Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00781/08.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:SISTEMA DE INCENTIVO AO INVESTIMENTO;
RESTITUIÇÃO; PRAZO PRESCRICIONAL;
COBRANÇA ATRAVÉS DE EXECUÇÃO FISCAL;
Sumário:
I- Só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

II – Se a Recorrente se limita a repetir o alegado na p.i., abstraindo-se do que, sobre a questão, foi decidido na sentença recorrida, em termos quer de facto, quer de direito, o recurso carece de objeto, nessa parte.

III - O prazo de prescrição das dívidas por incentivos financeiros atribuídos ao abrigo do Decreto-Lei nº 194/90, de 19 de junho, e cuja pontuação final tenha alterado a que provisoriamente foi atribuída ao projeto, com a consequente obrigação de restituição das importâncias recebidas a esse título, é de 20 anos e conta-se a partir do momento em que esta obrigação se torna exigível (artigos 306º, nº 1, e 309º do CC).

IV – Mesmo que fosse de considerar que a obrigação de restituição dos incentivos foi convertida em obrigação de execução orçamental pelo artigo 34º do Decreto-Lei nº 57/2005, sempre constitui pressuposto de aplicação do Decreto-Lei nº 155/92 que a despesa efetuada pelo Estado (com a concessão do incentivo financeiro) tenha sido realizada no âmbito da gestão corrente dos serviços e organismos da Administração Pública, o que não sucede no caso vertente.

V – Tendo a dívida exequenda sido determinada por ato administrativo, a execução fiscal era e continua a ser o processo adequado para a respetiva cobrança coerciva, sendo que a alteração introduzida pelo artigo 34º do Decreto-Lei nº 57/2005 apenas inova na parte em que atribui à Direção Geral do Tesouro a competência para a emissão da certidão de dívida.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], LDA, foi julgada improcedente a oposição à execução fiscal nº ...59, contra si instaurada para cobrança de €8.717,69, relativo à restituição de apoios concedidos no âmbito do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A - Na presente decisão omitiu-se qualquer consideração sobre a existência da notificação à Recorrente do despacho do SEAF de 12.06.1989, nem se apurou, como decorre do processo instrutor e dos documentos juntos, o que em concreto foi transmitido em 2005 à Recorrente e qual o teor de tal notificação;
B- Não vale como notificação ou conhecimento do acto, a notificação operada à Recorrente para se pronunciar sobre o valor da restituição, quando na notificação para o exercício do direito de audição prévia não consta o teor do acto que fixa a restituição, nem a prova da sua notificação.
C- Com respeito ao regime prescrição, consta das informações oficiais que os benefícios foram concedidos em 1992, pelo que os dois exercícios subsequentes findaram em 31 de Dezembro de 1984, começando a correr o prazo para a fixação final do valor dos benefícios em 1 de Janeiro de 1985. Ora, apesar de nas informações oficiais constar a data de 1989 como sendo a data em que foram concedidos a título definitivo os incentivos, a verdade é que a decisão em causa não produziu efeitos externos, na medida em que não houve comunicação da mesma à Recorrente, correndo assim o tempo livremente desde 1 de Janeiro de 1985 até 12.07.2007, data em que ocorreu a citação para a instância executiva;
D - Com efeito, para que o computo da prescrição tivesse tido lugar após ter sido proferido o despacho, era necessário que no caso concreto a notificação da fixação final nos termos do Art.º [Imagem que aqui se dá por reproduzida]14º do diploma em causa tivesse tido lugar; E neste particular ocorre um erro de raciocínio na sentença em recurso, na medida em que se invoca que o prazo de prescrição teria começado a correr nos 30 dias após ter sido proferido o despacho de concessão definitiva dos incentivos a que se reporta do Art.º 43 ºdo Dec.-Lei n.º194/80, quando, o Art.º 43º do Dec.-Lei não se refere à concessão definitiva dos incentivos, mas à divida decorrente da revogação por incumprimento dos mesmos, o que é uma coisa diversa;
E - Assim, a falta de notificação do despacho em causa, proferido em data que vai para além do termo do segundo exercício após a concessão do incentivo, impede que tivesse ocorrido a alteração, por via da interrupção do prazo de prescrição que teve o seu início em 1 de Janeiro de 1985, prazo que teria que ser considerado nos termos e para efeitos do disposto no Art.º 14º n.º 2 do Dec. Lei n.º 194/80 de 19 de Junho, que determina que deve ser proferido o despacho definitivo no prazo de dois exercícios após a concessão dos incentivos; Com efeito, a fixação, nos termos do Art.º 14º n. 2 não está contemplada ou prevista no Art.0 430 do Dec.-Lei 194/80 dado prova da sua notificação;
F - A certidão remetida para execução não constitui presunção nem prova do valor que foi pago pelo Estado ao abrigo do SIII, nem dispensa o Estado da prova dos valores a que tem direito, nomeadamente, a certidão em causa não dispensa o Estado da prova de que procedeu ao pagamento da bonificação ao banco onde foi contraído o empréstimo, e logo, não dispensa o Estado do prova desse pagamento.
G - A certidão de dívida que serve de base à presente execução não constitui prova do pagamento das bonificações do empréstimo, e muito menos que o Estado tenha dispendido de forma efectiva tal valor, ou seja, que tenha efectivamente efectuado a entrega das bonificações.
