Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:116/14.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PROCEDIMENTO DE REVISÃO
PRAZO PARA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
AUTOLIQUIDAÇÃO
Sumário:I- O direito a juros indemnizatórios, na sequência de pedido de revisão apresentado ao abrigo do art.º 78.º da LGT, existe apenas depois de decorrido um ano sobre a apresentação de tal pedido, quando feito após o decurso do prazo da reclamação administrativa ou impugnação judicial.
II- Tal opção do legislador visa tratar de forma específica a situação que reflete um desinteresse temporário do contribuinte, que não lançou mão previamente da reclamação graciosa ou de impugnação judicial.
III- No caso de autoliquidações feitas de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT, não obstante a reclamação graciosa não ser necessária, o prazo para a mesma é o de 2 anos, previsto no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT.
IV- Tendo a Impugnante apresentado requerimento, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, relativamente a duas autoliquidações, sendo que, no caso de uma delas, o fez ainda dentro do prazo previsto no art.º 131.º, n.º 1, do CPPT, não se verifica o desinteresse mencionado em II.
V- No caso referido em IV., para efeitos de juros indemnizatórios, há que lançar mão do disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

Acórdão


I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 25.05.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual a impugnação apresentada por A…………….., SGPS, S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento tácito dos pedidos de revisão das liquidações de derrama municipal dos anos de 2010 e 2011, foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, quanto aos pedidos de anulação das referidas liquidações, tendo sido a FP condenada no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data da formação do indeferimento tácito.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“1. Na douta Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, o Tribunal “a quo”, julgou procedente a impugnação, no que respeita ao pedido de juros indemnizatórios e, em consequência, condenou a AT ao pagamento dos mesmos contados desde a data em que se formou o indeferimento tácito, 02/11/2013 (e não 02/11/2014, como ali se escreveu), até à restituição da parte considerada em excesso;

2. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, a Fazenda Pública entende que esta decisão não pode manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida, porque nela se fez um errado julgamento da matéria de facto e da matéria de direito;

3. Extrai-se do disposto na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º, da LGT, que apenas são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectua mais de um ano após o pedido deste, e desde que o atraso possa ser imputável à administração tributária;

4. Na situação aqui em apreço, a decisão relativa ao pedido de revisão apresentado pela impugnante foi proferida antes do termo do prazo de um ano a contar desse pedido, o mesmo sucedendo quanto à notificação dessa mesma decisão;

5. O facto de o artigo 57.º, n.º 1, da LGT, estabelecer um prazo de quatro meses para a decisão do procedimento tributário, não tem qualquer relevância quanto ao direito dos contribuintes a juros indemnizatórios, quando aquele prazo não é cumprido;

6. Embora o direito a juros indemnizatórios pressuponha, sempre, o incumprimento de um prazo, sendo esse incumprimento que directamente os origina, o prazo relevante para esse efeito, nas revisões dos atos tributários efectuadas a coberto do disposto no artigo 78.º, da LGT, é o prazo de um ano, estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º, da LGT, e não o prazo de quatro meses estabelecido no artigo 57.º, n.º 1, da LGT;

7. Tal como se referiu no Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01159/14, em 05/10/2017, num caso em tudo idêntico ao presente, entendemos que “A justificação para não serem devidos juros indemnizatórios pelo período que medeia entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços, parece assentar no entendimento legislativo de que há culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor (Neste sentido Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Àreas Edit., 6ª edição, Volume , pag. 61 e Acórdãos citados no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto.) e de que, por outro lado, o prazo de um ano será o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão, reapreciando o acto de liquidação e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte.”;

8. Uma vez que a impugnante não apresentou, nos prazos normais, qualquer um dos meios de impugnação administrativa oi contenciosa que a lei lhe permite, a culpa de eventuais prejuízos que tenha sofrido pelo pagamento dos tributos em causa, apenas a si pode ser imputável;

9. Por assim ser, e existir nos autos toda prova necessária, a presente impugnação judicial deveria ter sido julgada totalmente improcedente, com a consequente absolvição da AT do pedido de juros indemnizatórios, para deste modo se obstar à violação da lei (artigos 43.º, n.os 1 e 3, alínea c), 57.º, n.º 1, ambos da LGT, e 61.º, n.º 1, alínea d), do CPPT) e se fazer verdadeira justiça;

10. A sentença sub judice, que condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data em que se formou o indeferimento tácito, 02/11/2013 (e não 02/11/2014, como ali se escreveu), até à restituição da parte considerada em excesso, enferma de errónea interpretação e aplicação do direito;

11. Por assim ser, e estar devidamente provado, nestes autos, deve a mesma ser revogada e substituída por outra decisão que espelhe uma correta aplicação do direito, nomeadamente do disposto nos artigos 43.º, n.os 1 e 3, alínea c), 57.º, n.º 1, ambos da LGT, e 61.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, tendo presente os inalienáveis princípios da legalidade e do interesse público, constitucionalmente consagrados.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação judicial, por não provada, com todas as devidas e legais consequências”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos quais, por decisão sumária de 05.02.2019, o mesmo se declarou incompetente em razão da hierarquia, ordenando a sua remessa a este TCAS.

Neste TCAS, o Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pronunciou-se, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, no tocante à condenação no pagamento de juros indemnizatórios?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante é a sociedade dominante do Grupo de Sociedades tributado pelo regime especial de tributação dos Grupos de Sociedades quer no exercício de 2010 quer no exercício de 2011; (cfr. doc. junto a fls. 38 a 56 dos autos);

2. Em 30/05/2011 foi recepcionada a declaração Modelo 22 de IRC referente ao grupo de sociedades de que a Impugnante é a sociedade dominante, relativa ao exercício de 2010, tendo apurado uma matéria colectável de € 19.540.753,88 da qual consta uma derrama de € 414.296,30 (cfr. doc. junto a fls. 38 a 44 dos autos);

3. Em 20/11/2012 foi recepcionada a declaração Modelo 22 de IRC referente ao grupo de sociedades de que a Impugnante é a sociedade dominante, relativa ao exercício de 2010, tendo apurado uma matéria colectável de € 20.443.415,61 da qual consta uma derrama de € 427.836,22 (cfr. doc. junto a fls. 45 a 47 dos autos);

4. Em 30/05/2012 foi recepcionada a declaração Modelo 22 de IRC referente ao grupo de sociedades de que a Impugnante é a sociedade dominante, relativa ao exercício de 2011, tendo apurado uma mateira colectável de € 39.662.160,75 da qual consta uma derrama de € 636.704,46 (cfr. doc. junto a fls. 48 a 53 dos autos);

5. Em 20/11/2012 foi recepcionada a declaração Modelo 22 de IRC referente ao grupo de sociedades de que a Impugnante é a sociedade dominante, relativa ao exercício de 2011, tendo apurado uma matéria colectável de € 39.436.495,32 da qual consta uma derrama de € 633.319,48 (cfr. doc. junto a fls. 54 a 56, frente e verso, dos autos);

6. Em 02/07/2013 a Impugnante apresentou junto da Directora de Serviços do IRC um pedido de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação de IRC, referente aos exercícios de 2010 e 2011 (cfr. doc. junto a fls. 57 a 87 dos autos e 224, verso, a 240 do processo instrutor junto aos autos);

7. Em 14/01/2014 foi proferido despacho pela Directora de Serviços do IRC, por subdelegação, deferindo parcialmente o pedido da Impugnante, no sentido de considerar procedente o pedido de anulação da derrama municipal e indeferindo o pedido de juros indemnizatórios (cfr. doc. junto a fls. 218 a 223 do processo instrutor junto aos autos);

8. Em 03/02/2014 foi remetida via correio registado a petição inicial que está na origem dos presentes autos (cfr. fls. 1 dos autos);

9. Por ofício de 10/02/2014 foi o despacho identificado no ponto anterior remetido à Direcção de Finanças de Setúbal (cfr. doc. junto a fls. 217 do processo instrutor junto aos autos);

10. A Impugnante foi notificada do despacho melhor identificado no ponto 7 deste probatório em 21/02/2014 (admitido);

11.Por despacho do Director de Finanças de Setúbal, de 14/05/2014 foi determinada a revogação parcial dos actos de liquidação de IRC na parte correspondente ao diferencial entre a derrama que se encontra declarada com a derrama devida, sendo que o valor a devolver à Impugnante é de € 162.957,04 (cfr. docs. juntos a fls. 2 a 7 do processo instrutor junto aos autos)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto aos pressupostos para pagamento de juros indemnizatórios

Considera a Recorrente que se verifica erro de julgamento, no tocante à condenação da FP ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto a decisão do pedido de revisão ocorreu antes de decorrido o prazo de um ano sobre a sua apresentação.

