Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00054/04.0BEPNF
Secção:2ª secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/04/2010
Relator:Francisco Rothes
Descritores:UMA ÚNICA OPOSIÇÃO CONTRA VÁRIAS EXECUÇÕES FISCAIS - FUNDAMENTOS - ILEGITIMIDADE
Sumário:I - Porque a oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona como uma contestação a esta, não pode ser deduzida uma única oposição contra várias execuções fiscais que não se encontram apensadas, antes devendo ser deduzida uma oposição para cada uma dessas execuções fiscais, sob pena de se verificar excepção dilatória, a determinar o indeferimento liminar da petição inicial ou a absolvição da instância, consoante seja verificada em fase liminar ou na sentença (cf. arts. 234.º-A, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.ºs 1 e 2, 495.º e 660.º, n.º 1, todos do CPC).
II - Se a excepção não foi conhecida em 1.ª instância, deve o tribunal de recurso preferir conhecer do mérito da causa, se a isso nada mais obsta, assim privilegiando o conhecimento de fundo, ao invés de proferir uma mera decisão formal, que apenas teria a virtualidade de levar a causa de novo à fase inicial.
III - Estando em cobrança coerciva dívida proveniente de IRS que foi liquidado a ambos os cônjuges na sequência da apresentação de declaração conjunta de rendimentos (quando podiam ter optado pela faculdade concedida pelo n.º 2 do art. 59.º do CIRS) e que, por isso, constam ambos como devedores da certidão de dívida, não pode um deles invocar como fundamento de oposição à execução fiscal a sua falta de responsabilidade pela dívida exequenda com o argumento de que os rendimentos foram auferidos apenas pelo outro e que este não contribuía para os encargos da vida familiar.
IV - Esse fundamento não integra o segundo tipo de ilegitimidade previsto na alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT – que se reporta exclusivamente aos impostos em que a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência – e antes contende com a legalidade concreta da liquidação, motivo por que não serve de fundamento de oposição à execução fiscal
v - Não podem servir de fundamento à oposição à execução fiscal as irregularidades da citação ou da penhora.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 Foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Paredes contra Manuel Jorge e mulher, SÍLVIA (adiante Executada mulher, Oponente ou Recorrida), dois processos de execução fiscal, a que foram apensados outros, para cobrança coerciva de dívidas proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 1994 a 1999.

1.2 A Executada mulher deduziu oposição a essas execuções fiscais (() Sobre a impossibilidade de deduzir uma única oposição contra execuções fiscais que não estejam apensadas, pronunciar-nos-emos adiante.), pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que as julgue extintas quanto a ela com fundamento na sua ilegitimidade substantiva (art. 204.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), uma que vez que não é responsável pelas dívidas exequendas.
Alegou a Oponente, em síntese, que os rendimentos que motivaram as liquidações que deram origem às dívidas exequendas não foram por ela auferidos, mas por seu marido, com quem está casada no regime da separação de bens (() O que não ficou demonstrado. Na verdade, o que se provou foi que o casamento era sob o regime da comunhão de adquiridos e que a separação de bens apenas teve lugar em 2000, por partilha homologada por sentença. ), sendo que o mesmo há mais de dez anos deixou de contribuir para o sustento familiar, pelo que não é a Oponente «responsável pelo pagamento dos débitos que foram originados exclusivamente pelo marido» e que «não foram contraídos em proveito comum do casal nem para ocorrer aos encargos da vida familiar, antes pelo contrário – art.º 1691º CC» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).
Invocou também a Oponente o «vício de forma no procedimento do processo executivo» por a penhora ter sido efectuada três dias depois da citação, «desrespeitando os prazos legais, ao arrepio da lei», e porque a certidão de citação, por um lado, não dava a conhecer os anos a que se referia o IRS em cobrança coerciva e, por outro lado, «não continha quaisquer elementos que dessem a conhecer o porquê da actuação dos Serviços fiscais, havendo completa falta de fundamentação», bem como não explicava «a razão de se ter procedido de imediato à penhora, sem o decurso do prazo legal».

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a oposição procedente e, em consequência, extinguiu a execução fiscal em relação à Oponente. Para tanto, depois de apreciar criticamente a prova produzida, considerou demonstrado que «as dívidas existentes não foram contraídas para proveito da oponente», que «[f]ace ao comportamento do marido […] viu-se obrigada a requerer a separação dos bens existentes», pelo que «a mesma é parte ilegítima na execução» (() Por certo, querendo referir-se à legitimidade substantiva, ou seja, à falta de responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas.).

