Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3709/12.2YYPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSÃO DA REVISTA
ARTº 629º
Nº 2
AL. D) DO CPC
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2010, p. 509.
- Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, p. 186.
- Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2015, no Blog do Instituto Português de Processo Civil (IPPC).
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA D), 671.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18/9/2014, PROCESSO N.º 1008/07.0TBFAR.D.E1.S1,EM WWW.DGSI.PT
-DE 26/3/2015, PROCESSO N.º 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1,EM WWW.DGSI.PT
-DE 2/6/2015, PROCESSO N.º 189/13.9TBCCH-B.E1.S1, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
O recurso de revista que haja de ser interposto com fundamento na contradição de acórdãos da Relação – cfr. artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código Processo Civil – pressupõe e exige que estejam preenchidos os pressupostos/requisitos – cfr. artigos 629.º, n.º 1 e 671.º, ambos do Código Processo Civil – de que depende a admissibilidade do recurso de revista
Decisão Texto Integral:

I.- Relatório.

Notificada do despacho de não admissão de recurso, prolatado a fls. 1252 a 1254, vem a executada, AA, reclamar para a Conferência, com os seguintes fundamentos (sic): “Em sentido contrário àquela que havia sido, num primeiro momento, a decisão do Tribunal da Relação do Porto, e que foi a de admitir o recurso de revista para uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente, subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, veio o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator proferir a Decisão ora posta em crise, através da qual se rejeitou o recurso em apreço.

O entendimento perfilhado na Decisão é, fundamentalmente, o seguinte: o recurso (ordinário) de revista contemplado no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, para além dos requisitos de admissibilidade próprios (que, necessariamente, terão de se encontrar preenchidos), teria igualmente de passar pelo crivo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, atinente à "revista-regra" ou recurso (ordinário) de revista "nos termos gerais".

Ou seja, o recurso interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC apenas poderia ser admissível quando o acórdão da Relação recorrido tivesse (i) conhecido do mérito da causa ou (ii) posto termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos; o que não se verificou na presente situação.

Ora, a Recorrente não pode concordar, nem se conforma com este entendimento, o qual, salvo melhor opinião, é contrário ao que resulta da Lei e à interpretação que faz da mesma a Doutrina e a Jurisprudência que já se pronunciou sobre o recurso de revista para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 629.°, n.º 2, alínea d), do CPC, razão pela qual deve ser admitido o recurso interposto pela Recorrente.

Da admissibilidade do recurso de revista para uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente.

Do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC resulta que "[i]ndependentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso ( ... ) [d]o acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme." (destaque nosso).

Pela sua relevância e clarividência, importa começar por citar António Santos Abrantes Geraldes, que, acerca do sobredito recurso de revista para uniformização de jurisprudência, explica o seguinte: "Foi repristinada a solução que já constara do art. 678.º do anterior CPC e que fora afastada na revisão do regime dos recursos de 2007, reabrindo-se, assim, a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição em casos em que tal está vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o impedimento ao recurso não reside no facto de o valor da acção ou da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do n.º 1 do art. 629.º mas noutro motivo de ordem legal.

Desta forma ampliam-se as possibilidades de serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça contradições jurisprudenciais que, de outro modo, poderiam persistir, pelo facto de, em regra surgirem em acções em que, apesar de apresentarem valor processual superior à alçada da Relação, não se admite recurso de revista nos termos gerais." (destaques e sublinhados nossos).

A propósito do afastamento da solução em apreço aquando da mencionada revisão do regime dos recursos de 2007, pronunciara-se José Lebre de Freitas, sustentando que: "A razão de ser desta norma de admissibilidade era entender-se que, em casos em que normalmente nunca haveria acesso ao ST J. havia que garantir o papel uniformizador do supremo tribunal. (...) A sua revogação é pouco compreensível na economia da reforma de 2008, votada à finalidade de melhor garantir a função uniformizadora do Supremo, e coaduna-se mal com a possibilidade, que o art. 721-A [artigo 672.º do actual CPC] concede, de, apesar da “dupla conforme”, recorrer de revista excepcional do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro de qualquer Relação ou do STJ (...)." (destaque e sublinhado nossos).

Com relevo para esta matéria, acrescenta António Santos Abrantes Geraldes: "O que agora se dispõe no art. 671.º, nºs 2, al. a), e 3, sana qualquer dúvida em redor do acesso imediato ao recurso de revista nos casos excepcionais previstos no n.º 2 do art. 629.º.

Já no domínio do anterior CPC defendíamos a prevalência do que se dispunha no art. 678.º, n.º 2, sobre o preceituado no art. 721.º do anterior CPC. com argumentos variados, mas que agora se tornam supérfluos, em face da expressa salvaguarda da admissibilidade da revista, sem mais impedimentos ... nos casos em que a revista "é sempre admissível".

Por conseguinte, nas situações agora previstas no n.º 2 do art. 629.º, a revista normal é de admitir, independentemente quer do valor, quer da natureza ou do teor do acórdão da Relação.

Estando em causa interesses que atinam com as regras de competência absoluta, com o regime do caso julgado ou com a certeza do direito que é assegurada pela uniformização jurisprudencial, as razões que motivaram a prevenir a recorribilidade ilimitada sobrepõem-se àquelas que levaram o legislador a restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.

(...)

É verdade que, como observa Teixeira de Sousa, o sistema assim construído parece contraditório quando impede a revista de acórdãos da Relação que incidiram sobre o mérito da causa, admitindo-a, sem restrições, nos casos previstos no art. 629.º, n.º 2. Todavia, não pode ignorar-se que o âmbito deste preceituado cobre situações em que é posta em causa o pressuposto da competência absoluta do tribunal, os efeitos do caso julgado ou a força persuasiva que é reconhecida aos acórdãos de uniformização de jurisprudência a justificar, por isso, a intervenção final do Supremo destinada a repor a legalidade que foi posta em causa." (destaques e sublinhados nossos).

No presente caso, o "impedimento ao recurso" - de revista nos termos gerais - resulta, desde logo, do facto de não estarmos perante nenhuma das situações em que caberia revista nos termos gerais no âmbito das execuções, conforme delimitadas por intermédio do artigo 854.º do CPC, e é esse impedimento que permite em primeiro lugar à Recorrente lançar mão do recurso de revista para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 629.°, n.º 2, alínea d), do CPC.

Com efeito, é o próprio artigo 854.º do CPC que ressalva os "casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça" - e um desses casos está expressamente previsto no artigo 629.°, n.º 2, alínea d), do CPC.

Como explica também António Santos Abrantes Geraldes, a propósito do regime do recurso de revista no âmbito das execuções previsto no artigo 854.° do CPC, "[o] preceito ressalva expressamente os casos em que o recurso de revista é sempre admissível, o que nos remete para o disposto nos arts. 629.º, n.º 2. e 671.º, n.º 2, al. b)." (sublinhado nosso).