H - Da mesma forma, considerando a obrigação legal de conservação de documentos que se extingue no prazo de dez anos na actividade das empresas, a notificação pelo Estado volvidos mais de 20 anos sobre a execução de contrato de incentivos, é de molde a impossibilitar ao Recorrente proceder à apresentação de documentos ou de informação bancária que se encontra destruída, não podendo ser imposto ao Recorrente que faça a prova de tal facto;
I - O atraso na notificação ao Recorrente constitui violação do dever de zelo e integra um acto culposo do Estado, através da administração fiscal para o efeito;
J- Por tal facto, ocorre a inversão do ónus da prova, impondo ao Estado a obrigação de provar que pagou os benefícios ao contribuinte, cuja devolução reclama, prova que o Estado não fez e que não decorre da apresentação da certidão em causa;
L- Pelas razões supra expostas e que por economia aqui se reproduzem, tem aplicação o disposto no Dec.-Lei n.º 155/92 à devolução em causa, na medida em que as disposições legais indicadas supra atribuem à despesa com os incentivos a natureza de despesa corrente e decorrente do regime de execução orçamental, no âmbito da execução orçamental ordinária; Com efeito, não sendo o valor da reposição decorrente do incumprimento previsto no Art.º 43º do Dec.-Lei n.º [Imagem que aqui se dá por reproduzida]194/89, mas apenas do acerto final da valia do projecto nos termos do Art.º 14º n 2 do Dec.-Lei n.º 194/80, insere-se no âmbito da actividade orçamental do Estado nos termos do Dec.-Lei n.º 1 55/92.,
M- No entendimento da Recorrente, no âmbito do Dec.-Lei n.0 194/80 podem ser prefiguradas várias formas de extinção de direitos, por via do decurso do prazo prescricional:
- Numa primeira linha, a extinção do direito a fixar de forma definitiva os benefícios nos termos do Art.o. 1 4º n. 2 do diploma em causa, em que o prazo começa a correr a partir do termo do segundo exercício após a concessão do benefício, sendo que, a declaração da fixação final do beneficio a atribuir é de natureza receptícia, não bastando que se tome a decisão, mas que esta venha a ser transmitida ao destinatário, o que tem que ocorrer no decurso do prazo de prescrição ordinária;
- Numa segunda linha, e fixada definitivamente a bonificação a atribuir, a reposição tem que ser efectuada nos termos do Dec.-Lei n.º 155/92 dentro do prazo de cinco anos, sob pena de prescrição;
- Numa terceira linha, e quando esteja em causa a situação a que se reporta o Art.0 43 0 do Dec.-Lei n.º 194/80 ou seja, as situações de revogação ou caducidade por incumprimento, em que o prazo prescricional é de 20 anos a contar do termo do prazo de 30 dias para proceder à reposição dos montantes revogados por não cumprimento, e que tem uma dimensão manifestamente, penalizadora;
N- A prescrição a que a Recorrente sempre se acolheu é a primeira, ou seja, a que decorre do facto de não ter sido efectuada a notificada da fixação final da bonificação nos termos do Art.o 14º n. 2 do Dec.-Lei n. 194/80 no prazo de vinte anos contados estes desde a data em que a classificação final podia ser atribuída ou seja, desde o dia 1 de Janeiro de 1985 por se tratar do início do ano subsequente ao segundo exercício após o incentivo ser atribuído, dado que, e como consta dos documentos que constam do processo principal, a aprovação foi concedida em 1982, e, os exercícios subsequentes, foram 1983 e 1984; E certo que houve um despacho de fixação final em 1989, mas tal despacho, não foi objecto de notificação, dentro do prazo de vinte anos contados de 1 de Janeiro de 1985;
O- E que não se confunda o facto de o Estado ter pago tarde os Incentivos ( entre 1984 e 1986 ) com alguma eventual impossibilidade de definição da pontuação final de projecto; Uma coisa são os pagamentos que o Estado fez a quem tinha que adiantar os incentivos, e outra, a apreciação e [Imagem que aqui se dá por reproduzida]avaliação do desempenho da empresa e do projecto, ou seja, o acompanhamento da empresa nos dois exercícios económicos após a concessão ou seja, o acompanhamento e avaliação da empresa em 1983 e 1984, dado que, a atribuição e pagamento final decorre da avaliação da empresa e não dos pagamentos realizados à entidade que financiou;
P- O Art.º 34º do Dec.-Lei n.º 57/2005, deve ter-se como manifestamente inconstitucional, por [Imagem que aqui se dá por reproduzida]violação dos Arts.º 13º, 20º e 268º n.º 4 da CRP, na medida em que se atribui força executiva equiparada à força executiva para a cobrança dos tributos e das receitas fiscais para a cobrança de obrigações de natureza contratual, e em especial, em obrigações de natureza contratual em que não está em causa o exercício de poderes públicos, mas antes a atribuição de benefícios de cariz privado e de natureza privada, aos quais é atribuída especial força executiva.
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento, com a consequente procedência da Oposição deduzida, como é de
JUSTIÇA».

1.3. A Recorrida não contra-alegou.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de:
- Nulidade por omissão de pronúncia quanto à existência de notificação do Despacho do SEAF de 12.06.1989 e por não se ter apurado o que em concreto lhe foi transmitido em 2005 e de
- Erro de julgamento relativamente à prescrição da dívida exequenda.
A Recorrente continua, ainda, a sustentar a inconstitucionalidade do artigo 34º do Decreto-Lei nº 57/2005, nos mesmos moldes em que o fez na p.i.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]1) Em 30.03.1982 0 Secretário de Estado do Planeamento proferiu o despacho n.º ..7/82 com o seguinte teor: "(...) SIII - processo no ...7, da empresa "[SCom02...], Lda." - Requerimento de 27.1.81, solicitando os incentivos previstos nos artigos 120 e 130 do Decreto-Lei 194/80 (Regime Geral).
