Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1032/19.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE DA SENTENÇA
ILEGALIDADE ABSTRACTA
Sumário:I. A doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão, não ocorrendo quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.
II. A nulidade da citação deve ser conhecida mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do artigo 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cf. artigos 191.º, n.º 4 do CPC e 165.º, n.º 1, alínea a) do CPPT).

III. A alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT prevê como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização, ou seja, está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. MASSA INSOLVENTE DA I. P. V. – G., S.A., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou (i) a presente instância extinta por inutilidade da lide relativamente ao pedido de suspensão do processo executivo; (ii) a oposição totalmente improcedente quanto aos demais pedidos, com todas as consequências legais.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Da sentença apenas resulta, relativamente ao argumento invocado pela Recorrente referente à inexigibilidade da dívida exequenda, uma transcrição de jurisprudência relativamente à alínea a) do art. 204º do CPPT.

2. No entanto, não faz nenhuma concretização dos factos dos presentes autos.

3. A sentença é nula nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC e viola o art. 205º da CRP, inconstitucionalidade que desde já se argui.

4. Conforme afirmou o Supremo Tribunal Administrativo (in www.dgsi.pt, Acórdão de 10/10/12, Processo nº 0726/12) “a oposição à execução fiscal deve entender-se como o meio processual adequado a contestar a pretensão executiva, quer o fundamento invocado seja substancial quer seja meramente formal”.

5. Face ao exposto, a arguição de nulidade da citação constitui fundamento para deduzir oposição à execução nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, sendo esta o meio processual adequado para o efeito, tendo o Tribunal a quo violado, o disposto no Artºs 204° n° 1 CPPT.

6. A Recorrente, na sua oposição à execução pretendia a declaração da inexistência do imposto em apreço, fundamento que se encontra previsto na primeira parte da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT que determina que a Oposição pode ter como fundamento a “ Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação”.

7. Por se invocar a anulação de IVA em sede de impugnação, conforme doc. 3 junto com a petição inicial, a Recorrente podia deduzir a oposição à exceução, como fez, nos teros alínea a) do nº 1 do art. 204º do CPPT.

8. Através de uma interpretação, contrária à lei e, até contrária ao espírito do legislador, do artigo 204.º do CPPT, o MMº Juiz a quo, decidiu considerar a oposição improcedente por não se verificarem quaisquer dos fundamentos taxativamente fixados no artigo 204º do CPPT.

Nestes termos, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverão V. Exas.»

3. A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença (i) padece de nulidade por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e incorre em erro de julgamento (ii) por considerar que a oposição não é o meio adequado para conhecer da nulidade da citação (III) e por julgar improcedente a oposição quanto à invocada inexigibilidade da dívida exequenda e ilegalidade do imposto constante da liquidação de onde emerge a dívida exequenda.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Em 29/07/2017 foi instaurado sobre a Opoente o processo de execução fiscal n.º 3247201701166131 – cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

2. No processo de execução fiscal referido em 1 encontra-se em cobrança dívida de IVA referente ao período 2012/08 no valor ed 1.793.565,37€ - cfr. fls. 2 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

3. A Opoente foi citada para o processo referido em 1 através do sistema via CTT, considerando-se a mesma 31/07/2017 – cfr. fls. 3 e 4 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

4. Em 05/07/2018 foi deferido pedido de pagamento em prestações da dívida referida em 2 apresentado pela Opoente – cfr. fls. 5 e 6 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

5. O pedido de pagamento em prestação referido em 4 foi deferido com isenção de prestação de garantia.

6. A Opoente foi declarada insolvente por sentença judicial proferida em 30/07/2013, tendo a mesma transitado em julgado no dia 14/10/2014 – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial a fls. 12 dos presentes autos e informação do órgão da execução fiscal junta ao fls. 44 e 45 dos presente autos.

