Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00432/06.0BECBR e 00433/06.9BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÃO BANCÁRIA PELA AT
IMPOSTO SUCESSÓRIO
Sumário:I - Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).
II - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
III - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista dos presentes autos, não tendo sido emitido parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

"AA" NIF 13...58, residente na Avenida ...; "BB", NIF 19...53, residente na Rua ...; "CC" NIF 20...83, residente na Rua ...; e "DD" NIF 20...21, residente na Rua ..., Habilitados nos presentes autos, enquanto herdeiros de "EE", interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 30/11/2010, que julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO JUDICIAL deduzida contra as liquidações adicionais de imposto sobre sucessões e doações, no âmbito do processo de liquidação n.º ...34 instaurado por morte de "RR" (ocorrida em 02/11/1999) [Proc. n.º 432/06.0BECBR] e no âmbito do processo de liquidação n.º ...70 instaurado por morte de "SS" (ocorrida em 22/01/2000) [Proc. n.º 433/06.9BECBR] e respectivos juros compensatórios.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1ª- Os recorrentes impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto porque consideram a mesma incorrectamente julgada;
2ª- A Mmª Magistrada começa por sustentar a sua decisão com base no documento que reproduz na sentença concluindo ter este sido remetido pelo Banco 1... para o Departamento de Investigação e Acção Penal;
3ª- O impugnante impugnou tal documento em sede própria tendo juntado aos autos com o petitório o documento n.º 2 referido no ponto 20 da decisão de facto;
4ª- Deste documento consta que o documento reproduzido na sentença não foi fornecido pelo Banco 1... ao DIAP;
5ª- O documento reproduzido na sentença não tem chancela de autenticação, sem anotações, averbamentos ou algo que indique a sua proveniência;
6ª- Este documento foi arguido de falso pelo impugnante e para tal arguição apresentou o ofício n.º .../175 datado de 17.03.2006;
7ª- Este documento tem aposta a chancela da entidade bancária que o emitiu e está autenticado por notário;
8ª- Estamos perante um confronto entre a força probatória de dois documentos sendo que o segundo ab initio refere que o primeiro não foi fornecido pelo banco ao DIAP;
9ª- Desde logo deverá ser alterada a decisão de facto referida nos pontos 2.2.1. a), b), c) do artigo 16 da decisão da matéria de facto visto o documento referido no ponto 20 provar que tal documento não tendo sido fornecido ao DIAP não podia por este ser remetido à administração fiscal para se tirarem as conclusões constantes do referido ponto 16.
10ª- Diz a Mmª Magistrada que o documento referido no ponto 17º foi remetido pelo Banco 1... ao DIAP, se a administração fiscal diz que o recebeu do DIAP é notório que tendo o Banco 1... negado o seu envio ao DIAP obviamente este Departamento não o podia ter remetido para o serviço de finanças de forma a poder constar no relatório de inspecção.
11ª- Os documentos 2 e 3 referidos na sentença não só não podem ser atendidos para efeitos de prova pelas razões infra indicadas, que se prendem com a violação do dever de sigilo bancário, como também por si só nada provam do que a administração fiscal pretende referir com o documento n.º 1 referido no ponto 2.1. do artigo 16.
12ª- Os documentos referido nos pontos 18º e 19º não podem ser atendidos pelas razões já ditas no ponto anterior e os documentos aí referidos não provam qualquer relação com o documento reproduzido na sentença e constante do ponto 17 da decisão de facto.
13ª- O documento junto com o petitório como documento n.º 2 e constante do ponto 20 é idóneo, suficiente e com valor probatório superior ao referido no ponto 17º da decisão sobre a matéria de facto ilidindo este e tornando-o inútil em termos probatórios.
14ª- A não ter atendido este documento nos termos expostos a Mmª Magistrada ignorou não só a real força probatória do documento referido no ponto 20º da decisão de facto mas também julgou ao arrepio e com manifesta violação do artigo 364º do Código Civil e do artigo 236º deste diploma;
15ª- E, no caso em apreço, o documento referido no ponto 20 da decisão de facto e reproduzido na sentença, impõe por si só uma decisão diversa da que foi proferida pois deveria ter-se dado por provado serem falsos (até prova em contrário a cargo da administração fiscal) os factos dados como provados no ponto 16 da decisão sobre a matéria de facto nos termos do artigo 690-A n.º 1 al. a) e b) do Cód. de Processo Civil.
