Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02340/07.9BEPRT
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24350
Nº do Documento:SA22019032002340/07
Data de Entrada:03/21/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA - Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
. de 13 de Novembro de 2017
Julgou improcedente a oposição.
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A…………, SA veio interpor o presente recurso da sentença supramencionada, proferida no âmbito do processo de oposição n.º 2340/07.9BEPRT à execução fiscal n.º 1910200701063413, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença proferida a fls. 379 a 398 dos autos referenciados em epígrafe, a qual considerou improcedente a oposição à execução apresentada pela Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1910200701063413, o qual havia sido instaurado para cobrança coerciva de uma alegada dívida perante a Direcção-Geral do Tesouro, pela restituição de incentivos (financeiros) ao investimento concedidos ao abrigo do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento (″SIII"), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06 e revisto pelo Decreto-Lei n.º 132/83, de 18.03.

B. Uma vez considerada a matéria de facto em juízo e, sobretudo, devidamente delimitada essa matéria nos termos em que o Tribunal a quo o fez, impõe-se que se retirem as devidas consequências no âmbito do direito aplicável, pelo que, perscrutada a sentença, afigura-se que o julgador recorrido cometeu erros clamorosos no plano do julgamento do direito.

C. Considerando a matéria em causa, a Recorrente invocou, sinteticamente, dois motivos pelos quais a oposição teria, necessariamente, de ser julgada procedente, a saber:

a. a prescrição da dívida exequenda, por manifesta extemporaneidade do acto administrativo da Direcção-Geral do Tesouro que a veio reivindicar; e

b. a falta de notificação da dívida exequenda dentro do prazo de caducidade.

D. Sucede, porém, que o Tribunal a quo, na sentença ora sob escrutínio, decidiu, por um lado, não se pronunciar sobre a matéria referente à caducidade do direito à liquidação da dívida exequenda - porquanto considerou que o meio processual adoptado (oposição à execução fiscal) não seria o próprio para esse efeito - e, por outro, que a dívida em cobrança coerciva não se encontraria, ao contrário do alegado pela Recorrente, prescrita.

E. No entanto, conforme se passará já de seguida a demonstrar, a sentença recorrida padece de erros na aplicação do direito no que concerne a estas duas questões, motivo pelo qual deverá ser revogada por este Supremo Tribunal Administrativo e substituída por um aresto que, aplicando correctamente o direito aos factos em apreço, declare a prescrição da dívida exequenda ou, caso assim não se entenda, se pronuncie pela sua falta de notificação dentro do prazo de caducidade.

VEJAMOS, PRIMEIRO, A PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA:

F. Ao decidir como decidiu, no que à prescrição da dívida exequenda concerne, o julgador a quo incorreu em dois erros, que caberá a este Supremo Tribunal apreciar:

G. Um, porque considerou que o prazo de prescrição a relevar no caso em apreço seria o ordinário, previsto no art.º 309.º do Código Civil - e não aquele consagrado no art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de prescrição de 5 anos;

H. E outro, na medida em que sentenciou que a contagem de tal prazo apenas se deveria iniciar no momento da emissão de despacho da caducidade dos incentivos e não, ao contrário daquilo que seria de sustentar, que o mesmo se inicia logo a partir do momento em que a entidade competente se encontra plenamente capacitada de aferir se os objectivos pretendidos com o investimento relevante se encontram, ou não cumpridos.

QUANTO AO PRIMEIRO ERRO HÁ QUE CONSIDERAR O SEGUINTE:

I. Em causa está uma dívida à DGT que, segundo alega a credora, se constituiu no momento da atribuição da Pontuação Final ao projecto de investimento, ou seja, a 20.11.1997.

J. Ora, o Decreto-Lei n.º 155/92 "contém as normas legais de desenvolvimento do regime de administração financeira do Estado a que se refere a Lei n.º 8/90, de 20 de Fevereiro".

K. Já a Lei n.º 8/90, de 20.02 (Bases da contabilidade pública) veio estabelecer princípios e normas aplicáveis no âmbito do regime financeiro, do controlo orçamental e da contabilização das receitas e despesas, designadamente, dos serviços e organismos da Administração Central (cfr. n.º 1 do art.º 1.º).

L. O art.º 2.º da dita Lei n.º 8/90 veio delimitar o âmbito de aplicação aos actos de gestão corrente mediante a sua definição como "todos aqueles que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições", e exclui expressamente do âmbito da gestão corrente "os actos que envolvam opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos e, designadamente, que se traduzam na aprovação dos planos e programas de actividades e respectivos relatórios de execução ou na autorização para a realização de despesas cujo montante ou natureza ultrapassem a normal execução dos planos e programas aprovados".

M. Nestes termos, subsumindo as citadas disposições, quer as da Lei n.º 8/90 quer as do Decreto-Lei n.º 155/92, à realidade do processo da Recorrente no âmbito do SIII, e por referência à Direcção-Geral do Tesouro e aos actos por esta praticados podemos concluir o seguinte: a Direcção-Geral do Tesouro encontra-se no âmbito de sujeição ao regime estabelecido na Lei n.º 8/90 e no Decreto-Lei n.º 155/92, uma vez que é um organismo da Administração Central, pelo que todos os seus actos de gestão corrente têm que obedecer aos princípios e regras estabelecidos naqueles diplomas.

N. A resposta a esta questão obriga a "dissecar" o papel concreto da Direcção-Geral do Tesouro no processo do SIII, designadamente, o acto material de atribuição dos incentivos.