"Nos termos do nº 1 do Artº 41º do D.L. 194/80, determino que sejam concedidos à empresa "[SCom02...], Lda." os incentivos fiscais e financeiros propostos pela Direcção-Geral das Alfândegas e pelo Banco de Portugal” - cfr. fls. 23 e 24 do processo físico.
2) Foram exaradas entre 1 1.06.1984 e 5.09.1986 propostas de liquidação de incentivos financeiros relativamente ao mutuário [SCom02...], Lda. e Mutuante Banco 1... no valor total de € 18.768,74 — cfr. fls. 184 a 193 do processo físico que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
3) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de €54.926,30 respeitante ao ano de 1984 onde está incluído o pagamento no montante de 2.461.835$70 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. — cfr. fls. 326 a 328 do processo físico.
4) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de €22.555,61 respeitante ao ano de 1984 onde está incluído o pagamento no montante de €427.835$60 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. — cfr. fls. 341 a 343 do processo físico.
5) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de €37.140,97 respeitante ao ano de 1985, onde está incluído o pagamento no montante de € 189.602,90 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. — cfr. fls. 345 a 349 do processo físico.
6) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de € 177.807,00 respeitante ao ano de 1985 onde está incluído o pagamento no montante de 199.561$60 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. — cfr. fls. 308 a 316 do processo físico.
7) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de € 16.152,80 respeitante ao ano de 1985 onde está incluído o pagamento no montante de 307.725$50 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. - cfr. fls. 320 a 322 do processo físico.
8) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de €64.952,32 respeitante do ano de 1986 onde está incluído o pagamento no montante de 46.602$50 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. — cfr. fls. 297 a 301 do processo físico.
9) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de €41.411,00 respeitante ao ano de 1986 onde está incluído o pagamento no montante de 120.438$50 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. — cfr. fls. 303 a 306 do processo físico.
10) O Ministério das Finanças do Plano emitiu recibo respeitante ao pagamento ao Banco 1... no montante de €41.899,02 respeitante ao ano de 1986 onde está incluído o pagamento no montante de 9.192$00 relativo à sociedade [SCom02...], Lda. - cfr. fls. 335 a 339 do processo físico.
11) Em 7.07.1986 a Secretaria de Estado do Tesouro dirigiu ao Presidente do Conselho de Gestão do Banco Espírito Santo e Comercial recibo de despesa orçamental no montante total de 13.021.772$00 destinado à liquidação de incentivos financeiros concedidos ao abrigo do SIII, onde se inclui a sociedade [SCom02...], Lda. — cfr. fls. 218 a 221
12) Em 12.06.1989 0 Secretário de Estado do Planeamento proferiu Despacho Definitivo com o seguinte teor: "(...) "Nos termos do artº 14º e do nº 1 do artº 41º do D.L. 194/80, de 19 de Junho, e observado o disposto no n o 1 do artº 430 e no nº 1 do artigo 47º do mesmo diploma conjugado com o disposto no nº 1 da portaria n o 229/86 de 21 de Maio, determino que sejam concedidos definitivamente à empresa "[SCom02...], Lda." os inventivos fiscais e financeiro abaixo indicados de acordo com os seguintes pressupostos: (…)
Incentivos fiscais: (...) Incentivos financeiros, os correspondentes à taxa Básica de Bonificação de 4,05% sujeita às alterações decorrentes do preceituado no nº 4 do arto 13º. (…)"— cfr. fls. 26 e 27 do processo físico.
13) Em 21.06.1989 o Gabinete do Secretário dos Assuntos Fiscais exarou o ofício n.º ...88 dirigido ao Chefe do gabinete do Ministro do Emprego e da Segurança Social, ao Administrador do Banco de Portugal, ao Presidente do Conselho de Gestão do Banco 1... e ao Gerente da Empresa [SCom02...], Lda. nos seguintes termos: “(...)
ASSUNTO: SIII — Processo no ...7, da Empresa [SCom02...], Lda. Conforme o estabelecido no nº 2 do art. 41º do Decreto-lei nº 194/80, junto remeto a V. exa. Fotocópia do despacho proferido pelo Senhor Secretário de estado dos Assuntos Fiscais, por delegação do Senhor Ministro das Finanças, sobre o requerimento da empresa em epígrafe. (...)"— cfr. fls. 25 do processo físico.
14) Em Agosto de 2006 a Direcção-Geral do Tesouro remeteu à sociedade [SCom01...], Lda. ofício com o seguinte teor: "(...) Na sequência do requerimento apresentado por V. Ex a.(s) em Outubro de 2005 (...) informa-se V. Ex. a que por Despacho proferido em 2-08-2006, pela Directora-Geral do Tesouro, em substituição, o mesmo foi objecto de indeferimento, atento os seguintes fundamentos. (...) Após a análise e comprovação dos efeitos do investimento, o Senhor secretário de estado dos assuntos Fiscais, (...) por despacho Definitivo de 12-06-1989, modificou o Despacho provisório, determinando a alteração dos incentivos fiscais e financeiros provisoriamente atribuídos, conforme notificação efectuada a essa empresa a coberto do ofício do gabinete do secretário de estado dos assuntos Fiscais n.º 2488, de 21 de junho de 1989 (Anexo 2). (...) Nestes termos reitera-se a V. Ex. a(s) o pedido de pagamento da quantia de €8.539,87 mediante transferência bancária (...) caso o referido pagamento não se concretize no prazo de 30 dias, esta Direcção-Geral promoverá o accionamento dos mecanismos legais ao seu dispor para a recuperação coerciva deste crédito e respectivos acréscimos legais (...)"— cfr. fls. 11 a 13 e fls. 16 do processo de execução fiscal n. ...59 junto aos autos.