7. O processo referido em 1 encontra-se suspenso em virtude da declaração de insolvência da Opoente – cfr. informação do órgão da execução fiscal junta a fls. 44 e 45 dos presentes autos.

8. Em 30-08-2017 foi deduzida a presente oposição.

Factos não provados.

Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, dá-se como não provado o seguinte facto:

Motivação da decisão sobre a matéria de facto.

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de execução fiscal apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.»


*

2. DE DIREITO

2.1. Nulidade da sentença por insuficiência de fundamentação

A Recorrente arguiu a nulidade da sentença, como se colhe dos pontos 1 a 3 das conclusões supra transcritas, por não fazer nenhuma concretização dos factos quanto ao argumento invocado referente à inexigibilidade da dívida exequenda.

A Mma. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa apreciou a nulidade, nos termos do artigo 617.º, n.º 1 do CPC, tendo concluído que não foi cometida a nulidade assacada à sentença sob recurso.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Preceitua o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT: Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões de que não deva conhecer.

Também o artigo 615.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea b) do CPPT, determina que:

1- É nula a sentença quando:

(…)

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

A exigência de que a sentença especifique os fundamentos de facto e de direito é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.

Importa trazer à colação que a actividade do juiz está delimitada pelo princípio do dispositivo, o que significa que a sua decisão deverá circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes (vide artigos 5.º e 608.º do CPC).

No processo de oposição à execução fiscal a estrutura e requisitos da sentença encontram-se regulados nos artigos 123.º e 124.º do CPPT, ex vi artigo 211.º do CPPT, de que se destaca, o relatório, a indicação das questões que ao tribunal cabe solucionar e a indicação da matéria de facto considerada como provada, com interesse para a apreciação da causa dentro das várias soluções plausíveis da questão ou questões de direito que devam considerar-se controvertidas e a não provada, a fundamentação de facto, a apreciação de todas as questões jurídicas suscitadas e das que sejam do conhecimento oficioso, cuja resolução não deva considerar-se prejudicada, e a decisão das questões que devam ser conhecidas (cfr. artigos 607.º e 608.º do CPC).

A especificação dos fundamentos de facto da decisão no processo judicial tributário abrange, não só a indicação dos factos provados, como também a dos não provados (artigo 123.º, n.º 2 do CPPT; exigência suplementar de fundamento de facto que não encontra correspondência no processo civil, conforme decorre do artigo 607.º do CPC), pelo que a falta de discriminação da matéria de facto não provada será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no n.º 1, do artigo 125.º do CPPT.

Como escreveu Jorge Lopes de Sousa,

(in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, II vol., nota 7 ao artigo 125.º, pág. 358).

No que respeita à discriminação dos factos provados, o Mmo. Juíza a quo, levou ao probatório a data de instauração do processo de execução fiscal, identificou a dívida exequenda e todos os demais factos constantes da ulterior tramitação do identificado processo de execução fiscal, designadamente, a citação, pedido de pagamento em prestações, data da declaração de insolvente da sociedade executa e data da suspensão da execução fiscal

O Mmo. Juiz indicou ainda os meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, revelando o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para decidir a matéria de facto.

Quanto à fundamentação de direito, o Mmo. Juiz a quo, depois de apreciar como questão prévia da existência de erro na forma do processo suscitada pela Fazenda Pública, emergente da circunstância da Oponente apresentar como fundamento da Oposição a ilegalidade concreta da divida exequenda, que julgou improcedente, atento o pedido formulado pela Oponente, apreciou as seguintes questões: saber se a divida exequenda é inexigível e inexistente, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, tendo aderido à posição constante do acórdão do STA de 09/04/2019, proferido no processo n.º 076/14, cuja fundamentação jurídica transcreveu, para concluir pela improcedência da oposição.

Como já se deixou expresso supra, a doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão, não ocorrendo quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.

No caso em apreço, não se vislumbra qual o facto cuja concretização não foi feita, nem a Recorrente o concretiza.

