Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6804/02
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/17/2002
Relator:Gomes Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS
OPERAÇÕES DE LOTEAMENTO
APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDICIÁRIOS SUSTENTADA PELO CONTRIBUINTE
Sumário:I - São tributáveis em IRS, na categoria C ( abrangente dos rendimentos comerciais e industriais) os lucros resultantes de actividade, habitual ou esporádica, que visa a obtenção do lucro através da revenda ou transformação de bens, pois na categoria G (mais-valias) cabem apenas os ganhos inesperados ou fortuitos, os gerados por valorizações operadas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, ou seja e como a doutrina costuma referir, os ganhos trazidos pelo vento (windfalls).
II - Destarte e atento o disposto no art. 4.º, n.º 1, alínea e), do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto, ao caso aplicável, os ganhos derivados da venda de lotes de terreno na sequência do loteamento efectuado pelo vendedor, têm de ser considerados rendimentos de actividade industrial (rendimentos da categoria C) e não como mais-valias (rendimentos da categoria G).
III - Não tendo o dono do terreno vendido o terreno que adquiriu, situação em que eventuais ganhos teriam de considerar-se como inesperados ou fortuitos, mas tendo vendido os lotes resultantes da operação de loteamento do terreno no qual realizou infra-estruturas, havendo desencadeado o competente processo junto da autarquia local por forma a obter as necessárias licenças, tudo isso em vista de do lucro, tem de concluir-se que desenvolveu uma actividade de natureza comercial por referência ao conceito económico de comércio constante no art. 4.º do CIRS.
IV - Não obsta a essa qualificação o facto de a intenção inicial do vendedor dos lotes, quando adquiriu o terreno, ser a de não querer revender, pois o que releva á a decisão de lotear o terreno e a sua concretização mediante a realização no terreno de diversas infra-estruturas urbanísticas e a promoção do processo de loteamento, com o propósito objectivado e obter lucros mediante a venda dos lotes, pois esta actividade com vista à obtenção de lucro, mesmo que seja acidental ou isolada, é que é determinante para a qualificação dos ganhos.
V- Estando em causa nos autos que algumas das compras não têm o seu valor de aquisição contabilizado, tem de considerar-se que isso se tratou de uma opção do impugnante, que tem evidentemente os seus prejuízos em sede de contabilidade, mas que pode não tornas a contabilidade infiável, como concluiu a AT ao decidir-se por operar meras correcções técnicas.
VI- Nesse desiderato, não pode o contribuinte sustentar a aplicabilidade dos métodos indiciários.
VII- Só a administração fiscal pode e deve recorrer às avaliações, quando estas se tomam o único método de calcular a dívida fiscal, quando a liquidação não pode assentar, como sucederá na grande maioria dos casos, nos elementos fornecidos pelo contribuinte.
VIII- É esta natureza da avaliação que impõe alguns dos pressupostos básicos da sua legitimidade, a saber: a avaliação é sempre uma medida excepcional, sendo um método indispensável apenas perante a existência de declarações fraudulentas; o recurso a métodos indiciários constitui sempre uma sanção pela violação, que deverá ter existido, de deveres de cooperação do contribuinte, mormente a violação das obrigações legais acessórias de declaração, de facturação e de escrituração.
IX)- Donde que os métodos actuais de tributação assentam na cooperação dos contribuintes e as leis fiscais estabelecem necessariamente uma complexa descrição das suas obrigações acessórias, as quais têm um carácter instrumental, na medida em que se destinam simultaneamente a permitir o cálculo da dívida do pelo contribuinte e o eventual controlo destas operações pela Administração. Ou seja: o recurso à avaliação tem como pressuposto que a violação deste deveres de cooperação tomam o controlo impossível.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

I.- RELATÓRIO

1.- A......, com os sinais identificadores dos autos, interpôs recurso jurisdicional Da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal, que julgou improcedente a presente impugnação judicial por si deduzida, contra a liquidação de juros compensatórios de IRS, do montante de 6.934.316$00, que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1992, assim concluindo as suas alegações:
I - Os rendimentos a que se refere o lucro tributável reclamado não estão sujeitos a contribuição industrial, por se encontrarem fora da base de incidência do imposto;
II - A mais valias resultantes da venda de cinco lotes de terreno adquiridos em 1985 não estão sujeitos a IRS, uma vez que não foram adquiridos para revenda;
III - Face às disposições legais aplicáveis, e a admitir-se ( o que não se concede ) que o contribuinte deva considerar-se sujeito passivo do imposto pelo exercício da actividade de comerciante, o lucro tributável tem de ser de 2.503.165$00.
Termos em que entende que deverá ser proferido acórdão que julgue procedente por provado o presente recurso e em consequência revogue a sentença recorrida e o consequente acto de liquidação "sub-judice", como é de Justiça.
Não houve contra – alegação.
O EMMP emitiu parecer dizendo que parece “...resultar “sobejamente” ( como se diz na sentença) dos autos que o recorrente é comerciante de facto e que todos os prédios comprados se destinavam a revenda, razão porque não merece qualquer censura.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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1.10 A questão sob recurso, suscitada e delimitada pelas conclusões do Recorrente, é a de saber se a sentença recorrida enferma ou não de erro de julgamento por ter considerado que os ganhos resultantes da venda de lotes de terreno para construção, ainda que o terreno loteado tenha sido comprado com a intenção inicial de os compradores aí erigirem uma vivenda para habitação própria, devem ser qualificados como rendimentos da categoria C para efeitos de tributação em IRS ao invés de, como considerou a AT no acto impugnado e como sustenta o RFP nas suas alegações de recurso, qualificar tais ganhos como rendimentos da categoria G.
Caso o recurso venha a merecer provimento, então haverá que conhecer das demais causas de pedir invocadas na petição inicial e que foram julgadas prejudicadas pela sentença recorrida; a saber: a violação do direito de audiência no procedimento administrativo-tributário que culminou na liquidação impugnada e a errada quantificação da matéria colectável. Ainda nesse caso, haverá que apreciar o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios que foi formulado pela Impugnante.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. DE FACTO

2.1.1 Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
Dos elementos dos autos emerge a seguinte factualidade:
1º.- Em 23/1/96 a Divisão de prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal notificou o impugnante da correcção do rendimento colectável em sede de IRS de 1992.
2°- Esta correcção resultou do acréscimo de rendimentos da categoria C rendimentos de actividade comercial aos declarados pelo contribuinte no ano de 1992.
3°- Em 16/2/96 o impugnante apresentou reclamação ao abrigo do artº 84 do Código de Processo Tributário, para a comissão distrital de revisão.
4°- Esta em reunião de 25/11/97 decidiu manter o valor contestado.
5°- O SAIR procedeu à liquidação adicional de imposto resultante da correcção - liquidação n° 5323345473 de 17/2/97 onde foi apurada a importância de esc: 6.934.316$00 a pagar, sendo esc: 5.007.964$00 de imposto e esc: 1.926.352$00 de juros compensatórios.
6°- A correcção encontra-se fundamentada no relatório do exame á escrita do impugnante, junto a fls. 37.
7°- O impugnante alienou em 1992 8 imóveis, no valor declarado total de esc: 30.050.000$00, tendo gasto na aquisição dos mesmos esc: 15.130.898$00.
8°- O escritório do contribuinte situa-se num prédio construído por ele, e possui ao longo da fachada o reclame: "A......, Empreendimentos".
9°- De 1969 a 1992 o impugnante efectuou as compras descritas nos mapas anexos de fls. 53 a 81, tendo em 1992 efectuado 14 compras de imóveis ou de partes deles, conforme fls. 78 a 81.
10°- De 1988 a 1993 o impugnante efectuou as vendas descritas nos mapas anexos de fls. 82 a 95, tendo em 1992 efectuado 9 vendas de imóveis, conforme fls. 93 e 94.
11°- Em 1989 e 1993 procedeu à constituição de propriedades horizontais descritas nos mapas de fls. 96 a 114.
12°- Em 1987 doou um terreno à C. M. de Almada com vista ao aprovamento de um loteamento.
13- Procedeu ainda às compras e correspondentes vendas constantes do mapa de fls. 116 a 120.
14°- Foi notificado pela inspecção para apresentar os documentos relativos a compras e custos, mas relativamente a parte deles não os apresentou, conforme fls. 121 e 124.
14°- A impugnação foi deduzida em 11/5/98.
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, em especial os discriminados supra.
Não se provaram outros factos.
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 DA LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO

De acordo com a factualidade que foi dada como assente, e tendo em conta as conclusões do recurso que delimitam o respectivo objecto, decorre que a questão a decidir passa por saber se, tendo o Contribuinte procedido à venda de cinco lotes de terreno, devem as compras e vendas ser ou não qualificadas como actos comerciais envolvidas e/ou se a aquisição dos prédios não se destinando a revenda não estão sujeitos a IRS.
A AT discordou do enquadramento jurídico efectuado pelo Impugnante, considerando que aqueles ganhos constituem rendimentos da categoria C - rendimentos comerciais e industriais. Consequentemente, depois de ter procedido à correcção do rendimento colectável declarado, procedeu à liquidação adicional de IRS.
A Contribuinte impugnou judicialmente essa liquidação e viu ser-lhe negada razão pela 1.ª instância, onde foi proferida sentença na qual, recusando-se a tese da Impugnante, foi mantida a liquidação.
Na sentença recorrida considerou-se que:
Nos termos do artº 13.1. do Código Comercial, são comerciantes as pessoas que tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão.
Provado que está que o escritório do contribuinte situa-se num prédio construído por ele, que possui ao longo da fachada o reclame "A......, Empreendimentos", que o impugnante alienou em 1992 8 imóveis, no valor declarado total de esc: 30.050.000$00, tendo gasto na aquisição dos mesmos .esc: 15.130.898$00, que de 1969 a 1992 o impugnante efectuou as compras descritas nos mapas anexos de fls. 53 a 81, tendo em 1992 efectuado 14 compras de imóveis ou de partes deles, conforme fls. 7 X a 81, que de 1988 a 1993 o impugnante efectuou as vendas descritas nos mapas anexos de fls. 82 a 95, tendo em 1992 efectuado 9 vendas de imóveis, conforme fls. 93 e 94, que em 1989 e 1993 procedeu à constituição de propriedades horizontais descritas nos mapas de fls. 96 a 114, que em 1987 doou um terreno à C. M. de Almada com vista ao aprovamento de um loteamento, que procedeu ainda às compras e correspondentes vendas constantes do mapa de fls. 116 a 120, nenhuma outra conclusão se pede retirar senão que o impugnante é comerciante. Diremos mesmo mais: é claramente um comerciante bem sucedido e com grande actividade no ramo imobiliário. Tem-se é esquecido de se colectar como tal.
Sendo o impugnante comerciante, todas as suas compras e vendas presumem-se comerciais por força do art° 2 do Código Comercial.
Logo, está correcta a imputação dos rendimentos na categoria de rendimentos comerciais feita pela inspecção tributária.
Ou seja, está implícito na fundamentação aduzida pela AT e pelo Mº Juiz « a quo» entenderam que os lucros em causa são enquadráveis no art. 4.º, n.º 1, do CIRS, pois aos actos em causa está associado o «intuito “comercial ou industrial”, ou seja, constituirá acto de natureza comercial a venda de mercadoria que foi comprada com o intuito de revender, do mesmo modo que só configurará acto isolado de natureza industrial a venda de bens adquiridos com o intuito de vender após a sua transformação.
A questão a dirimir é, pois, a da qualificação dos ganhos resultantes da venda, no ano de 1992, dos referidos lotes constituídos pelo Impugnante e, para o efeito, iremos louvar-nos no douto Acórdão deste TCA de 26/11/02, tirado no Recurso nº 4048/00, acompanhando de perto e com a devida vénia a sua fundamentação.
Assim, no corpo do art. 4.º, n.º 1, diz-se: «Consideram-se rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial». Nas alíneas do mesmo preceito, que enumeram exemplificativamente actividades comerciais e industriais, encontramos a alínea e) do seguinte teor: «Actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos».
O loteamento de um terreno e a venda, com intuito lucrativo, dos lotes assim constituídos é uma actividade de natureza comercial ou industrial e, por isso, os ganhos resultantes dessa venda, para efeitos de tributação em IRS, enquadram-se nos rendimentos da categoria C. Se alguma dúvida houvesse, ela seria de imediato desfeita face ao teor da citada alínea e) do art. 4.º, n.º 1, do CIRS.
Como se diz no aresto que vimos referindo, é perfeitamente compreensível que o complexo de actos praticados pelo proprietário de um terreno para construção no sentido de proceder ao loteamento de um terreno para construção e à venda dos lotes assim constituídos (designadamente, a realização das infra-estruturas necessárias, a promoção do processo burocrático indispensável à obtenção das licenças requeridas para essa operação e todo o conjunto de diligências necessárias à própria venda dos lotes), com vista à obtenção de lucro, seja qualificada como actividade comercial ou industrial. Na verdade, em toda essa actividade ressalta o seu carácter comercial ou industrial, quer se reporte ao critério económico (ou seja, o de mediação entre a oferta e a procura ou o de incorporação de novas utilidades na matéria, com o objectivo de obtenção de lucros, que parece ser o subjacente ao art. 4.º do CIRS, quer ao critério jurídico.(cfr. TEIXEIRA RIBEIRO, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLI).
Parece-nos, na verdade, que, não decorre da lei a exigência de que a actividade seja exercida com carácter habitual, nada obstando a que os lucros resultantes do exercício, ainda que acidental ou esporádico, de actividade de natureza comercial ou industrial sejam integrados na categoria C.
Isso resulta claramente do disposto na alínea g) o n.º 2 do art. 4.º do CIRS ao considerar como rendimentos comerciais e industriais os «provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias» – e que não permite sustentar que a habitualidade seja requisito necessário para que o exercício de uma determinada actividade de natureza comercial ou industrial seja considerada como tal, para os efeitos do art. 4.º do CIRS.
Já o velho Código da contribuição industrial no seu o art. 1.º estabelecia a incidência «sobre os lucros imputáveis ao exercício, [...] embora acidental, de qualquer actividade de natureza comercial ou industrial».
E decorre do corpo do art. 10.º, n.º 1, do CIRS, que está excluída a possibilidade de constituírem mais-valias os rendimentos comerciais e industriais, o que significa que por força desse preceito os rendimentos da categoria G (mais-valias) para efeitos de tributação em IRS apenas cabem os ganhos inesperados ou fortuitos, aqueles que resultam de valorizações produzidas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, “os ganhos trazidos pelo vento” (windfalls).
Ora e como resulta da análise feita pelo Mº Juiz « a quo», o Impugnante não vendeu o terreno que adquiriu sem qualquer transformação, caso em que os respectivos ganhos haveriam de ser considerados como inesperados ou fortuitos e, por isso, mais-valias para efeitos de tributação em IRS, antes tendo vendido os lotes resultantes da operação de loteamento que efectivou no dito terreno, realizando diversas infra-estruturas, desencadeando o competente processo junto da autarquia local com vista à obtenção das licenças necessárias e desenvolvido as diligências necessárias à venda dos lotes, naturalmente tendo em vista tirar lucro.
Assim, é forçoso concluir que os ganhos resultantes da venda dos lotes de terreno não constituem ganhos inesperados ou fortuitos, independentes da vontade e da acção do Impugnante, mas sim ganhos resultantes de uma actividade empresarial, ainda que não habitual, de uma actividade de transformação de bens com vista à venda, desenvolvida com o fim da obtenção de lucro ou ganho e, por isso, de natureza comercial ou industrial.
Não obsta a essa qualificação o facto de a intenção inicial do vendedor dos lotes, quando adquiriu o terreno, ser a de não querer revender, pois o que releva á a decisão de lotear o terreno e a sua concretização mediante a realização no terreno de diversas infra-estruturas urbanísticas e a promoção do processo de loteamento, com o propósito objectivado e obter lucros mediante a venda dos lotes, pois esta actividade com vista à obtenção de lucro, mesmo que seja acidental ou isolada, é que é determinante para a qualificação dos ganhos.
Assim, não pode a impugnação proceder com o invocado vício de violação de lei.
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Porque a impugnação não pode proceder com fundamento no invocado vício de violação de lei por errada qualificação dos rendimentos em causa, cumpre agora passar à apreciação das demais causas de pedir que foram invocadas na petição inicial:
2.2.2 DA DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL POR MÉTODOS INDICIÁRIOS:
Sustentou também O Impugnante, ainda a título subsidiário, que a liquidação impugnada enferma de ilegalidade derivada do erro na quantificação do lucro tributável, uma vez que para apuramento da mesma, uma vez que não era possível determinar o lucro tributável nos termos do artº 37º do CIRS, devia ser determinado por métodos indiciários de acordo com o disposto, conjugadamente, nos artºs 38º/5 e 52º do CIRS.
É que, argumenta o recorrente no ponto III do corpo alegatório, face às disposições legais aplicáveis e a admitir-se que o contribuinte deva considerar-se s.p. do imposto pelo exercício de actividades comerciais, mostrando-se impossível determinar os custos globais necessários à obtenção dos proveitos presumidos, o recorrente deverá ser tributado no exercício de 1989 em função das percentagens de rentabilidade fiscal fornecidas pelos Serviços de Estatística para o sector de actividade em que se pretende colectar e tributar o reclamante e a que corresponde o CAE 500020.
Como tem vindo a ser afirmado em vários arestos deste TCA (cfr., por todos, o acórdão de 7/5/2002, rec. 3266/00, bem como o ac. de 16/4/2002, rec. 4135/00), na sequência do princípio da declaração no apuramento da matéria tributável que vigora no nosso ordenamento jurídico e que leva a presumir a veracidade dos elementos declarados caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal, excepto se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte (arts. 76° e 78° do CPT), vem o art. 38º e 52º do CIRS permitir que o Chefe da RF proceda à rectificação das declarações quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, embora só lhe seja autorizado proceder à tributação com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou se demonstrar, sem margem para dúvidas, que a contabilidade do sujeito passivo não é merecedora de credibilidade .
Assim, só no caso de a AF demonstrar, sem margem para dúvidas, através do controle efectuado, que a contabilidade do sujeito passivo não é merecedora de credibilidade, por conter omissões, erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, lhe é permitido proceder à tributação com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou.
Todavia, não são quaisquer omissões, erros ou inexactidões que determinam a tributação por estimativas. É necessário que essas irregularidade afectem a credibilidade da contabilidade/escrita do sujeito passivo por, em seu resultado, esta não exprimir a exacta situação patrimonial, inviabilizando a confirmação dos factos e valores declarados, isto é, impedindo o conhecimento das reais operações efectuadas e da exacta matéria tributável do sujeito passivo.
Por esta razão cabe à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação pôr métodos indiciários: demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto a liquidar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, isto e, indicando factos concretos, verificados, donde possa concluir-se. pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto por esse método, o que traduz, ainda, a necessidade de fundamentação substancial ou material do/ acto (caracterizada pela enunciação de motivos concretos aptos a suportar uma decisão legítima de fundo).
Fundamentação esta que, com maior razão, se impõe no caso de recurso a presunções, por não poder haver lugar a qualquer subjectividade, sendo necessário que a AF especifique os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e que indique os critérios utilizados na sua determinação (artºs 38º e 52º do CIRS), fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. E porque a fundamentação dos actos tributários tem de possibilitar um conhecimento concreto da sua motivação (as razões que determinaram o órgão a actuar como actuou, de molde a permitir que um destinatário normalmente diligente, colocado naquela concreta situação, fique em condições de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do acto, de modo a que possa perceber as razões por que se decidiu naquele sentido e não noutro qualquer), a lei impõe a necessidade de fundamentação formal do acto (art. 21° do CPT).
Tal fundamentação deve ser expressa (através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara (permitindo que através dos seus termos se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (possibilitando um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, das razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou) e congruente (de modo a que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão).
Assim e como bem se refere na sentença recorrida, nos termos do art° 84 do CIVA, aplicável ex vi CIRC, aplicam-se métodos indiciários quando se verifique um dos seguintes factos:
a) Inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b) Recusa de exibição <ia contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;
d) Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
Por seu turno, o n° 2 do mesmo artigo estipula que "a aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo".
Donde que não nos merece qualquer censura o fundamentado e decidido na sentença recorrida quanto á inaplicabilidade de tal método no caso concreto, pois, como nela se expendeu:
Nos termos do art° 17 e seguintes do CIRC, o lucro tributável "é constituído pelo resultado líquido do exercício revelado pela contabilidade, acrescido das variações patrimoniais positivas e negativas no período do imposto. Só pôr excepção é lícito recorrer à determinação do lucro tributável por métodos indiciários, que apenas podem ser utilizados quando ficar demonstrado, sem margem para dúvidas, que a contabilidade acusa anomalias e incorrecções e não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos relativos aos proveitos c custos e às outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável. Tais métodos, já existentes no domínio do regime anterior, correspondem a um processo especial de determinação do lucro das empresas, ditado normalmente pela suspeita do fisco, nomeadamente das irregularidades, omissões ou inexactidões praticadas na contabilidade" (Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado Pinto Fernandes, 5a edição, pág. 417).
Refere por seu turno o Ac. do T. C. A. de 22/9/98, in Antologia de Acórdãos do S. T. A. e do T. C. A., II, l, pág. 301. "A avaliação fiscal ou estimativa (recurso a métodos indiciados, ou outras designações para a mesma forma de actuação administrativa) constitui sempre uma última ratio fisci. A administração fiscal só deve recorrer às avaliações, quando estas se tomam o único método de calcular a dívida fiscal, quando a liquidação não pode assentar, como sucederá na grande maioria dos casos, nos elementos fornecidos pelo contribuinte. Ora, é desta natureza da avaliação que necessariamente decorrem alguns dos pressupostos básico da sua legitimidade. O primeiro, é que a avaliação tem o claro recorte de uma medida excepcional. É um método indispensável, mas apenas perante a existência de declarações fraudulentas. O segundo, é que o recurso a métodos indiciários constitui sempre uma sanção pela violação, que deverá ter existido, de deveres de cooperação do contribuinte, sobremaneira a violação das obrigações legais acessórias de declaração, de facturação e de escrituração. Uma vez que os métodos actuais de tributação assentam na cooperação dos contribuintes, as leis fiscais estabelecem necessariamente uma complexa descrição das suas obrigações acessórias. Obrigações estas que têm um carácter instrumental, na medida em que se destinam simultaneamente a permitir o cálculo da dívida do pelo contribuinte e o eventual controlo destas operações pela Administração. O recurso à avaliação tem como pressuposto que a violação deste deveres de cooperação tomam o controlo impossível.”
Ora, nos autos, apenas acontece que algumas das compras não têm o seu valor de aquisição contabilizado. Tratou-se de uma opção do impugnante, que tem evidentemente os seus prejuízos em sede de contabilidade, mas que não toma a contabilidade infiável. É uma opção que tem de ser respeitada, uma vez que desconhecemos n razão pela qual ele preferiu não levar esses custos à contabilidade ou à inspecção, apesar de notificado para o fazer (fls. 121 e 124).
Assim, a impugnação também não pode proceder com tal fundamento.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça .
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Lisboa, 17/12/02
(Gomes Correia)
(Casimiro Gonçalves)
(Cristina Santos )