In casu, estamos perante duas autoliquidações de IRC, no âmbito das quais foi apurada derrama municipal, tendo a ora Recorrida apresentado requerimento, que designou de pedido de revisão do ato tributário, e, ulteriormente, reagido face ao silêncio da administração tributária (AT), através da impugnação que deu origem aos presentes autos.

A pretensão da Recorrida foi acolhida pela própria administração, no tocante ao tributo, tendo sido proferida, a 14.01.2014 (momento anterior à da apresentação da impugnação judicial), a decisão de deferimento expresso do pedido de revisão, exceto no tocante aos juros indemnizatórios.

O Tribunal a quo considerou assistir direito ao pagamento de juros indemnizatórios, desde o momento da formação de indeferimento tácito, sendo sobre tal segmento da sentença que se insurge a Recorrente, atento o disposto na alínea c) do n.º 3 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Vejamos.

Quanto aos juros indemnizatórios, há que atender, desde logo, ao disposto no citado art.º 43.º da LGT, segundo o qual:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

In casu, o Tribunal a quo considerou, como referido, que haveria de atentar na data da formação da presunção de indeferimento, face ao silêncio da administração, entendendo serem devidos juros a partir desse momento.

Não é controvertida a existência de erro imputável aos serviços, cuja verificação não foi posta em causa pela Recorrente.

Sobre a questão da determinação do momento a partir do qual são devidos juros indemnizatórios, no caso em que se lance mão do pedido de revisão do ato tributário, previsto no art.º 78.º da LGT, têm-se pronunciado os nossos tribunais superiores, no sentido de ser aplicável a mencionada alínea c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT.

Chama-se, a este propósito, à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.11.2023 (Processo: 088/23.6BALSB) e ampla jurisprudência no mesmo citada, onde se refere:

“A questão tem-se colocado diversas vezes e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quer no Pleno da mesma Secção (A título de exemplo e por mais recentes, referimos os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 29 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/2cffe7a2f22e0a8f8025887500390aa2;

- de 23 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 1/22.8BALSB, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b89dfad60ba58535802589630041477d;

- de 23 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 154/21.2BASLSB, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/8d726d303443ed4680258960004e0843;

- de 28 de Setembro de 2023, proferido no processo com o n.º 22/23.3BALSB, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/fd18e5683a47fbbf80258a3900367fb8.). Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, limitamo-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 11 de Dezembro de 2019 no processo n.º 58/19.9BALSB ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/67db23f4f3310fb9802584dd0056c46a.), dispensando a junção deste aresto porque indicamos onde está disponível.

Nesse acórdão ficou decidido que, nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e o acto venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.

Acolheu-se aí a fundamentação de acórdão anterior na mesma Secção (o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 27 de Fevereiro de 2019, no processo n.º 22/18.5BALSB, no presente recurso invocado como acórdão fundamento). No que ora releva, reafirmou-se o entendimento – que, de resto, já vinha uniformizado – no sentido de que não devem distinguir-se, para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, as situações em que é deduzido o pedido de revisão e a administração revê o acto mais de um ano após a dedução desse pedido, daquelas em que a administração não revê o acto mas este vem a ser anulado judicialmente após mais de um ano a contar desse pedido.

No caso sub judice, a liquidação com o n.º ….., efectuada em 15 de Setembro de 2017, foi objecto de pedido de revisão em 18 de Dezembro de 2020, o qual foi indeferido por decisão de 23 de Junho de 2021 [cfr. alíneas F), N) e Q) dos factos provados], mas a liquidação veio a ser anulada por decisão do CAAD proferida em 3 de Dezembro de 2021.

Ou seja, a decisão anulatória foi proferida (em 3 de Dezembro de 2021) dentro de um ano após a apresentação do pedido de revisão (que ocorreu em 18 de Dezembro de 2020), motivo por que, nos termos da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, não são devidos juros indemnizatórios”.

Portanto, quando, na sequência de um pedido de revisão apresentado ao abrigo do art.º 78.º da LGT, a decisão seja proferida dentro do prazo de um ano contado do momento da sua apresentação (mesmo que se trate de decisão judicial, como é o caso abordado no aresto citado), é de ter em conta o disposto no art.º 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

Este é o quadro jurisprudencial unânime, quando estamos perante pedidos de revisão apresentados já depois de decorrido, designadamente, o prazo de reclamação graciosa, por, no fundo, se considerar que a própria inércia do administrado, ao deixar decorrer os prazos de reação graciosa ou contenciosa regulares, demonstra um desinteresse temporário na recuperação do valor em causa – o que justifica este específico regime.

Assim, para que esta conclusão seja extraível é necessário que o pedido de revisão tenha sido apresentado já depois de decorrido o prazo para a apresentação da reclamação graciosa, caso contrário é de aplicar o disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, porquanto sempre a AT teria o poder dever de convolar o pedido de revisão em pedido de reclamação graciosa, em obediência ao princípio da colaboração, previsto, designadamente, no art.º 59.º da LGT.

Portanto, o objetivo da mencionada alínea c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT é o de, de alguma forma, censurar a conduta do administrado, quando não considera o prazo da reação graciosa imediata à liquidação (ou seja, o prazo para reclamar graciosamente), lançando mão de um outro procedimento gracioso que lhe permite reagir num momento ulterior, em determinadas circunstâncias.

Caso o pedido, mesmo que o administrado designe de pedido de revisão, seja apresentado dentro do prazo previsto para se reclamar graciosamente, inexiste tal juízo de censura.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, considerando o quadro factual pertinente, verifica-se que o alegado pela Recorrente é apenas em parte aplicável.

Concretizemos.

a) Em 30.05.2011, foi apresentada a declaração modelo 22 de IRC atinente ao exercício de 2010;

b) Em 30.05.2012, foi apresentada a declaração modelo 22 de IRC atinente ao exercício de 2011;

c) A 02.07.2013, a Recorrida apresentou requerimento junto da AT, visando a revisão oficiosa do ato tributário, tendo por objeto as duas autoliquidações mencionadas em a) e b).

Estando nós perante duas autoliquidações, é de atender ao prazo previsto no art.º 131.º, n.º 1, do CPPT, ou seja, ao prazo de 2 anos contados da apresentação da declaração.

Com efeito, quando a situação, como é a do caso, respeite a autoliquidações feitas de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT, não obstante não ser necessária a reclamação graciosa, o prazo para reclamar continua a ser o de 2 anos previsto no mencionado n.º 1 do art.º 131.º do CPPT [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.06.2019 (Processo: 03230/15.7BEBRG 0622/18): “Nos casos em que a lei não obriga à prévia interposição de reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT para viabilizar o acesso à via contenciosa de impugnação do acto de autoliquidação – e que são os casos em que esta foi efectuada em conformidade com orientações genéricas emitidas pela administração tributária e a impugnação se restringe a matéria de direito – o contribuinte não fica sujeito, caso queira reclamar do acto, a apresentar a reclamação no prazo geral previsto no art. 70.º do CPPT, podendo deduzi-la nos termos e prazo previstos no n.º 1 do art. 131.º do CPPT”; v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.06.2020 (Processo: 03229/15.3BEBRG)].

Ora, considerando tal prazo, no primeiro caso, relativo a 2010, a autoliquidação foi apresentada a 30.05.2011, pelo que o pedido de revisão, feito justamente por referência a tal autoliquidação, já foi apresentado depois de decorridos mais de 2 anos (02.07.2013). Pelo que, quanto a esta parte, é inteiramente aplicável a jurisprudência referida supra.

Logo, tendo a decisão que era visada com o pedido de revisão sido proferida dentro do prazo de um ano (14.01.2014), não há lugar, nessa parte, ao direito a juros indemnizatórios, assistindo razão à Recorrente neste segmento.

Já no caso atinente a 2011, a autoliquidação foi apresentada a 30.05.2012. Por seu turno, o pedido de revisão foi, como referimos, apresentado em 02.07.2013 e decidido favoravelmente à Impugnante, no que à derrama respeita, em 14.01.2014.

Ou seja, neste concreto caso, a reação do administrado foi (ao contrário do referido pela Recorrente – cfr. a sua conclusão 8) dentro do prazo normal de reclamação graciosa, já mencionado, pelo que o juízo de censura inerente à alínea c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT inexiste.

Ainda que a Impugnante tenha invocado tratar-se de pedido de revisão oficiosa, sempre a AT tinha, como já mencionado, o poder-dever de tratar, nesta parte, o requerido como reclamação graciosa, designadamente para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios.

Assim sendo, nesta parte, o alegado pela Recorrente não tem aplicação, pelo que, não tendo sido posto em causa pela Recorrida o dies a quo, deve-se manter a decisão nos termos em que foi proferida.

Como tal, assiste apenas em parte razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença na parte recorrida e absolver a Fazenda Pública do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, no tocante à derrama atinente a 2010, mantendo-se o decidido quanto ao demais;

b) Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 26% pela Fazenda Pública e 74% pela Impugnante;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 11 de janeiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Luísa Soares)