Com efeito, a Recorrente não indica qualquer facto que em seu entender seja merecedor de constar da matéria de facto provada e que não tenha sido levado ao provatório.

Assim sendo, não se vislumbra a razão que leva a Recorrente a invocar a falta de fundamentação da sentença, quando nas próprias alegações pretende retirar conclusões da factualidade dada como provada em prol da tese defendida.

Sendo certo que só existirá nulidade da sentença por falta de indicação de factos provados e não provados relativamente a factos essências, isto é, que possam relevar para a decisão da causa.

No que respeita à fundamentação de direito, devemos realçar que a questão apreciada nos presentes autos relativa à inexistência do imposto, foi amplamente tratada nos tribunais superiores, como é referido no acórdão do STA citado na sentença sob recurso, onde se identificam outros arrestos no mesmo sentido.

Não merece qualquer crítica o facto de a sentença ter acolhido o discurso fundamentador do acórdão do STA, visto a questão em apreciação ser igual, e tal conduta visar a interpretação e aplicação uniforme do direito, sendo imposta pela lei (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).

Refere-se na decisão recorrida, louvando-se no arresto transcrito, que a alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT também não é apta a sustentar a alegação de inexigibilidade da divida exequenda.

A sentença recorrida permite apreender, não só o acervo dos factos essenciais, como também a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

Melhor concretizando, da leitura da sentença resulta que a fundamentação elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu, e que tal foi perfeitamente apreendido pela Recorrente como resulta das suas alegações, visto demonstrar compreender a fundamentação de facto e de direito da sentença sob recurso.

Dir-se-á, por último, que caso se concluísse pela existência de factos relevantes para a decisão ou errado enquadramento jurídico, tal poderia configurar eventuais erros de julgamento quer sobre a irrelevância desses factos, quer na aplicação de norma jurídicas, mas não a invocada nulidade. Apreciaremos a seu tempo o erro de direito, uma vez que vem invocado.

Assim, é de concluir não se verificar, a arguida nulidade, pelo que improcede este fundamento de recurso.


*

2.2. Do erro de julgamento quanto à invocada nulidade de citação

A Recorrente alega que a arguição de nulidade de citação constitui fundamento para deduzir oposição à execução nos termos da alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, e sendo este o meio processual adequando para o efeito o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 204.º, n.º 1 do CPPT (cfr. conclusões 4 e 5 da alegação de recurso).

A sentença recorrida quanto a esta questão expendeu o seguinte:

«Conferindo-se o conteúdo da petição inicial apresentada pela Opoente constata-se que a mesma evidencia como um dos seus pedidos a declaração de nulidade da sua citação para o processo de execução fiscal por referência ao qual é apresentada a presente oposição pois que a mesma não foi remetida com a fundamentação legalmente exigida, nem com os elementos essenciais da liquidação de onde emerge a dívida exequenda. Devendo-se, nessa decorrência, declarar a nulidade da referida citação

Não se pode olvidar que nos presentes autos se está perante uma oposição à execução fiscal, forma processual configurada e destinada à apreciação de vícios do processo de execução fiscal que determinem a extinção do processo de execução fiscal. E é jurisprudência uniforme e reiterada do STA que, a nulidade/ilegalidade da citação, pela circunstância de a sua procedência não determinar a extinção do processo de execução fiscal, é uma irregularidade processual que deve ser arguida junto do órgão da execução fiscal, cabendo da decisão proferida pelo órgão da execução fiscal, reclamação para o Tribunal nos termos do artigo 276º do CPPT.

Pelo que a arguição da nulidade da citação em sede de oposição à execução fiscal configura uma situação de erro na forma do processo.

Atente-se no que se afirmou no Acórdão STA, de 07/05/2014, no processo n.º 0198/14: “… afigura-se possível inferir, em face da alegação aduzida na petição, que a sua pretensão é dupla e, como procuraremos demonstrar incompatível: a de que se extinga a execução fiscal, por um lado, e a de que se declare a nulidade da citação, por outro.