15) O ofício a que se alude em 14) foi recepcionado em 8.08.2006 — cfr. fls. 15 do processo de execução fiscal n. ...59 junto aos autos.
16) A Direção Geral do Tesouro do Ministério das Finanças e da Administração Pública remeteu ao Chefe do Serviço de Finanças ... a certidão de dívida n.º 5/2007 — cfr. fls. 2 a 4 do processo de execução fiscal n.º ...59 junto aos autos.
17) Na sequência da certidão de dívida a que se alude em 16, o Serviço de Finanças ... instaurou em 21.03.2007 o processo de execução fiscal n.º ...59 em nome de [SCom01...], Lda., no montante de €8.717,69 — cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal n.º ...59 junto aos autos.
18) No âmbito do processo de execução fiscal descrito em 17), o Serviço de Finanças ... emitiu em 12.07.2007 certidão de citação - cfr. fls. 18 do processo de execução fiscal n.º ...59 junto aos autos.
Factos não provados
Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos.
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.».

3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, vamos proceder ao seguinte aditamento à factualidade provada:
19) O Despacho aludido em 1) foi proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por delegação do Ministro das Finanças – cfr. fls. 292 dos autos.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da nulidade da sentença
Entende a Recorrente que o Tribunal não se pronunciou sobre a questão atinente ao facto de não constar do probatório a notificação operada à Opoente da decisão proferida em 12.06.1989 e, muito menos, e com respeito à notificação operada para exercício de audição prévia em 2005, o teor da notificação remetida para esse efeiro e o que foi transmitido.
É incontroverso que a nulidade por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», constituindo a sanção ao desrespeito desse preceito legal, razão por que na sentença devem ser conhecidas todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal, com excepção daquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Por conseguinte, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
Não se verifica, assim, nulidade por omissão de pronúncia se o juiz invoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questões que lhe foram colocadas, mesmo que, segundo a sua tese (jurídica ou não jurídica), tivesse cabimento ou fosse justificado o conhecimento dessas questões.
Na verdade, como tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência, quando o tribunal, consciente e fundamentadamente, não toma conhecimento de qualquer questão, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Esta só ocorrerá nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre questão de que devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cfr., entre outros, os acórdãos do STA proferidos em 1/09/2004, em 10/03/2005, em 11/09/2007 e em 19/09/2012, nos processos nº 0868/04, nº 046862, nº 0898/0 e nº 0862/12, respetivamente.
Na situação vertente, a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo começou por analisar se as questões de saber «se a falta de notificação do despacho de concessão definitivo e o despacho de concessão definitiva dos incentivos teria que ter lugar logo que decorridos dois exercícios sobre o início do investimento pode (ou não) ser aqui objeto de apreciação», o que fez nos seguintes termos:
«O CPPT no seu artigo 204.º elenca de forma taxativa os fundamentos que podem servir de fundamento à apresentação de oposição à execução fiscal.
A par prevê a alínea h) do artigo 204.º do CPP T como fundamento da oposição a "Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Com efeito, só é admissível a apreciação, em sede de oposição à execução fiscal, da legalidade em concreto da dívida exequenda quando a lei não assegure ao executado os meios processuais de defesa contra o ato de que deriva a referida dívida.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]Neste sentido, inter allios, Acórdão do TCA Norte de 14.06.2017, rec. n. 0 01452/16.2BEBRG.
Ora, quer a verificação do prazo do despacho de concessão definitiva dos incentivos quer a falta de notificação do despacho de concessão definitivo não têm enquadramento no artigo 204º do CPPT, encontrando, quando muito, previsão legal na alínea h) se não existisse ao dispor da Oponente qualquer outro meio de reação judicial.
Isto porque, claramente a verificação do prazo de despacho de concessão definitiva dos incentivos contende com a legalidade da liquidação e a falta de notificação do despacho de concessão definitivo com a eficácia da mesma.
Ora, sendo a fase executiva, em regra, precedida de uma fase administrativa em que é liquidada a divida que redundou na quantia exequenda controvertida, o interessado, notificado que seja dela, pode impugnar essa mesma liquidação da dívida pelos meios administrativos e contenciosos previstos na lei.
Ora, o meio processual adequado para discutir a legalidade da liquidação do montante a restituir é a acção administrativa especial a intentar a intentar no prazo de 3 meses, nos termos do art. 580/2-b) do CPTA" — cfr. Acórdão do TCA Norte de 28.01.2016, rec. 02069/08.OBEPRT.
Retornando ao caso em apreciação e como resulta vertido no acervo probatório, pontos 12) e 14), após ter sido proferido em 12.06.1989 pelo Secretário de Estado do
Planeamento Despacho Definitivo a determinar que fosse concedido definitivamente à Oponente incentivos fiscais e financeiros, a Direcção-Geral do Tesouro notificou a Oponente em 2005 para proceder ao pagamento do valor a restituir, informando-a do despacho definitivo proferido em 12.06.1989.
Como tal, a Oponente teve conhecimento em 2005 do despacho de concessão definitivo que procedeu à alteração dos incentivos fiscais e financeiros provisoriamente atribuídos e da possível instauração de processo de cobrança findo o prazo de pagamento voluntário, tendo-lhe sido assegurado a possibilidade de deduzir defesa da decisão controvertida.
Assim, e no caso presente a ilegalidade da quantia exequenda não encontra cabimento no que dispõe a h) do n. 0 1 do artigo 204. 0 do CPPT, não podendo aqui ser discutida e apreciada.