16ª- E tendo em conta que tal documento reproduzido na sentença foi segundo a Mmª Magistrada remetido do Banco para o DIAP e do DIAP para a Administração Fiscal e por esta tendo sido feita constar do relatório de inspecção, dizemos com segurança que tal não é verdade porque o documento referido no ponto 20 da decisão de facto demonstra tal falsidade, pelo que se requer a este. Tribunal ao abrigo do artigo 712º n.º 1 al b) do Cód. De Proc. Civil a modificação da decisão de facto pois como foi dito constam dos autos elementos de prova que impõem uma decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas nele constantes.
17ª- Como a Mmª Magistrada deu como provado, sem prova produzida, a remessa do documento referido no ponto 20 do Banco para o DIAP e do DIAP para a Administração fiscal violou o disposto no artigo 374º do Código Civil porquanto este normativo impõe a quem apresenta o documento impugnado (o que foi o caso) a prova da veracidade.
18ª- Deverá pois dar-se como provado que o documento reproduzido na sentença não remetido pelo Banco 1... para o DIAP e por conseguinte também o não foi deste Departamento para a Administração Fiscal.
19ª- Sem prescindirmos do alegado - sendo certo que nunca pelo impugnante foram aceites como verdadeiros tais documentos - diremos que ao terem sido agora considerados pela Mm.ª Magistrada, como provas válidas, todos os documentos bancários referidos na sentença, é manifesto que a Mmª Magistrada ignorou a força decorrente do dever de sigilo bancário que os protege.
20ª- E devia oficiosamente conhecer deste impedimento porquanto tais documentos - a serem verdadeiros pois assim os considera a Mmª - só podem valer como prova se na sua obtenção tiverem sido observadas as normas legais tendentes à quebra o sigilo bancário e o não foram como foi demonstrado.
21ª- Tendo sido solicitados pelo DIAP ao banco por ordem do Procurador do processo de inquérito criminal não tinha este magistrado competência para tal estando a sua ordem a solicitar as referidas informações ferida de uma nulidade insanável que se invoca nos termos do artigo 119 e) do Código de Processo Penal;
22ª- De resto tal ordem de solicitação com quebra de sigilo bancário - como é o caso pois tais documentos estavam e continuam a estar à data destas alegações protegidos por tal segredo - só podia ter sido dada pelo Tribunal da Relação.
23ª- Violou a Mmª Magistrada o artigo 32º n.º 8 e 34-°- n.º 4 da Constituição da República Portuguesa bem como o artigo 126º do Código de Processo Penal que diz serem igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, o que é manifestamente o caso pois tais documentos estavam e estão protegidos por sigilo não quebrado na forma legal.
24ª- Não tendo sido quebrado na forma legal podemos estar perante um caso de provas apreciadas pelo Tribunal obtidas à custa da prática de crime de violação de segredo profissional, derivado do Decreto-Lei nº 298/92 de 31 de Dezembro.
25ª- O Produto Financeiro contratado por "RR" foi um seguro de vida com apólice n.º ...04, como o comprova a seguradora na informação que deu sobre o tipo de produto contratado.
26ª- Não considerando assim violou a Mmª Magistrada o artigo 405º do Código civil que faculta às partes o direito de contratarem e aporem nos contratos o conteúdo que entenderem.
27ª- Tendo em conta a informação documentada nos autos ...2/06 já nem se trata de discutir a natureza jurídica do contrato mas de respeitar o que as partes contratantes efectivamente contrataram, o que a Mmª Magistrada não fez violando tal normativo legal.
28ª- O que não se entende, pois várias decisões transitadas em julgado formal e material foram proferidas, considerando tal seguro um seguro de vida, qualificado como um contrato a favor de terceiro, como consta das decisões juntas aos autos, como foi dito ao longo dessas alegações.
29ª- Com tal desrespeito violou a MMª Magistrada o artigo 675ª do Código de Processo Civil pois havendo contradição de decisões deve ser cumprida a passada em julgado em primeiro lugar.
30ª- Ora, tal seguro não faz parte do acervo hereditário, de "RR", e não está sujeito a imposto sucessório como nesta peça foi cabalmente demonstrado.
31ª- Como o não estão todas as importâncias que nestes autos ...2/06 e 433/06 são objecto das liquidações que se pretendem anular;
32ª- Resultando dos autos ter "SS" falecido em .../.../2000, violou a Mmª Magistrada - mesmo pela sua argumentação e com os factos que julgou provados - o disposto no artigo 2031º do Código Civil bem como o artigo 2069º deste diploma legal, porquanto considerando esta Magistrada terem as quantias sujeitas a imposto sucessório saído da conta da "SS" e sobrinho em 17.01.2000 óbvio é que pelo seu próprio argumento nunca poderia haver qualquer liquidação do referido imposto pois tais quantias não existiam na esfera patrimonial da "SS" à data da sua morte, não podendo ser tributadas em sede de imposto sucessório.