Para o pedido de extinção da execução, a forma processual escolhida pelo Executado é, inequivocamente, a ajustada (Note-se que a oposição, em regra, visa a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, mas pode também ter por objecto a suspensão da execução. É o caso em que a exigibilidade da dívida seja determinada por motivo meramente temporário, como, v.g., concessão de uma moratória (como as que têm vindo a suceder nos diplomas que prevêem regimes especiais de regularização de dívidas), existência de processo de falência ou de insolvência ou recuperação de empresas, ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia do acto de liquidação ou a própria suspensão da execução. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, de onde extraímos os exemplos referidos.); mas já não o é para o outro pedido, de declaração da nulidade da citação. Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar repetida e uniformemente, a nulidade da citação não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no art. 204.º do CPPT, não sendo subsumível, designadamente, na previsão da alínea i) do n.º 1 daquele artigo e, como nulidade, deverá ser invocada perante o órgão da execução fiscal [cf. n.ºs 1 e 2 do art. 191.º do Código de Processo Civil (CPC), que corresponde ao art. 198.º na anterior versão do Código], com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.º do CPPT) (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

de 28 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 803/04 publicado no Apêndice ao Diário da República de 5 de Dezembro de 2007 http://dre.pt/pdfgratisac/2007/32410.pdf), págs. 36 a 44, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29187a21aba2ec588025729d00551d75?OpenDocument; de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 923/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 3 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32410.pdf), págs. 58 a 62, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6603a143389bd257802576dd00504304?OpenDocument.

No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144/145.). Assim, o Juiz do Tribunal a quo, ao invés de afirmar, como afirmou, que o processo não enferma de nulidades, designadamente por erro na forma do processo (O erro na forma do processo é uma nulidade que consiste na utilização de meio processual impróprio. A sua verificação afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo. Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.), deveria ter declarado o erro na forma do processo relativamente ao pedido de declaração de nulidade da citação.

Recordemos aqui os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, sob a epígrafe «Erro parcial na forma de processo» (As referências que são feitas aos arts. 193.º e 199.º do CPC devem, em face do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, considerar-se feitas para os actuais arts. 186.º e 193.º, respectivamente.):

«Nos casos em que tenha sido efectuada cumulação de pedidos e a forma do processo seja adequada à apreciação apenas de um deles, não poderá haver correcção da forma de processo quanto aos processos para os quais a forma de processo é inadequada, pois o processo tem de seguir a forma escolhida pelo interessado relativamente à apreciação do pedido para que essa forma de processo é adequada.

Nestes casos, a solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC, é a de considerar sem efeito o pedido ou pedidos para o qual o processo não é adequada, seguindo o processo apenas para apreciação do pedido que deva ser apreciado em processo do tipo escolhido pelo interessado.

Essa consequência é uma aplicação da regra do art. 199.º do CPC, segunda a qual, no caso de erro na forma de processo, é nulo todo o processado que não puder aproveitar-se para a tramitação de acordo com a forma estabelecida na lei. Nesses casos de erro parcial da forma de processo, como este tem de prosseguir para apreciação do pedido para que é adequado, a consequência relativamente ao outro pedido será a de nulidade parcial do processo, na parte a ele respeitante, o que se reconduz a que o processo prossiga como se esse pedido não tivesse sido efectuado» (Ob. cit., volume II, anotação 10 e) ao art. 98.º, págs. 92/93.).

O mesmo Autor, renovando a doutrina acima exposta, mas agora referindo-se à hipótese aqui em causa – de cumulação da arguição de nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal com fundamento de oposição previsto no art. 204.º, n.º 1, do CPPT –, afirma:

«Se a arguição de nulidade por falta de citação ou qualquer nulidade secundária for feita em oposição à execução fiscal, nos casos em que não o pode ser, poderá haver possibilidade de convolação de petição de oposição em requerimento de arguição de nulidade com a consequente incorporação do mesmo no processo de execução fiscal, convolação essa que, quando possível, é obrigatória, nos termos dos arts. 97.º, n.º 3, da LGT, e 98.º, n.º 4, do CPPT.