Mas mesmo na ausência da limitação ao direito ao recurso prevista no artigo 854.º do CPC, a verdade é que a admissibilidade da interposição do recurso de revista para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, residiria precisamente no facto de o Acórdão Recorrido não ser passível de recurso ordinário de revista nos termos gerais para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 671.º do CPC.

A propósito das regras do novo CPC respeitantes à admissibilidade do recurso de revista, conforme previstas no n.º 1 do referido artigo 671.º, António Santos Abrantes Geraldes salienta que, embora, "[n]a sua vertente negativa, est[ejam] excluídos do âmbito da revista (. . .) os (. . .) acórdãos da Relação (. . .) que, revogando a sentença que absolveu réu da instância, determinem o prosseguimento dos autos", "ressalva-se, é claro, a eventual inserção na normal excepcional do art. 629. º, n.º 2 (... " (sublinhado nosso).

Como destaca ABÍLIO NET0 por referência ao artigo 629.º, n.º 2, do CPC, "[o]bviamente que se o recurso for recebido por virtude apenas de se verificar qualquer das mencionadas hipóteses [isto é, aquelas constantes do n.º 2 do artigo 629.º do CPC], o seu objecto restringe-se à matéria que justificou a sua admissão, sendo vedado conhecer de questões que sejam estranhas a esse tema.".

Que não caiba recurso ordinário (de revista "regra" ou "nos termos gerais") por motivo estranho à alçada do Tribunal da Relação é, portanto, um pressuposto de admissibilidade do recurso de revista para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 692.º, n.º 2, alínea d), do CPC, como, aliás, resulta do texto do normativo ("e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal').

Se assim é, não se compreende como possa sustentar-se que, para este tipo de recurso ser admissível, têm ainda de estar preenchidos os pressupostos do 671.º, n.º 1, do CPC. Ao invés, é o facto de não estarem preenchidos esses pressupostos - ou de existir outro "motivo de ordem legal" que afaste o recurso ordinário de revista, como é o caso do artigo 854.° do CPC - que origina a possibilidade de se lançar mão deste recurso de uniformização de jurisprudência.

Conforme se salienta no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 1I de Fevereiro de 2015, "esta possibilidade especial de recurso de revista [a da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC] tem por finalidade obstar à persistência e até proliferação de contradições jurisprudenciais em acções insusceptíveis do recurso de revista nos termos gerais, desde que verificados determinados pressupostos ou requisitos." (destaque e sublinhado nossos).

Veja-se ainda o seguinte excerto do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 100/99 proferido a 10 de Fevereiro de 1999, a respeito da solução idêntica que constava do n.º 4 do artigo 678.° do CPC anteriormente à reforma dos recursos de 2007: "(...) pode dizer-se que a razão de ser do inciso do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal constante do n.º 4 do art. 678.º (...) comporta as seguintes situações:

(...) para os casos em que a matéria ou a natureza das causas (e já não aforma de processo decorrente directamente do respectivo valor) nunca admita recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, porque não é possível a obtenção por banda deste de uma decisão e, consequentemente não se figura que haja oposição entre ares tos deste elevado órgão judiciário sobre a mesma questão fundamental de direito, o legislador, ponderando que importava, para esses casos, obviar à subsistência de decisões contraditórias quanto a tal questão tomadas pela mesma ou por diferente relação, que funcionavam, nos aludidos casos, como o órgão judiciário de maior hierarquia, entendeu que se justificava que o mencionado Supremo Tribunal se debruçasse sobre a questão, vindo a tomar uma decisão constitutiva de uniformização de jurisprudência (...)." (destaque e sublinhado nossos).

Na interpretação conferida por via da Decisão de que ora se reclama - e com a qual não se pode concordar - a contradição de julgados da Relação constituiria apenas mais um dos fundamentos da revista a incluir sistematicamente no n.º1 do artigo 674.º do CPC ou em disposição própria inserida no Capítulo III do CPC que dispusesse sobre este mecanismo de uniformização de jurisprudência concreto, não tendo sido essa a intenção do legislador.

Repare-se que, "[c]om o NCPC, o ponto de referência para a admissibilidade da revista deixou de ser a decisão da 1.ª instância, sendo agora inequívoco que importa sobretudo o conteúdo do acórdão da Relação que sobre aquela incidiu.,,.

Deixou, por exemplo, de haver revista se a Relação revogar a sentença que absolveu o réu da instância, determinando o prosseguimento dos autos para instrução em primeira instância, uma vez que tal acórdão nem põe termo ao processo, nem incide sobre o mérito da causa.

Estamos perante uma limitação maior do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que foi também contrabalançada com a repristinação da solução plasmada no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

Com efeito, tal como antes da reforma dos recursos de 2007 figurava na redacção do artigo 721.º do anterior CPC a solução que focava o recurso de revista nos acórdãos da Relação que incidissem sobre o mérito da causa, independentemente do teor da decisão da primeira instância1o, também antes da referida reforma se previa no n.º 4 do artigo 678.º do anterior CPC a possibilidade de uniformização de jurisprudência hoje prevista no já citado preceito.

Concluindo, parece não haver dúvidas de que o recurso previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC foi reintroduzido pelo legislador do actual CPC precisamente como um contrapeso à maior limitação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça através do recurso ordinário de revista previsto no artigo 671.º do CPC, configurando uma válvula de escape para assegurar a uniformização de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça, que de outra forma não teria oportunidade para julgar a matéria.

É, portanto, requisito de admissibilidade e pressuposto base do recurso previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, que não haja lugar a recurso ordinário de revista nos termos gerais para o Supremo Tribunal de Justiça por motivo que não seja relacionado com a alçada do tribunal (nomeadamente por a decisão objecto de recurso não conhecer do mérito da causa ou não pôr termo ao processo).

Da inconstitucionalidade da interpretação do quadro legal vigente sufragada na Decisão de que se reclama

A merecer acolhimento o entendimento expresso na Decisão de que se reclama, veja-se como estaríamos perante uma injustificada e discriminatória limitação ao direito ao recurso da Recorrente, e perante uma solução causadora de enorme desigualdade de armas e desproporcionalidade entre as partes.

Com efeito, de acordo com este entendimento, as decisões da natureza do Acórdão Recorrido passariam a integrar o restrito universo das decisões em que não é possível lançar mão do recurso de revista para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do CPC, sem que haja qualquer fundamento sério para sustentar essa discriminação.

Assim, a uniformização da jurisprudência por via do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC seria possível para os casos em que se conhecesse do mérito ou se pusesse termo ao processo em ambas as instâncias, apesar da dupla conforme (cf. artigo 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC), mas também para os casos em que apenas se tivesse posto termo ao processo na segunda instância revogando-se a decisão da primeira instância (cf. artigo 671.º, n.º 1, do CPC), e ainda para os casos em que o acórdão da Relação apreciasse uma decisão meramente interlocutória da primeira instância que recaísse unicamente sobre a relação processual (cf. artigo 671.º, n.º 2, alínea a), do CPC).

Mas já não seria possível para os casos em que a decisão de conhecer do mérito ou de pôr termo ao processo proferida na primeira instância fosse revogada na segunda instância e fosse ordenado o prosseguimento dos autos.