1.4 A Fazenda Pública recorreu dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. A douta sentença sob recurso julgou a acção procedente por haver entendido que: «Da prova produzida nos autos resulta que não houve da parte do marido da oponente entrega de dinheiro ou outros bens para fazer face aos encargos da vida familiar. O marido da oponente era um indivíduo ausente e desorientado… Assim a mesma é parte ilegítima na execução»;
2. Com a ressalva do devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de facto consistente na insuficiência probatória de que as dívidas não foram contraídas em proveito comum do casal, de acordo com o preceituado no art.º 1691, n.º 1, al. d) do Código Civil;
3. Com efeito, a Administração Fiscal demonstrou os pressupostos da responsabilidade subsidiária da oponente pelas dívidas de IRS, referentes aos anos de 1994 a 1999, no valor global de 54.002,54€, provando que as dívidas de IRS dizem respeito a ambos os cônjuges porque resultam de rendimentos obtidos em proveito comum e declarados pelo casal, tendo os títulos executivos, correspondentes aos anos de 1994 a 1999, aqui controvertidos, sido emitidos em nome da oponente e do cônjuge, cfr. Doc.s 1, 4 a 4.5. e fls. 17 dos autos;
4. Em cumprimento do douto Acórdão de 31-01-2008, foram os autos instruídos com a audição das testemunhas, da qual resultaram testemunhos contraditórios quanto às datas em que o cônjuge vem à casa de morada da família, ou sobre o efectivo exercício de qualquer actividade educativa por parte da oponente, testemunhos consentâneos com o facto de todas terem para com a recorrente uma relação de amizade e reverência, ostentada na subjectividade dos testemunhos prestados em juízo, cfr. constam dos autos por gravação, e se transcreve por excertos em sede do presente recurso;
5. Os testemunhos produzidos deixam cair afirmações que corroboram o facto das dívidas controvertidas haverem sido contraídas em proveito comum do casal, designadamente – A vida em comum; O exercício da actividade educativa por parte da oponente; O Bom estado de conservação da morada de família. – só possível mediante as obras de conservação e manutenção efectuadas por quem exerça a actividade de “construção civil”, facto este que apenas pode ser imputável ao cônjuge da oponente, uma vez que, a manifesta insuficiência dos rendimentos da oponente não podiam de per si garantir a contratação de qualquer outro empreiteiro para o efeito;
6. As testemunhas afirmaram que a recorrente [(() É manifesto o lapso de escrita: queria escrever-se recorrida onde se escreveu recorrente.)] dizia que o cônjuge não comparticipava nas despesas, que o tinham visto no Porto em “Ruas de mau Porte”, sem que para tal tenham vivido em comum com o casal ou sequer estado numa qualquer casa de alterne para afirmar de viva voz que o mesmo frequentava tais locais;
7. Atento o exposto e sendo manifesta a contradição entre os testemunhos prestados em Juízo, impunha-se o reconhecimento da validade dos documentos juntos aos autos porque provados e não contraditados. E, consequentemente, considerar-se a oponente como parte legítima nas execuções controvertidas de acordo com o preceituado no art.º 1695, n.º 1, do Código Civil, atento o facto de não haver sido ilidida a presunção do art.º 1691º, n.º 1, al. d) do Código Civil;
8. Por conseguinte, a sentença a quo não extrai as devidas consequências da responsabilidade solidária entre os cônjuges de IRS, cfr. Art.º 13º, n.º 2, do CIRS, tanto mais que os factos constitutivos das dívidas controvertidas ocorreram antes da separação judicial de bens, responsabilizando assim os bens dos cônjuges.

Nestes termos e em tudo quanto V.ªs Excelências mui doutamente suprirão, se requer o provimento do presente recurso com as legais consequências».

1.6 A Oponente não contra alegou.

1.7 Recebidos neste Tribunal Central Administrativo Norte, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, com a seguinte argumentação:

«[…] a Administração Fiscal produziu prova documental que nos permite concluir, sem qualquer dúvida razoável, no sentido de que as dívidas de IRS, referentes aos anos de 1994 a 1999, são respeitantes a ambos os cônjuges pois resultam de rendimentos comuns que, naturalmente, reverteram em proveito comum do casal e como tal foram expressamente declarados pelo casal.
A prova testemunhal produzida, conforme salienta a Recorrente, é manifestamente insuficiente para infirmar a prova documental constante dos autos, designadamente, as declarações de rendimentos contidas nas declarações de IRS e apresentadas nas finanças pelos respectivos titulares».

1.8 Foi dada vista aos Juízes adjuntos.

1.9 As questões a apreciar e decidir, tal como as configurou a Recorrente (() Cf. arts. 648.º, n.º 3, e 690.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC).), são as de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento
– da matéria de facto alegada com vista a demonstrar que o marido da Oponente não contribuía para as despesas do casal,
– de direito, quando considerou que a Oponente não era responsável pelas dívidas exequendas.