O. No âmbito do SIII, à Direcção-Geral do Tesouro ficava legal e expressamente reservado o papel de mera execução do SIII, isto é, processar os incentivos financeiros a favor da instituição financiadora, e pagos por esta aos promotores dos projectos (cfr. art.º 60.° do Decreto-Lei n.º 132/83). E, portanto, concretizando a questão: os actos, praticados pela Direcção-Geral do Tesouro, de mero processamento dos incentivos financeiros são ou não, para efeitos da Lei n.º 8/90, actos de gestão corrente?

P. A verdade é que a resposta àquela questão só pode ser afirmativa, isto é, o processamento dos incentivos financeiros são actos típicos de gestão corrente da Direcção-Geral do Tesouro - estão no cerne das suas atribuições enquanto Direcção Geral do Tesouro, não sendo - bem pelo contrário - actos "que envolvam opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos", nem se traduzindo "na aprovação dos planos e programas de actividades e respectivos relatórios de execução" ou "na autorização para a realização de despesas cujo montante ou natureza ultrapassem a normal execução dos planos e programas aprovados". (cfr. «a contrario» n.º 3 do art.º 2.º da Lei n.º 8/90).

Q. Assim, tratando-se de actos de gestão meramente corrente da DGT, conclui-se pela aplicabilidade ao caso em apreço da Lei n.º 8/90 e, consequentemente, do Decreto-lei n.º 155/92, ou seja, do art.º 40.º deste Diploma, que estatui o prazo de prescrição de 5 anos para a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas.

R. Assim, ainda que nos reportemos à data de 20.11.1997 [data do Despacho que fixou a Pontuação Final do Projecto de Investimento da Recorrente para efeitos do SIII e que, alegadamente, tornou exigível a restituição de determinada quantia (que não a exacta ora solicitada), e contando o tempo decorrido até Abril de 2006 (data do Ofício da Direcção Geral do Tesouro que, efectivamente, veio interpelar a Recorrente para a reposição], encontra-se largamente ultrapassado o prazo de prescrição aplicável de 5 anos.

S. Pelo que, com fundamento na alínea d) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, é a oposição à execução fiscal apresentada deveria ter sido julgada procedente pelo Tribunal a quo.

VEJAMOS, AGORA, O SEGUNDO ERRO:

T. Ao contrário do decidido na sentença recorrida, a contagem do prazo de prescrição se inicia a partir do momento em que a Direcção-Geral do Tesouro podia decidir plenamente sobre a pontuação definitiva (1988) e não o fez, e não apenas desde o momento em que o faz (i.e., em 1997).

U. Com efeito, naquela que é a interpretação que se afigura à Recorrente como a mais compatível com os próprios fins visados pelo programa de incentivo ao investimento, bem como com os fundamentos de protecção da certeza e segurança jurídicas que presidem ao instituto da prescrição das dívidas, o prazo de prescrição deve computar-se a partir, não do momento em que a entidade competente emite o despacho de fixação da pontuação definitiva (determinando, assim, a caducidade dos benefícios), mas antes a partir daquele em que tal entidade, tendo à sua disposição todos os elementos necessários para o efeito, deveria ter emitido tal despacho.

V. De facto, e socorrendo-nos até do disposto no n.º 1 do art.º 306.º do Código Civil, invocado na sentença recorrida e nos termos do qual ″[o] prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido", a partir do momento em que a entidade competente dispunha dos dados para aferir da concretização dos objectivos pretendidos com a concessão do apoio, esta podia, através da fixação da respectiva pontuação definitiva, exigir o montante que, provisoriamente, havia sido concedido em excesso à Recorrente.

W. Continuando, e assentando que o cumprimento da obrigação podia ser exigido logo desde o momento em que se encontrassem disponíveis todos os elementos necessários para a decisão acerca da pontuação final do projecto, há que verificar qual seria o prazo para tal.

X. Quanto a este, o art. 14.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06, no seu n.º 2, não parece deixar qualquer margem para dúvidas dispondo que decorrido "…um período máximo de dois exercícios económicos completos, após o termo da fase de investimento do projecto, os efeitos previstos deverão ser comprovados, e, em função destes, será atribuída a pontuação definitiva".

Y. Assim, nos termos daquele artigo, devidamente enquadrados os factos expostos, parece claro que, estando o investimento concluído em 1985, decorrido um período máximo de dois exercícios económicos completos (1986 e 1987), no máximo, em 1988, deveria a Direcção-Geral do Tesouro - até porque já tinha, então, todos os elementos necessários ao seu dispor - ter procedido à fixação da pontuação definitiva.

Z. Nesses termos, logo após o termo do investimento relevante - 1985 -, a DGT já se encontrava na posse de todos os elementos necessários para determinar a pontuação definitiva e, como tal, se fosse esse o caso, proceder à notificação da Recorrente para a restituição dos montantes que lhe houvessem sido indevidamente concedidos.

AA. Ora, em face do exposto não restam margens para quaisquer dúvidas de que, logo em 1986, encontrando-se o investimento concluído em 1985, a DGT poderia (para não dizermos deveria) ter procedido à fixação da pontuação definitiva e, assim, exercido o seu direito à recuperação dos montantes indevidamente concedidos. Contudo, não o fez.

BB. Assim, ainda que se considerasse que à presente dívida é aplicável o regime de prescrição ordinário previsto no Código Civil - no que não se concede -, a verdade é que, à data da instauração da execução fiscal contra a aqui recorrente, a mesma já se encontrava prescrita.

CC. De resto, e entendendo-se - como deve ser -, que o prazo prescricional do crédito em apreço é de cinco anos, conforme explicado supra, afigura-se insofismável que, aquando da interpelação da Recorrente para o pagamento do mesmo, este já havia prescrevido.

DD. Motivo pelo qual, também por aqui, decidiu mal o Tribunal a quo no que à prescrição da dívida exequenda concerne, devendo ter sido dado provimento à oposição deduzida, com fundamento na alínea d), do n.º 1, do art.º 204.º do CPPT.

SEM PRESCINDIR, PASSEMOS, AGORA, A CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO:

EE. Quanto a esta matéria, alegando o Tribunal a quo que o meio processual adoptado não seria adequado para discutir a questão em apreço, acabou por se furtar à decisão da mesma, apenas se tendo pronunciado sobre a prescrição da dívida exequenda.

FF. Sucede, porém, que de acordo com a doutrina e jurisprudência mais avisadas, a oposição à execução fiscal de que a Recorrente lançou mão constitui um meio idóneo para se discutir esta questão, motivo pelo qual não podia o julgador recorrido, na sentença sob escrutínio, eximir-se de se pronunciar devidamente sobre a mesma.

GG. Com efeito, no aresto proferido por este Supremo Tribunal Administrativo, a 22.04.2015, no âmbito do recurso n.º 051/15, concluiu-se que "[à] semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta e a duplicação de colecta, também a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui vício invocável tanto em sede de oposição à execução fiscal como em sede de impugnação judicial" (destaque aditado).

HH. Já JORGE LOPES DE SOUSA, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, defende que a caducidade do direito à liquidação é um facto susceptível de invocação tanto em sede de impugnação judicial como de oposição à execução fiscal.

II. Com efeito, de acordo com este Autor, "se foi instaurada uma execução e foi efectuada uma notificação do acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada fora do prazo de caducidade previsto no art. 45.º, n.º 1, da LGT (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e) do n.º 1 deste art. 204.º, para além de poder impugnar o acto de liquidação" (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, VoI. III, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 490).

JJ. Assim, como fica sobejamente demonstrado, de acordo com a jurisprudência e doutrina mais avisadas sobre este tema, ainda que de um determinado acto de liquidação caiba uma via de impugnação própria e autónoma, caso a respectiva notificação ocorra já para além do respectivo prazo de caducidade, o sujeito interessado em invocar esse vício poderá sempre fazê-lo, em sede de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea e), do n.º 1, do art.º 204.º do CPPT.

KK. Posto isto, e sabendo-se já que o Tribunal a quo se encontrava obrigado a pronunciar-se sobre esta matéria, importa agora demonstrar que a dívida exequenda (ou o acto que a constituiu) foi notificada à Recorrente já muito posteriormente ao término do respectivo prazo de caducidade.

LL. Passemos então à análise da verificação ou não do prazo de caducidade, quer do direito/dever da Direcção-Geral do Tesouro a fixar a pontuação definitiva em face do desempenho da empresa que concorreu à atribuição dos incentivos (concluído o período de investimento), quer também, do direito daquela entidade a solicitar a restituição de incentivos alegadamente indevidos.

MM. Para este efeito, torna-se imperiosa a análise distinta daquelas duas questões - parece clara a existência de dois prazos de caducidade a considerar, talhados sob égides e perspectivas diferentes: quanto à primeira questão, o prazo de dois anos previsto no n.º 2 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06; quanto à segunda, em face do vazio legal, por aplicação analógica (art. 10.º do Código Civil), o prazo de seis meses constante do n.º 1 do art. 890.º do Código Civil.

NN. Quanto ao prazo para fixação da pontuação definitiva, o citado art. 14.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06, no seu n.º 2, não parece deixar qualquer margem para dúvidas dispondo que decorrido ″…um período máximo de dois exercícios económicos completos, após o termo da fase de investimento do projecto, os efeitos previstos deverão ser comprovados, e, em junção destes, será atribuída a pontuação definitiva".

OO. Ou seja, nos termos daquele artigo, devidamente enquadrados os factos expostos, parece claro que, estando o investimento concluído em 1985, decorrido um período máximo de dois exercícios económicos completos (1986 e 1987), no máximo, em 1988, deveria a Direcção-Geral do Tesouro - até porque já tinha, então, todos os elementos necessários ao seu dispor - ter procedido à fixação da pontuação definitiva.

PP. Assim, a Direcção-Geral do Tesouro podia (e devia), de facto, a partir do momento em que a lei lhe impunha e, a partir do momento em que tinha elementos suficientes para o efeito, proceder à fixação da pontuação definitiva.

QQ. Ou seja, não tendo ocorrido a fixação da pontuação no prazo legalmente previsto, caducou o direito da Direcção-Geral do Tesouro ao exercício desse mesmo direito, com todas as consequências que dai advêm, designadamente, quanto à legalidade da solicitação da restituição dos benefícios supostamente indevidos.

RR. Ora, neste caso, além de a pontuação definitiva ter sido fixada muito para além do prazo legalmente previsto - decorreram, praticamente, 9 anos além do prazo legal - a restituição do diferencial de incentivos alegadamente prestados de forma indevida, foi apenas solicitada à Recorrente, curiosamente, após outros 9 anos (Abril de 2006).

SS. Com efeito, apesar de a lei não prever, para este caso em concreto, qualquer prazo de caducidade específico, é insofismável que não pode aquele direito à restituição dos incentivos ficar suspenso ad aeternum, até que a Direcção-Geral do Tesouro se decida a avançar para a sua cobrança.

TT. Aliás, a mesma lógica aplica-se aos dois prazos de caducidade aqui em apreço - que a Administração não respeitou.

UU. É que o ónus ele praticar tais actos é, obviamente, da Direcção-Geral do Tesouro, que os tinha de praticar, no primeiro caso, no prazo máximo de 2 anos após o investimento (até 1988) - n.º 2 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06; e no outro - como de seguida veremos, no prazo máximo de 6 meses (art. 890.° do Código Civil).

VV. Se não o fez atempadamente, sibi imputet, a Recorrente é que não pode ser prejudicada por eventuais atrasos unicamente imputáveis à Administração. Tal atraso não é imputável à A…………, que forneceu e entregou oportunamente todos os elementos necessários à decisão.

WW. E isso é assim, sob pena de violação de lei, e de total esvaziamento do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica.

XX. De facto, o instituto da caducidade existe, justamente, ″…para conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos …" (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do recurso n.º 7657/2003-7, com data de 11.11.2003, disponível no sítio www.dgsi.pt).

YY. Portanto, não obstante a lei não prever aqui, em concreto, qualquer prazo para que a Direcção-Geral do Tesouro efective o pedido de reembolso do valor dos incentivos financeiros indevidamente prestados é seguro que essa questão não pode ficar sem resposta, o mesmo é dizer que, essa lacuna da lei não pode deixar de ser preenchida.

ZZ. Nos termos do n.º 1 do art. 10.º do Código Civil, os casos que a lei não preveja ″…são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos".

AAA. Desta forma, analisando o Código Civil, esteio das relações jurídicas privadas no nosso sistema jurídico, parece clara e evidente a identidade entre a situação prevista no art. 890.º, sob a epígrafe caducidade do direito à diferença do preço, e a relação jurídica desenvolvida entre a Recorrente e a Direcção-Geral do Tesouro.

BBB. Dispõe o n.º 1 daquele art. 890.º do Código Civil que, o direito ″…ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses (...) após a entrega da coisa (...) mas se a diferença se tornar exigível em momento posterior à entrega, o prazo contar-se-á a partir desse momento".

CCC. De facto, é exactamente o que aqui sucede: a partir do momento em que a Direcção-Geral do Tesouro apura que os incentivos não são devidos na medida inicialmente prevista (em face do reajustamento da pontuação inicialmente atribuída), só lhe resta exigir a restituição dessa mesma diferença indevidamente prestada, para o que, nos termos da lei, dispõe de um prazo de seis meses.

DDD. Faz todo o sentido que assim seja visto que, acto contínuo do reajustamento do valor de incentivos efectivamente atribuídos, o excesso indevidamente prestado, deverá ser cobrado no mais curto espaço de tempo, a coberto da certeza e segurança jurídicas e do regular funcionamento do tráfego jurídico - justamente por isso é que os prazos de caducidade são geralmente curtos.

EEE. Desta forma, parece absolutamente legítimo e fundamentado, na ausência de disposição mais próxima, o recurso à aplicação analógica, in casu, do disposto no n.º 1 do art. 890.º do Código Civil.

FFF. No limite, ainda que assim não se entendesse, refutando-se o preenchimento daquela lacuna pela via analógica - no que não se consente - a omissão sempre seria de integrar nos termos do n.º 3 do art. 10.º do Código Civil.

GGG. Atenta a finalidade do instituto da caducidade - cuja premência aqui se atesta pela forma displicente como a Direcção-Geral do Tesouro deixou correr, inoperante, todos os prazos legítimos e razoáveis para intervir, desconsiderando, em absoluto, a posição e os direitos da Recorrente - não pode o mesmo deixar de operar um papel crucial neste caso.

HHH. Na verdade, não prescindindo quanto aos prazos ora invocados pela Recorrente, ainda que assim não se entenda, importará questionarmo-nos sobre quais seriam então os prazos aplicáveis? Haveria alguma outra forma de preservar juridicamente a certeza e segurança jurídicas de que a Recorrente deve beneficiar nos termos legal e constitucionalmente previstos (no limite, por decorrência do princípio do Estado de Direito)?

III. Não nos resta senão por concluir que a aplicação do instituto da caducidade - até porque essa é, verdadeiramente, a sua função - deve operar aqui de forma paradigmática como medida repressiva e reparatória da actuação - insista-se, displicente - da Administração, através da Direcção-Geral do Tesouro, flagrante e obstinadamente violadora dos mais elementares direitos e garantias da Recorrente.

JJJ. A caducidade opera aqui, nos termos expostos, como limite à violação dos direitos da Recorrente, por efeito, único e exclusivo da inoperância, inércia e displicência da Administração.

POR OUTRO LADO:

KKK. Sempre seria de considerar aqui violado um outro prazo de caducidade: o prazo para revogar actos constitutivos de direitos, previstos nos termos do n.º 1 do art. 141.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA") vigente no momento da prática dos factos.

LLL. Assim, no seguimento do que vem de ser dito, nos termos do n.º 1 do art. 141.º do CPA, tratando-se aqui da revogação de um acto constitutivo de direitos apenas pode ser operada no prazo máximo de um ano.

MMM. Portanto, quer a fixação da pontuação definitiva, em Novembro de 1997 (11 anos após a fixação da pontuação provisória), quer o pedido de restituição do incentivo alegadamente prestado em excesso, são ilegais por violação do disposto no citado n.º 1 do art.141.º do CPA - no fundo, aplica-se aqui o mesmo fundamento e princípio do instituto da caducidade atrás referido.

NNN. Razão pela qual, caso não conclua este Supremo Tribunal Administrativo pela prescrição da dívida exequenda, deverá então ser julgada procedente a oposição à execução com fundamento na alínea e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT - a caducidade do direito à liquidação da dívida em apreço.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente e, consequentemente, anulada a sentença recorrida e, concomitantemente, dada procedência à oposição à execução fiscal em causa, com base na alínea d) ou com base na alínea e), ambas do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, com todas as consequências legais.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:
1. Por requerimento de 31 de Dezembro de 1982, através do processo n.º 6516, a Oponente solicitou a concessão dos benefícios previstos nos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei 194/80 - cfr. fIs. 42 e 43 dos autos;
2. Pelo despacho 367/85, de 29 de Abril de 1985, foram atribuídos à Oponente incentivos financeiros correspondentes à "TAXA BÁSICA DE BONIFICAÇÃO de 8,411%, referida à data da aprovação da operação de crédito e sujeita às alterações decorrentes do preceituado no n.º 4 do artigo 13°, de acordo com os seguintes pressupostos:

P= 6,008;
P1=7,704;
P2=5;
P3=0;
F/I:0,296; d=25%" - cfr. fls. 42 e 43 dos autos físicos;

3. A 22 de Agosto de 1997, foi proferido "DESPACHO DEFINITIVO" no processo n.º 6516, determinando que "sejam concedidos definitivamente à empresa "A…………, S.A." os incentivos fiscais e financeiros abaixo indicados, de acordo com os seguintes pressupostos: P1 = 4,652 P2 = 5 P3=0 F/I= 0,302
P = 4,024 d = 25%
Classe fiscal = A" - cfr. fls. 60 dos autos;

4. O despacho referido em 3) dispunha ainda que ficavam atribuídos "INCENTIVOS FINANCEIROS: Os correspondentes à TAXA BÁSICA DE BONIFICAÇÃO de 5,661% sujeita às alterações decorrentes do preceituado no nº 4 do artigo 13º." e que "Fica deste modo alterado o despacho de concessão provisória de incentivos proferido em 29.04.85" - cfr. fIs. 61 dos autos;
5. Com data de 10 de Abril de 2006, foi enviada à Oponente o ofício com a referência NBI/AA-Proc.º 6516/SIII, em que a Direcção-Geral do Tesouro instava a Oponente a depositar "no prazo de 30 dias úteis contados a partir da data desta notificação, a quantia de 77.059,06 € (setenta e sete mil e cinquenta e nove euros e seis cêntimos) numa conta junto da D.G.T." sob pena de serem "accionados os mecanismos previstos no artigo 34º do DL n.º 57/2005, de 4 de Março (processo de execução fiscal nos termos do C.P.P.T.)" - cfr. fls. 62 dos autos;
6. A Oponente endereçou à Exma. Senhora Diretora da Direcção-Geral do Tesouro do Ministério das Finanças e da Administração Pública um requerimento, datado de 20 de Abril de 2006, solicitando a indicação do prazo e dos meios legais de reacção contra o acto referido em 5), bem como a explicitação dos cálculos apresentados em anexo - cfr. fls. 65 dos autos físicos;
7. No dia 28 de Setembro de 2006 foi proferida sentença no processo de intimação para prestação de informação número 1481/06.4BELSB, apresentada pela Oponente, onde se lê que a autoridade requerida, a Direcção-Geral do Tesouro, havia informado "não existir meio de defesa contra o acto notificado, por terem sido ultrapassados os prazos para o efeito, e esclarece os cálculos, valores subjacentes e taxas de juros aplicáveis" - cfr. fls. 85 dos autos físicos;
8. A 06 de Agosto de 2007 foi assinado o aviso de recepção com o registo RS999874253PT, correspondente ao ofício de citação da Oponente - cfr. aviso de recepção "CITAÇÃO VIA POSTAL" a fls. 112;
9. A presente oposição foi enviada ao serviço de finanças de Vila do Conde no dia 04 de Outubro de 2007 - cfr. fls. 2 dos autos físicos;

Questões objecto de recurso

1- Prescrição da dívida exequenda
2- Caducidade do direito de determinar a restituição dos incentivos

1- Prescrição da dívida exequenda

Enuncia a recorrente que a sentença recorrida em matéria de prescrição da dívida exequenda incorreu em dois erros de julgamento, a saber:

Um, porque considerou que o prazo de prescrição a relevar no caso em apreço seria o ordinário, previsto no art.º 309.º do Código Civil - e não aquele consagrado no art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 5 anos;
E outro, na medida em que sentenciou que a contagem de tal prazo apenas se deveria iniciar no momento da emissão de despacho da caducidade dos incentivos e não, ao contrário daquilo que seria de sustentar, que o mesmo se inicia logo a partir do momento em que a entidade competente se encontra plenamente capacitada de aferir se os objectivos pretendidos com o investimento relevante se encontram, ou não, cumpridos.

Como tem vindo a ser jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo que vem acompanhando o longo período de implementação do sistema SIIl (Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento), aprovado pelo DL n.º 194/80 de 19/06/1980, de que se não encontra qualquer razão para divergir, pelas razões que se enunciarão de seguida, tal como afirmado na sentença recorrida o prazo de prescrição da dívida exequenda é efectivamente o prazo ordinário de prescrição de dívidas civis, de duração de 20 anos em conformidade com o disposto no art.º 309.º do Código Civil - e não aquele consagrado no art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 5 anos, como pretende a recorrente.
O sistema SIII de incentivos ao investimento nos sectores industriais, constante do DL n.º 194/80 de 19/06/1980 foi delineado para constituir um instrumento de política macroeconómica com a pretensão de ser persuasivo para os investidores e destinado a ser usado para induzir acelerações ou afrouxamentos do investimento, como meio privilegiado de actuação estabilizadora sobre a conjuntura económica e de desenvolvimento económico estratégico para sectores e regiões. Tal sistema de incentivos integra os diversos incentivos fiscais e financeiros num mesmo sistema, graduando os benefícios em função do mérito dos projectos de investimento seleccionados.
Na avaliação dos projectos de investimento foi adoptado o método dos pontos relativos a três critérios de apreciação (o critério quantitativo da produtividade económica, e os critérios qualitativos das prioridades sectorial e regional obtendo-se uma pontuação final mediante a ponderação por pesos fixos em que a pontuação final P é matematicamente determinada por uma média ponderada das três pontuações parciais constante do art.º 8.º, n.º 2 do referido DL. Perante a pontuação final P fica determinado se a empresa tem acesso a incentivos e, se tiver, qual o seu preciso nível. A racionalidade subjacente à pontuação P decorre de:
- o critério P1 (produtividade económica) favorecer os contributos do investimento para o produto nacional e para a balança de pagamentos e assenta num coeficiente capital-produto, premiando ou penalizando em 20%, respectivamente, as exportações e as importações;
- o critério P2 (prioridade sectorial) favorecer os contributos do investimento para o produto nacional e para a balança de pagamentos;
- O critério P3 (prioridade regional) favorece os sectores industriais a desenvolver. Entre 0 e menos de 3,5 pontos, o projecto não tem incentivos fiscais nem financeiros. Entre 3,5 e 10 pontos, os incentivos fiscais são escalonados em quatro classes e o projecto beneficiará de uma delas em função do valor P; os incentivos financeiros consistem numa bonificação do juro bancário que é função de P, da taxa de desconto do Banco de Portugal e da participação de capitais próprios.
Tendo em conta os dados constantes da matéria de facto – ponto 3 e 4 –no processo n.º 6516, foram concedidos definitivamente à empresa "A…………, S.A." os incentivos fiscais e financeiros abaixo indicados, de acordo com os seguintes pressupostos: P1 = 4,652 P2 = 5 P3 = 0 F/I= 0,302
P = 4,024 d = 25%
Classe fiscal = A"
e os incentivos financeiros: TAXA BÁSICA DE BONIFICAÇÃO de 5,661%.
O artº 40º nº 1 do DL 155/92, de 28 de Julho, que finaliza a arquitectura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública, pela qual se estabelece um novo regime de administração financeira do Estado, determina que "a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento". Tal diploma faz o desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 8/90, de 20 de Fevereiro - Lei de Bases da Contabilidade Pública – dirigindo-se a duas diferentes realidades:
1. Na sua DIVISÃO I - Regime geral - autonomia administrativa define o regime jurídico e financeiro dos serviços e organismos da Administração Pública que dispõem de créditos inscritos no Orçamento do Estado e são competentes para, com carácter definitivo e executório, praticarem actos necessários à autorização de despesas e seu pagamento, no âmbito da gestão corrente.
2. Na sua DIVISÃO II - Regime excepcional - autonomia administrativa e financeira cujas normas se aplicam aos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos a que se refere especialmente o artigo 1° da lei n.º 8/90, de 20 de Fevereiro, organismos autónomos, abrangendo todos os serviços e organismos da Administração Pública, dotados de autonomia administrativa e financeira, que não tenham natureza, forma e designação de empresa pública.
O art.º 40.º invocado pela recorrente como contendo o prazo de prescrição de cinco anos insere-se na divisão I do referido diploma pelo que a reposição de quantias ali referidas se reporta àquelas que foram concedidas no âmbito da gestão corrente dos serviços e organismos da Administração Pública, definida esta pela prática de todos os actos que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições, sem prejuízo dos poderes de direcção, supervisão e inspecção do ministro competente. Fora da gestão corrente ficam as opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos, nomeadamente a aprovação de planos e programas e a assunção de encargos que ultrapassem a sua normal execução e os actos de montante ou natureza excepcionais, os quais serão anualmente determinados no decreto-lei de execução orçamental, art.º 4.º do DL 155/92, de 28 de Julho.
Ora os incentivos fiscais e financeiros recebidos pela recorrente através do sistema SIIl, cujos traços gerais já apontamos, nada têm de receita concedida na sequência de actos de gestão corrente de qualquer serviço ou organismo da Administração Pública assumindo-se como "despesas de capital" do Estado para fomentar o desenvolvimento económico do país.
Com efeito, enquanto que as despesas correntes reflectem genericamente os gastos em bens e serviços consumidos dentro do ano corrente, com vista à satisfação de compromissos e necessidades sociais e colectivas e na despesa pública nacional desagregam-se em despesas com pessoal, aquisição de bens não duradouros, transferências correntes e juros da dívida pública, os subsídios ao investimento como são os incentivos de que beneficiou a recorrente são transferências de capital que a par de outras transferências de capital, das despesas de investimento: formação bruta de capital e aquisições líquidas de cessões de activos não financeiros não produzidos e das aquisições de activos passivos financeiros integram, na contabilidade pública, o conceito de despesa de capital.
Todos os subsídios ao investimento carecem de uma transferência de meios financeiros do Estado para o beneficiário de modo directo ou indirecto e não deixam, por isso, de ser despesas de capital porque essa transferência de meios financeiros não é uma das despesas correntes do orçamento de estado.
Nestes termos, o DL 155/92 não é aplicável à presente situação, nomeadamente no que concerne ao estabelecimento de um prazo de prescrição de cinco anos da dívida exequenda.
O prazo de prescrição da dívida exequenda é o prazo de prescrição geral de 20 anos constante do Código Civil dado não estarmos face a uma dívida tributária. Como referido na sentença recorrida, a concessão dos incentivos financeiros concedidos, nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho fica condicionada à realização dos objectivos constantes do projecto de investimento, dentro dos correspondentes prazos, bem como à observância das demais condições eventualmente constantes da decisão referida no artigo 41.º. No caso de incumprimento da realização dos objectivos constantes do projecto de investimento, dentro dos correspondentes prazos, implica, nos termos do mesmo artigo 43.°:
1- a caducidade de todos os benefícios concedidos à empresa promotora,
2- a obrigação de, no prazo de trinta dias a contar da respectiva notificação:
a) Restituir as importâncias correspondentes aos benefícios financeiros já recebidos, acrescidas de juros calculados à taxa aplicável a operações activas de prazo correspondente;
b) Pagar as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano, contado da data da transmissão, no caso da sisa, e do dia imediato ao último do respectivo prazo de cobrança à boca do cofre em que normalmente devia ser efectuado o pagamento dos outros impostos, até à data daquela notificação, procedendo-se, na falta de pagamento dentro daquele prazo de trinta dias, ao débito ao tesoureiro da Fazenda Pública para cobrança, com juros de mora, nos sessenta dias seguintes, findos os quais haverá lugar a procedimento executivo.
O mesmo artigo 43.º, no seu n.º 2 indica que competirá a cada uma das entidades que hajam procedido à apreciação do processo, as quais poderão, para o efeito, solicitar as informações e elementos de prova que considerarem indispensáveis no seu campo específico de actuação, a verificação da realização dos objectivos constantes do projecto de investimento, dentro dos correspondentes prazos, bem como de todas as condições de aplicação do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho. A lei não estabelece um prazo para a verificação da realização dos objectivos constantes do projecto de investimento. A caducidade dos incentivos financeiros é declarada por despacho do Ministro das Finanças e do Plano, mediante proposta de uma das entidades referidas no n.º 2 do art.º 43.º e parecer concordante do Ministro da tutela.
A recorrente considera que o momento em que começa a correr o prazo de prescrição coincide não, como entendeu a sentença recorrida, com a data em que é proferido despacho do Ministro das Finanças e do Plano a declarar a caducidade dos incentivos fiscais e financeiros, mas antes a partir daquele em que tal entidade, tendo à sua disposição todos os elementos necessários para o efeito, deveria ter emitido tal despacho. Além disso identifica esse momento com 1988 quando, em seu entender, a Direcção-Geral do Tesouro já tinha todos os elementos necessários ao seu dispor para proceder à fixação da pontuação definitiva que a recorrente faz equivaler à declaração de caducidade dos incentivos.
Bem certo que o art. 14.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06, no seu n.º 2, dispõe que decorrido "…um período máximo de dois exercícios económicos completos, após o termo da fase de investimento do projecto, os efeitos previstos deverão ser comprovados, e, em função destes, será atribuída a pontuação definitiva". Porém, a pontuação definitiva nada tem a ver com a declaração de caducidade dos incentivos e sendo que aquela sempre tem lugar, esta nem deveria existir na medida em que corresponde a um desenvolvimento anormal, diverso do esperado, a falência do projecto de investimento.
O sistema SIIl comporta dois tipos de pontuação, uma provisória determinada a partir dos efeitos previstos para o projecto – art.º 14.º, n.º 1 - e outra definitiva que é atribuída decorridos que sejam no máximo dois exercícios económicos completos, após o termo da fase de investimento do projecto - art.º 14.º, n.º 2 -. A declaração de caducidade dos incentivos não é a atribuição de uma pontuação definitiva do projecto que, por regra estará ainda em curso durante o período que estiver estabelecido no contrato a que se refere art.º 3.º, n.º 2 entre o Estado e a empresa promotora do projecto, e onde são fixados os objectivos, as metas, as obrigações e as garantias a que o beneficiário se compromete, os incentivos a conceder e as penalizações previstas para o caso de incumprimento. A declaração de caducidade dos incentivos fiscais e/ou financeiros ocorre se o projecto de investimento não realizar os objectivos estabelecidos o que pode não ocorrer nos dois exercícios seguintes se o prazo estabelecido contratualmente for superior.
A pontuação definitiva foi atribuída em 22 de Agosto de 1997, e os objectivos a realizar pelo projecto de investimento que beneficiou dos incentivos financeiros aqui em discussão estariam em fase de desenvolvimento. Os incentivos financeiros são concedidos por 5 anos e só por período inferior se também for inferior o prazo da operação - art.º 13.° -. Nada na matéria de facto provada indicia que antes de 10 de Abril de 2006 a Direcção-Geral do Tesouro estivesse em condições de declarar a caducidade dos incentivos concedidos à recorrente. Face a esta constatação perde utilidade a análise da solução analógica proposta pela recorrente entre a situação dos autos e aquela a que é aplicável a norma do art.º 890.º, n.º 1 do Código Civil. Não se acompanha, pois, o raciocínio desenvolvido nos pontos EE a JJJ das conclusões das alegações.
Em matéria de caducidade e prescrição dos incentivos financeiros em causa vigora o regime especial definido pelo artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho, norma que prevê como contrapartidas da concessão dos benefícios, obrigações autónomas de pagamento de quantias, subordinadas à condição resolutiva que impende sobre a concessão daqueles, como repetidamente tem expresso o Supremo Tribunal Administrativo em situações similares, nomeadamente no acórdão do STA de 19-12-2007, processo n.º 617/07 com a seguinte fundamentação a que integralmente se adere e que passamos a transcrever: «(...) "não se trata, aqui, directamente, de pagamento de impostos devidos, mas do pagamento de uma quantia como contrapartida da concessão de incentivos financeiros, derivada do não cumprimento dos objectivos ou condições a que a concessão ficou subordinada, obrigação esta que é autónoma e distinta das obrigações de pagamento do imposto que poderiam resultar das respectivas liquidações, autonomia essa que, aliás, é evidenciada pela taxa de juros compensatórios especialmente fixada, de 12% ano, que não coincide com a taxa de juros prevista quer no artigo 80.º do CIRC (na redacção inicial e na do Decreto-Lei n.º 44/98 de 3 de Março) quer no artigo 83.º do CPT, normas estas em que se prevê que a taxa de juros compensatórios corresponde à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor no momento do início do retardamento da liquidação do imposto, acrescida de cinco pontos percentuais.
Isto é, esta obrigação prevista no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 194/80 não é directamente de pagamento dos impostos que não foram liquidados acrescida dos juros compensatórios que deveriam ser cobrados, mas, como resulta do seu texto, uma obrigação distinta, de pagamento de importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano. A fonte desta obrigação não são já os factos tributários que são considerados para cálculo da importância a pagar, mas sim o facto de não serem cumpridos os objectivos e condições a que estava subordinada a concessão de incentivos.".
A fonte da obrigação de restituição dos incentivos recebidos pelo promotor do investimento não é o despacho de concessão dos benefícios financeiros, mas sim o facto de não serem cumpridos os objectivos e as condições a que estava subordinada a concessão de incentivos. Daí que o termo inicial do prazo de prescrição dado que por força do que dispõe o n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, começa a correr assim que o direito puder ser exercido, no caso em apreço, há-de contar-se, pois, a partir do momento em que foi notificado à recorrente que foi proferido o despacho a determinar a caducidade dos incentivos concedidos, com a consequente revogação do despacho que os concedeu, que no caso concreto teve lugar em 10 de Abril de 2006.
Não estando em causa uma dívida tributária, na ausência de norma que disponha de modo diverso, o prazo de prescrição da dívida originada pela não realização dos objectivos do investimento é o prazo ordinário de prescrição de dívidas constante do art.º 309.º do Código Civil. Tal prazo foi interrompido pela citação da recorrente no processo executivo onde se procede à cobrança coerciva daquele montante que foi efectuada em 06 de Agosto de 2007, muito antes do decurso do prazo de prescrição da dívida exequenda. Este facto interruptivo inutiliza todo o prazo de prescrição já decorrido e faz iniciar-se um novo prazo de prescrição de 20 anos que se mantém suspenso até ao trânsito em julgado da decisão que venha a pôr termo ao processo executivo (artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do Código Civil.
Concluímos, pois, que a dívida exequenda não se mostra prescrita.
2- Caducidade da dívida exequenda