Não só esta diferenciação não resulta do texto da Lei (antes pelo contrário), como não se vislumbra qualquer justificação para que se afaste a possibilidade de recair acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça por via do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, consoante a decisão que conheça do mérito ou ponha termo ao processo seja ou não proferida pela Relação, na medida em que esta em nada resolve a contradição de decisões e, portanto, não afasta o interesse na uniformização de jurisprudência que justificou a reintrodução deste tipo de recurso.

Além do mais, este entendimento resulta numa flagrante desigualdade de armas e desproporcionalidade entre as partes perante a existência de uma contradição jurisprudencial entre acórdãos proferidos pelas Relações.

Com efeito, e por um lado, se se tivesse verificado uma situação inversa à que ocorreu no presente caso, ou seja, se a primeira instância não tivesse indeferido o requerimento executivo das Exequentes e a Executada, aqui Recorrente, tivesse recorrido de tal decisão para a Relação, sendo esta a considerar que inexistia título executivo e a pôr termo à execução, de acordo com o entendimento da Decisão de que se reclama, as Exequentes poderiam utilizar o fundamento da contradição de acórdãos da Relação para fazer uso de um recurso de revista para uniformização de jurisprudência, contornando assim a limitação do artigo 854.º do CPC.

E, por outro lado, no caso de o Acórdão Recorrido ter confirmado a decisão da primeira instância, e posto termo ao processo, as Exequentes poderiam também, de acordo com o entendimento em causa, fazer uso do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, apesar da dupla conforme (cf. artigos 671.º, n.º 3 e 854.° do CPC), ao passo que a Recorrente se vê impedida de poder recorrer e defender-se de uma decisão da Relação que, não só entende que é incorrecta, como se encontra em contradição com outra decisão da Relação, comportando a grave consequência para a Recorrente de o sentido com que o Acórdão Recorrido decidiu a questão fundamental de direito formar caso julgado.

Não é verdade, portanto, que, como se refere na Decisão de que se reclama, "[c]om o prosseguimento da execução a recorrente tem meios processuais aptos a defender-se, nomeadamente através da oposição à execução, pelo que os seus direitos não quedarão desabrigados", dado que a Recorrente ficará forçosamente prejudicada com o entendimento perfilhado pelo Acórdão Recorrido, ao contrário do que sucederia com as Exequentes, caso a decisão da primeira instância tivesse sido confirmada, que poderiam socorrer-se do recurso de uniformização de jurisprudência para obstar ao caso julgado que resultaria da dupla conforme e da limitação de recurso prevista no artigo 854.º do CPC.

Estamos, assim, perante uma restrição a um direito fundamental - o direito ao recurso -, incompatível com a Constituição da República Portuguesa ("CRP"), na medida em que é negado o acesso à Justiça e, em concreto, à fixação de jurisprudência que, ao contrário do que resulta da interpretação em causa, é permitida pelo quadro legal vigente.

Acresce que a interpretação em apreço, ao inviabilizar tal uniformização de jurisprudência apenas nos casos em que o acórdão da Relação não conheça do mérito ou ponha termo ao processo, que são materialmente idênticos, no que respeita ao interesse de uniformização de jurisprudência tutelado pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, aos casos que integram o n.º 1 do artigo 671.º do CPC, é igualmente violadora dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança e da igualdade e da proporcionalidade, que decorrem dos artigos 2.º,13.º e 18.º da CRP.

O direito a um processo equitativo - que se encontra consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP - postula também a efectividade do direito de defesa no processo, bem como do princípio da igualdade de armas. 

Supérfluo será, assim sendo, mencionar que a ideia de equidade constante do n.º1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ("CEDH") significará o direito à obtenção de uma (última) decisão, uniformizadora e realizadora da Justiça.

Não se descura que o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos.

O que está em causa e se pretende sublinhar é que o recurso de que a Recorrente se socorreu encontra-se presentemente previsto, sem que a sua admissibilidade esteja dependente da verificação dos pressupostos constantes no n.º 1 do artigo 671.º do CPC, e configurando a interpretação sufragada na Decisão de que se reclama uma limitação discriminatória e injustificada desse direito face a situações materialmente idênticas no que respeita ao interesse de uniformização de jurisprudência tutelado pelo artigo 629.°, n.º 2, alínea d), do CPC (as que integram o n.º 1 do artigo 671.° do CPC).

41. A este propósito, vejam-se, por fim, Jorge Miranda e Rui Medeiros 13: "(...) num Estado de Direito, a plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a protecção dos interessados contra os próprios actos jurisdicionais (...). É possível, por isso, fundar constitucionalmente um genérico direito de recorrer das decisões jurisdicionais. E, se é certo que cabe ao legislador ordinário concretizar, com maior ou menor amplitude, o seu âmbito de aplicação e conteúdo, está-lhe vedado abolir o sistema de recursos in toto ou afectá-lo substancialmente através da consagração de soluções que restrinjam de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se traduzam na supressão tendencial dos recursos (...).

As limitações ou restrições ao direito de recurso estão, por isso, sujeitas aos limites constitucionais gerais e, de modo especial, aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, pelo que as diferenciações legais não podem ser arbitrárias e as medidas restritivas do direito de recorrer não devem ser excessivas." (destaques e sublinhados nossos)

Posto isto, pode concluir-se que a interpretação que na Decisão reclamada se faz do quadro legal vigente e, nomeadamente, da conjugação dos artigos 629.º, n.º 2, alínea d), 671.°, n.º 1, e 854.º do CPC, é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais ou princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrados, respectivamente, nos artigos 2.º, 13.º, 18.º e 20.º, todos da CRP,

Inconstitucionalidade essa que aqui se deixa invocada para todos os efeitos.

Face ao exposto, deve ser revogada a Decisão proferida pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e Relator no presente caso, sendo a mesma substituída por Acórdão que admita o recurso de revista para uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente ao abrigo dos artigos 629.º, n.º 2, alínea d), e 854.º do CPC.

Na resposta que produziram, os reclamados, alinham a sequente contramina, na parte adrede (sic): “Conforme bem referiu o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relatar do Supremo Tribunal de Justiça: "A regra contida no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil - contradição de decisões dos tribunais da Relação - tem de ser compaginável com o direito ao recurso, típico e ordinário, da revista. "

Contrariamente, entende a Recorrente que: "(...) a admissibilidade da interposição de recurso de revista para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, residiria precisamente no facto de o Acórdão Recorrido não ser passível de recurso ordinário de revista nos termos gerais para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 671.° do CPC."

Entende, assim, a Recorrente que é sempre admissível recurso sobre qualquer Acórdão da Relação esteja em contradição com outro, quer seja um acórdão que conheça do mérito da causa, quer não, quer seja um acórdão que ponha termo ao processo, quer não, quer seja um acórdão que absolva da instância o Réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos, quer não, quer seja um acórdão que aprecie decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, quer não.