Como procuraremos demonstrar, impõe-se previamente verificar se a Oponente pode questionar a sua responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas e se a factualidade alegada na petição inicial é susceptível de integrar fundamento de oposição à execução fiscal.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

« III – DOS FACTOS

Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:
Contra a ora oponente e seu marido foram instaurados os processos de execução fiscal n.º 184819960100706.8 e aps. e, n.º 184819970100577.4 e aps., por dívidas de IRS, respeitantes a ambos, tendo os títulos executivos, correspondentes aos anos de 1994 a 1999, sido emitidos em nome dos dois.
A oponente é casada com o sujeito passivo Manuel Jorge , no regime de comunhão de adquiridos – cfr. teor de fls. 140 dos autos.
Em 19 de Abril de 1999 requereu a separação de bens – cfr. doc. de fls. 140 a 149 dos autos.
O marido da oponente exerceu a actividade de construção de edifícios de 20-10-1989 até 31-12-2001, data em que cessou a sua actividade, nos termos da alínea a), n.º 1 do art. 33º do CIVA.
A oponente exerceu a actividade de “outras actividades educativas” desde 1 de Junho de 1995 até 31-12-2001.
A ora oponente e o seu marido foram citados para os termos das execuções no dia 13-02-2004 – cfr. docs. de fls. 10 e 11 dos autos.
Em 16 de Fevereiro de 2004 foi levada a cabo pelo Serviço de Finanças de Paredes a penhora do prédio “terreno destinado a construção urbana, com a área de 8.250 m2, tendo em construção uma casa de rés do chão e sótão, com a superfície coberta de 130 m2, inscrito na matriz predial respectiva de Cete sob o art 874, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 615 de Cete” – cfr. doc. de fls. 12 e 13 dos autos.
Os rendimentos auferidos pela oponente e seu marido e despesas foram apresentados nas declarações de IRS, não tendo sido exercida em nenhum desses anos a opção prevista no n.º 2 da citada norma, e indicam o conjunto dos rendimentos, deduções e abatimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, de harmonia com os n.ºs 2 e 3 do art. 14º do CIRS – cfr. informação de fls. 83 dos autos.
No ano de 1994: Apenas o S.P. - A - Manuel Jorge, apresentou rendimentos da categoria A (trabalho dependente) e da categoria B1;
No ano de 1995: Idem, como no ano de 1994. No entanto, foi apresentado pelo S.P. - B - Sílvia , a anexo B, sem qualquer rendimento;
Ano de 1996: Idem, idem;
Ano de 1997: Idem, idem;
Ano de 1998: Apresentaram rendimentos ambos os sujeitos passivos, o A no valor de 98 131,93 euros e o B no valor de 748,20.
Ano de 1999: Conforme os anos de 1995 a 1997 - cfr. doc de de fls. 83 e 85 a 130 dos autos.
O marido da oponente não contribuiu para as despesas do lar - cfr. prova testemunhal.
Gastava o dinheiro que auferia na sua actividade profissional com os amigos e bebedeiras - cfr. prova testemunhal.
A oponente dedica-se ao cultivo da terra para o seu sustento - cfr. prova testemunhal.
O marido da ora oponente não a ajudava em nada - cfr. prova testemunhal.
Passou a fazer viagens para fora e só vinha de quatro em quatro anos - cfr. prova testemunhal.
Era frequentemente visto em ruas do Porto pouco recomendáveis - cfr. prova testemunhal.
A ora oponente vivia do apoio dos amigos, que muitas vezes lhe davam de comer - cfr. prova testemunhal.

B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.».