A este propósito alega a recorrente que além de a pontuação definitiva ter sido fixada muito para além do prazo legalmente previsto - decorreram, praticamente, 9 anos além do prazo legal - a restituição do diferencial de incentivos alegadamente prestados de forma indevida, foi apenas solicitada à Recorrente, curiosamente, após outros 9 anos (Abril de 2006). Como analisamos a primeira proposição indicada carece de fundamento legal.
Como evidenciado pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer dado que não estamos perante uma dívida tributária não há um acto de liquidação propriamente dito do montante a restituir, com o sentido próprio do acto de liquidação em matéria tributária nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 204.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo e Procedimento Tributário. Deparamo-nos, sim, com um acto administrativo que declarou a caducidade dos incentivos financeiros e consequente obrigação de restituição, proferido ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 3 do DL 194/80, de 19/06, que foi devidamente, notificado à recorrente, e que poderia ter sido sindicado no competente tribunal administrativo por meio de acção administrativa especial caso tivesse caducado o direito de o proferir ou enfermasse de qualquer outra ilegalidade.
A matéria provada ao não fazer constar o contrato celebrado entre o Estado e a recorrente não permite que possa sequer tomar-se uma posição sobre a referida questão dado que desconhecemos qual era o prazo previsto para a realização dos objectos do projecto de investimento e, desconhecido este, impossível se torna aferir sobre se era possível ou exigível que a declaração de caducidade dos incentivos financeiros e consequente interpelação para cumprimento da obrigação de restituição tivesse tido lugar antes da data em que ocorreu.
Todavia, ao alegar a caducidade do direito de proferir tal acto administrativo, a recorrente sindica, claramente, a legalidade do mesmo acto, sendo certo que, nos termos do estatuído no artigo 204.º, n.º 1, al. h) do Código de Processo e Procedimento Tributário não é possível discutir a sua legalidade em sede de oposição judicial à execução fiscal.
Improcede, pois o recurso interposto não enfermando a sentença recorrida dos erros de direito que lhe vinham apontados, o que determina a sua integral confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Março de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Francisco Rothes.