(…)» - fim de transcrição.
Portanto, na ótica do Tribunal a quo, as referidas questões contendem com ilegalidade da dívida exequenda e, por isso, apenas poderiam ser apreciadas em processo de oposição se a lei não concedesse à interessada outro meio de reação judicial, o que entendeu não ocorrer, em virtude de a ação administrativa especial ser o meio processual adequado para esse efeito.
Nesta medida, o Tribunal considerou, bem ou mal, que não lhe era lícito conhecer de tais questões, pelo que não ocorre a alegada omissão de pronúncia.
Relativamente à audiência prévia, apenas é alegado no artigo 15º da p.i., em suma, que só com a notificação efetuada para esse efeito, que terá ocorrido em 2005, teve a Opoente conhecimento do Despacho proferido em 1989. Para além disto, nem na p.i. nem em qualquer outro requerimento, designadamente os que apresentou pronunciando-se sobre os documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública, consta qualquer outra alegação a propósito da notificação para audiência prévia.
Por assim ser, não foi, em rigor, suscitada pela ora Recorrente qualquer questão sobre esta notificação, pelo que também não era exigível que o Tribunal de 1ª instância se pronunciasse sobre tal matéria.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.

3.2.2. Dos erros de julgamento
3.2.2.1. Quanto à prova do pagamento dos apoios à Recorrente
Nas conclusões F) a J) a Recorrente alega que, em síntese, que a certidão remetida para execução não constitui presunção nem prova do valor que foi pago pelo Estado ao abrigo do SIII, nem dispensa o Estado da prova dos valores a que tem direito, nomeadamente, a certidão em causa não dispensa o Estado da prova de que procedeu ao pagamento da bonificação ao banco onde foi contraído o empréstimo, e logo, não dispensa o Estado do prova desse pagamento.
Sobre esta questão, considerou o Tribunal a quo o seguinte:
«Como resulta da factualidade assente, ponto 1), entre 11.06.1984 e 5.09.1986 foram exaradas propostas de liquidação de incentivos financeiros tendo como mutuário a aqui Oponente e como mutuante o Banco 1.... A par, o Ministério das Finanças do Plano emitiu recibos respeitantes aos pagamentos ao Banco 1... das bonificações concedidas à Oponente respeitante aos anos de 1984, 1985 e 1986 no montante total de €18.768,69 (cfr. pontos 2) a 10) do acervo probatório). Como tal, resultando comprovado o pagamento por parte do Estado ao Banco 1..., a dívida é exigível improcedendo por esta razão o alegado.».
Na petição inicial, a ora Recorente havia alegado que:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)».
No presente recurso, a Recorrente não impugnou a matéria de facto assente nos referidos pontos 2) a 10) do acervo probatório, nem a conclusão que, em função da mesma, o Tribunal a quo retirou no sentido de que «(…) resulta[…] comprovado o pagamento por parte do Estado ao Banco 1..., (…)».
Com efeito, percorridas as conclusões das alegações de recurso – que balizam o respetivo objeto e definem as questões que devem ser apreciadas em sede recursiva – não se retira qualquer censura à sentença nesta parte, constatando-se, antes, que a Recorrente se limitou a repetir o alegado na p.i., abstraindo-se do que, sobre a questão, foi decidido na sentença recorrida, em termos quer de facto, quer de direito.
Ora, «I- O recurso jurisdicional constitui uma censura à sentença proferida no tribunal "a quo", sendo que por essa razão nele se devem imputar causas de nulidade e de anulação desta.» - cfr. acórdão do STA de 05-07-2001, proferido no recurso nº 10225/00, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/EDB2EEC84CF4314C80256A87004C9688.
Assim, nesta parte, o recurso carece de objeto, por não ser assacado qualquer vício à sentença, pelo que não nos pronunciaremos sobre esta questão.

3.2.2.2. Quanto à prescrição
Sustenta a Recorrente que o prazo prescricional correu «livremente desde 1 de janeiro de 1985 até 12.07.2007, data em que ocorreu a citação para a instância executiva», porquanto «os benefícios foram concedidos em 1982, pelo que os dois exercícios subsequentes findaram em 31 de Dezembro de 1984, começando a correr o prazo para a fixação final do valor dos benefícios em 1 de Janeiro de 1985.».
Não o entendeu assim a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, considerando, antes, que, no caso dos «(…) autos, não resulta comprovada a data da notificação do Despacho Definitivo proferido em 12.06.1989 que modificou o despacho provisório e determinou a alteração dos benefícios fiscais e financeiros provisoriamente atribuídos. // Aliás, a Oponente vem alegar que nunca foi notificada de tal despacho, tendo tido conhecimento dele somente em 2005 com a notificação para o exercício do direito de audição prévia (cf. artigo 13º e 15º da petição inicial. // Assim, contando o prazo de prescrição de 20 anos a partir do momento em que a Oponente teve conhecimento do Despacho Definitivo (2005), por ter sido esse o momento em que o direito começou a poder ser exercido, ainda não decorreu tal prazo, (…)».
De acordo com o nº 3, do artigo 43º, do Decreto-Lei nº 194/80, «3 - O não cumprimento dos objectivos e condições a que aludem os números anteriores implicará, além da caducidade de todos os benefícios concedidos à empresa promotora, a obrigação de, no prazo de trinta dias a contar da respectiva notificação:
a) Restituir as importâncias correspondentes aos benefícios financeiros já recebidos, acrescidas de juros calculados à taxa aplicável a operações activas de prazo correspondente;
b) Pagar as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano, contado da data da transmissão, no caso da sisa, e do dia imediato ao último do respectivo prazo de cobrança à boca do cofre em que normalmente devia ser efectuado o pagamento dos outros impostos, até à data daquela notificação, procedendo-se, na falta de pagamento dentro daquele prazo de trinta dias, ao débito ao tesoureiro da Fazenda Pública para cobrança, com juros de mora, nos sessenta dias seguintes, findos os quais haverá lugar a procedimento executivo.».