2.1.2 Ao abrigo dos poderes que nos são concedidos pelo art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, entendemos fixar a matéria de facto pertinente para a decisão a proferir nos seguintes termos, indicando à frente de cada alínea, entre parêntesis, os elementos documentais que comprovam os factos dela constantes:
a) Com referência aos anos de 1994 a 1999, Sílvia e o marido, Manuel Jorge apresentaram declaração conjunta de IRS (cf. informação prestada pelo Serviço de Finanças de Paredes a fls. 83);
b) A AT procedeu à liquidação do IRS que considerou devido relativamente aos anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999, dos montantes de Esc. 879.930$00, 425.298$00, 3.621.885$00. 1.193.117$00, 4.127.596$00 e 695.640$00, a pagar voluntariamente até 2 de Novembro de 1995, 28 de Outubro de 1996, 6 de Novembro de 2000, 6 de Novembro de 2000, 25 de Outubro de 2000 e 2 de Outubro de 2000, tudo respectivamente (cf. as certidões de dívida nos processos de execução fiscal em apenso, bem como cópia das mesmas, de fls. 19 a 24);
c) Na falta de pagamento voluntário dos montantes liquidados, a AT extraiu as certidões de dívidas – uma por cada ano – das quais consta, para além do mais que Manuel Jorge e Sílvia são devedores daqueles montantes (cf. as certidões de dívida nos processos de execução fiscal em apenso, bem como cópia das mesmas, de fls. 19 a 24);
d) Com base nessas certidões o Serviço de Finanças de Paredes instaurou as seguintes execuções fiscais:
d.1) com o n.º 96/100706.8, para cobrança da dívida de IRS do ano de 1994;
d.2) com o n.º 97/100577.4, para cobrança da dívida de IRS do ano de 1995;
d.3) com o n.º 01/100014.4, para cobrança das dívida de IRS dos anos de 1996 e de 1997;
d.4) com o n.º 01/100359.3, para cobrança da dívida de IRS do ano de 1998;
d.5) com o n.º 01/100180.4, para cobrança da dívida de IRS do ano de 1999;
e) O Serviço de Finanças de Paredes apensou ao processo de execução fiscal com o n.º 96/100706.8 o processo de execução fiscal com o n.º 01/100014.4 (cf. os processos de execução fiscal em apenso, bem como o termo de apensação a fls. 8 do processo com o n.º 96/100706.8)
f) O mesmo Serviço de Finanças de Paredes apensou ao processo de execução fiscal com o n.º 97/100577.4 os processos de execução fiscal com os n.ºs 01/100180.9 e 01/100359.3 (cf. os processos de execução fiscal em apenso, bem como o termo de apensação a fls. 5 do processo com o n.º 97/100577.4);
g) Os processos com os n.ºs 96/100706.8 e 97/100577.4 não foram apensados entre si (cf. os processos de execução fiscal em apenso);
h) Em 13 de Fevereiro de 2004, Sílvia assinou as certidões de citação respeitantes aos processos com os n.ºs 96/100706.8 e 97/100577.4 (cf. as certidões de citação a fls. 13 e 9 de cada um desses processos, respectivamente);
i) Em 16 de Fevereiro de 2004, o Serviço de Finanças de Paredes procedeu à penhora de um prédio em cada um dos processos de execução fiscal com os n.ºs 96/100706.8 e 97/100577.4 (cf. os autos de penhora a fls. 11 de cada um desses processos);
j) Em 23 de Fevereiro de 2004, Sílvia fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel a petição inicial que deu origem ao presente processo, pela qual disse vir deduzir oposição às execuções fiscais com os nºs 96/100706.8 e 97/100577.4 (cf. a petição inicial, de fls. 4 a 7, bem como o carimbo de entrada que lhe foi aposto);
k) A Oponente e o seu marido são casados no regime da comunhão de adquiridos (apesar de não se encontrar nos autos certidão do casamento, cf. item 1.º do requerimento de separação de bens, com cópia certificada a fls. 140).

2.1.3 Inexistem outros factos com relevo para a decisão a proferir pois, como procuraremos demonstrar adiante, para a decisão a proferir nos presentes autos, é de todo irrelevante a apreciação de outros factos.

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Instauradas duas execuções fiscais para cobrança de diversas dívidas de IRS com base em certidões emitidas contra Manuel Jorge e mulher, Sílvia , veio esta, na sequência da citação pessoal que lhe foi efectuada em cada um dos processos, apresentar uma petição inicial pela qual disse vir deduzir oposição àquelas execuções fiscais.
Se bem interpretamos a petição inicial, a Oponente considera que não é responsável pelas dívidas exequendas pois, por um lado, os rendimentos que subjazem às liquidações que estão na origem das dívidas exequendas foram auferidos exclusivamente pelo seu marido e, por outro lado, este nunca contribuiu para os encargos da vida familiar. Por isso, pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgue a execução fiscal extinta quanto a ela o fundamento previsto no art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT.
Invocou também a Oponente o «vício de forma no procedimento do processo executivo» por a penhora ter sido efectuada três dias depois da citação, «desrespeitando os prazos legais, ao arrepio da lei», e porque a certidão de citação, por um lado, não dava a conhecer os anos a que se referia o IRS em cobrança coerciva e, por outro lado, «não continha quaisquer elementos que dessem a conhecer o porquê da actuação dos Serviços fiscais, havendo completa falta de fundamentação», bem como não explicava «a razão de se ter procedido de imediato à penhora, sem o decurso do prazo legal». Segundo alega, a consequência da verificação de tais vícios ou irregularidades será a «invalidade dos actos praticados, sendo nulos ou anuláveis».
Como adiantámos já no ponto 1.9, cumpre, antes do mais, verificar se a Oponente pode questionar a sua responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas e se a factualidade alegada na petição inicial, não só a respeitante à responsabilidade, mas também a respeitantes aos alegados vícios ou irregularidades do processo de execução fiscal, é susceptível de integrar fundamento de oposição à execução fiscal.
Ainda antes de verificarmos se a factualidade alegada integra fundamento válido de oposição, entendemos pertinente deixa uma nota quanto ao facto de ter sido apresentada uma única oposição relativamente a duas execuções fiscais que não estão apensadas.

2.2.2 DA IMPOSSIBILIDADE DE DEDUZIR UMA ÚNICA OPOSIÇÃO CONTRA EXECUÇÕES FISCAIS QUE NÃO ESTEJAM APENSADAS
Como resulta da matéria de facto que deixámos registada em 2.1.2, a presente oposição vem deduzida contra duas execuções em que a ora Recorrida figura como Executada, mas que não se encontram apensadas. A nosso ver, não é possível deduzir uma única oposição a duas execuções fiscais que não se encontram apensadas. Vejamos porquê:
Desde logo, por força da natureza da oposição à execução fiscal. Como tem vindo a afirmar a doutrina, «Conquanto a oposição apresente a fisionomia de uma acção, instaurada pela apresentação duma petição inicial, a verdade é que ela funciona como contestação. O seu fim é impugnar a própria execução fiscal; daí o nome de oposição» (() ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, Almedina, 4.ª edição, anotação 2 ao art. 285.º, pág. 603.) e «a oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona na dependência deste como uma contestação à pretensão do exequente» (() JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, II volume, anotação 2 ao art. 203.º, pág. 312, com indicação de jurisprudência.).
Assim, afigura-se-nos insustentável a dedução de uma única oposição contra execuções fiscais que não estejam apensadas. Por certo, ninguém sustentará que possam contestar-se diversas acções que corram separadamente contra o mesmo réu mediante uma única contestação, ainda que instauradas pelo mesmo autor.
Mas, deduzindo a Executada, como deduziu, uma única oposição contra duas execuções fiscais que não se encontram apensadas, qual a consequência desse comportamento processual irregular?
A dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas (situação similar a uma única contestação por que o réu pretendesse defender-se de várias acções que corressem em separado) constitui uma razão obstativa do conhecimento do mérito e, por isso, uma excepção dilatória (() A excepção dilatória, segundo MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 129, consiste na «arguição de quaisquer irregularidades ou vícios de natureza processual que faz obstáculo - se não for sanada, quando a lei o consinta - à apreciação do mérito da causa (bem ou mal fundado na pretensão do autor; procedência ou improcedência da acção) no processo de que se trata ou pelo tribunal onde ela foi proposta».), nos termos do art. 493.º, n.ºs 1 e 2, do CPC; excepção dilatória inominada, porque não consta do elenco meramente exemplificativo do art. 494.º do mesmo Código. Essa excepção, porque evidente, se detectada na fase liminar, determina o indeferimento liminar da oposição, nos termos do art. 234.º-A, n.º 1, sem prejuízo da possibilidade de recurso à faculdade concedida pelo art. 476.º, ambos do CPC. Se não detectada liminarmente, a excepção dilatória deve ser conhecida na sentença, dando origem à absolvição da instância, nos termos do disposto nos arts. 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.ºs 1 e 2, 495.º e 660.º, n.º 1, do CPC.
Há, no entanto, que atentar no disposto no art. 288.º, n.º 3, do CPC, preceito introduzido pela reforma de 1995/1996 (() Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e n.º 180/96, de 25 de Setembro.), que dispõe: «As excepção dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deve ser integralmente favorável a essa parte». Trata-se de «um regime francamente inovador», que surge por razões de «economia processual decorrentes da necessária prevalência das decisões de fundo sobre as de mera forma – ultrapassando os obstáculos a uma verdadeira composição do litígio, fundados numa visão puramente lógico-conceptualista do processo» (() Cf. o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.).
Significa isto que, por força do citado art. 288.º, n.º 3, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo judicial tributário (cf. art. 2.º, alínea e), do CPPT), a verificação de uma excepção dilatória não suprida não conduz inexoravelmente à absolvição da instância: se o pressuposto processual em causa se destinar à tutela do interesse de uma das partes, desde que se não verifique qualquer outra circunstância impeditiva do conhecimento do mérito e se a decisão a proferir dever ser inteiramente favorável à parte em cujo interesse o pressuposto foi estabelecido, o juiz poderá, no momento da apreciação da excepção, conhecer do mérito da causa. Visa-se, assim, assegurar a prevalência dos critérios de justiça material sobre os critérios de justiça formal, tendo sempre presentes também razões de economia processual.
Do que vimos de dizer, resulta que, ainda que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel verificasse a final, quando da prolação da sentença, que se verificava a referida excepção dilatória, ainda assim deveria conhecer, como conheceu, do mérito da oposição, pois entendeu que a oposição era de julgar procedente.
Na verdade, o único motivo susceptível de obstar ao conhecimento do mérito era a irregular dedução de uma única oposição relativamente a duas execuções fiscais que não se encontravam apensadas. Ora, como deixámos já dito, essa irregularidade é uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância.
Poderá, eventualmente, objectar-se que esta excepção se destina à tutela de interesses da Exequente e, assim, porque a decisão de mérito proferida foi desfavorável a esta, a situação sub judice não é subsumível à previsão do n.º 3 do art. 288.º do CPC. Salvo melhor opinião, entendemos que o caso se reveste de contornos particulares que afastam a aparente coerência da objecção que vimos de apresentar. Procurando explicar: à primeira vista, quem poderia sair prejudicado pela oposição a duas execuções fiscais não apensadas mediante uma única petição inicial seria a Exequente (Fazenda Pública), mas, como aliás se pode verificar em concreto através dos autos, não existe qualquer prejuízo para ela; bem pelo contrário, pode até falar-se de alguma economia de meios, uma vez que vê reduzida a actividade processual que lhe é exigida. Entendemos que, no caso, o interesse que é tutelado pela excepção dilatória é o do bom funcionamento da justiça, motivo por que, para fazer funcionar a regra do n.º 3 do art. 288.º do CPC, se não justificaria a exigência de que a excepção se destinasse a tutelar os interesses da Oponente.
Seja como for, não tendo a excepção sido oportunamente verificada pela 1.ª instância, que proferiu sentença em que conheceu do mérito da oposição relativamente a ambas as execuções fiscais, não será agora em sede de recurso jurisdicional que deverá conceder-se relevância à mesma excepção, revogando a sentença e determinando a absolvição da instância da Fazenda Pública, uma vez que nada mais obsta à apreciação do mérito.
Trata-se de uma situação em que os princípios da prevalência da substância sobre a forma, da celeridade e da economia processuais impõem ao Tribunal que, ao invés de nesta fase de recurso jurisdicional se limitar a uma mera decisão de absolvição da instância (que conferiria uma tutela jurisdicional meramente formal e, por isso, meramente circunstancial (() A Recorrida sempre poderia desdobrar a petição inicial em duas, ou seja, apresentar uma oposição para cada uma das execuções fiscais, sendo que essas oposições, desde que apresentadas dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, se considerariam interpostas em tempo (cf. art. 289.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).)), prossiga na apreciação da correcção do julgamento do mérito da causa.
Por isso, ao invés de decretarmos agora a absolvição da instância, passaremos a verificar se a sentença fez ou não correcto julgamento e, antes disso, como deixámos já dito, se a factualidade alegada na petição inicial, quer quanto à não responsabilidade da Executada pelas dívidas exequendas, quer relativamente aos alegados vícios ou irregularidades do processo de execução fiscal, é susceptível de integrar fundamento de oposição à execução fiscal.

2.2.3 DA FALTA DE FUNDAMENTO VÁLIDO PARA A OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
2.2.3.1 As dívidas exequendas são provenientes de IRS dos anos de 1994 a 1999. Com referência a cada um desses anos, a ora Oponente e o seu cônjuge apresentaram declaração conjunta de rendimentos, ou seja, uma única declaração. Note-se que, se estavam separados de facto, não estavam obrigados a fazê-lo, bem podendo qualquer um deles optar pela faculdade que lhes era concedida pelo n.º 2 do art. 59.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) (() Referimo-nos à versão do CIRS em vigor à data dos factos, ou seja, à anterior à revisão efectuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.), de apresentação da declaração em separado.
Apresentando, como apresentaram, declaração conjunta, ambos são sujeitos passivos do IRS, que incide sobre o conjunto dos seus rendimentos, independentemente da titularidade dos mesmos e, inclusive, de algum deles os não auferir (cf. arts. 14.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), e 59.º, n.º 1, do CIRS (() Idem. Hoje, ao art. 14.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), corresponde o art. 13.º, n.ºs 2 e 3, alínea a).)).
Daí que ambos constem como devedores das respectivas certidões de dívida, extraídas pela AT na sequência da falta de pagamento voluntário dos montantes liquidados.
Alegou a Contribuinte que os rendimentos que deram origem às liquidações que estão na base das dívidas exequendas foram auferidos exclusivamente pelo seu marido e que este não contribuiu para os encargos da vida familiar, motivo por que entende que não é responsável pelo pagamento das dívidas exequendas, sendo o seu marido o único responsável pelas mesmas.
Salvo o devido respeito, tal alegação é de todo irrelevante para efeitos de permitir à Oponente eximir-se da responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas, não cuidando sequer de apurar se está ou não provada a factualidade alegada com vista à ilisão da presunção de comunicabilidade da dívida, ao abrigo do art. 1691.º, n.º 1, alínea d), do Código Civil (CC).
Na verdade, ainda que pudesse dar-se como demonstrado que os rendimentos que deram origem às liquidações foram auferidos exclusivamente pelo marido da Oponente e que não foram utilizados em proveito comum do casal, nunca tal prova revelaria para aferir da ilegitimidade da Executada enquanto fundamento de oposição à execução fiscal (() Ilegitimidade substantiva, decorrente da falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda, e que convém não confundir com a legitimidade enquanto pressuposto processual, que decorre do interesse directo em contradizer a pretensão da Exequente (cf. art.26.º, n.º 1, do CPC).). Vejamos:
Na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (() Como anteriormente se dizia na alínea b) do art. 275.º do Código de Processo Tributário e, ainda antes, na alínea b) do art. 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.), artigo em que se enumeram os fundamentos da oposição à execução fiscal, diz-se:

«Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida».

Ou seja, naquela disposição legal, prevêem-se três situações de ilegitimidade da pessoa citada:
1.ª - «não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor», situação em que se enquadram «os casos em que há erro na identidade do citado, sendo a citação efectuada em pessoa que não é aquela contra quem efectivamente é instaurada a execução ou, nos casos de sucessores, não é qualquer das pessoas que devem ser citadas como sucessores do responsável originário»;
2.ª - sendo o devedor que nele figura, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram», situação que «está conexionada com as situações de reversão da execução contra possuidores, fruidores e proprietários, previstas no art. 158.º deste Código [CPPT], podendo esta reversão ser uma consequência do julgamento que se fizer sobre a ilegitimidade referida nesta alínea b)»;
3.ª - «não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida», situação que «tem em vista os casos em que há reversão contra responsáveis subsidiários ou em que a execução é dirigida contra responsáveis solidários, quer directamente quer através de reversão» (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, notas 10 a 14 ao art. 204.º, págs. 331 a 334. ).

No caso sub judice, porque a Oponente consta dos títulos executivos como devedora, está excluída a possibilidade de verificação dos primeiro e terceiro tipos de ilegitimidade.
Ou seja, resta averiguar se os factos articulados pela Oponente como fundamento da sua ilegitimidade, que vimos já se reconduzem à invocação da não comunicabilidade da dívida, se podem subsumir àquele segundo tipo de ilegitimidade, ou seja, ao que decorre do facto de a pessoa citada, embora figurando no título como executada, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram».
Manifestamente, não podem. Como deixámos já dito, a situação prevista naquele segundo tipo de ilegitimidade está relacionada com as situações de reversão previstas no art. 158.º do CPPT. Ou seja, trata-se de situações em que a dívida exequenda se refere a impostos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens e, tendo a execução fiscal sido instaurada contra aquele que constava do título executivo como devedor, se veio a verificar no âmbito da execução fiscal que a dívida respeita a um período em que era possuidor, fruidor ou proprietário dos bens outra pessoa, contra a qual a execução fiscal reverterá nos termos do art. 158.º do CPPT (() Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit, II volume, anotações 12 e 13 ao art. 204.º, pág. 332/333 e anotações 4 a 8 ao art. 158.º, págs. 78 a 82).
Trata-se de uma das excepções à regra geral de que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda. Na verdade, nas referidas situações admite-se que seja questionada a legalidade da liquidação quanto à sua incidência subjectiva, mas essa possibilidade excepcional justifica-se pela «falta de verificação, pela administração tributária, dos pressupostos fácticos do acto de liquidação, relativamente a tributo deste tipo e na constatação de um erro que lhe é imputável», pois, «para proceder à liquidação destes tributos, não é recolhida qualquer informação do contribuinte através de declaração, nem é feita qualquer indagação sobre quem é o real proprietário, fruídos ou possuidor dos bens referidos, antes se efectuando a liquidação a partir do conhecimento da qualidade de proprietário que conste dos registos da administração tributária ou de outros serviços públicos» (() JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 5 ao art. 78.º, pág. 80. ).
Mas, reiteramos, este tipo a ilegitimidade só pode verificar-se quando a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência do tributo em execução, ou seja, apenas pode verificar-se em relação ao Imposto Municipal sobre Imóveis e às extintas Contribuição Autárquica e Contribuição Predial e aos impostos rodoviários cuja incidência tenha a ver com a posse dos veículos (() Neste sentido, entre muitos outros, vide os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
de 27 de Março de 1996 (este do Pleno da Secção), proferido no processo com o n.º 18.075, publicado no Apêndice ao Diário da República de 4 de Dezembro de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1996/32410.pdf), págs. 12 a 16 e com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2e744472fba16afe802568fc0039355a?OpenDocument;
de 24 de Março de 2004, proferido no processo com o n.º 1474/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Março de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32300.pdf), págs. 54 a 60 e com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ac79b755ef44337f80256e690035f995?OpenDocument;
de 15 de Março de 2006, proferido no processo com o n.º 843/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32210.pdf), págs. 388 a 391 e com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e5cbadddb6a7a723802571380043b8cb?OpenDocument.).
Ora, nos autos não está em causa nenhum desses impostos, mas antes o IRS, que foi liquidado à Oponente e ao seu marido, motivo por que ambos constam do título executivo como devedores.
A nosso ver, a Oponente não está a suscitar uma questão de legitimidade por falta de responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas. Está, isso sim, é a pretender, se bem que nunca o afirme expressamente, que o IRS em causa nunca lhe deveria ter sido liquidado a ela. Ou seja, está a questionar a legalidade das liquidações que deram origem àquelas dívidas, quanto à incidência subjectiva do imposto, o que não serve de fundamento de oposição à execução fiscal. Como é sabido e a jurisprudência tem vindo a afirmar inúmeras vezes, tal discussão – da legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda – não pode ter lugar em sede de oposição à execução fiscal, a menos que «a lei não assegure meio judicial de impugnante ou recurso contra o acto de liquidação» (cf. alínea h) do n.º 1 do art. 204.º, do CPPT), o que não é, manifestamente, o caso () Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit, II volume, anotações 3 e 40 ao art. 204.º, págs. 322 e 366, respectivamente. .
Pelo que vimos de dizer, concluímos que os factos que a Oponente alegou com vista a integrar o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, que invocou expressamente, não são susceptíveis de integrar esse fundamento de oposição à execução fiscal ou qualquer outro.
O que significa que a sentença, que decidiu em sentido diverso, não pode manter-se, pelo que, a final, concedendo provimento ao recurso, a revogaremos.
Não cumpre, sequer, ponderar a possibilidade de convolação da oposição à execução fiscal em impugnação judicial (que sempre exigiria a interpretação do pedido no sentido da anulação das liquidações), desde logo porque à data em que a petição inicial deu entrada em juízo – 23 de Fevereiro de 2004 – há muito estava ultrapassado o prazo de noventa dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário (cf. art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Resta-nos, assim, para apreciar, por imposição do disposto no art. 715.º, n.º 2, do CPC, os demais fundamentos invocados pela Oponente na petição inicial.

2.2.3.2 Na petição inicial, para além da já abordada questão da não responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas, a Oponente invocou também como fundamento de oposição à execução fiscal, o «vício de forma no procedimento do processo executivo» por a penhora ter sido efectuada três dias depois da citação, «desrespeitando os prazos legais, ao arrepio da lei», e porque a certidão de citação, por um lado, não dava a conhecer os anos a que se referia o IRS em cobrança coerciva e, por outro lado, «não continha quaisquer elementos que dessem a conhecer o porquê da actuação dos Serviços fiscais, havendo completa falta de fundamentação», bem como não explicava «a razão de se ter procedido de imediato à penhora, sem o decurso do prazo legal».
Antes de entrarmos na apreciação deste fundamento, cumpre referir que dispensamos o cumprimento do n.º 3 do art. 715.º do CPC porque as partes tiveram já oportunidade de sobre a mesma se pronunciarem, uma vez que a questão foi decidida pela 1.ª sentença proferida neste processo e foi incluída no objecto do recurso que dela foi interposto, motivo por que as partes tiveram já oportunidade de sobre ela se pronunciar. Note-se que aquela sentença foi anulada, motivo por que a decisão sobre a questão não transitou em julgado.
Salvo o devido respeito, a factualidade aduzida pela Oponente relativamente a alegadas irregularidades da citação e da penhora, manifestamente, não se integra em qualquer dos fundamentos de oposição à execução fiscal enunciados no art. 204.º do CPPT.
A ter ocorrido alguma irregularidade na citação e na penhora, ela deverá ser suscitada através do meio processual próprio, qual seja o requerimento dirigido à execução fiscal, com possibilidade de sindicar judicialmente eventual decisão desfavorável, mediante a reclamação para o juiz prevista no art. 276.º depois CPPT.
Assim, nunca a oposição poderia proceder com esse fundamento.

2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Porque a oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona como uma contestação a esta, não pode ser deduzida uma única oposição contra várias execuções fiscais que não se encontram apensadas, antes devendo ser deduzida uma oposição para cada uma dessas execuções fiscais, sob pena de se verificar excepção dilatória, a determinar o indeferimento liminar da petição inicial ou a absolvição da instância, consoante seja verificada em fase liminar ou na sentença (cf. arts. 234.º-A, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.ºs 1 e 2, 495.º e 660.º, n.º 1, todos do CPC).
II - Se a excepção não foi conhecida em 1.ª instância, deve o tribunal de recurso preferir conhecer do mérito da causa, se a isso nada mais obsta, assim privilegiando o conhecimento de fundo, ao invés de proferir uma mera decisão formal, que apenas teria a virtualidade de levar a causa de novo à fase inicial.
III - Estando em cobrança coerciva dívida proveniente de IRS que foi liquidado a ambos os cônjuges na sequência da apresentação de declaração conjunta de rendimentos (quando podiam ter optado pela faculdade concedida pelo n.º 2 do art. 59.º do CIRS) e que, por isso, constam ambos como devedores da certidão de dívida, não pode um deles invocar como fundamento de oposição à execução fiscal a sua falta de responsabilidade pela dívida exequenda com o argumento de que os rendimentos foram auferidos apenas pelo outro e que este não contribuía para os encargos da vida familiar.
IV - Esse fundamento não integra o segundo tipo de ilegitimidade previsto na alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT – que se reporta exclusivamente aos impostos em que a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência – e antes contende com a legalidade concreta da liquidação, motivo por que não serve de fundamento de oposição à execução fiscal
V - Não podem servir de fundamento à oposição à execução fiscal as irregularidades da citação ou da penhora.

* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição à execução fiscal.

Custas pela Recorrida, mas apenas em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso.


*

Porto, 4 de Março de 2010


(Francisco Rothes)

(Fonseca Carvalho)

(Moisés Rodrigues)