Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1008/07.0TBFAR.D.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: MULTA
SANÇÃO PECUNIÁRIA
CUSTAS
VALOR DA CAUSA
SUCUMBÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
CUSTAS JUDICIAIS - CUSTAS PROCESSUAIS / TAXA DE JUSTIÇA / MULTAS / CONTA DE CUSTAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil - Novo Regime, Almedina, Reimpressão, 2008, págs. 47/48; Veja-se, ainda págs. 49 e 173; Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 51/52.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, pp. 120/121, nota de rodapé 217.
- Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais”, Anotado e Comentado, Almedina, 4ª ed., pp. 408/409.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 456.º, 678.º, N.º1, 691.º, N.º1, AL. C), N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 531.º, 542.º, N.º3, 629.°, N.° L, 644.°, N.° 2, AL. E).
D.L. N.º 323/2001, DE 17-12: - ARTIGO 3.º, N.º1.
LEI N.º 41/2013, DE 26/06: - ARTIGO 7.º.
LEI N.º 52/2008, DE 28/08: - ARTIGO 31.º, N.º1.
LEI Nº 62/2013 DE 26/08: - ARTIGO 44.º, N.º1.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (POR DIANTE RCP), APROVADO PELO DL N.º 34/2008, DE 26/02, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 7/2012 DE 13/02: - ARTIGOS 10.º, 27.º, N.ºS 1, 2, 3 E 6, 31.º, N.º6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26/03/15, PROC. Nº 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
-DE 26/09/13, PROC. N.º 4584/10.7TBBRG-A, EM WWW.DGSI.PT

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 29/04/14, PROC. Nº 183/12.7TBOER-A.L2-6, EM WWW.DGSI.PT

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ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 20/06/12, PROC. Nº 161/08.0TBOFR-F, EM WWW.DGSI.PT
-DE 10/09/13, PROC. N.º 171/10.8TBSAT, EM WWW.DGSI.PT

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
-DE 2013.01.29 E DE 2014.05.12, PROC. N.º 4391/05.9TB5TB-A.EI E PROC. N.º 407/13.3TBFAR-A.EI E PROC. N.º 1927/11.0TBFAR-B.E1
-DE 8/05/2014 PROC. Nº 1408/09.1TBFAR.-BE1, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
Nos termos do n.º 6 do art. 27.º do RCP, as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são sempre recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência
Decisão Texto Integral:

        Recurso de Revista nº1008/07.0TBFAR-D.E1.S1[1]



   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


         

         I - RELATÓRIO

 

Na sequência de requerimento apresentado pelo Agente de Execução AA, no Processo de Execução Comum n.º 1008/07.0TBFAR, no qual pedira a rectificação do despacho que ordenara a declaração da extinção da execução e o condenara em multa e custas do incidente, em 24/04/2014, foi proferido o seguinte despacho:

“ - Rejeito o requerimento em causa, ordenando o seu desentranhamento e a sua eliminação do histórico;

- Custas com duas unidades de conta de taxa de justiça, pelo requerente;

- Mais paga quatro unidades de conta de taxa sancionatória excepcional “.

Inconformado com esta decisão, em 6/05/2014, o Sr. Agente de Execução dela interpôs recurso, requerimento sobre o qual recaiu o seguinte despacho de inadmissibilidade:

Considerando que:

- O despacho em causa foi proferido e fundamentado nos termos do disposto nos arts. 6º/1, 130º, 531º e 723º/1, d) e 2, do CPC, redação da Lei n.º 41/2013, de 26/06, ou seja, proferido no uso legal de um poder discricionário (cf. art. 152º/4 do CPC);

- Da condenação tributária não há recurso autónomo;

- A condenação em multa (3UC) foi determinada ao abrigo do disposto no cit. 723.º/2;

- Esta não é de montante superior à alçada do Tribunal, nem a sucumbência excede metade deste valor (5000€ e 25000€, respectivamente, cf. art. 31.º/1 da Lei n.º 52/2008, de 28/08);

- O requerente também não juntou a alegação.

Verifica-se, pois, que:

A decisão é - em si mesma, bem como, quanto à multa, face ao seu montante e sucumbência -, irrecorrível [cf. arts. 678.º/1 e 679.º do CPC, na redacção do DL n.º 303/2007, de 24/08, e 27º/6 do Regulamento das Custas Processuais (RCP)[2]; por outro lado, falta a alegação, e assim, por isso, o requerimento sub iudicie é manifestamente impertinente e improcedente (e inútil), o que gera a sua rejeição, com a inerente responsabilidade tributária – cf. arts. 6.º/1, 130.º e 527.º/1 e 2, do CPC, red. da cit. Lei, e 684.º-B/1 e 2, 685.º-A/1 e 685.º-C/2, a) e b), do CPC, redacção do cit. DL, e 7.º/4 do RCP.

Considerando, por fim, a manifesta improcedência do requerimento, o que o requerente não podia desconhecer (da falta de junção da pertinente alegação), e assim, a conclusão de que não actuou com a prudência devida, mais pagará, além das custas, pelo decaimento, taxa excepcional, com consideração do valor e da natureza da acção, bem como, da sua concreta tramitação - cf. arts. 527.º/1 e 531.º do CPC, e 7.º/4 e 10.º do Regulamento das Custas Processuais.

Pelo exposto:

- Indefiro o requerimento de interposição de recurso, que se desentranha, com a sua eliminação do respectivo histórico;

- O requerente paga três unidades de conta de taxa de justiça.

- Mais paga quatro unidades de conta de multa.

Valor: trezentos e seis euros.”.

Reagiu o recorrente reclamando desta decisão, a coberto do disposto no art. 643.º do Código de Processo Civil, pugnando pela admissibilidade do recurso, sustentando, em síntese, ser o mesmo admissível ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 27.º do Regulamento das Custas Processuais, e que, quanto à não apresentação das alegações juntamente com a interposição de recurso, deveria o tribunal a quo tê-lo convidado a corrigir a falta nos termos do art. 3.º da Lei n.º 41/2013, de 26/06.

Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Évora, pelo Exm.º Juiz Desembargador Relator foi proferida decisão, em 17/09/14, que indeferiu a reclamação e, consequentemente, manteve o despacho reclamado não admitindo o recurso (fls. 33/43).

Notificado, veio o Ministério Público, na qualidade de parte acessória, nos termos dos arts. 3.º, nº 1, al. f) e 6.º do Estatuto do Ministério Público, requerer que sobre o referido despacho recaísse acórdão, invocando a existência de outras decisões dessa Relação, que mencionou, em sentido oposto.

Na sequência desse pedido, o Tribunal da Relação, no Acórdão de 4/12/14, com um voto de vencido, julgou improcedente a reclamação, confirmando o despacho reclamado de não admissibilidade do recurso, com o seguinte sumário conclusivo:

I. Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso, nos termos do disposto no artigo 27º nº6 do RCP na sua actual redacção, se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstractamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal.

II. Fora dessa circunstância excepcional, o recurso só é admissível se estiverem verificados os requisitos gerais de admissibilidade, nomeadamente os que se referem ao valor da causa e da sucumbência“ (fls. 59/71).

Não se conformando, o Ministério Público pediu revista com fundamento no art. 629.º, nº 2, al. d) do CPC, por estar em contradição com o decidido noutro Acórdão da mesma Relação proferido em 19/06/2014, no Proc. nº 1683/04.8TBFAR-A.E1.

Recebido o recurso, nas alegações que apresenta o recorrente formula as seguintes conclusões:

I - O acórdão recorrido e o acórdão fundamento - proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 19/06/2014, no Proc. nº 1683/04.8TBFAR-A.El - encontram-se em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, face às disposições conjugadas dos artigos 542° nº 3, 643° nº 4 e 652° nº 3 do NCPC, pelo que, inexistindo sobre a matéria jurisprudência uniformizada, se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o presente recurso “extraordinário”, previsto no artº 629° nº 2 al. d) do NCPC.

II - O disposto no art° 27° nº 6 do RCP deve ser interpretado no sentido de ser sempre admissível recurso, quer da condenação em multa, quer em taxa sancionatória excepcional, tal como se prevê a admissão de recurso no caso da condenação por má fé, nos termos do art° 542º nº 3 do NCPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

III - Na verdade, resulta do disposto no art° 27° n° 2 do RCP que a multa ou penalidade só pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC, ou seja, a um valor máximo de 1 020 euros e que a taxa sancionatória excepcional, nos termos do art° 10° do RCP, só pode ascender ao máximo de 15 UC, ou seja, a um valor máximo de 1530 euros - sendo, pois, tais valores máximos sempre inferiores a metade da alçada da 1.ª instância. 

Assim, não faz sentido defender-se que o recurso da multa, expressamente admitido nos termos previstos no art° 644° nº 2 al. e) do NCPC, está sujeito às exigências de valor fixadas no art° 629° nº 1 do mesmo código, quando afinal o RCP impede expressamente que a multa ascenda ao valor de sucumbência fixado em tal norma.

IV - Assim, haverá de atender-se conjugadamente ao disposto ao disposto nos artigos 27° nº 2 e nº 6 do RCP e aos artigos 629° nº 1 e 644° nº 2 al. e) do NCPC para se obter uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, uma vez que se afigura indubitável que o legislador pretendeu manter a possibilidade de recurso das decisões que aplicam multas e manteve no novo CPC a norma do art° 644° nº 2 al. e), com nova formulação para abranger quer a multa quer outra sanção processual - e tal interpretação não pode deixar de ser a de não sujeitar o recurso de multas e outras sanções às exigências do valor da acção e da sucumbência previstas no artº 629° nº 1 do NCPC, tal como sucede na litigância por má fé.

V - Não tendo seguido o entendimento supra exposto, violou o douto acórdão recorrido o disposto no art° 27° nº 6 do RCP e artigos 629° nº 1 e 644° nº 2 al. e) do NCPC, devendo ter interpretado tais normas no sentido constante das conclusões acima enunciadas.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a reclamação e admita o recurso interposto da decisão que aplicou a multa na 1ª instância.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Cumpre conhecer e decidir.



O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 684.º nº 3 e 685.º-A, nº 1 do Código de Processo Civil[3] - CPC daqui por diante.

Uma única questão é suscitada que importa apreciar e decidir: saber se o n.º 6 do art. 27.º do Regulamento das Custas Processuais permite, ou não, o recurso para os casos nele previstos independentemente do valor da causa e da sucumbência.


I I – FUNDAMENTAÇÃO

            DE FACTO

 

A matéria de facto que ao caso releva é a inserta no relatório que antecede

DE DIREITO

No caso em apreço, temos que foram cominadas ao recorrente penalizações que ele pretende impugnar no valor total de 612,00€ (6 UCs X 102,00€).

Sabe-se que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que a acção foi instaurada, que o presente processo deu entrada antes de 01/01/2008, escapando assim às alterações introduzidas nesse âmbito pelo art. 5.º do DL nº 303/2007 de 24/08[4] ao art. 24.º, al a) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei nº 13/99, de 24/08 (arts. 11.º, nº 1 e 12.º daquele decreto lei), pelo que a alçada do tribunal da 1ª instância a considerar é a que resultava do art. 3.º, nº 1 do DL n.º 323/2001 de 17/12, ou seja, 3.740,98€, a que corresponde a sucumbência de 1.870,49€.

Sabe-se igualmente que a admissibilidade do recurso ordinário depende, em regra, da verificação cumulativa de um duplo requisito: por um lado, a causa ter valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; por outro lado, a decisão impugnada ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre (art. 678.º, nº 1, do CPC).

Deste modo, apesar de o valor da acção, tal como se certifica a fls. 21, ser de 265.399,79€, bem superior à alçada do tribunal recorrido, contudo, o valor da sucumbência é nitidamente inferior a metade dessa alçada. O mesmo é dizer que, nos termos gerais, da decisão condenatória em causa não é admissível recurso.

Daí a génese, e importância, desta revista ao colocar a questão de saber se o n.º 6 do art. 27.º do Regulamento das Custas Processuais (por diante RCP), aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, com as alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012 de 13/02, furando essa barreira, permite uma recorribilidade ilimitada das decisões condenatórias nele previstas.

Entrando na sua apreciação concreta, diga-se que antes da entrada em vigor do RCP, em 20/04/2009, vinha sendo entendido que, mesmo nos casos de condenação em multa, desde que não fosse por litigância de má fé, a admissibilidade do recurso estava sujeita ao disposto no art. 678.º do CPC, nomeadamente ao respectivo nº 1. A condenação, que não por litigância de má fé, em multa cível, só seria susceptível de recurso se o valor da causa fosse superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada fosse desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

Abrantes Geraldes, à interrogação por si formulada de saber se em processo cujo valor excedesse a alçada do tribunal seria recorrível decisão que obrigasse ao pagamento de multa, taxa de justiça ou preparo cujo valor fosse inferior a metade da alçada do tribunal, afirmava que “ a resposta que se extrai do preceituado no art. 678.°, n.° 1, parece clara no sentido negativo, já que não se distingue essa situação das demais em que a admissibilidade do recurso fica dependente da conjugação entre o valor da alçada e o valor da sucumbência”, qualificando alguns dos argumentos utilizados em sentido inverso de “subterfúgios que visam contornar a aplicação de um regime que não admite tais interpretações”, para observar mais adiante que “A não ser que a lei estabelecesse ressalvas, como a prevista para a condenação da parte como litigante de má fé ou a que decorre do art. 154.º, nº 5, o simples facto de alguém ser condenado em multa ou responsabilizado pelo pagamento de uma determinada quantia não obsta à aplicação da regra geral.

(...) Tal conclusão não é impedida sequer, quanto às multas, pelo art. 691.º, nº 2, al. c), já que esta norma se limita a prever a admissibilidade de recurso autónomo quando exista aplicação de tal sanção sem se comprometer quanto ao pressuposto da recorribilidade. [5].

Surge, então, o RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, a estipular no citado art. 27.º, no que ora importa, o seguinte:

1 - Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respetivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.

2 – Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia de 10 UC.

3 – Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.

(...)

6 - Da condenação em multa, penalidades ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa penalidade ou taxa[6].

Este normativo, no seu nº 6, cedo começa a suscitar especial dificuldade de interpretação quando se pretende determinar qual o exacto sentido e alcance da expressão “fora dos casos legalmente admissíveis”.

Salvador da Costa discorre que “A expressão fora dos casos legalmente admissíveis é desadequada, porque é suscetível de levar a crer, sobretudo no caso da taxa sancionatória excecional, que se reporta às cominações sancionatórias fora das espécies processuais a que alude o proémio do artigo 447.º-B do Código de Processo Civil.

Tendo em conta a letra e o escopo deste normativo, parece que se reporta ao erro de julgamento, seja na seleção dos factos pertinentes, seja na interpretação da lei, de que resulte decisão ilegal de condenação em multa ou taxa sancionatória excecional. Assim, este normativo reporta-se, essencialmente, ao mérito da impugnação por via de recurso e não aos pressupostos relativos à sua admissibilidade.

  O referido recurso também deixa de depender do valor específico do incidente em causa, ou seja, é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, em paralelismo com o que se prescreve nos artigos 456.º, n.º 3 e 678.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.

   Nos termos do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, dada a similitude com a situação prevista no n.º 3 do artigo 456.º do Código de Processo Civil, deve aplicar-se aqui, por analogia, o segmento normativo que prevê só ser admitido recurso em um grau[7].

Esta leitura não logrou pleno acolhimento na jurisprudência da 1.ª instância e das Relações, nessa dissonância se destacando o Acórdão da Relação de Coimbra de 20/06/12, Proc. nº 161/08.0TBOFR-F,  que por diante passou a ser o arrimo das demais posições discordantes[8], defendendo que “a ser esse o pensamento legislativo, a expressão «fora dos casos legalmente admissíveis» seria uma completa e pura inutilidade, sem qualquer significado, cuja presença no texto da norma não só nada acrescenta como até atrapalha e confunde. E resultaria contrariada a presunção consagrada no artº 9º, nº 3 do Cód. Civil de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

(...) Com vista a conferir sentido útil à mencionada expressão «fora dos casos legalmente admissíveis», a interpretação que nos parece corresponder ao pensamento legislativo é a de que da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstractamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal.

Sendo possível situar abstractamente a condenação no âmbito da previsão de qualquer norma legal, só haverá recurso nos termos gerais, ou seja, exceptuados os casos de litigância de má fé, em que é sempre admissível o recurso, se, cumulativamente, o valor da causa ultrapassar a alçada do tribunal de que se recorre e a sucumbência for de valor superior a metade da dita alçada.“.

Também Abrantes Geraldes, já vigência desta norma, se bem interpretamos o seu pensamento, mantém o seu anterior entendimento, observando que “A não ser quando a lei estabelece ressalvas, como a prevista para a condenação como litigante de má fé, o simples facto de alguém ser condenado em multa ou responsabilizado pelo pagamento de uma determinada quantia não obsta à aplicação da regra geral .

E, em nota de rodapé releva: “Ainda assim, a questão foi resolvida no sentido afirmativo em relação às decisões de condenação em multa, penalidade ou em taxa sancionatória excepcional, fora dos casos legalmente admissíveis (isto é, fora dos casos em que a lei prevê expressamente essa possibilidade). Nos termos do art. 27°, n° 6, do Regulamento das Custas Processuais, de tais decisões cabe sempre recurso”.

Continuando, escreve: “ (...) Por isso, em qualquer dos referidos casos, a recorribilidade da decisão está dependente da verificação do condicionalismo imposto pelo valor do processo ou da sucumbência.

Esta conclusão não é impedida sequer, quanto às multas, pelo art. 644.º, n.º 2, al. e), já que esta norma apenas se limita a prever a admissibilidade de recurso autónomo quando exista a aplicação dessa sanção, sem se comprometer quanto ao pressuposto da recorribilidade em função do valor em causa, questão regulada pelo art. 629.º, n.º 1[9].

A decisão reclamada, o acórdão recorrido, e o recorrente nas suas alegações dão conta da divergência reinante nesta matéria, particularmente nas duas instâncias, onde se tendo vindo a perfilhar uma destas duas linhas de entendimento: no sentido de que nos termos do citado normativo é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência[10]; ou, seguindo a opinião de que, em tais casos, é admissível recurso nos termos gerais, ou seja, em função do valor da causa e da sucumbência, salvo nos casos em que a condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, circunstância em que sempre haverá lugar a recurso.

Foi esta segunda orientação a perfilhada no acórdão recorrido, e a primeira a acolhida no acórdão-fundamento invocado pelo recorrente, ambos com um voto de vencido.

Ora, no cotejo destas duas leituras opostas, há um dado objectivo comum que impressiona desde logo: os montantes máximos das multas e da taxa sancionatória excepcional, ressalvados os casos de litigância de má fé, situam-se muito aquém da metade da alçada da 1.ª instância, o que significa, de acordo com as regras gerais, a inviabilidade de recurso das decisões que as imponham. Note-se que o art. 10.º do mesmo RCP prescreve que “a taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC ”.

Esta constatação cedo foi objecto da ponderação de Amâncio Ferreira ainda no quadro das alterações ao regime recursal introduzidas pelo DL n.º 303/2007, de 24/08, e ainda antes do início da vigência do RCP, alertando para a necessidade de uma intervenção legislativa:

Se não se justificava, como pretendeu a Comissão Revisora do actual CPC (cf. Lopes Navarro, ob. cit. pp. 10 e 81), haver sempre recurso relativo à condenação em multa, qualquer que fosse o motivo da condenação, por na altura se atender apenas ao valor da acção como factor de admissibilidade do recurso, presentemente e após a entrada em vigor do DL n.º 242/85, de 9 de Julho, que igualmente mandou atender para esse efeito ao valor da sucumbência, é imperativo uma intervenção legislativa a determinar que a este último valor se não atenda para a admissibilidade do recurso das decisões que condenem em multa, fora dos casos de litigância de má fé. Enquanto tal não acontecer, e tendo em conta que, no triénio que abrange os anos de 2007, 2008 e 2009, a UC é do montante de € 96,00, somente as condenações superiores a 20 UC, na 1.ª instância, e a 78 UC, na 2.ª  instância, seriam passíveis de recurso. Ora, condenações deste tipo, fora dos casos especialmente regulados na lei, são inviáveis, exceptuadas as respeitantes à litigância por má fé, uma vez que os limites legais se encontram estabelecidos entre 1 UC e 10 UC (art.º 102.º, alínea b), do CCJ)[11].

De facto, com a publicação do RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, que teve por objectivo uniformizar e simplificar todo o sistema de custas processuais, concentrando todas as regras quantitativas e de procedimento sobre custas devidas em qualquer processo, independentemente da natureza judicial, administrativa ou fiscal, e subsequente alteração operada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, foram actualizados os limites da taxa sancionatória especial entre 2 UC e 15 UC (art. 10.º), das multas por litigância de má fé entre 2 UC e 100 UC (art. 27.º, nº 3), e ainda das restantes multas e penalidades não especialmente previstas, entre 0,5 UC e 5 UC (art. 27.º, nº 1).

E é neste âmbito que igualmente se inscreve o n.º 6 do art. 27.º do RCP, como dissemos inicialmente contido no n.º 5, dotado da expressão, equívoca, “fora dos casos legalmente admissíveis “.

Equívoca porque se lhe conferirmos o sentido de que só poderá referir-se aos casos de condenação em multa ou outras penalidades aplicadas “fora dos casos previstos na lei”, ou seja, “não enquadráveis na previsão de qualquer norma legal”, estamos em simultâneo a despojá-la de qualquer utilidade, pois, como sustenta o recorrente, na normalidade dos casos, havendo invocação de uma norma legal não teria nunca aplicação a possibilidade de recurso nele prevista, ou, quando muito, em situações pontuais e marginais, pois o recurso do tribunal da 1ª instância só seria admissível se o valor da multa, considerado como o valor da sucumbência, fosse superior a metade da alçada, ou seja, presentemente superior a 2 500,00€, no caso vertente superior a 1.870,49€.

De facto, tal equivaleria à completa impossibilidade de recurso, uma vez que se mostra legalmente impossível a existência de multa ou taxa sancionatória excepcional que atinja o referido montante de 2.500,00€, dado que, como resulta do disposto nos n°s 1 e 2 do mencionado normativo, a multa ou penalidade só pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC, ou seja, a um valor máximo de 1 020.00€, e a taxa sancionatória excepcional, nos termos do art. 10.º do RCP, só pode ascender ao máximo de 15 UC, a um valor máximo de 1.530,00€, sendo, pois, tais valores máximos sempre inferiores a metade da alçada da 1ª instância.

Também no CPC, com ressalva da litigância de má fé, não se encontra fixação de montantes que cheguem sequer a tal patamar.

Com excepção do caso de litigância de má fé, no quadro legal vigente não se descortina uma situação de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória especial, que seja susceptível de recurso nos termos gerais. Daí que se nos afigure absolutamente contraditório sustentar que o recurso da multa ou outra sanção processual, previsto no vigente art. 644.° n° 2, al. e) do NCPC, está sujeito às duas exigências de valor fixadas no art. 629.°, n° l do mesmo código (correspondente ao anterior art. 678.º, nº 1), quando afinal o RCP impede expressamente que a multa ascenda a tais valores.

Na linha de entendimento de Salvador da Costa, que não nos merece alguma reserva e a que aderimos, o que parece mais razoável é considerar que com a norma do n.º 6 do art. 27.º do RCP o legislador pretendeu introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, torneando o bloqueio provocado pelo condicionalismo imposto pelo valor do processo ou da sucumbência. A expressão “ fora dos casos legalmente admissíveis” assume uma função de limitação do normativo às decisões condenatórias nele previstas em situações diversas da litigância de má fé.  

Na realidade, só com este entendimento é possível obter uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, que confira utilidade e permita que se atenda conjugadamente ao disposto nos artigos 27.° n°s 1, 2, 3 e 6 do RCP e aos artigos 629.° n° 1 e 644.° n° 2 al. e) do NCPC, uma vez que o legislador manteve este último, com nova formulação relativamente à da al. c), do nº 1 do art. 691.º do CPC revogado, para abranger quer a multa quer outra sanção processual. Carece, pois, de sentido, a nosso ver, a afirmação corrente no entendimento oposto de que a expressão “fora dos casos legalmente admissíveis seria uma completa e pura inutilidade, sem qualquer significado.

Aliás, como bem nota o recorrente, as restrições de valor impostas no art. 629.° n° 1 do NCPC à interposição de recurso não têm qualquer justificação nas situações elencadas, a par da que ora nos ocupa, em qualquer das alíneas do aludido art. 644.° n° 2 ou anterior 691.º, nº 2 (decisões que apreciem o impedimento do juiz, a competência absoluta do tribunal, a suspensão da instância, a admissão ou rejeição de um articulado ou meio de prova, o cancelamento de um registo), nas quais não existe qualquer valor de sucumbência a atender. Em qualquer desses casos, trata-se apenas de impugnar uma decisão desfavorável que não tem qualquer ligação de valor com o pedido.

Nestas circunstâncias ganha todo o sentido a interpretação de que o legislador pretende consagrar no art. 27.° n° 6 do RCP sempre a admissibilidade de recurso da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, não tendo sido é particularmente feliz na formulação perfilhada com a inserção da expressão “fora dos casos legalmente admissíveis”, claramente desadequada. Como entende Salvador da Costa: “este normativo reporta-se, essencialmente, ao mérito da impugnação por via de recurso e não aos pressupostos relativos à sua admissibilidade[12].

Sendo assim, coloca-se, então, a questão de saber se esse recurso é ilimitado, tendo em conta a política legislativa de restrição de recurso relativamente a decisões de natureza adjectiva.

Ora, por paralelismo com o que se estatui em matéria de litigância de má fé, nos termos do n.º 3 do art. do art. 542.º do NCPC (correspondente ao anterior 456.º), e com os casos de decisões de reclamação de conta, previstos no n.º 6 do art. 31.º do RCP, e por mais consentânea com a unidade do sistema jurídico, tais decisões só serão recorríveis em um grau, tal como propõe Salvador da Costa.

Em suma, conclui-se que a interpretação mais conforme do n.º 6 do art. 27.º do RCP é a de que as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência.

Também neste preciso sentido, muito recentemente este Supremo Tribunal se pronunciou sobre a mesma questão, suscitada nas mesmas instâncias, no Acórdão de 26/03/15, Proc. nº 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1, disponível no IGFEJ que acompanhámos de perto.

A solução encontrada determina que a decisão da 1.ª instância que condenou o Sr. Agente de Execução em multa e taxa sancionatória excepcional, nos termos dos arts. 531.º do CPC e 10.º do RCP, no montante de 612,00€, seja recorrível para o Tribunal da Relação, devendo, nessa medida, o recurso ser admitido, caso satisfaça os demais requisitos de admissibilidade.

Resta sumariar em observância do nº 7 do art. 663.º do NCPC:

- nos termos do n.º 6 do art. 27.º do RCP, as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são sempre recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência         

III-DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido, julgando procedente a reclamação contra o indeferimento do recurso interposto na 1.ª instância e ordenando que o mesmo seja admitido, se não ocorrerem porventura outros fundamentos de inadmissibilidade.

Custas do recurso a cargo da parte vencida a final.

             

Lisboa, 16/06/15

Gregório Silva Jesus (Relator)

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

_____________________
[1] Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] Neste sentido quanto à irrecorribilidade do despacho de condenação em multa, v. ac. da Relação de Coimbra de 2012.06.20, proc. 161/08.0TBOFR-F.C1, in www.dgsi.pt; e acs. da Relação de Évora proc. 4391/05.9TB5TB-A.EI e proe. 407/13.3TBFAR-A.EI, esta de 2013.01.29, e 1927/11.0TBFAR-B.E1, de 2014.05.12.
[3] No regime estabelecido pelo Dec. Lei nº 303/2007 de 24/08, com as inovações introduzidas pelo Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), com excepção do disposto no art. 671.º, nº 3, uma vez que a acção foi intentada no ano de 2007 e o acórdão recorrido é de 4/12/14 (art. 7.º, nº 1 da Lei nº 41/2013, de 26/06).
[4] Que procedeu à actualização das alçadas, a partir de 01/01/2008, para os valores de 30 000,00€ e 5 000,00€, respectivamente, para a Relação e tribunais de 1ª instância, posteriormente mantidos no n.º 1 do art. 31º da Lei n.º 52/2008, de 28/08 e no vigente art. 44.º, nº 1 da Lei nº 62/2013 de 26/08.
[5] In Recursos em Processo Civil - Novo Regime, Almedina, Reimpressão, 2008, págs. 47/48; Veja-se, ainda págs. 49 e 173.
[6] Este nº 6 constava do nº 5 na versão originária.
[7] In Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, Almedina, 4ª ed., págs. 408/409.
[8] Por exemplo, do acórdão recorrido, e dos Acs. da RL de 29/04/14, Proc. nº 183/12.7TBOER-A.L2-6 e da RE de 8/05/2014 Proc. nº 1408/09.1TBFAR.-BE1, todos no IGFEJ.
[9] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 51/52.
[10] De que se conhecem publicadas as decisões proferidas nos Acórdãos da RC de 10/09/13, Proc. n.º 171/10.8TBSAT e da RG de 26/09/13, Proc. n.º 4584/10.7TBBRG-A, no IGFEJ.
[11] In Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, págs. 120/121, nota de rodapé 217.
[12] In ob. cit., pág. 409.