Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00019/04
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/01/2004
Relator:Valente Torrão
Descritores:LOTEAMENTO DE TERRENO - VENDA DE LOTES
ENQUADRAMENTO DOS GANHOS
IRS
Sumário:1. Tendo o impugnante adquirido um terreno que, posteriormente, dividiu em lotes e vendeu, os ganhos obtidos com essas vendas enquadram-se no artigo 4º, nº 1 alínea e) do CIRS e não no artigo 10º, nº 1 a) do mesmo diploma.

2. Com efeito, a operação de loteamento envolve toda uma componente de actividade comercial, desde obtenção de licenças junto da respectiva Câmara Municipal, a terraplanagens ou outros trabalhos de construção civil, sendo irrelevante que o impugnante não exercesse com habitualidade tal actividade.

3. Só são de enquadrar no citado artigo 10º os ganhos fortuitos resultantes, por exemplo, de uma valorização para a qual o interessado não tenha contribuído, o que não é o caso de realização de um loteamento já que neste caso o mesmo visa a obtenção deliberada de lucro.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. C .., contribuinte fiscal nº , residente , veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação de IRS e juros compensatórios do ano de 1992, no montante de 2.245.266$00, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) O art° 10º, nº 1, e respectivas alíneas do artigo 4º do CIRS, na redacção vigente e aplicável ao ano de 1992, regulam a sujeição a IRS como rendimentos da categoria C unicamente dos lucros derivados do exercício habitual de uma actividade comercial ou industrial e não o exercício esporádico ou pontual de uma qualquer actividade lucrativa.

B) Os ganhos resultantes da venda de lotes de terreno para construção na sequência de loteamento efectuado pelo vendedor só são enquadráveis na categoria C (rendimentos comerciais e industriais), nos termos da alínea e) do n.° 1 do artº 4º do CIRS, se resultarem do exercício habitual dessa actividade.

C) O loteamento de um terreno e os actos impostos no respectivo processo de licenciamento não configuram o exercício de actividade comercial ou industrial, mas tão só a remoção de limites jurídicos à venda fraccionada do terreno

D) Os rendimentos derivados da venda de lotes de terreno para construção por quem tenha procedido ao loteamento fora do exercício habitual de actividade empresarial são enquadráveis na categoria G (mais-valias), por força do disposto na alínea a) do n° 1 do artº 10º do CIRS.

E) A douta sentença sob recurso, ao julgar improcedente a impugnação, por considerar os rendimentos obtidos pela recorrente e seu marido enquadráveis no artº 4°, n° 1, alínea e), do CIRS, na redacção vigente em 1992, interpretou erradamente e violou o estabelecido nesse preceito legal

F) A douta sentença sob recurso, ao não dar como provado que, ao adquirirem o terreno, a recorrente e o seu marido tinham intenção de nele construir uma moradia e que só desistiram desse propósito em virtude de doença superveniente, incorre em erro de julgamento em matéria de facto.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença sob recurso e julgando-se procedente a impugnação.

2. O MºPº pronunciou-se pela improcedência do recurso no seu parecer de fls. 203/204.

3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

4. São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:

1. Em 29/04/93 a aqui impugnante (e seu marido, entretanto falecido), apresentou a declaração mod. 2 de IRS com referência ao ano de 1992, acompanhada com os anexos A, F, G e H;

2. No anexo O fez-se constar a venda de três lotes de terreno para construção urbana, sitos no Lugar de Lavadores, Freguesia de Canidelo, Vila Nova de Gaia, cujo terreno havia sido adquirido em 1985;

3. O valor de realização daqueles 3 lotes atingiu o montante de 6.988.240$00;

4. Após fiscalização levada a cabo pelos SPIT estes processaram o “Mapa de Apuramento” mod. DC- 2, corrigindo o rendimento global declarado pelo sujeito passivo de 6.715.638$00 para 10.320.678$00;

5. Consequentemente o rendimento colectável foi alterado para 7.535.829$00 - cfr. a fundamentação das correcções junta a fls. 59 e segs.-;

6. Tal correcção deu origem à liquidação adicional n° 5323187351, de 97/09/19, no montante de 2.245.266$00, cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 24/11/97;

7. Esta liquidação assentou na falada correcção aos rendimentos declarados, porquanto, “em apreciação de recurso hierárquico apresentado pelo SP em relação ao despacho do Subdirector-Geral da DGCI de 93/07/19, sobre a informação IRS n° 700/93, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais determinou, em 95/11/20, após informação da DSIRS, datada de 95/11/07, que os rendimentos provenientes da alienação de lotes de terreno precedida de operação de loteamento, bem como da venda dos mesmos após construção, são tributados em IRS pela categoria “C”, e) do nº 1 do artº 40º do CIRS”;

8. No apuramento do rendimento colectável operado pela AT foi discriminado o modo como foi apurado o rendimento da categoria “C”, sendo que, para além do mais, foram tidas em conta, na parte proporcional aos lotes vendidos em 1992, (nºs 9, 11 e 12), as despesas referidas provenientes de “Publicidade”, ‘Publicação DR”, “EDP”, “SMG”, “Taxa se Urbanização” e “Obras”, num total de 6.155.801$00- cfr. fls. 60;

9. A impugnante e seu marido adquiriram o terreno referido acima por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Espinho em 24 /07/85, tendo procedido ao seu loteamento;

10. Para a concretização desse loteamento instauraram o competente processo junto da Câmara Municipal de Vila Nova de Caia, procedendo à realização de obras de infra- estruturas;

11. O processo de loteamento atrás mencionado, n° 929/85, foi instruído pelo marido da impugnante através da apresentação do requerimento registado sob o n° 3458, de 04/06/85-fis. 155/156-;

12. O alvará de loteamento, autorizando a constituição de 18 lotes, foi passado em 21/11/88;

13. O marido da impugnante tinha um negócio de peixe, não estando ligado ao ramo do imobiliário;

14. Entretanto foi-lhe diagnosticado um tumor maligno, de que viria a falecer.

5. Em face das conclusões das alegações da recorrente, a única questão a apreciar nos presentes autos é a de saber se os ganhos resultantes da venda, no ano de 1992, de lotes de terreno que a impugnante e seu marido constituíram, devem enquadrar-se no artigo 4º, nº 1 e) ou 10º, nº 1 alínea a), ambos do CIRS.

A decisão recorrida, louvando-se em aresto do STA - Acórdão de 2.7.2003 - Recurso nº 772/03-30 - entendeu que tais rendimentos deveriam enquadrar-se, tal como decidido pela Administração Tributária, no artigo 4º citado.

E isto porque “são considerados rendimentos comerciais e industriais os que podem ser imputados a uma actividade dessa natureza e, nomeadamente, os que provenham de actividades urbanísticas, de exploração de loteamentos e da prestação de serviços conexos, englobando-se neles os provenientes de actos isolados da mesma natureza que não estejam incluídos noutras categorias”.

Não podemos deixar de concordar com este entendimento que tem também sido seguido no Tribunal Central Administrativo.

Com efeito, referiu-se no Acórdão de 20.6.2001 - Recurso nº 4328/2000, que o conceito de comércio para efeitos fiscais é mais amplo do que o conceito jurídico-privado, abarcando toda a actividade, ainda que expressa num único acto, que tenha por fim o lucro.

Por sua vez, escreveu-se ainda nos Acórdãos do mesmo Tribunal, de 26.11.2002 - Recurso nº 4.048/2000 e de 17.12. - Recurso nº 6.804/2002, o seguinte:” ... é perfeitamente compreensível que o complexo de actos praticados pelo proprietário de um terreno para construção no sentido de proceder ao loteamento de um terreno para construção e à venda dos lotes assim constituídos (designadamente, a realização das infra-estruturas necessárias, a promoção do processo burocrático indispensável à obtenção das licenças requeridas para essa operação e todo o conjunto de diligências necessárias à própria venda dos lotes), com vista à obtenção de lucro, seja qualificada como actividade comercial ou industrial. Na verdade, em toda essa actividade ressalta o seu carácter comercial ou industrial, quer se reporte ao critério económico (ou seja, o de mediação entre a oferta e a procura ou o de incorporação de novas utilidades na matéria, com o objectivo de obtenção de lucros, que parece ser o subjacente ao art. 4.º do CIRS, quer ao critério jurídico (cfr. Teixeira Ribeiro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume XLI).

Parece-nos, na verdade, que, não decorre da lei a exigência de que a actividade seja exercida com carácter habitual, nada obstando a que os lucros resultantes do exercício, ainda que acidental ou esporádico, de actividade de natureza comercial ou industrial sejam integrados na categoria C.

Isso resulta claramente do disposto na alínea h) do n.º 2 do artº 4.º do CIRS ao considerar como rendimentos comerciais e industriais os «provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias» - e que não permite sustentar que a habitualidade seja requisito necessário para que o exercício de uma determinada actividade de natureza comercial ou industrial seja considerada como tal, para os efeitos do art. 4.º do CIRS.

Já o velho Código da contribuição industrial no seu o artº 1º estabelecia a incidência «sobre os lucros imputáveis ao exercício, [...] embora acidental, de qualquer actividade de natureza comercial ou industrial».

E decorre do corpo do artº 10º, nº 1, do CIRS, que está excluída a possibilidade de constituírem mais-valias os rendimentos comerciais e industriais, o que significa que por força desse preceito os rendimentos da categoria G (mais-valias) para efeitos de tributação em IRS apenas cabem os ganhos inesperados ou fortuitos, aqueles que resultam de valorizações produzidas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, “os ganhos trazidos pelo vento” (windfalls)”.

E mais adiante:” ... o impugnante não vendeu o terreno que adquiriu sem qualquer transformação, caso em que os respectivos ganhos haveriam de ser considerados como inesperados ou fortuitos e, por isso, mais-valias para efeitos de tributação em IRS, antes tendo vendido os lotes resultantes da operação de loteamento que efectivou no dito terreno, realizando diversas infra-estruturas, desencadeando o competente processo junto da autarquia local com vista à obtenção das licenças necessárias e desenvolvido as diligências necessárias à venda dos lotes, naturalmente tendo em vista tirar lucro.
Assim, é forçoso concluir que os ganhos resultantes da venda dos lotes de terreno não constituem ganhos inesperados ou fortuitos, independentes da vontade e da acção do Impugnante, mas sim ganhos resultantes de uma actividade empresarial, ainda que não habitual, de uma actividade de transformação de bens com vista à venda, desenvolvida com o fim da obtenção de lucro ou ganho e, por isso, de natureza comercial ou industrial.
Não obsta a essa qualificação o facto de a intenção inicial do vendedor dos lotes, quando adquiriu o terreno, ser a de não querer revender, pois o que releva é a decisão de lotear o terreno e a sua concretização mediante a realização no terreno de diversas infra-estruturas urbanísticas e a promoção do processo de loteamento, com o propósito objectivado e obter lucros mediante a venda dos lotes, pois esta actividade com vista à obtenção de lucro, mesmo que seja acidental ou isolada, é que é determinante para a qualificação dos ganhos”.
Perante a clareza do que ficou escrito, não faz sentido a interpretação da recorrente no sentido de que o artigo 4º apenas pretende tributar os ganhos auferidos no exercício da actividade comercial habitual e não meramente ocasional.
Aliás, o artigo 10º, nº 1, a) é claro ao referir que só se enquadram neste preceito os ganhos que não possam ser considerados rendimentos comerciais, industriais, agrícolas, de capitais ou prediais. Deste modo, constituindo os rendimentos em causa nos autos rendimentos derivados de actividade comercial nunca os mesmos poderiam ser enquadrados no citado artigo 10º.

Em face do que ficou dito e sendo certo que era esta a única questão suscitada pela recorrente nas conclusões das suas alegações, improcedem todas as conclusões e, em consequência, o recurso.

6. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e julgando-se a impugnação improcedente.

Custas pela recorrente com cinco UC de taxa de justiça.

Porto, 01 de Julho de 2004
João António Valente Torrão
Moisés Moura Rodrigues
Dulce Manuel Conceição Neto