Tal possibilidade, porém não existe quando a nulidade da citação não é o único fundamento de oposição invocado e entre os invocados se inclua algum que esteja previsto como tal no art. 204.º.

Em situações deste tipo, havendo uma cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução que se extrai do regime do processo civil é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do C.P.C. Na verdade, refere-se nesta norma, para o caso de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis que «a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito, por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo». Não se estará, decerto, perante um caso aqui directamente enquadrável, pois não haverá cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. No entanto, nesta norma pressupõe-se que a solução legal para a apresentação de um pedido para o qual o processo é inadequado é a de que ele «fique sem efeito», prosseguindo o processo para apreciação do pedido para o qual o processo é adequado. Por isso, nestes casos em que são invocados fundamentos de oposição juntamente com a arguição de nulidade, não haverá possibilidade de convolação, por esta pressupor que todo o processo passasse a seguir a tramitação adequada e, nestas situações, tal não poder determinar-se, por o processo de oposição ser o próprio para apreciação dos fundamentos invocados que devam ser apreciados em processo de oposição» (Ob. cit., volume III, anotação 14 ao art. 165.º, págs. 146/147.). Ou seja e regressando ao caso sub judice, verificado que está que um dos pedidos formulados na petição inicial (de extinção da execução fiscal) é adequado à forma processual escolhida e outro (de declaração de nulidade da citação) não, deveria o processo ter prosseguido apenas para conhecimento daquele, considerando-se sem efeito este, relativamente ao qual deveria decretar-se a nulidade parcial do processo…” – acórdão disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Assim, lançando mão dos ensinamentos constantes do excerto que supra transcrevemos, tendo em consideração que a Opoente na presente oposição formula também um pedido e apresenta causas de pedir (fundamentos) compatíveis com e adequados à oposição à execução fiscal, declara o presente Tribunal que há erro parcial na forma do processo relativamente ao pedido de declaração de nulidade da citação, que nessa decorrência não será de conhecer nos presentes autos.

Não se procedendo à convolação para a forma de processo adequada ao conhecimento da nulidade de citação, em conformidade com a posição constante do excerto que supra transcrevemos, porque precisamente há pedido e causas de pedir para as quais a presente oposição é a forma processual adequada, pelo que se impõe conhecê-los.

Nos termos e com os fundamentos expostos, não irá o presente Tribunal conhecer da arguida nulidade da citação da Opoente para a execução fiscal.»

A decisão recorrida não merece censura.

O acórdão do STA de 07/05/2014, proferido no processo 0198/14 transcrito na sentença, para cujo discurso fundamentador também remetemos, não deixa margem para dúvidas sobre onde e de que forma deve ser invocada a nulidade de citação, entendimento, aliás, repetido uniformemente pelos tribunais superiores.

Como se deixou expresso no acórdão do STA de 07/05/2014, proferido no processo n.º 0283/14

«A oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa, em regra, a extinção da execução fiscal, enquanto a nulidade da citação apenas pode determinar a repetição do acto com suprimento das irregularidades que determinaram a anulação e a repetição dos actos subsequentes que, porque dependentes da citação anulada, tenham sido também anulados. Assim, porque a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal não pode ser erigida, em circunstância alguma, em fundamento de oposição à execução fiscal.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Concluindo, a nulidade da citação deve ser conhecida mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do artigo 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cf. artigos 191.º, n.º 4 do CPC e 165.º, n.º 1, alínea a) do CPPT).

Termos em que se julga improcedente as conclusões 4 e 5 da alegação de recurso.


*

2.3. Do erro de julgamento quanto à inexistência do imposto

A Recorrente insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa imputando-lhe erro de julgamento por ter entendido que o argumento invocado relativo ao pedido de anulação do imposto em sede impugnação não se enquadra nos fundamentos taxativamente fixados no artigo 204.º do CPPT. Defende a Recorrente que a pretendida declaração de inexistência do imposto encontra-se previsto na primeira parte da alínea a) do n.º 1, do artigo 204.º, do CPPT (conclusões 6 a 8 da alegação de recurso).

Da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo estribou a sua fundamentação, no entendimento firmado pelos tribunais superiores, nomeadamente, na fundamentação do acórdão do STA de 09/04/2019, proferido no processo n.º 076/14, onde se apontou:

«Como se disse no Acórdão desta secção de 27.11.2013, recurso 1073/13, in www.dgsi.pt, «a ilegalidade em abstracto a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT – inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação – é uma “ilegalidade normativa”, e não meramente do acto de aplicação da norma legal, uma ilegalidade que, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª edição, 2011, p. 443 e 446 – nota 4 ao art. 204.º do CPPT), não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado, (...), cabendo neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares.

No mesmo sentido podem confrontar-se ainda os seguintes arestos desta secção: Acórdão de 13.11.2013, recurso 1205/13, de 28.11.2012, recurso 593/12 e de 23.11.2011, recurso 945/10, todos in www.dgsi.pt.» (disponível em www.dgsi.pt/).

A alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT prevê como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização, ou seja, está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação.

Resulta, assim, claro que a situação descrita pela Recorrente não se subsume à referida alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, na medida em que aquilo que se discute, como bem refere a sentença recorrida, é a legalidade em concreto da dívida exequenda, em momento algum vindo colocar em causa a ilegalidade abstracta.

Aliás, como de resto é alegado na conclusão 7 da alegação de recurso, a Recorrente usou do meio processual adequado para pôr em crise a legalidade da liquidação, pois, apresentou impugnação contra a liquidação de IVA, para aí apreciar da legalidade da divida em concreto.

Nesta conformidade, está vedado deduzir oposição com tais fundamentos, o que significa que andou bem a decisão recorrida ao não atender o exposto pela Recorrente neste âmbito por manifesta falta de fundamento legal.

Assim, na improcedência de todas as conclusões da alegação do recurso, impõe-se, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


*

2.4. Dispensa pagamento do remanescente da taxa de justiça

O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento.

Como pondera Salvador da Costa: «A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, por um lado, a sua menor complexidade ou maior simplicidade, e, por outro, a atitude das partes na prática dos actos processuais necessários à adequada decisão da causa, isto é, margem de afirmações ou alegações de índole dilatória.

A este propósito, é necessário ter em conta que a taxa de justiça é um dos elementos essenciais do financiamento dos tribunais e do acesso ao direito e aos tribunais.

A atitude das partes com vista à dispensa ou não do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada à luz dos princípios da cooperação e da boa fé processual, a que se reportam os artigos 7.º, n.º 1, e 8.º da CPC.» (in As Custas Processuais, análise e comentário, 7.ª Edição, Almedina, nota 6.8. ao artigo 6.º, pág. 141).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07).

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 1.813.413,18, se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos.

Tendo presente os critérios indiciários supra elencados e o circunstancialismo em que foi lavrado o acórdão, constata-se que a especialidade da causa é de molde a afastar o excesso do pagamento sobre o valor de €275.000,00.

Efectivamente, ponderando que a questão apreciada não apresenta elevada complexidade, tendo inclusivamente versado sobre matéria já amplamente tratada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.


*

Conclusões/Sumário:

I. A doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão, não ocorrendo quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.

II. A nulidade da citação deve ser conhecida mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do artigo 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cf. artigos 191.º, n.º 4 do CPC e 165.º, n.º 1, alínea a) do CPPT).

III. A alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT prevê como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização, ou seja, está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação.


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 275.000.

Notifique.

Lisboa, 25 de Novembro de 2021



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta