarem afastados do âmbito de incidência do IRS, ao invés de como considerou a AT no acto impugnado e como sustenta a RFP nas suas alegações de recurso, tais ganhos deverem ser qualificados como rendimentos da categoria C, para efeitos de tributação em IRS, enquadrando-se no preceituado na alínea e), do nº 1, do artigo 4º, do CIRS.
Caso o recurso venha a merecer provimento, então haverá que conhecer da outra causa de pedir invocada na petição inicial e que foi julgada prejudicada pela sentença recorrida, ou seja: a invocada caducidade do direito à liquidação.

Situação idêntica à dos autos foi já equacionada nos Tribunais Superiores, nomeadamente nos Acórdãos do TCAS de 26/11/2002, Proc. 4048/00 (que tenhamos conhecimento não publicado), de 17/12/2002, Proc. 6804/02 publicado na íntegra em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/d45234321f07922980256ca6004a61cf?OpenDocument, de 05/07/2005, Proc. 00573/03, publicado na íntegra em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/d5c0e7c4245c75518025703500576ce3?OpenDocument, e de 01/07/2004, este do TCAN, proferido no Proc. 00019/04, publicado na íntegra em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/64b52211a4f027e880256f43003f4973?OpenDocument, estes três últimos seguindo a fundamentação daquele, em termos que merecem a nossa total concordância e daí nos apropriarmos, com a devida vénia, da fundamentação atinente a essa questão constante do 1º Ac. ( Acórdão este que veio a ser confirmado pelo STA, em 02/07/2003, no Recurso nº 772/03 e consultável na íntegra em http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32230.pdf ) que se transcreve:
“No corpo do art. 4.°, n.° 1, diz-se: «Consideram-se rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial». Nas alíneas do mesmo preceito, que enumeram exemplificativamente actividades comerciais e industriais, encontramos a alínea e) do seguinte teor:
«Actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos».
O loteamento de um terreno e a venda, com intuito lucrativo, dos lotes assim constituídos é uma actividade de natureza comercial ou industrial e, por isso, os ganhos resultantes dessa venda, para efeitos de tributação em IRS, enquadram-se nos rendimentos da categoria C. Se alguma dúvida houvesse, ela seria de imediato desfeita face ao teor da citada alínea e) do art. 4.°, n.° 1, do CIRS.
Bem se compreende que o complexo de actos praticados pelo proprietário de um terreno para construção no sentido de proceder ao loteamento de um terreno para construção e à venda dos lotes assim constituídos (designadamente, a realização das infra-estruturas necessárias, a promoção do processo burocrático indispensável à obtenção das licenças requeridas para essa operação e todo o conjunto de diligências necessárias à própria venda dos lotes), com vista à obtenção de lucro, seja qualificada como actividade comercial ou industrial. Na verdade, em toda essa actividade ressalta o seu carácter comercial ou industrial, quer se reporte ao critério económico (ou seja, o de mediação entre a oferta e a procura ou o de incorporação de novas utilidades na matéria, com o objectivo de obtenção de lucros ( Cfr. TEIXEIRA RIBEIRO, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLI)), que parece ser o subjacente ao art. 4.° do CIRS, quer ao critério jurídico.
Salvo o devido respeito, não resulta da lei a exigência de que a actividade seja exercida com carácter habitual, nada obstando a que os lucros resultantes do exercício, ainda que acidental ou esporádico, de actividade de natureza comercial ou industrial sejam integrados na categoria C. O disposto na alínea g) o n.° 1 do art. 4.° do CIRS – que considera também rendimentos comerciais e industriais os «provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias» - não permite, sempre salvo o devido respeito, retirar argumento algum no sentido de que a habitualidade seja requisito necessário para que o exercício de uma determinada actividade de natureza comercial ou industrial seja considerada como tal, para os efeitos do art. 4.° do CIRS.
Já no domínio da contribuição industrial o art. 1.°do respectivo código determinava a incidência «sobre os lucros imputáveis ao exercício, [...] embora acidental, de qualquer actividade de natureza comercial ou industrial» (sublinhado nosso).
Por outro lado, no corpo do art. 10.°, n.° 1, do CIRS, exclui-se a possibilidade de constituírem mais-valias os rendimentos comerciais e industriais. Bem se compreende que assim seja. É que nos rendimentos da categoria G (mais-valias) para efeitos de tributação em IRS apenas cabem os ganhos inesperados ou fortuitos, ou seja, os resultantes das valorizações produzidas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, "os ganhos trazidos pelo vento" (windfalls), na expressão consagrada na doutrina.
Ora, os Impugnantes não venderam o terreno que adquiriram sem qualquer transformação, caso em que os respectivos ganhos haveriam de ser considerados como inesperados ou fortuitos e, por isso, mais-valias para efeitos de tributação em IRS. Venderam, isso sim, os lotes resultantes da operação de loteamento que levaram a cabo no referido terreno. Para essa operação, efectuaram no terreno diversas infra-estruturas, desencadearam o competente processo junto da autarquia local com vista à obtenção das licenças necessárias e desenvolveram as diligências necessárias à venda dos lotes, o que tudo fizeram animados pelo espírito do lucro.
Não pode, pois, considerar-se que os ganhos resultantes da venda dos lotes de terreno constituam ganhos inesperados ou fortuitos, independentes da vontade e da acção dos Impugnantes. Ao invés, devem considerar-se ganhos resultantes de uma actividade empresarial, ainda que não habitual, de uma actividade de transformação de bens com vista à venda, desenvolvida com o fim da obtenção de lucro ou ganho e, por isso, de natureza comercial ou industrial.”
Face ao exposto, não pode a impugnação proceder com o invocado vício de violação de lei.
A sentença, que julgou em sentido diverso, não pode manter-se e, por isso, será revogada.

Aqui chegados, por se não ter conhecido na sentença recorrida, que considerou prejudicada, a invocada caducidade do direito à liquidação, e contendo os autos todos os elementos factuais indispensáveis à prolação de decisão, ao seu conhecimento se procederá.
Pretendem os impugnantes que o acto tributário em relação a si se verificou ou consumou em 04/10/1990, data em que declararam ter recebido de Manuel António Caldeira Pais Clemente a quantia de Esc. 60 000 000$00 para liquidação do preço de venda constante do contrato-promessa que com ele tinham celebrado em 12/08/1988 e que tinha como objecto os imóveis em causa nos autos.
Porém, analisado o documento que juntaram, a fls. 20 dos autos, no mesmo consta a referência a um contrato-promessa de compra e venda celebrado em 03/10/1990 e não naquela referida data de 12/08/1988.
Por outro lado, o comprador dos imóveis, Joaquim Augusto Martins Marques, quando inquirido nos autos, a fls. 121 vº e 122, refere que foi com aquele Manuel António Caldeira Pais Clemente que celebrou a escritura e foi a ele que pagou o valor acordado. Porém, nunca a escritura veio a ser junta aos autos e, para além disso, pode tal ter acontecido, já que, conforme consta do probatório, os impugnantes, em 04/10/1990, constituíram seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer, aquele Pais Clemente, ao qual conferiram poderes para em nome de ambos, vender, pelos preços e condições que entender, os imóveis em causa nos autos.
Por fim, dos autos consta, a fls. 53, uma declaração, deste comprador dos imóveis, Joaquim Augusto Martins Marques, através de um gestor de negócios, com data de 02/12/1994 e em que refere pretender pagar a sisa que for devida com referência a compra que pelo preço de Esc. 30 000 000$00 vai fazer aos Impugnantes dos imóveis em causa nos autos.
É sabido que as normas fiscais que contemplam o facto tributário sãs as relativas à incidência real, aparecendo sistematizadas, em cada código fiscal, no capítulo da “Incidência”, sendo ainda certo que a obrigação tributária só nasce com a ocorrência dessa factualidade típica.
“Só ocorrido o facto tributário, na sua previsão geral e abstracta, é que o contribuinte está obrigado a declará-lo à administração fiscal, e, em geral após o termo do prazo da declaração, esta pode desenvolver uma actividade dirigida à verificação dos elementos materiais e pessoais que os integram.
Ao contrário do direito privado, em que resulta de acto voluntário, a obrigação tributária é «ex lege». É um facto previsto na lei que determina causalmente o seu nascimento.” ( António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, pág. 176.)
Assim, forçoso é concluir que o facto tributável veio a ocorrer após aquela data de 02/12/1994.
Prevendo a legislação em vigor, ou seja, o artigo 33º, nº 1, do CPT, que “o direito à liquidação de impostos (…) caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário (…)”, e tendo ficado provado que a liquidação ocorreu em 09/12/1999, a essa data não havia ainda caducado o direito à liquidação do imposto em causa nos autos.
Assim, a impugnação também não pode proceder com tal fundamento.

IV
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição do mérito da impugnação, julgar esta improcedente, assim mantendo a liquidação impugnada.
Custas pelos Recorridos, apenas em 1ª instância.
Notifique e registe.
Porto, 20 de Dezembro de 2006
Ass. Moisés Moura Rodrigues
Ass. Dulce Manuel Conceição Neto
Ass. José Maria Fonseca Carvalho