A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores é uniforme e constante no sentido de que o prazo prescricional apliável às dívidas em causa é de 20 anos, cujo termo inicial ocorre com a notificação do devedor do “Despacho Definitivo” - cfr. Acórdãos do STA de:
- 23/01/2013, proferido no processo nº 0807/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f2c539b2cf6495080257b16005454ec?OpenDocument;
- 06/08/2014, proferido no processo nº 0807/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d0c77099ecb8739c80257d31003a28e2?OpenDocument&ExpandSection=1, e demais jurisprudência ali citada;
- 20/03/2019, proferido no processo nº 2340/07.9BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4d3e79bc4f56e8be802583cc005bd64e?OpenDocument&ExpandSection=1;
- 17/02/2021, proferido no processo, 0981/09.9BEAVR, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9e9ed710be84106480258681005a1fed?OpenDocument&ExpandSection=1.
Entende a Recorrente que, em face do teor do artigo 14º do Decreto-Lei nº 194/80, de 19/06, a decisão sobre a concessão definitiva tinha que ser tomada assim que decorridos dois exercícios, sendo que o prazo para aquela decisão deveria ser o da prescrição ordinária de 20 anos. Constando das informações juntas aos autos que os benefícios foram concedidos em 1982, os dois exercícios subsequentes terminaram em 31.12.1984, começando o prazo a correr em 1 de janeiro de 1985.
Labora, no entanto, em erro, porquanto o nº 2 daquele artigo 14º prevê que «2 - Decorrido um período máximo de dois exercícios económicos completos, após o termo da fase de investimento do projecto, os efeitos previstos deverão ser comprovados, e, em função destes, será atribuída a pontuação definitiva.» (destcado da nossa autoria). Ou seja, desde logo, os dois exercícios económicos completos contam-se, não da concessão dos incentivos financeiros, mas do termo da fase de investimento do projeto.
Sucede que nem a Recorrente alguma vez alegou (e provou), nem resulta dos autos, a duração da fase de investimento do seu projeto.
Defende, ainda, a Recorente que o nº 3 do artigo 43º do Decreto-Lei em referência só respeita a dívidas decorrentes do não cumprimento dos objetivos e condições e consequente revogação do benefício – o que não é o caso dos autos, que apenas versa sobre o ajuste, nos termos do artigo 14º, o qual não está contemplado no artigo 43º, não podendo fazer-se uma interpretação extensiva deste artigo.
É incontroverso que a dívida exequenda decorre da correção efetuada aos incentivos provisoriamente concedidos à Recorrente, nos termos do artigo 14º daquele Decreto-Lei. O nº 3 deste artigo estatuia que «3 - Sempre que a pontuação definitiva comprovada para o projecto se afastar da pontuação provisória, deverão ser efectuadas as necessárias correcções relativamente aos incentivos a que a empresa tem direito.».
Ora, os nºs 2 e o corpo do 3, do artigo 43º, do diploma em referência, expressavam que «2 - A verificação do disposto no número anterior, bem como de todas as condições de aplicação do presente diploma, competirá a cada uma das entidades que hajam procedido à apreciação do processo, as quais poderão, para o efeito, solicitar as informações e elementos de prova que considerarem indispensáveis no seu campo específico de actuação.» e que « 3 - O não cumprimento dos objectivos e condições a que aludem os números anteriores implicará, além da caducidade de todos os benefícios concedidos à empresa promotora, a obrigação de, no prazo de trinta dias a contar da respectiva notificação: a) Restituir as importâncias correspondentes aos benefícios financeiros já recebidos, acrescidas de juros calculados à taxa aplicável a operações activas de prazo correspondente; (…)» - o destacado é da nossa autoria.
A nosso ver, a letra do nº 2, acabado de transcrever, abrange todas as condições de aplicação do diploma, incluindo as previstas para a concessão dos benefícios nele consagrados. Ora, a alteração das pontuações no “Despacho Definitivo” e, consequentemente, dos benefícios a conceder ao promotor, decorrerá sempre da inverificação das condições legalmente previstas que subjazeram ao Despacho Provisório. Nesta perspetiva das coisas, que se nos afigura a correta, as situações de “ajuste das pontuações” também estão abrangidas na previsão normativa do mencionado artigo 43º.
A ser assim, o nº 3 do artigo 43º deve ser aplicado com as devidas adaptações, significando isto que, nas situações de “ajuste de pontuações”, a obrigação a empresa promotora se restringirá à restituição das importâncias correspondentes aos benefícios financeiros já recebidos indevidamente.
No que respeita à aplicabilidade do Decreto-Lei nº 155/92 de 28/07 e respetivo prazo prescricional de 5 anos à situação vertente, não podemos deixar de acompanhar a jurisprudência uniforme e constante do STA sobre esta matéria, fixada, designadamente, no seu acórdão de 20-03-2019, proferido no processo nº 02340/07.9BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4d3e79bc4f56e8be802583cc005bd64e?OpenDocument&ExpandSection=1, segundo o qual «O art.º 40.º invocado pela recorrente como contendo o prazo de prescrição de cinco anos insere-se na divisão I do referido diploma pelo que a reposição de quantias ali referidas se reporta àquelas que foram concedidas no âmbito da gestão corrente dos serviços e organismos da Administração Pública, definida esta pela prática de todos os actos que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições, sem prejuízo dos poderes de direcção, supervisão e inspecção do ministro competente. Fora da gestão corrente ficam as opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos, nomeadamente a aprovação de planos e programas e a assunção de encargos que ultrapassem a sua normal execução e os actos de montante ou natureza excepcionais, os quais serão anualmente determinados no decreto-lei de execução orçamental, art.º 4.º do DL 155/92, de 28 de Julho.
Ora os incentivos fiscais e financeiros recebidos pela recorrente através do sistema SIIl, (…), nada têm de receita concedida na sequência de actos de gestão corrente de qualquer serviço ou organismo da Administração Pública assumindo-se como "despesas de capital" do Estado para fomentar o desenvolvimento económico do país.
Com efeito, enquanto que as despesas correntes reflectem genericamente os gastos em bens e serviços consumidos dentro do ano corrente, com vista à satisfação de compromissos e necessidades sociais e colectivas e na despesa pública nacional desagregam-se em despesas com pessoal, aquisição de bens não duradouros, transferências correntes e juros da dívida pública, os subsídios ao investimento como são os incentivos de que beneficiou a recorrente são transferências de capital que a par de outras transferências de capital, das despesas de investimento: formação bruta de capital e aquisições líquidas de cessões de activos não financeiros não produzidos e das aquisições de activos passivos financeiros integram, na contabilidade pública, o conceito de despesa de capital.
Todos os subsídios ao investimento carecem de uma transferência de meios financeiros do Estado para o beneficiário de modo directo ou indirecto e não deixam, por isso, de ser despesas de capital porque essa transferência de meios financeiros não é uma das despesas correntes do orçamento de estado.
Nestes termos, o DL 155/92 não é aplicável à presente situação, nomeadamente no que concerne ao estabelecimento de um prazo de prescrição de cinco anos da dívida exequenda.» - o destacado é da nossa autoria.
Assim, mesmo aceitando a tese da Recorrente de que, pelo artigo 34º do Decreto-Lei nº 57/2005, a obrigação de restituição dos incentivos foi convertida em obrigação de execução orçamental, não pode ser desconsiderado o pressuposto de aplicação do Decreto-Lei nº 155/92 de a despesa efetuada pelo Estado (com a concessão do incentivo financeiro) ter sido realizada no âmbito da gestão corrente dos serviços e organismos da Administração Pública – o que não sucedeu no caso em análise.
Isto posto, forçoso é concluir que o artigo 43º é aplicável à situação dos autos sendo, ainda, de considerar que o prazo prescricional da dívida exequenda é de 20 anos que, quer se iniciasse em junho de 1989 quer em 2005, apenas se completaria em junho de 2009 ou em 2025. Em qualquer dos casos, antes de o prazo de prescrição se completar, sempre teria ocorrido a respetiva interrupção em 12.07.2007, com a citação da Recorrente para a execução fiscal.
Não pode, pois, proceder o recurso nesta parte.

3.2.2.2. Quanto à inconstitucionalidade do artigo 34º do Decreto-lei nº 57/2005
Finalmente, a Recorrente invoca a insconstitucionalidade do artigo 34º do Decreto-lei nº 57/2005, por violação dos artigos 13º, 20º e 268º, nº 4 da CRP, na medida em que atribui força executiva equiparada à força executiva para a cobrança dos tributos e das receitas fiscais para a cobrança de obrigações de natureza contratual.
Quanto a esta questão, considerou a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo o seguinte:
«O artigo 34.º do Decreto-lei respeitante à recuperação de créditos concedidos no âmbito do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento estabelece que "A recuperação dos créditos decorrentes dos incentivos financeiros concedidos ao abrigo do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento (SIII), instituído pelo Decreto-Lei n.º 194/80 de 19 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 132/83, de 18 de Março, pode ser efectuada por meio do processo de execução fiscal nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, constituindo a certidão de dívida emitida pela Direcção-Geral do Tesouro título executivo para esse efeito”
O princípio da igualdade encontra-se consagrado como princípio fundamental no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), e vem exemplificadamente imposto em determinados aspectos enunciados na Lei fundamental.
O núcleo essencial do princípio da igualdade mais não é do que o conjunto de índices expressamente previstos na Constituição como proibitivos da desigualdade.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]Acresce que a igualdade é sempre relativa, estabelecendo-se a igualdade por meio de um juízo de comparação, através do confronto dessas duas realidades ou situações à luz de um critério distintivo ou tertium comparationis, decorrente de uma das suas características.
Com efeito e como decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão de 10.04.1996 n.º 563/96 relativamente ao princípio da igualdade, "o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)", considerando que "O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, «razoável, racional e objectivamente fundadas», sob pena de, assim não sucedendo, «estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes», no ponderar do citado Acórdão n.º 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, p. 299). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminando o arbítrio (cf., a este propósito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, p. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, p. 425, e o Acórdão n.º 330/93)."
No caso presente a Oponente não logra enunciar e/ou demonstrar que situações iguais tenham sido tratadas de forma diferente quando comparadas com o presente caso, isto porque a violação do princípio da igualdade há-de ocorrer quando, em situações exactamente iguais tenha sido dado tratamento distinto.
Ademais, na concessão de benefícios e incentivos fiscais verifica-se o exercício de poderes públicos uma vez que o Estado intervém na concessão tais benefícios.
Daqui se conclui que as bonificações que a Direcção-Geral do Tesouro despendeu revestem a natureza de dívida ao Estado.
Constituindo garantias dos créditos do Estado, além de outras previstas na lei, a sua cobrança coerciva ocorre no âmbito de processo de execução fiscal e cai no âmbito da execução fiscal, nos termos dos do que dispunha à data o artigo 32.º e artigo 233.º, n.º 2, alínea a) do CPT.
Nesta medida, não se afigura existir qualquer violação ao princípio da igualdade.
O artigo 20.º da CRP relativamente ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva estatui que "1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos 2. Todos têm direito nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos", estabelecendo ainda o n.º 4 do artigo 268.º da CRP que "É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas"
Ora, no que a este princípio respeita, não se vislumbra em que medida o facto de se ter atribuído execução prévia à cobrança dos montantes a restituir em sede de concessão de incentivos e benefícios fiscais e ou impediu a Oponente de aceder ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Com efeito, com a interposição dos presentes autos a Oponente exerceu o direito que lhe assistia não tendo sido coarctado o seu direito de defesa.» - fim de transcrição.
Nas suas alegações de recurso, concretiza a Recorrente que ao estebelecer a cobrança coerciva de uma dívida de natureza contratual através da execução fiscal, o legislador limitou os seus direitos de defesa, que agora são apenas os previstos no artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como estebelceu um regime mais gravoso decorrente da necessidade de prestação de caução como forma de evitar a continuação da execução. Para além disto, alega, ainda, que conferir ao Estado a possibilidade de definir e executar por si mesmo as decisões de natureza contratual o coloca em posição desigual perante o contraente privado, criando para si um regime mais favorável daquele em que se encontra a outra parte no contrato. Entende que, pese embora a lei estabeleça direitos de defesa, fá-lo de forma mais redutora e penalizadora, sujeitando o particular a deveres de conduta, sendo o mais gravoso a obrigação de prestar caução para suspender a execução fiscal.
O artigo 148º, nº 2 do CPPT, expressa que “2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo; b) Reembolsos ou reposições”.
Por sua vez, dispunha o artigo 155º do antigo CPA que «1 - Quando por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário.».
Vem sendo entendido que, pese embora o conceito de ato administrativo constitua matéria há muito discutida e debatida pela doutrina e pela jurisprudência, o Código do Procedimento Administrativo contém uma definição que, independentemente das críticas ou observações que possa suscitar, é útil como referência para alcançar o significado geral desta figura.
Assim, de acordo com o artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo (à semelhança do anterior artigo 120º), para efeitos desse Código, “consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
Esta definição legal, bastante abrangente, acaba por reconhecer ao ato administrativo as principais características que tradicionalmente lhe são apontadas: natureza jurídico-administrativa; produção de efeitos jurídicos externos; intervenção sobre uma situação individual e concreta.
De um ponto de vista formal, os atos administrativos devem ser praticados, em regra, por escrito (desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do ato), devendo deles constar, de acordo com o artigo 151º do Código do Procedimento Administrativo (à semelhança do que antes dispunha do artigo 123º do CPA), as seguintes referências: a) A indicação da autoridade que o pratica e a menção de delegação ou subdelegação de poderes, quando exista; b) A identificação adequada do(s) destinatário(s); c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes; d) A fundamentação, quando exigível; e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto; f) A data em que é praticado; g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana.
A nosso ver, não sobram dúvidas em como a dívida resulta de um ato administrativo, pois a Decisão Final relativa à pontuação do projeto da Recorrente, foi proferida no uso de poderes delegados de cariz jurídico administrativos e visou produzir efeitos na sua esfera jurídica.
Deste modo, sempre a execução fiscal era o processo adequado para cobrança desta dívida, sendo que a alteração introduzida pelo artigo 34º do Decreto-Lei nº 57/2005 apenas inova na parte em que atribui à Direcção Geral do Tesouro a competência para a emissão da certidão de dívida.
Ante o que vimos de considerar, é manifesto que não ocorre a inconstitucionalidade invocada pela Recorrente, devendo o recurso improceder também nesta parte.
Concluímos, deste modo, que o presente recurso não merece ser provido, devendo manter-se a sentença recorrida.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I- Só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
II – Se a Recorrente se limita a repetir o alegado na p.i., abstraindo-se do que, sobre a questão, foi decidido na sentença recorrida, em termos quer de facto, quer de direito, o recurso carece de objeto, nessa parte.
III - O prazo de prescrição das dívidas por incentivos financeiros atribuídos ao abrigo do Decreto-Lei nº 194/90, de 19 de junho, e cuja pontuação final tenha alterado a que provisoriamente foi atribuída ao projeto, com a consequente obrigação de restituição das importâncias recebidas a esse título, é de 20 anos e conta-se a partir do momento em que esta obrigação se torna exigível (artigos 306º, nº 1, e 309º do CC).
IV – Mesmo que fosse de considerar que a obrigação de restituição dos incentivos foi convertida em obrigação de execução orçamental pelo artigo 34º do Decreto-Lei nº 57/2005, sempre constitui pressuposto de aplicação do Decreto-Lei nº 155/92 que a despesa efetuada pelo Estado (com a concessão do incentivo financeiro) tenha sido realizada no âmbito da gestão corrente dos serviços e organismos da Administração Pública, o que não sucede no caso vertente.
V – Tendo a dívida exequenda sido determinada por ato administrativo, a execução fiscal era e continua a ser o processo adequado para a respetiva cobrança coerciva, sendo que a alteração introduzida pelo artigo 34º do Decreto-Lei nº 57/2005 apenas inova na parte em que atribui à Direção Geral do Tesouro a competência para a emissão da certidão de dívida.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, por aqui sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Porto, 23 de novembro de 2023

Maria do Rosário Pais - Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio - 2ª Adjunta