Sucede que, tal entendimento é contrário ao que resulta da Lei e interpretação que faz da mesma a Doutrina e a Jurisprudência.

Não obstante a Recorrente transcrever António Santos Abrantes Geraldes quando este refere que: "Na sua vertente negativa, estão excluídos do âmbito da revista designadamente os seguintes acórdãos da Relação:

Acórdãos que, revogando a sentença que absolveu o réu da instância, determinem o prosseguimento dos autos.

Efectivamente, tais acórdãos nem põem termo ao processo, nem incidem sobre o mérito da causa, não se justificando, por isso, o recurso de revista."

Faz a Recorrente questão de sublinhar a referida nota de rodapé associada onde se menciona que:

"Já era esta a solução que fora defendida no Ac. do STJ, de 15-4-10, CJSTJ, tomo II, pág. 31 (com voto de vencido), mas que se defrontava com enorme dificuldade perante o texto legal anterior. Ressalva-se, é claro, a eventual inserção na norma excepcional do art. 629.º, n.º 2, como acontece quando o acórdão da Relação revelar violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado ou não acatamento de acórdão uniformizador".

Tal ressalva não tem porém o alcance que a Recorrente lhe pretende imprimir no sentido de que "acórdãos [que] nem põem termo ao processo, nem incidem sobre o mérito da causa, não se justificando, por isso, o recurso de revista" podem ser objecto de revista ao abrigo da norma excepcional do 629.º n.º 2.

Ora, a referida norma constante do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, não é mais do que uma excepção à regra absoluta do n.º 1 (impedimento em razão da alçada ou da sucumbência), assim se lê no início do preceito:

"Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: (...)"

Muito embora a al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC acrescente "e do qual não caiba recurso por motivo estranho à alçada do tribunal",

Tal significa, apenas e só, que, não obstante - por motivo estranho à alçada do tribunal - não caber recurso de revista - nomeadamente no âmbito das execuções, de Acórdãos da Relação sobre a oposição deduzida contra a penhora - este será sempre admissível, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. d), conquanto que se verifiquem preenchidos os pressupostos do artigo 671.º do CPC, isto é, do respectivo recurso de revista.

Tal como conforme refere a Recorrente transcrevendo António Santos Abrantes Geraldes: "Por conseguinte, nas situações agora previstas no n.º 2 do artigo 629.º, a revista normal é de admitir, independentemente quer do valor, quer da natureza ou do teor do acórdão de Relação.

Ou seja, ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, deve admitir-se a revista normal (artigo 721.° do CPG) independentemente quer do valor (superior a €30.000,00 ou não), quer da natureza (declarativa ou executiva) quer do teor (ex. oposição à penhora) do acórdão da Relação,

E a admitir-se a revista normal, óbvio que a mesma deve observar os respectivos pressupostos regra (artigo 721.º do CPG).

Foi precisamente com base neste entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça admitiu, no acórdão referido pela Recorrente (proferido em 11.02.2015 no âmbito do processo 9088/05.7TBMTS.P1.S1), revista do acórdão da Relação que, pondo termo ao processo, havia fixado o valor da indemnização devida em caso de expropriação.

Por ventura, mais esclarecedoramente, referem Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, em anotação ao artigo 671.º que: "(...) resulta claramente da lei actual que o acórdão da Relação que, conhecendo da apelação da decisão do tribunal de 1. a instância que ponha termo ao processo - cuja recorribilidade tinha sustentação na letra da lei no domínio do Código anterior -, anule ou revogue esta decisão, ordenando o prosseguimento dos autos, não admite revista."

Acerca do recurso de revista no âmbito das execuções, a Recorrente transcrevendo de novo António Santos Abrantes Geraldes, agora em anotação ao artigo 854.º, refere que: "O preceito ressalva expressamente os casos em que o recurso de revista é sempre admissível, o que nos remete para o disposto nos arts. 629.º, n.º 2, e 671.º, n.º 2 al. b)".

Tal significa, conforme referimos, que "nos casos em que o recurso é sempre admissível' (artigo 629.º n.º 2 do CPC) cabe revista, por exemplo, dos Acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de oposição à penhora,

Mas desde que - nesses casos em que o recurso é sempre admissível - o Acórdão da Relação sobre a oposição deduzida contra a penhora conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos (artigo 671.º n.º 1 do CPC).

Caso contrário apenas é admissível revista "dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução" (artigo 854.º do CPC).

Com efeito, ressalta dos mais basilares e elementares princípios de direito que as disposições gerais constantes do capitulo I do Título V do Livro III do CPC não se sobrepõe sobre as disposições especiais constantes do capitulo III do Título V do Livro III do CPC,

O que significa que não se sobrepõe aos requisitos especiais de admissibilidade do recurso de revista constantes do artigo 671.º do CPC a excepção aos requisitos gerais da admissibilidade de recurso constante do artigo 629.º do CPC.

Aqui chegados somos forçados a concluir como o fez a decisão reclamada que "A regra contida no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil - contradição de decisões dos tribunais da Relação - tem de ser compaginável com o direito ao recurso, típico e ordinário, da revista. "

Termos em que a mesma deve ser mantida a aludida decisão, não devendo o recurso interposto pela Recorrente ser admitido.

DA CONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DO QUADRO LEGAL VIGENTE SUFRAGADA NA DECISÃO RECLAMADA

Inconformada, vem ainda a Recorrente suscitar a inconstitucionalidade da interpretação levada a cabo pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça porquanto considera que a mesma é violadora dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da igualdade e da proporcional idade e do acesso aos tribunais ou princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Para tanto argumenta a Recorrente que "se se tivesse verificado uma situação inversa à que ocorreu no presente caso, ou seja, se a primeira instância não tivesse indeferido o requerimento executivo das Exequentes e a Executada, aqui Recorrente, tivesse recorrido de tal decisão para a Relação, sendo esta a considerar que inexistia título executivo e a pôr termo à execução, de acordo com o entendimento da Decisão de que se reclama, as Exequentes poderiam utilizar o fundamento da contradição de acórdãos da Relação para fazer uso de um recurso de revista para uniformização de jurisprudência contornando assim a limitação do artigo 854.º"

Sucede que tal argumentação assenta numa falácia que jamais poderá ser acolhida.

Ora, esquece a Recorrente de que "se a primeira instância não tivesse indeferido o requerimento executivo das Exequentes" a Executada não poderia recorrer de tal decisão, porquanto tal decisão era - também ela - irrecorrível.

Esta falácia da Recorrente é por demais ilustrativa da interpretação que a mesma faz acerca do seu (não) direito a recorrer de qualquer decisão seja ela qual for.

E não se diga que a irrecorribilidade constante da lei ofende princípios constitucionais pois a esse respeito pronunciou-se já o Tribunal Constitucional em vários acórdãos, nomeadamente, no acórdão transcrito pela Recorrente o Acórdão n.º 100/99 proferido a 10.02.1999, tendo decidido o seguinte: " (...) no vertente caso que o segmento da norma in specie, ao determinar a inadmissibilidade do julgamento alargado da revista quando haja oposição entre dois acórdãos da mesma ou de diferente relação sobre a mesma questão fundamental de direito nos casos em que não possa caber recurso ordinário por motivo de alçada, não é ofensivo do direito (ou da corte de direitos) consagrado(a) no n.º 1 do art. 20° da Constituição.

(...) Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas - ou dito de outra forma, não são abrangidas ­pela legitimação especial de recurso contida no artigo 764°.

Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de 'filtragem' de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma forma. "

De facto, os mecanismos de “filtragem” de recursos que a Recorrente considera inconstitucionais, permitem antes uma racionalização do sistema judiciário que evitará que toda e qualquer questão possa ser submetida a um terceiro grau de jurisdição.

Razão pela qual realçou o Tribunal Constitucional no arresto acima referido que: “A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos 'patamares' de recurso. "

Ora, tendo em conta que a decisão que a Recorrente quer ver apreciada em terceira instância não pôs termo ao processo, não considera nem a lei, nem a doutrina, nem a jurisprudência, mormente o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, que a mesma tenha relevância suficiente para alcançar um terceiro grau de recurso.

E tal solução não fere qualquer preceito nem princípio constitucional.

SEM PRESCINDIR,

Caso V. Exas., Exmos. Senhores Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, decidam revogar a Decisão reclamada, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre deverão todavia rejeitar o recurso interposto pela Recorrente por intempestivo, por inobservância dos requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 637.º do CPC, por inobservância da especificação a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC e por inobservância do requisito de admissibilidade previsto no artigo 629.º-A n.º 2 alínea d) do CPC, devendo, em consequência, o respectivo requerimento ser indeferido nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 641.° do CPC, porquanto inexiste qualquer contradição de julgados, conforme referido nos pontos I a III. das contra-alegações apresentadas pelas Recorridas que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve improceder a Reclamação apresentada pela Recorrente, devendo manter-se a Decisão reclamada não se admitindo o recurso interposto pela Recorrente.

Sem prescindir,

Deverá todavia deverá todavia rejeitar-se o recurso interposto pela Recorrente por intempestivo, por inobservância dos requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 637.º do CPC, por inobservância da especificação a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC e por inobservância do requisito de admissibilidade previsto no artigo 629.º-A n.º 2 alínea d) do CPC, devendo, em consequência, o respectivo requerimento ser indeferido nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, porquanto inexiste qualquer contradição de julgados, conforme referido nos pontos I a III, das contra alegações apresentadas pelas Recorridas que aqui se dão por integralmente reproduzidas.”

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

O Despacho reclamado contém-se dentro dos sequentes termos (sic): “A executada/recorrente, AA”, recorre do acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Novembro de 2014 – cfr. fls. 986 a 1028 – para “uniformização de jurisprudência” – cfr. fls. 1034 e conclusão n.º 41 (fls. 1069) – amparando-se nos artigos 629.º, n.º 2, alínea d) e 854.º, ambos do Código Processo Civil.

O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência vem regulado no artigo 688.º do Código Processo Civil (igual ao anterior artigo 763.º do Código Processo Civil vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), sendo pressupostos invadeáveis: a) que o Supremo Tribunal de Justiça profira acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal; b) que os acórdãos proferidos, itera-se, pelo Supremo Tribunal de Justiça, tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; c) e que a questão de direito, que haja sido versada nos dois acórdãos – proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, não é de mais frisá-lo –, e que se mostre ter obtido contraposto tratamento jurídico e decisório, seja a mesma. [ [1]]

Em face destes requisitos não se prefigura ser viável a pretensão requestada pela recorrente. Falece um pressuposto inderrogável ou irremível para que se possa requestar uma uniformização de jurisprudência, a saber que os acórdãos – tanto o acórdão recorrido como o acórdão-fundamento – tenham sido proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Não se pode uniformizar jurisprudência concernente a acórdãos dos tribunais da Relação pela simples e lhana razão que desses acórdãos é possibilitada, ao desfeiteado pela decisão, mais um grau de recurso – para o Supremo Tribunal de Justiça – que poderá modificar ou alterar o sentido decisório assumido no acórdão em crise. Daí que a lei só permita a uniformização de decisões de que já não seja possível recurso ordinário, ou seja de decisões-acórdãos que hajam sido proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.  

Ainda que imperando a uniformização de jurisprudência, por conflito ou contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, a recorrente faz apelo ao artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código Processo Civil – norma que rege para o universo do sistema recursivo ordinário – que permite a admissibilidade de recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, “do acórdão da relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”    

Adrega de o recurso (ordinário) de revista ser cabível – cfr. artigo 671.º do Código Processo Civil: 1) do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa; 2) ou da decisão proferida pelo tribunal da Relação que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos.   

Para que seja possível recorrer de revista-regra, com base na contradição de acórdãos proferidos por tribunais da Relação, impõe-se, assim, que a decisão proferida pela Relação – acórdão recorrido: a) emita pronúncia, ditame ou veredicto, sobre o mérito da causa; b) ou de decisão que, não decidindo ou se pronunciando sobre o mérito da causa, ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos. Vale dizer, para a segunda hipótese figurada na norma, que é necessário que a decisão proferida pelo tribunal de apelação decida dar fim ao processo, absolvendo da instância, isto é, ilaqueando, por uma decisão que não esburgando o mérito da causa, a possibilidade de o titular de um dos direitos em dissídio, e reclamados por via da acção ou por via da reconvenção, obtenham decisão de mérito, por pate do tribunal.

No caso em apreço a decisão do tribunal da Relação, revogou o despacho do tribunal de 1.ª instância que havia indeferido o requerimento executivo – cfr. fls. 195 a 197 – o que importa, pela inteligibilidade proposicional do ditame pronunciado, que a execução deve prosseguir. A decisão proferida pelo tribunal da Relação e que ordena o prosseguimento da execução não põe termo ao processo, pelo que não quadra no âmbito das decisões de que seria admissível recurso de revista.

A regra geral contida no artigo 629.º, n.º 2, alínea b) do Código Processo Civil – contradição de decisões dos tribunais da Relação – tem de ser compaginável com o direito ao recurso, típico e ordinário, da revista. Vale dizer que só as decisões que sejam recorríveis ao amparo do normativizado no artigo 671.º, n.º 1 do Código Processo Civil podem, excepcionalmente, ser objecto de recurso de revista, pelos fundamentos enunciados no n.º 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil (maxime contradição de acórdãos da mesma ou de outra Relação, “no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”). Dito de outra forma, é possível interpor recurso de uma decisão de um tribunal da Relação que conheça de mérito da causa ou ponha termo ao processo, por absolvição da instância, quando esse tipo de decisões esteja em contradição com outra da mesma, ou de outra, Relação, se o recurso for admissível por verificação dos pressupostos contidos no artigo 671.º do Código Processo Civil.

 No caso, como já se aflorou supra, decede um dos pressupostos que permitiriam a admissão do recurso (ordinário9 de revista, a saber que a decisão de que pretende recorrer tivesse conhecido do mérito da causa ou haja posto termo ao processo. No caso, a decisão de que se pretende recorrer não põe termo ao processo – ao invés ordena a sua prossecução – pelo que dela não cabe recurso de revista (ordinária) para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento no regime excepcional contido na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil.

Com o prosseguimento da execução a recorrente tem meios processuais aptos a defender-se, nomeadamente através da oposição à execução, pelo que os seus direitos não quedarão desabrigados.     

Em jeito de conclusão, e quanto à pretensão da recorrente, dir-se-á que:

a) – Não é permitido recurso (extraordinário) para uniformização de jurisprudência que tenha por fundamento dois acórdãos proferidos por tribunais da Relação, ou seja em que o acórdão recorrido e acórdão-fundamento não hajam sido proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça;

b) – Não é permitido recurso de revista (ordinária) – com fundamento no regime excepcional contido na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil (contradição entre acórdãos da mesma ou de outra Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental) – se não estiverem preenchidos os requisitos de que depende a admissão da revista-regra (cfr. artigo 671.º do Código Processo Civil), ou seja que decisão de que se pretende recorrer tenha conhecido do mérito da causa ou tenha posto termo ao processo, “absolvendo o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”    

Pelos argumentos expendidos, e porque a decisão de que se pretende recorrer não sufraga ou quadra os pressupostos do recurso de revista (ordinária) nem estão preenchidos os requisitos do recurso (extraordinário para uniformização de jurisprudência), não se admite o recurso.”

Em nosso juízo, o despacho reclamado detém a orientação jusprocessual arrimada ao normativo que inculcou o amparo para a revista.

Em recente despacho a propósito da hermenêutica da alínea d) do n.º2 do artigo 629.º do Código Processo Civil.

Em recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, em que se discutia a admissibilidade de um recurso de revista na âmbito da legislação de insolvência, ponderou-se acerca da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil conjugado com artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, (sic): “Este preceito legal veio reintroduzir no Código de Processo Civil um caso especial de admissibilidade de revista, que tinha sido eliminado pela reforma de 2007 (Decreto-Lei na 303/2007, de 24 de Agosto), admitindo a revista quando a razão da inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça for estranha à alçada e o acórdão recorrido contrariar outro acórdão da Relação, proferido "no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (...), salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme".

Regra semelhante constava do nº 4 do artigo 678.º do Código de Processo Civil anterior a essa reforma, preceito que, por sua vez, viera substituir o recurso para o Tribunal Pleno previsto no artigo 764º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1994/1995.

Tem como justificação o objectivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de justiça, porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, nunca se alcança o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista.

É o que sucede, por exemplo, com as decisões proferidas em procedimentos cautelares (cfr. artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil), [[2]/2] mas não na não no processo de insolvência.” [[3]]

Estatui o nº 1 do artigo 629.º do Código Processo Civil que; “O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se em caso de dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”    

Preceitua o artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código Processo Civil: “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”    

O Professor Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao mencionado aresto, no Blog do Instituto Português de Processo Civil (IPPC), ao Acórdão do STJ 2/6/2015 [[4]], relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos, a propósito da hermenêutica que deve presidir à interpretação do estatuído no n.º 2, alínea d) do art. 629.º do Código Processo Civil, teceu as seguintes considerações: “Também não se pode acompanhar a interpretação que é feita na declaração de voto [[5]] do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC. O preceito não tem, de modo algum, o sentido de admitir a revista sempre que haja oposição entre dois acórdãos da Relação, ou seja, não permite a interposição da revista de qualquer acórdão da Relação que esteja em oposição com qualquer outro acórdão da Relação; pressuposto (aliás explícito) da aplicação daquele preceito é que a revista, que seria admissível pela conjugação do valor da causa com a alçada da Relação, não seja afinal admitida "por motivo estranho à alçada do tribunal", isto é, por um impedimento legal distinto do funcionamento da regra da alçada.

Quer dizer: o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível. É o que se verifica, por exemplo, nos procedimentos cautelares, dado que nestes procedimentos a revista não é admissível mesmo que o valor do procedimento exceda a alçada da Relação (art. 370.º, n.º 2, CPC); o mesmo pode ser dito quanto aos processos de jurisdição voluntária, porque nestes processos está excluída a revista das resoluções proferidas segundo um critério de discricionariedade, mesmo que o valor do processo exceda a alçada da Relação (art. 988.º, n.º 2, CPC). Portanto, não se pode seguir a afirmação constante da declaração de voto de que no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC "se admite sempre o recurso n[o] caso especifico de oposição de julgados, independentemente do valor da causa".
Há uma (boa) razão de ordem sistemática para se entender que o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não pode dispensar a admissibilidade da revista nos termos gerais (sendo nomeadamente necessário, para a admissibilidade da revista, que o valor da causa exceda a alçada da Relação). O argumento é muito simples: se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista "ordinária" nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excepcional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações, seria admissível uma revista "ordinária", não havendo nenhuma necessidade de prever para a mesma situação uma revista excepcional.
Pode assim concluir-se que a admissibilidade de uma revista excepcional com base numa contradição entre acórdãos das Relações pressupõe necessariamente que não seja admissível uma revista "ordinária" sempre que se verifique essa oposição de julgados. Como é evidente, a admissibilidade de uma revista "excepcional" com base numa contradição entre acórdãos das Relações pressupõe que não seja sempre admissível uma revista "ordinária" com fundamento numa oposição entre esses mesmos acórdãos. Visto pela perspectiva contrária: a admissibilidade de uma revista "ordinária" sempre que se verifique uma contradição entre acórdãos das Relações retira qualquer espaço para uma revista excepcional baseada nessa mesma contradição. Assim, a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excepcional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista "ordinária" não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição. Só nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.

É certo que a revista excepcional está instituída apenas para os casos em que se verifica a dupla conforme, ou seja, para as situações em que o acórdão da Relação é conforme com a decisão da 1.ª instância (cf. art. 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 1 pr., CPC). Isto não invalida o que acima se afirmou, pois que o entendimento de que o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC permite a interposição de uma revista "ordinária" sempre que ocorra uma contradição entre acórdãos da Relação torna desnecessária a regulação de qualquer revista excepcional, esteja esta pensada - como efectivamente sucede - apenas para os casos de dupla conforme ou - como poderia suceder - para qualquer acórdão, "conforme" ou "desconforme", da Relação.

O exposto mostra que o regime instituído no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar de a revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida pela lei. Se se quiser resumir numa fórmula o estabelecido no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, pode dizer-se que este preceito estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal.

Atendendo à exclusão da revista por um critério legal independente da relação do valor da causa com a alçada do tribunal, há que instituir um regime que permita que o STJ possa pronunciar-se (e, nomeadamente, uniformizar jurisprudência) sobre matérias relativas aos procedimentos cautelares e aos processos de jurisdição voluntária. É precisamente essa a função do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.

O mesmo pode ser dito do disposto no art. 14.º, n.º 1, CIRE. Efectivamente, este preceito cumpre a mesma função do estabelecido no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, pois que, depois de excluir a recorribilidade para o STJ dos acórdãos da Relação proferidos nos processos de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, aquele preceito garante a recorribilidade para o STJ dos acórdãos da Relação que estejam em contradição com outros acórdãos da Relação. Assim, tal como o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, o art. 14.º, n.º 1, CIRE assegura a recorribilidade de um acórdão que é irrecorrível por força da lei, não pela conjugação do valor da causa com o valor da alçada. Portanto, ao contrário do que se faz na declaração de voto, não é possível utilizar o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC para criticar a interpretação do art. 14.º, n.º 1, CIRE que foi realizada pela posição que fez vencimento no acórdão.
IV.
Em conclusão: - O art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC e o art. 14.º, n.º 1, CIRE não dispensam que a revista seja admissível nos termos gerais, isto é, não dispensam que, atendendo à conjugação do valor da causa com a alçada da Relação, a revista seja admissível; pelo contrário: ambos os preceitos pressupõem que a revista a que garantem a recorribilidade com base numa oposição de julgados seja admissível nos termos gerais; - O art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC e o art. 14.º, n.º 1, CIRE cumprem a mesma função: ambos os preceitos afastam uma irrecorribilidade legal, pois que garantem, em caso de conflito jurisprudencial, a recorribilidade de um acórdão da Relação que não é recorrível por uma exclusão legal.

Do conjunto de jurisprudência citada e da doutrina que recenseou e anotou os acórdãos deste Supremo Tribunal, parece não resultarem dúvidas quanto ao acerto e o correctismo do despacho reclamado.

Efectivamente só nos casos em que o recurso para o Supremo não seja admissível por causa atinente com o valor da causa ou a alçada do tribunal de que se recorre é que é possível lançar-se mão do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil. Vale por dizer que o preceituado nesta alínea visa acautelar as situações e casos em que, por razões que se prendem tão somente com a alçada do tribunal e do valor da acção, determinado tipo de acções e procedimentos não poderiam ser objecto de uma apreciação mais acendrada, i. é, pelo mais Alto Tribunal, ainda que se denotasse na decisão recorrida uma extante contradição com outras decisões de tribunais do mesmo plano ou categoria (jurisdicional). Com esta solução visou o legislador, ocorrendo situações processuais em que estejam reunidos os pressupostos da revista, mas que, ainda assim, determinados tipo de acções ou procedimentos, pela sua natureza ou função, não permitiriam nunca que obtivessem uma revisão pelo Supremo Tribunal, o possam vir a obter.      

Falecem, pois, os fundamentos da reclamação. 

Os preceitos em questão, na interpretação que ora se lhe confere, não ferem qualquer princípio constitucionalmente consagrado, pelo que se desatende a fundamentação orientada no sentido propugnado pela reclamante.

III. – Decisão.

Na defluência do exposto, decide-se:

- Indeferir a reclamação e, consequentemente, manter o despacho reclamado.

- Custas pela reclamante.

Lisboa, 17 de Novembro de 2015

______________________________________________

                                                           Gabriel Catarino – (Relator)

                                                           ______________________________________________

                                                           Maria Clara Sottomayor

                                                           ______________________________________________

                                                           Sebastião Póvoas


[1]Os requisitos de recorribilidade específicos, ou na terminologia legal, são dois: existência de um conflito ou contradição de jurisprudência entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação; afirmação pelo recorrente da ilegalidade da decisão recorrida por dever prevalecer a solução jurídica do acórdão-fundamento” - Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”, Coimbra Editora, 2009, pág. 186. Mais desenvolvidamente, ou desgranando de forma mais distendida, os fundamentos/requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência, refere Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2010, pág. 509, que “o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência depende dos seguintes vectores fundamentais: a) diversidade entre o acórdão recorrido e outro acórdão do Supremo relativamente à mesma questão de direito; b) Carácter essencial da questão em que se manifesta a divergência; c) Identidade substantiva do quadro normativo em que se insere a questão; d) Qualquer dos acórdãos deve ter transitado em julgado, presumindo-se o trânsito do acórdão-fundamento; e) Como acórdão-fundamento poderá ser invocado não apenas o proferido com intervenção de três juízes no âmbito de uma revista normal ou excepcional como ainda algum acórdão de uniformização de jurisprudência que tenha sido desrespeitado pelo próprio Supremo; f) Impede a admissão de recurso extraordinário o facto de o acórdão recorrido ter adoptado jurisprudência anteriormente uniformizada pelo Supremo ou o facto de o acórdão recorrido ser ele mesmo um acórdão uniformizador.”        

[2] Também nas situações de condenação em multa ou penalização do artigo 27.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Judiciais. Cfr. Sumário do Acórdão deste Supremo e respectiva anotação extraída do referido Blog do Instituto Português de Processo Civil. “O sumário de STJ 16/6/2015 (1008/07.0TBFAR.D.E1.S1) é o seguinte: Nos termos do n.º 6 do art. 27.º do RCP, as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são sempre recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência. (Relatado pelo Conselheiro Gregório Jesus e por nós subscrito como 2.º Adjunto).

2. O decidido no acórdão não levanta dúvidas (cf. STJ 26/3/2015 (2992/13.0TBFAF-A.E1.S1)), mas o mesmo não se pode dizer do fundamento da sua admissibilidade. Segundo é informado no acórdão, o recurso de revista foi admitido "com fundamento no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, por estar em contradição com o decidido noutro Acórdão da mesma Relação proferido em 19/06/2014, no Proc. n.º 1683/04.8TBFAR-A.E1". Parece ter-se partido do princípio de que basta que se verifique uma contradição entre acórdãos da Relação para que seja admissível a interposição do recurso de revista.

Já houve a oportunidade de chamar a atenção para que esta interpretação do estatuído no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não corresponde ao sentido do preceito e, em termos sistemáticos, é incompatível com o sentido útil do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC (cf. Jurisprudência (157); na jurisprudência, cf. STJ 26/3/2015 (2992/13.0TBFAF-A.E1.S1)). Acrescenta-se agora uma nota de carácter histórico.

O estabelecido no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC corresponde, no essencial, ao disposto no art. 678.º, n.º 4, do CPC (versão do DL 180/96, de 25/9 e do DL 38/2003, de 8/3), preceito que, algo estranhamente, foi revogado pelo DL 303/2007, de 24/8. Em relação àquele art. 678.º, n.º 4, a CPC escreveu-se o seguinte:

"No caso que examinamos [art. 678.º, n.º 4], existe um verdadeiro recurso de uniformização de jurisprudência das Relações, excepcionalmente admitido porque, por razões estranhas à alçada do tribunal, nunca seria admissível o acesso ao STJ (é o caso, por exemplo, das situações que caem sob a alçada dos art. 111-4, 800 ou 1411-2 [= 988.º, n.º 2, nCPC], ou, por via do art. 66-5 CExpr., do acórdão da Relação sobre a indemnização em caso de expropriação por utilidade pública)" (Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado III (2003), 13).

Está assim claro que o antigo art. 678.º, n.º 4, aCPC só era aplicável quando, apesar de o valor da causa o permitir, havia uma exclusão legal da revista. Não é facilmente compreensível, por isso, que o actual art. 629.º, n.º 2, al. d), nCPC possa ter um sentido diferente do seu directo antecessor.

2 Queda igualmente transcrito o sumário do Acórdão deste Supremo de 26 de Março de 2015, in www.dgs..pt e respectiva anotação lavrada pelo Professor Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do Instituto Português de Processo Civil. “1. Para os efeitos da alínea c) [d] do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, só é admissível recurso para o STJ com o fundamento especial ali previsto, quando o mesmo seja vedado por motivo exclusivamente alheio à alçada do tribunal recorrido e, cumulativamente, quando o valor da causa, em termos gerais, o permitisse. 2. Todavia, o que se discute, na decisão recorrida, é a questão da sua recorribilidade irrestrita, em face do bloqueio decorrente do factor condicionante da sucumbência. 3. Nessas circunstâncias, por analogia com a razão subjacente à alínea b) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC, o recurso será então admissível, sob pena de inviabilizar a finalidade de uniformização visada pela alínea c) [d] do mesmo normativo. 4. A norma do n.º 6 do art.º 27.º do RCP tem por objectivo introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, fora dos casos de litigância de má fé, de modo a colmatar o bloqueio decorrente do factor condicionante da sucumbência. 5. A circunstância de existir esse bloqueio decorrente dos limites legais das multas e penalidades anteriormente fixados e mantidos nos artigos 10.º e 27.º, n.º 1, do RCP, excluídos os casos de litigância de má fé, bem como a previsão, no alínea e) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC, do mecanismo de apelação autónoma para as decisões que condenem em multa ou cominem outra sanção processual, apontam no sentido do objectivo referido no ponto precedente. 6. Nessa conformidade, a expressão fora dos casos legalmente admissíveis contida no n.º 6 do art.º 27.º do RCP deve ser interpretada no sentido de delimitar os tipos de sanções ali enunciados, de modo a ressalvar daquela previsão normativa os casos de litigância de má fé. 7. Assim, nos termos do n.º 6 do art.º 27.º do RCP, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, mas apenas em um grau, por paralelismo com o disposto no n.º 3 do art.º 452.º do CPC.

II. O art. 27.º, n.º 6, RCP estabelece o seguinte: "Da condenação em multa, penalidades ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa penalidade ou taxa.". O STJ entendeu que este preceito significa que, nos casos nele previstos, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência. Este entendimento do STJ não levanta nenhumas objecções: é certo que a redacção do art. 27.º, n.º 6, RCP suscita muitas dúvidas, mas o STJ escolheu a orientação mais razoável.

O mesmo não pode ser dito da admissibilidade do recurso interposto do acórdão da Relação para o STJ. Para melhor compreensão, recorde-se o que se passou: um tribunal de 1.ª instância aplicou uma taxa sancionatória excepcional a um exequente; este recorreu para a RE; esta não aceitou o recurso, por entender que a decisão era irrecorrível, primeiro por decisão sumária e, depois, por acórdão da conferência; o MP, como parte acessória, recorreu para o STJ invocando o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, dado que a mesma RE havia admitido, em outros acórdãos, a recorribilidade de decisões que tinham aplicado a taxa sancionatória excepcional.

Conforme se refere no acórdão, há aqui um equivoco, dado que, no caso concreto, o que obstava ao recurso para o STJ não era uma exclusão legal de um recurso que, à partida, era admissível em função do valor da causa e da sucumbência da parte, mas, desde logo, a circunstância de o valor da taxa sancionatória excepcional não exceder a alçada da Relação. Portanto, o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não era aplicável no caso concreto.

Para admitir o recurso, o STJ defendeu o seguinte: «Neste caso, parece valer aqui, por analogia, a razão subjacente ao disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 629.º, em que se admite o recurso, independentemente do valor da acção ou da sucumbência, “das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre”». Esta orientação do STJ é bastante discutível por dois motivos:

Desde logo, é discutível que exista analogia entre uma decisão da Relação que rejeita um recurso relativo à aplicação de uma taxa sancionatória excepcional - que é uma pura decisão de forma - e uma decisão da Relação que fixa o valor da causa ou de um incidente - que, sendo também uma decisão de forma, decide algo, confirmando ou substituindo a decisão da 1.ª instância sobre o valor da causa ou do incidente;

- Além disso, atento o disposto no art. 11.º CC, é discutível que, sendo as regras que constam do art. 629.º, n.º 2 e 3, CPC regras excepcionais do sistema recursal, delas possa ser feita uma aplicação analógica; aquelas regras contrariam, em termos substanciais, a irrecorribilidade que resultaria da aplicação das regras gerais sobre a recorribilidade das decisões, pelo que não parece que sejam susceptíveis de aplicação analógica a casos que por elas não são abrangidos.”

3 Cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Setembro de 2014, relatado pela Conselheira Prazeres Beleza, consultável em www.dgsi.pt.
3 Sumário do acórdão. “1. No processo de insolvência, o valor da acção indicado na petição inicial, em função do activo do insolvente, vai sofrendo alterações em função da tramitação que lhe é própria; todavia, são realidades distintas, o valor da acção que releva para efeito de recurso e da sucumbência e o valor tributário que, normalmente, apenas se apura a final. 2. Se o requerente da insolvência deu à acção o valor de € 7.000,00, que a 1ª Instância não alterou em fase ulterior do processo, esse é o valor da acção e o que releva para efeito de admissibilidade do recurso. 3. “O art. 14.º, n.º 1, do CIRE – ao restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro -, não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada”
4 Queda extractado, para melhor esclarecimento o voto de vencido – na parte adrede – oposto ao acórdão anotando. “De outra banda, sempre se diz ex abundanti que a liberdade de conformação conferida ao legislador no que tange à recorribilidade das decisões judiciais esbarra com a abertura conferida pela Lei e pelo legislador em sede de recursos, independentemente do valor da causa, quando está em causa uma oposição de Acórdãos, como acontece no caso sub judice.
Assim sendo, pegando na jurisprudência citada na tese que fez vencimento, no sentido de que “São aplicáveis ao processo de insolvência as regras definidas no Código de Processo Civil para os recursos, salvo se do CIRE resultar regime diverso. O art. 14.º do CIRE – ao restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro – não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada.”, não podemos ignorar o que preceitua a respeito o normativo inserto no artigo 629.º, nº 2, alínea d), do NCPCivil, onde se admite sempre o recurso neste caso especifico de oposição de julgados, independentemente do valor da causa (aqui em sede de insolvência não se pode falar em sucumbência), teremos de concluir que o recurso interposto é admissível, sob pena de introduzirmos, além do mais, um distinguo, entre este tipo de procedimentos e todos os demais o que sempre seria violador das regras gerais que regem a interpretação da Lei e do principio da igualdade inserto no artigo 13.º da CRPortuguesa
.”