33ª- A Mmª Magistrada violou o artigo 21º 33º a Lei n.º 15/2001 de 05 de Junho conjugada com o normativo do artigo 149º da Lei Geral Tributária, que estipulam o prazo de caducidade de quatro anos, porquanto até ao momento nenhuma prova legalmente admitida foi produzida nos autos que pudesse comprovar a omissão de bens às ditas relações de bens apresentadas por óbito de "RR" e "SS".
34ª- Por todas estas razões recorremos a este Tribunal na esperança de que mentes mais lúcidas revoguem a decisão proferida, anulando as liquidações adicionais de imposto sucessório efectuadas pela administração fiscal, em procedência e provimento do presente recurso interposto da decisão proferida nos autos de impugnação 432/06.0BECBR e 433/06.90BECBR, que se requer e espera, como é de JUSTIÇA.”

A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista dos presentes autos.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, designadamente quanto à utilização pela AT de informação bancária.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Dos autos resultam provados os seguintes factos, com interesse para a decisão, tendo em conta as plausíveis soluções de direito:
1) "RR" subscreveu um PPR denominado ..., com a apólice n° ...04, com data de 30/12/1994, pelo prazo de 5 anos;
2) Foi aí acordado que seriam beneficiários em caso de vida a pessoa segura e em caso de morte os herdeiros legais;
3) Foi também acordado um capital garantido no termo de 77 490 271$00;
4) Consta das condições particulares do PPR subscrito o seguinte:
ESTE CONTRATO TEM UMA TAXA GARANTIDA DE 10,40% A CREDITAR NA CONTA POUPANÇA, ENCARGOS DE AQUISIÇÃO DE 5,5%, VALOR ESTE CAPITALIZADO À TAXA GARANTIDA.
FORAM CREDITADOS NA CONTA DO SEGURADO, 2.000.000$00, REFERENTE À REDUÇÃO DOS ENCARGOS DE AQUISIÇÃO.
A TRANSFERÊNCIA OU O RESGATE DESTE CONTRATO, DURANTE A VIGÊNCIA DO PRAZO PREVIAMENTE ACORDADO, IMPLICAM A PERDA DOS DIREITOS AQUI MENCIONADOS, POR PARTE DO SEGURADO.
ESTE CONTRATO DE SEGURO É CONSTITUIDO PELAS PRESENTES CONDIÇÕES PARTICULARES BEM COMO PELAS CONDIÇÕES GERAIS, CONDIÇÕES ESPECIAIS, PELAS DECLARAÇÕES DO SEGURADO NA PROPOSTA DE SEGURO, E TAMBÉM COM BASE NO DECRETO-LEI Nº 205/89 DE 27 DE JUNHO.
5) Por óbito de "RR", NIF 17...82, ocorrido a 02/11/1999, foi apresentada a respectiva relação de bens, datada de 21/07/2000, no serviço de Finanças de ..., por "EE", NIF 13...40, na impossibilidade da sua apresentação pelo único herdeiro legítimo, "SS", irmã do primeiro;
6) O imposto sucessório respectivo foi liquidado no processo n° ...34 em 5/09/2000;
7) A 14/05/2001 o mesmo "EE" veio apresentar uma relação adicional de bens;
8) "SS" faleceu a 22/01/2000;
9) O herdeiro, "EE", apresentou relação de bens datada de 21/07/2000;
10) O imposto sucessório respectivo foi liquidado no Processo n° ...79, a 28/07/2000;
11) A 28/01/2001 foi apresentada relação de bens adicional, que deu origem a liquidação adicional em 4/5/2001;
12) A 20-10-2004 foi apresentada participação crime por Carlos Dinis Antunes, o que levou à instauração do processo n° ....61/04.4TACBR-2C, pendente no DIAP de ...;
13) Em Outubro de 2004 o DIAP solicitou informações ao Banco 1... (ao tempo Banco 2...), as quais foram remetidas para aquele organismo;
14) A 18/07/2005 foi enviada certidão pelo DIAP de ..., sendo solicitado o apuramento da matéria colectável em falta;
15) O Relatório do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ... datado de 20/01/2006, propôs a realização de correcções técnicas motivadas pela detecção da omissão à relação de bens apresentada em 21/07/2000 num total de 215 582 088$10 (€ 107 531,92), do saldo de diversas contas bancárias (conta n° ........-63 do Banco 3... no valor de 129 824 622$00 - € 647 562,48; e conta n° .......66 do Banco 3... no valor de 4 252 962$10 - € 21 213,69), bem como o saldo do PPR referido em 1), com o saldo de 81 504 504$00 - € 406 542,75;
16) Consta do relatório de inspecção supra mencionado, entre o mais, o seguinte:
2. Solicitação de quantificação da matéria tributável, por parte do Departamento de Investigação e Acção Penal, de ... (DIAP)
Nos termos da certidão enviada por este departamento a estes serviços, em 18/7/2005, e no âmbito do Processo n° ....61/04.4TACBR-2C, foi solicitado o apuramento de matéria tributável em falta, no âmbito do imposto sucessório.
De acordo com a dita certidão, e agora confirmado após diligências efectuadas pelos serviços de Inspecção desta Direcção, foram omitidas às 4 relações de bens antes identificadas, as seguintes verbas:
2.1. Conta bancária n° ......-63, em nome de "RR"
a) Conforme Doc. 1 - extracto emitido pelo Banco 3..., agência da Av. ..., e enviado ao DIAP de ..., por solicitação deste (Documento que faz parte do Processo de Inquérito acima referido) -, em 7/01/2000 o montante do saldo da conta bancária n° ........-63, em nome de "RR", no montante de 129.824.622$, foi transferido na totalidade para a conta n° ...24, na mesma agência, titulada por "SS" ou "EE";
b) Por sua vez, conforme Doc. 2, em 17/01/2000, "EE" ordenou a transferência do referido montante para a sua conta pessoal, n°1...23, na mesma agência;
c) No mesmo dia e em acto diferente, vidé Doc. 3, o agora herdeiro único, transferiu o dito montante, mais concretamente 130.000.000$, para aplicações financeiras em off-shore, nas ...;
Pela descrição destes factos fica evidenciado que "EE", por intermédio dos expedientes descritos, subtraiu àquela conta o respectivo saldo, importância sujeita a imposto sucessório, a fim de se eximir ao não pagamento do respectivo imposto, devido por "SS", pela morte de seu irmão, e, depois, pelo próprio "EE" pela morte da sua tia "SS".
Conclui-se assim que tal montante foi omitido às 4 relações de bens anteriormente identificadas.
17) O documento referido no ponto 2.1 al. a) do relatório de inspecção é o seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]

18) O documento referido no ponto 2.1 al. b) do relatório de inspecção respeita a uma ordem de transferência, datada de 17.01.2000 e subscrita por "EE", do saldo de uma conta bancária que tem por titulares "SS" e "EE" para uma outra conta que tem por titular único "EE";
19) O documento referido no ponto 2.1 al. c) do relatório de inspecção respeita à conta de que é titular apenas "EE" e trata-se de uma ordem de investimento em aplicações em ..., subscrita por ele, com data de 17.01.2000;
20) Consta do ofício nº ...75 datado de 17-03-2006, do Banco 1..., dirigido a "EE", o seguinte:
Na sequência do s/ pedido de 02-03-2006, somos a informar V. Exa. de que efectivamente foram solicitados pelo DIAP ao Banco 1... (ao tempo Banco 2...), em Outubro de 2004, informações bancárias sobre o assunto em referência, as quais foram remetidas no mês seguinte para aquele organismo, pelo Departamento com competência para tal no Banco.
Todavia, informamos V. Exa. de que o documento que junta à sua carta em epígrafe, como anexo 1, não foi fornecido pelos n/ serviços àquela entidade, uma vez que, o mesmo não se enquadra no formato utilizado para extractos bancários, quando solicitados e enviados para fins oficiais.
21) "EE" foi notificado da liquidação adicional do imposto sobre as sucessões n° ...34 pelo ofício n° ...71 de 17/04/2006, no valor global de € 443 033,52, respeitante a imposto sobre as sucessões e doações (€ 333 547,65) e juros compensatórios (€ 109 485,87);
22) "EE" foi notificado da liquidação adicional do imposto sobre as sucessões n° ..70 (instaurado por morte de sua tia, "SS"), pelo ofício n° ...70 de 17/04/2006, no valor global de € 309 066,67, respeitante a imposto sobre as sucessões e doações (€ 233 463,03) e juros compensatórios (€ 75 603,64);
23) "EE" faleceu a 11/02/2007;
24) Sucederam-lhe "AA" "BB",, "CC" e "DD", os quais foram habilitados para a presente impugnação.
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III. 2 - FACTOS NÃO PROVADOS:
Todos os restantes, com interesse para a decisão da causa importa destacar os seguintes:
1 - O "extracto" referido em 17) dos factos provados foi forjado por "GG"
2- O "extracto" supra referido é falso.
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III. 3 - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
A convicção do tribunal baseou-se nos elementos admitidos por acordo e confirmados nos diversos documentos, não impugnados pelas partes e que instruem os autos quer do processo nº 432/06.0BECBR quer do processo n° 433/06.9BECBR, apensado àquele, bem como dos documentos que constam do Processo Administrativo.
Especialmente relevantes para o apuramento dos factos foram os documentos de fls. 29, 110 e 111 do processo 432/06.0BECBR e fls. 30, 101 e 102 do processo 433/06.9BECBR, relativas ao PPR - ...; de fls. 16 e segs de ambos os processos, contendo o projecto de correcções e respectiva descrição das conclusões e fundamentação de facto e de direito das correcções à matéria tributável propostas de ambos os processos; e de fls. 72 e 73 do processo 432/06.0BECBR, onde se inclui uma carta do Banco 1... - facto 20) - relativa ao "extracto" referido quer no ponto 17) dos factos provados quer nos factos não provados.
Da mencionada carta da entidade bancária o único ponto que pode dar-se como assente é que o documento supra referido «não se enquadra no formato utilizado para extractos bancários, quando solicitados e enviados para fins oficiais», mas já não pode o Tribunal dar como provado que o documento em questão não tenha sido remetido ao DIAP pela entidade bancária, uma vez que não existe um nexo lógico entre o formato e a remessa ao DIAP; é certo que fica a dúvida de que tenha sido enviado ao DIAP pela entidade bancária já que não tem o formato usualmente utilizado por esta para esses efeitos, mas é uma dúvida, não uma certeza.
Dá-se como não provado que o documento cuja cópia consta do facto 17) do probatório foi forjado ou é falso, uma vez que o único elemento de prova oferecido pelos impugnantes foi a já referenciada carta do Banco 4... cujo conteúdo consta do facto 20), o qual não permite afirmar nem a falsidade do seu conteúdo nem sequer que o mesmo não tenha emitido pelo Banco.”
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2. O Direito
Os Recorrentes começam por questionar a decisão recorrida quanto à matéria de facto ponderada, sendo que os primeiros elementos vertidos nas conclusões das alegações do recurso evidenciam que os Recorrentes, ao longo do seu articulado, discutem a matéria de facto apurada nos autos, reclamando uma outra análise neste domínio.
Porém, como veremos, este tribunal não procederá a qualquer reexame da decisão da matéria de facto, na medida em que a forma como a AT se apropriou da prova que sustenta os factos e as conclusões inspectivas e os elementos constantes do relatório inspectivo, reproduzidos supra, são suficientes para reconhecer razão aos Recorrentes quanto à questão da derrogação do sigilo bancário sem cumprimento dos formalismos legalmente devidos.
Já nas petições de impugnação os Recorrentes alertavam para a circunstância de a informação bancária, em que se sustentaram as correcções da matéria tributável para fins de imposto sucessório, não consubstanciar título válido para fundar as liquidações impugnadas.
Com efeito, independentemente da eventual falsidade de algum documento que serviu de base às correcções e às liquidações, a verdade é que a AT motivou as suas conclusões da inspecção tributária realizada em informação bancária variada que extraiu de certidão enviada pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), de ..., em 18/07/2005, no âmbito do processo de inquérito n.º ....61/04.4TACBR-2C.
Ora, não obstante o circunstancialismo inerente ao processo de inquérito criminal, é partindo da fundamentação do acto tributário que devemos aferir a sua legalidade, sendo notória a utilização de informação bancária pela AT: conta bancária n.º ......-63, em nome de "RR", do Banco 3...; conta bancária da mesma agência da Av. ... n.º 1...23, em nome de "EE"; conta bancária da mesma agência n.º ...24, titulada por "SS" ou "EE"; conta bancária n.º .......66 do Banco 3..., em nome de "RR"; conta bancária n.º ...43, no Banco 5...; Seguro Plano Poupança Reforma constituído no Banco 5...; “pedidos diversos” do Banco 3... de aplicações financeiras nas ....
Nas conclusões 19.ª a 24.ª das alegações do recurso, os Recorrentes evidenciam o seu inconformismo por as liquidações impugnadas terem assentado em elementos obtidos através do levantamento do sigilo bancário, sem que tenham sido observadas as normas legais tendentes à respectiva quebra do sigilo, ferindo de ilegalidade, consequentemente, os actos de liquidação de imposto levados a cabo com base na informação bancária obtida de forma ilegal.
Conforme resulta dos elementos carreados para os autos, toda a informação em causa foi disponibilizada pelo DIAP, que a ela terá tido acesso, por intermédio e sob controlo do Ministério Público de ....
Portanto, a AT fez uso da informação obtida em sede penal, sem antes ter deitado mão ao procedimento previsto no artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT). Recordamos que “caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no artigo 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, (…)” – cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 16/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 099/15.
Com efeito, os elementos bancários que constam dos anexos ao relatório inspectivo foram coligidos no âmbito do referido processo de inquérito n.º ....61/04.4TACBR-2C, conforme evola dos autos e dos processos administrativos apensos.
Impondo-se, assim, desde logo, a questão de saber se a Administração Tributária podia utilizar essa informação bancária, sem respeito pelas normas procedimentais estabelecidas no artigo 63.º - B da LGT, que respeitam à necessidade de uma decisão administrativa, devidamente fundamentada, proferida no âmbito de um procedimento de inspecção e que verifique os pressupostos da derrogação do sigilo bancário, bem como à necessidade da notificação dessa decisão aos visados, de modo a garantir-lhes o direito de reacção contra a mesma, designadamente a possibilidade de suscitar o controlo judicial da respectiva legalidade.
Como adiantámos, sobre esta questão já se pronunciou o STA, no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 16/09/2015, no âmbito do recurso por oposição de acórdãos n.º 099/15, no sentido de que, não obstante a Administração Tributária não estar impedida de utilizar a informação bancária legitimamente obtida no âmbito do processo de inquérito criminal, deverá observar o procedimento previsto no artigo 63.º - B da LGT.
No aresto citado julgou-se o seguinte: “(…) Nesse conspecto, verifica-se a invocada oposição de acórdãos, que ora cumpre dirimir, relativamente à questão das condições em que a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) pode ser utilizada em sede de procedimento tributário. É o que passamos a fazer.
A LGT – enquanto compêndio legislativo que consagra os princípios gerais e as regras fundamentais do sistema fiscal – procurou regular a dialéctica entre o dever de segredo bancário e o exercício das competências da AT, estabelecendo nessa matéria os poderes da Administração e as garantias dos contribuintes. Fá-lo a propósito dos benefícios fiscais (cfr. art. 14.º da LGT), por um lado, e a propósito dos poderes de fiscalização e inspecção da AT (cfr. art. 63.º, n.ºs 1 a 3, 7 e 8, da LGT), por outro lado.
Interessa-nos sobremaneira considerar estes últimos e, de entre eles, as situações em que a AT pode, independentemente de prévia autorização judicial e do consentimento do interessado, proceder à quebra do segredo bancário. Essas situações de acesso administrativo à informação bancária sem dependência do consentimento do contribuinte estão previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT (Para facilitar a exposição, deixámos fora do seu âmbito o acesso aos documentos bancários dos familiares e dos terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, previsto n.º 2 do mesmo artigo. Nesse caso, apesar de a AT ter acesso directo à documentação, a derrogação do sigilo bancário depende da recusa da sua exibição ou de autorização de acesso, exige a audição prévia do familiar ou terceiro e as decisões de acesso são susceptíveis de recurso judicial com efeito suspensivo (cfr. n.º 5 ainda do mesmo artigo).); hoje, são as seguintes:
· Quando existam indícios de prática de crime em matéria tributária;
· Quando se verifiquem indícios de falta de veracidade de declarações ou estejam em falta declarações legalmente exigíveis;
· Quando existam indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados;
· Quando seja necessário verificar a conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos de sujeitos passivos de IRC e de IRS sujeitos ao regime de contabilidade organizada;
· Quando seja necessário controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;
· Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e quando se verifiquem os pressupostos legais para recurso a avaliação indirecta dos rendimentos;
· Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social.
A estas situações acresce ainda aquela em que as informações sejam solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado [cfr. alínea h) do referido n.º 1 do art. 63.º-B, introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015)].
Ou seja, hoje, após um longo processo evolutivo (com avanços e recuos), a derrogação do sigilo bancário é quase a regra (Note-se que, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 37/10, de 2 de Setembro, o n.º 2 do art. 63.º da LGT – que na anterior redacção fazia depender o acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado dependia de autorização judicial – deixou de referir-se ao sigilo bancário, passando a regra a ser a derrogação administrativa.).
A AT pode, em todas as situações acima indicadas aceder aos elementos bancários independentemente do consentimento do interessado, sem necessidade de prévia recusa de exibição ou de autorização de acesso e, inclusive, sem a sua prévia audição nos termos em que a mesma se mostra postulada no art. 60.º da LGT, pois o legislador ordinário na regulamentação do procedimento especial de derrogação do dever do sigilo bancário eliminou essa fase procedimental (Neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 7945/14, que foi confirmado, em sede de recurso por oposição de acórdãos (no qual foi apresentado como acórdão fundamento o proferido pelo mesmo Tribunal em 10 de Julho de 2014, no processo n.º 7606/14) pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 262/15, arestos ainda não publicados no jornal oficial, disponíveis, respectivamente,em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/479b6bc981163ef180257d7a005fe816, http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/2759ac69a780187680257d1d00351331 e http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c149bb24937b6bfb80257e4a004680cd.
No mesmo sentido, também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 1398/14, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/916b684fd665b49e80257dfc00425cbe.).
Cumpre ter presente que são pressupostos da derrogação do sigilo bancário a coberto do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT – com excepção da situação prevista na supra referida alínea h) – que (i) decorra uma acção de fiscalização tributária, que (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo e que (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção.
Quanto ao primeiro pressuposto e como a jurisprudência tem vindo a afirmar reiteradamente, o mesmo decorre da inserção sistemática da regulamentação do sigilo bancário (no art. 63.º, da LGT, que estabelece os princípios gerais em matéria de inspecção) e significa que o levantamento do sigilo bancário não constitui um fim em si mesmo, antes constituindo um procedimento com natureza instrumental, que só pode ocorrer no âmbito de uma acção de fiscalização tributária, delimitado pelo âmbito material e temporal da mesma (…)
O segundo resulta do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, em cujas alíneas se elencam as circunstâncias reveladoras do incumprimento dos deveres dos contribuintes. Note-se, ainda, que os contribuintes estão sujeitos a um dever de cooperação com a AT, nomeadamente quanto à prestação de esclarecimentos sobre a sua situação tributária.
E o terceiro retira-se do n.º 1 do art. 63.º («diligências necessárias ao apuramento da situação tributária») conjugado com o seu art. 55.º (do qual se retira que as diligências de inspecção devem estar subordinadas a critérios de proporcionalidade), ambos da LGT, e com o art. 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) (Também relativamente ao procedimento tributário, em geral, o princípio da proporcionalidade encontra guarida no art. 46.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.). O que significa que a AT apenas deverá socorrer-se deste meio quando não seja possível obter a mesma informação através de outros meios menos intrusivos e que melhor garantam a reserva da vida privada.
Cumpre ainda ter presente que, nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 do mesmo art. 63.º-B, a decisão da AT de derrogação do segredo bancário pela AT (i) está sujeita a fundamentação com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, (ii) é da competência exclusiva do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e (iii) dela cabe recurso judicial com efeito devolutivo (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 63.º-B, págs. 579 a 581, sustentam que o efeito devolutivo prescrito na lei não obsta à possibilidade de o interessado requerer a adopção de uma medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão.), sendo que no caso de procedência do recurso, a AT não poderá utilizar, em circunstância alguma, os elementos de prova obtidos na sequência do acesso à documentação bancária.
Acontece, porém, que os indícios de incumprimento dos deveres dos contribuintes podem resultar de elementos recolhidos em sede de processo criminal, designadamente através da derrogação do sigilo bancário efectuada no inquérito, e cujos elementos tenham sido, por isso, comunicados à AT pela autoridade judicial competente ou de que a AT teve conhecimento através dos seus próprios órgãos, na medida em que, em sede de inquérito originado pela notícia de um crime tributário, os poderes e as funções que o Código de Processo Penal (CPP) atribui aos órgãos de polícia criminal cabem aos órgãos da AT [cfr. art. 40.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT)].
Nessas situações em que no âmbito do inquérito criminal a autoridade judicial competente decidiu quebrar o sigilo bancário, suscita-se a questão de saber se a AT pode utilizar a informação bancária assim obtida, na medida em que ela evidenciar ou indiciar uma situação de eventual fraude ou evasão fiscais e, na afirmativa, em que condições; dito de outro modo, suscita-se a questão de saber se a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF pode ser utilizada em sede de procedimento tributário.
Como ficou já dito, os tribunais tributários têm vindo a afirmar, e bem, que a derrogação do sigilo bancário pela AT não pode ocorrer senão em sede de procedimento de inspecção.
Assim, a AT, não podendo ignorar os elementos bancários do contribuinte relativamente aos quais tenha sido quebrado o sigilo bancário no âmbito do inquérito criminal e de que tenha adquirido legitimamente conhecimento, não pode, sem mais, utilizá-los.
Parafraseando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 515/14 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2103 a 212, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4b456510a9b638e480257d0000366420.), a menos que no processo crime tenha havido julgamento e tenham sido fixados factos que, constantes de decisão transitada em julgado, poderão ser utilizados como prova por parte da AT (cfr. n.º 9 do art. 63.º-B da LGT), no caso de arquivamento do processo-crime os elementos dele constantes apenas poderão ser utilizados pela AT como factos indiciários de uma determinada realidade, eventualmente subsumível à previsão de alguma das alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT. Neste último caso, não só porque o processo criminal não prosseguiu para julgamento e, por isso, não foi facultada ao interessado a possibilidade de aí sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, como também, e decisivamente, porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins próprios deste processo – e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias. Ora, são os diferentes interesses visados pela possibilidade de derrogação do segredo bancário pelas autoridades judiciárias no processo penal e por idêntica possibilidade pela AT que justificam os diferentes procedimentos a seguir num e noutro caso. Tanto mais que a justificação para que aí tenha sido quebrado o segredo pode não valer para justificar a quebra do mesmo segredo para fins tributários.
A utilização desses elementos para fins tributários sempre exigirá que a AT desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no art. 63.º-B da LGT, assegurando ao visado a possibilidade de interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do mesmo artigo) e, assim, garantindo o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais [cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].
Assim, caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.
A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP). (…)”
Aplicando esta jurisprudência ao caso vertente, conclui-se que, não obstante a informação bancária ter sido obtida no âmbito de inquérito criminal, a Administração Tributária, pretendendo utilizar essa informação, não estava dispensada de respeitar o procedimento prescrito no artigo 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo e comunicando aos interessados a decisão fundamentada de derrogação do sigilo, permitindo-lhes, assim, sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
Como emerge do probatório e dos autos, tal procedimento não foi observado no caso em apreço, sendo manifesto que não foi aberto qualquer procedimento de derrogação do sigilo bancário, nos termos do artigo 63.º - B da LGT, com observância das formalidades aí previstas. Por isso, os interessados não podiam reagir através dos meios legalmente previstos nos artigos 146.º-A e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez que os titulares das contas bancárias não foram sequer notificados pela Administração Tributária da respectiva decisão de derrogação do sigilo bancário, conforme imposto legalmente, inviabilizando que dela pudessem recorrer no prazo de dez dias.
Assim sendo, impõe-se concluir que se verifica a invocada ilegalidade, por preterição do procedimento de derrogação do sigilo bancário previsto no artigo 63.º - B da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30/12, aplicável à data, o que inquina os consequentes actos de liquidação impugnados, sendo esta análise suficiente para os eliminar da ordem jurídica, julgando-se prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso.
Salientamos que a informação relevada pela AT acerca do produto financeiro contratado por "RR", através de um contrato de seguro Plano Poupança Reforma constituído no Banco 6... é, também ela, bancária: “Também foi omitido àquelas relações de bens um PPR (Plano Poupança Reforma), constituído no Banco 6... no valor de 77.490.271$ (81.504.504$, considerando os respectivos acréscimos), a favor dos herdeiros legais (Apólice n.º ...16, Banco 5..., antiga numeração da ...), resgatado e creditado na conta n.º ...43, no Banco 5..., em 7/01/2000 – fls. 1 e 2 do Doc. 5.” – cfr. fundamentação constante do relatório inspectivo, onde é notório estarem em causa operações praticadas por instituição de crédito (artigo 63.º-B, n.º 10 da LGT). Portanto, a utilização desta informação bancária pela AT é igualmente ilegal, por preterição do procedimento de derrogação do sigilo bancário previsto no artigo 63.º - B da LGT, na redacção aplicável à data.
Nesta conformidade, reitera-se ser de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando-se as liquidações impugnadas, com as legais consequências; ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no mesmo.

O valor deste processo ascende a €443.033,52 e o do processo apenso também é superior a €275.000,00, preceituando o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
No caso, entendemos que se justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria, não havendo dispensa do pagamento do remanescente, algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

Conclusões/Sumário

I - Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).
II - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
III - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.

IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando-se as liquidações impugnadas, com as legais consequências.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que a Fazenda Pública não contra-alegou.
A conta a realizar a final deverá desconsiderar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

Porto, 02 de Fevereiro de 2023
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares