Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
90/18.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
COMPETÊNCIA
PODER DISCIPLINAR
RATIFICAÇÃO
RETROACTIVIDADE
RETROATIVIDADE
CONHECIMENTO
CONVERSÃO
INQUÉRITO
DIREITO DE AUDIÇÃO
DIREITO DE DEFESA
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
JUIZ
NULIDADE
INSTRUÇÃO DO PROCESSO
INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUSO DE CONTENCIOSO
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA / ACTO ADMINISTRATIVO / RECLAMAÇÃO E RECURSOS ADMINISTRATIVOS / RECLAMAÇÃO.
Doutrina:
- LUIZ S. CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra Editora, p. 142;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, p. 393-394;
- PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, 2009, p. 67.
Legislação Nacional:
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 135.º, N.º 1, 149.º E 151.º, ALÍNEA A).
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 164.º, N.º 5.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LTFP): - ARTIGO 231.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 30/18.6YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-09-2019, PROCESSO N.º 91/18.8YFLSB.
Sumário :
I - Nos termos do artigo 151º, alínea a), do EMJ, são da competência do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) praticar os atos referidos no artigo 149.º, respeitantes a juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações ou a estes tribunais.

II – Em conformidade com a factualidade assente, o procedimento disciplinar foi instaurado em 01.10.2018, data em que o Vice-Presidente do CSM, após apreciação do Relatório Final e perante a proposta do Inspetor Judicial Extraordinário, proferiu o despacho a determinar a instauração de procedimento disciplinar à impugnante, objecto de posterior ratificação pelo Plenário do CSM.

III – Sendo a ratificação um ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um ato inválido, a ratificação operada na deliberação objeto de impugnação substituiu o acto sanado, tendo efeitos retroativos à data daquele ato.

IV - Retroagindo a ratificação os seus efeitos à data do ato a que respeita, nos termos do n.º 5 do artigo 164.° do CPA, o acto em questão, que determinou a instauração de processo disciplinar foi praticado em 01.10.2018, por isso antes de decorrido o prazo para exercício do direito de instaurar procedimento disciplinar.

V - Não resulta da deliberação impugnada a aplicação do artigo 135.º do EMJ que, sob a epígrafe «Conversão do processo disciplinar», estabelece no n.º 1 que se se apurar a existência de infracção, o CSM pode deliberar que o processo de inquérito ou de sindicância em que o arguido tenha sido ouvido constitua a parte instrutória do processo disciplinar, disposição similar à contida no artigo 231.º, n.º 4, da LTFP.

VI -  Estas disposições têm pressuposta a prévia audição do trabalhador, expressamente imposta no artigo 135.º do EMJ, assim se garantindo o seu direito de defesa, proporcionando-se-lhe a oportunidade de se pronunciar sobre os indícios que contra si foram recolhidos no inquérito ou na sindicância.

VII - Não tendo o trabalhador/magistrado sido ouvido, o processo de inquérito não pode ser convolado para processo disciplinar, não podendo aquele constituir a parte instrutória deste e não podendo, consequentemente, transitar-se para a fase da acusação em processo disciplinar.

VIII - Daí que a deliberação sob impugnação não tenha determinado o aproveitamento do inquérito, não tenha determinado a conversão do inquérito em processo disciplinar, sendo o presente processo (disciplinar), objecto de instrução autónoma.

IX – O aproveitamento da prova recolhida no inquérito na instrução do processo disciplinar é válido e admissível e não pressupõe (nem depende de) a obrigatoriedade de recurso ao regime consignado no artigo 135.º, n.º 1, do EMJ.
Decisão Texto Integral:

*

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso:

I - RELATÓRIO

1. AA, Juíza ..., designada como Recorrente, vem impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, doravante designado por CSM, de … de … de …, que determinou:

(i) "(...) ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de ..., que concordou com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., relativamente à determinação da conversão do processo de inquérito n.° .../IN em processo disciplinar à Exma. Sra. Juíza ...AA";

(ii) "(...) remeter os autos ao Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., para prosseguir com a instrução dos mesmos".

Com os fundamentos sintetizados nas conclusões que se transcrevem:

«CONCLUSÕES.

1.      O presente recurso tem por objecto a deliberação do Plenário do CSM de ..., que determinou a conversão do inquérito em procedimento disciplinar e determinou a imediata prossecução da sua instrução.

2.      O EMJ não contém disposição relativa a prazos de prescrição, aplicando-se subsidiariamente, nos termos do disposto no artigo 131.° do EMJ, as normas da LGTFP.

3.      O artigo 178.°, n.° 2 da LGTFP determina que o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico.

4.      Deve entender-se que o superior hierárquico é, in casu, o Plenário do CSM, ao mesmo cabendo, em exclusivo, o poder para exercer a acção disciplinar relativamente a magistrados judiciais que exerçam funções em tribunais superiores (Supremo Tribunal de Justiça e Relações),

5.      O artigo 178.°, n.° 3 da LGTFP determina, porém, que o prazo prescricional de 60 dias se suspende, por um período até seis meses, em virtude da instauração de processo de inquérito.

6.      O Plenário do CSM tomou conhecimento da putativa infracção a 6 de Fevereiro de 2018, data em que deliberou ratificar o despacho que determinava a instauração do processo de inquérito n.° .../IN e a suspensão preventiva de funções da Recorrente.

7.      O processo inquérito deve considerar-se instaurado a ... de ... de 20....

8.      Por efeito da instauração do inquérito, suspendeu-se, durante um período até seis meses, o prazo de 60 dias para exercício do direito de instaurar procedimento disciplinar.

9.      Tal prazo de seis meses, contado da data em que o Plenário tomou conhecimento da putativa infracção, terminou a ... de ...de 20....

10.    Finda a suspensão, deve o prazo de 60 dias previsto no artigo 178.°, n.° 2 da LGTFP, começar a contar a 7 de Agosto, terminando, por conseguinte, a ... de ... de 20..., devendo considerar-se o direito prescrito no dia imediatamente seguinte.

11.    A ... de .. de 20.., o Exmo. Senhor Inspector Judicial Extraordinário propôs ao CSM a instauração de procedimento disciplinar à Recorrente e a imediata suspensão desse mesmo procedimento disciplinar até ao trânsito em julgado de decisão finai que venha a ser proferida no processo crime n.º 19/16.0....

12.    O Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM, por despacho datado de 1 de Outubro, veio concordar com o teor do relatório final proferido no processo de inquérito, determinando a instauração do procedimento disciplinar e a imediata suspensão do procedimento.

13.    O Plenário do CSM, por seu turno, deliberou, a ... de ... de 20..., o seguinte: (i) a conversão do inquérito em procedimento disciplinar; (ii) a remessa dos autos para imediata prossecução da respectiva instrução.

14.    O conteúdo material do acto do Plenário difere do conteúdo de ambos os actos que o antecedem, que pugnam pela instauração, ex novo, de um procedimento disciplinar.

15.    A deliberação do Plenário também não acolheu a suspensão do procedimento disciplinar, determinando, pelo contrário, o prosseguimento dos autos.

16.    Inexiste qualquer acto de ratificação por parte do Plenário, porquanto este adoptou uma deliberação de conteúdo substancialmente diverso.

17.    A deliberação do Plenário do CSM é adoptada depois do término do prazo de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.

18.    O Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM só pode deliberar, de forma válida e eficaz, a instauração de procedimento disciplinar contra a Recorrente se tal poder lhe pudesse ser e tivesse sido delegado.

19.    Do artigo 158.° do EMJ resulta que a competência para instauração do procedimento disciplinar não é delegável, omitindo a lei, intencionalmente, qualquer referência à faculdade de delegação daquele poder.

20.    O Exmo. Senhor Vice-Presidente não tem, nem pode ter, poder para instaurar procedimento disciplinar à ora Recorrente, cabendo tal poder, em exclusivo, ao Plenário do CSM.

21.    O poder para instaurar procedimento disciplinar só foi exercido, por quem de direito, a ..., data em que já se encontrava prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

22.    Requer-se, assim, que seja declarado prescrito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.°, n.os 2 e 3 da LGTFP, aplicável ex vi do artigo 131.° do EMJ, o direito de instaurar o procedimento disciplinar contra a ora Recorrente.

23.    Ainda que assim não se entendesse, sempre deveria existir válida delegação de poderes no Vice-Presidente do CSM, o que não sucedeu.

24.    Da análise dos instrumentos de delegação de poderes em vigor, resulta que o poder para instaurar procedimentos disciplinares não foi - como não podia ser - delegado no Vice-Presidente do CSM, pelo que este, de harmonia com o disposto no artigo 154.°, n.° 1 do EMJ, não tinha competência para instaurar procedimento disciplinar contra a Recorrente.

25.    Este é também o entendimento plasmado no artigo 44.°, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, que determina que, inexistindo habilitação legal para a delegação de poderes, a mesma não pode validamente ter lugar.

26.    Não se diga que o Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM poderia determinar a instauração do procedimento disciplinar com fundamento no disposto no artigo 158.°, n.º 1, alínea g) do EMJ, uma vez que o referido normativo diz respeito a assuntos de carácter urgente, o que não é o caso.

27.    O artigo 158.º do EMJ, fazendo expressa menção à possibilidade de delegação dos poderes de instauração de processos de inquérito e sindicâncias, é omisso quanto à instauração de procedimento disciplinar, o que significa que a lei não pretendeu que este último fosse passível de delegação.

28.    Não pode contornar-se o sentido objectivo da lei por via da aplicação do artigo 158.°, n.º 1, alínea b) do EMJ, de carácter residual e sem aplicação ao caso vertente, uma vez que os factos que constam do relatório final elaborado pelo Exmo. Inspector Judicial Extraordinário já eram do conhecimento do mesmo há largos meses, correspondendo aos factos que constam do despacho de aplicação de medidas de coacção proferido no âmbito do processo n.º 19/16.O..., despacho que foi oportunamente notificado ao CSM, nos termos do disposto no artigo 199.°, n.º 2 do Código de Processo Penal.

29.    Inexiste qualquer razão de urgência que possa justificar a prolação, por parte do Exmo. Senhor Vice-Presidente, de um despacho que versa sobre um tema para cuja decisão o mesmo não dispõe de competência legal.

30.    Reitera-se, assim, que seja declarado prescrito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.°, n.os 2 e 3 da LGTFP, aplicável ex vi do artigo 131.° do EMJ, o direito de instaurar o procedimento disciplinar contra a ora Recorrente.

31.    Sem conceder quanto ao que antecede, impõe-se, a título subsidiário, aferir da admissibilidade da conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar.

32.    Muito embora o relatório final e o despacho de 1 de Outubro de 2018 nada mencionem quanto à aplicação do artigo 135.° do EMJ, a deliberação sob recurso determina a conversão.

33.    A conversão, contudo, não pode ter aplicação no nosso caso, porquanto nunca a Recorrente foi ouvida em inquérito, volvidos mais de nove meses desde a sua instauração.

34.    O processo de inquérito não poderá assim constituir parte instrutória do procedimento disciplinar, devendo a deliberação sob recurso ser declarada nula, por violação do disposto no artigo 135.° do EMJ e, bem assim, por violação do disposto no artigo 124.°, n.º 1 do EMJ, aplicável ex vi do artigo 133.° do mesmo diploma legal.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao   presente recurso, determinando-se, em consequência, que:

a) Seja declarado prescrito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.°, n.os 2 e 3 da LGTFP, aplicável ex vi do artigo 131.° do EMJ, o direito de instaurar o procedimento disciplinar contra a ora Recorrente;

b) Subsidiariamente, caso assim não se entenda, seja declarada nula a deliberação sob recurso, por violação do disposto no artigo 135.° do EMJ e, bem assim, por violação do disposto no artigo 124.°, n.º 1 do EMJ, aplicável ex vi do artigo 133.° do mesmo diploma legal».

2. Respondeu o CSM dizendo em síntese:

«[…] sendo indiscutível e aceite que o Exm.º Vice-Presidente não dispunha de competência para proferir o despacho de instauração do processo disciplinar, houve a necessidade de suprir a falta desse pressuposto – competência própria ou delegada – o que se verificou mediante a ratificação do referido despacho pelo Plenário do CSM – órgão competente para a decisão».

Quanto à instauração do inquérito, «o Exm.º Vice-Presidente dispunha de poder subdelegado – determinação de inquérito – tal decisão considerou-se ab initio válida e eficaz, sem necessidade de ratificação».

Já não assim relativamente à instauração de processo disciplinar determinada por despacho do Exm.º Vice-Presidente de .... que «carece de suprimento da invalidade por incompetência relativa para a prática do acto, o que veio a acontecer mediante deliberação do Conselho Plenário de ...».

«A ratificação do despacho do Exm.º Senhor Vice-Presidente, por parte do Plenário do CSM, representa, pois, a confirmação, a adoção ou mesmo a perfilhação do teor do despacho, bem como a assumpção da autoria do mesmo pelo Plenário do CSM, sanando-se, dessa forma, a invalidade orgânica de que o mesmo padecia.

Retroagindo a ratificação os seus efeitos à data do acto a que respeita – n.º 5 do citado artigo 164.º do CPA – haverá que concluir que o acto em questão, que determinou a instauração de processo disciplinar foi praticado em ..., por isso antes de decorrido o prazo para exercício do direito de instaurar procedimento disciplinar indicado pela Exm.º Recorrente na sua petição recursória, que recorde-se, seria ...».

«Não merece também qualquer acolhimento o jogo de palavras, o exercício de retórica e os efeitos que a Exm.ª Recorrente pretende retirar da circunstância de o texto da deliberação ratificadora, não coincidir exatamente com o texto do despacho ratificado».

Pois, «é inequívoco que a deliberação do Plenário do CSM de ..., conforme expressamente refere, ratifica o despacho do Exm.º Vice-Presidente de ..., que concordou com o teor da proposta do Exm.º Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, no que respeita à instauração de processo disciplinar».

Sendo «também inequívoco que a deliberação do Plenário do CSM de ..., conforme também expressamente refere, determinou a remessa dos autos ao Sr. Inspector Judicial Extraordinário, para prosseguir com a instrução dos mesmos, ou seja, não ratificou o despacho do Exm.º Vice-Presidente na parte em que assumia a proposta de suspensão do processo disciplinar até trânsito em julgado da decisão a proferir no processo criminal em curso».

«[…] o facto de no despacho ratificado se referir “instauração de processo disciplinar” e na deliberação que ratifica se referir “conversão do inquérito em processo disciplinar” é irrelevante, porquanto tal só releva para os efeitos do disposto no artigo 135.º do EMJ, isto é, se se pretender que o inquérito constitua a parte instrutória do processo disciplinar.

Ora, na situação que nos ocupa não foi determinado o aproveitamento do inquérito.

O presente processo disciplinar é objeto de instrução autónoma».

Afirma-se ainda:

«a decisão constante no despacho ratificado e na deliberação que o ratificou prossegue material e processualmente o mesmo fim e tem os mesmos efeitos – instauração de processo disciplinar – apesar de as expressões utilizadas em ambos os actos não serem exatamente iguais.

Pelos motivos referidos resulta também prejudicada a procedência da alegada nulidade da conversão do inquérito em processo disciplinar, por pretensa falta de audição da arguida.

Com efeito, tendo em conta que, como referido, na situação em presença não foi determinado o aproveitamento do inquérito, sendo o presente processo disciplinar objeto de instrução autónoma, não se verifica a obrigatoriedade de audição da arguida no decurso do inquérito».

Reiterando-se que «o que existe é a utilização de expressões díspares no despacho ratificado e na deliberação que o ratificou, que se revela inócua ao nível das consequências e dos efeitos da decisão em questão – instauração de processo disciplinar […], deverá ser julgado improcedente o presente recurso contencioso.»

3. Tanto a Demandante como o CSM apresentaram alegações, mantendo os entendimentos expressos nos anteriores articulados.

4. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal apresentou as alegações, defendendo que não ocorreu a prescrição do direito de instauração de procedimento disciplinar.

Dizendo, quanto à invocada nulidade da conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar:

«Da alegada nulidade da conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar.

Sustenta a Recorrente a nulidade da conversão do processo de inquérito em processo disciplinar (art.° 135.° do EMJ), alegando que o processo de inquérito não pode constituir uma parte instrutória do procedimento disciplinar, pelo que a Deliberação impugnada é nula, por violação do art.° 124.° n.º 1do EMJ, aplicável ex vi art.° 133.° do mesmo diploma legal.

Dispõe o art.° 135.° do EMJ:

- "Se apurar a existência de infracção, o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar que o processo de inquérito ou de sindicância em que o arguido tenha sido ouvido constitua a parte instrutória do processo disciplinar.

2 - No caso previsto no número anterior, a notificação ao arguido da deliberação do Conselho Superior da Magistratura fixa o início do procedimento disciplinar".

Subscrevemos nesta matéria a alegação do Recorrido segundo a qual:

-        No caso em apreço "não foi determinado o aproveitamento do inquérito, sendo o processo disciplinar objecto de instrução autónoma";

-        Na Deliberação impugnada "inexiste qualquer referência àquele dispositivo estatutário, inexiste igualmente qualquer referência ao aproveitamento do inquérito, bem como inexiste qualquer referência à audição da arguida"

Prova do exposto, para além do próprio elemento literal da Deliberação impugnada, é a certidão, junta pelo Recorrido como doc. n.º 1 (fls. 188), da qual resulta ter sido marcada, para o presente mês de Fevereiro, a audição da Recorrente/arguida, no âmbito do processo disciplinar instaurado.

Não enferma a Deliberação recorrida de qualquer invalidade.

Concluímos, assim, dever improceder o presente recurso contencioso.»

5. Articulado superveniente

Na pendência do processo, juntou a Impugnante o seguinte articulado:

«AA, ..., Recorrente nos autos à margem referenciados, por se revelar de capital importância para a boa decisão da causa e por se tratar de factos e circunstâncias supervenientes à apresentação das suas alegações de recurso, vem expor e requerer a V. Exa. como segue:

1. A Recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso apresentado a ... e, posteriormente, nas alegações apresentadas a ... de Janeiro de ... ao abrigo do disposto no artigo 176.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), defendeu que, por não ter a mesma sido ouvida, o processo de inquérito não poderia constituir parte instrutória do processo disciplinar, devendo a deliberação sob recurso ser declarada nula, por violação do disposto no artigo 135.º do EMJ e, bem assim, por violação do disposto no artigo 124.º, n.º 1 do EMJ, aplicável ex vi do artigo 133.º do mesmo diploma legal.

2. Face a tal argumentação, veio o Conselho Superior da Magistratura (CSM) alegar em síntese que “39º) Ora, na situação que nos ocupa não foi determinado o aproveitamento do inquérito. 40º) O presente processo disciplinar é objecto de instrução autónoma”.

3. Para além do facto de a Deliberação do Plenário do CSM sob recurso se referir, expressamente, à conversão do inquérito disciplinar em processo disciplinar, é certo que a Recorrente não tinha outros elementos que apontassem no sentido do aproveitamento, no processo disciplinar, dos actos praticados em sede de inquérito disciplinar, porquanto o acesso a ambos ainda se lhe encontrava vedado.

4. Sucede, porém, que, entretanto, foi proferida, a ... de ... de 20.., acusação no processo disciplinar n.º ..., tendo a Recorrente sido informada de que, durante o decurso do prazo para defesa, o processo disciplinar se encontraria depositado no CSM para exame, em cumprimento do disposto no artigo 120.º do EMJ.

5. Depois de examinado o processo disciplinar, veio a Recorrente a concluir que, efectivamente e como se supunha, o inquérito disciplinar constitui parte instrutória do processo disciplinar e que é com base nos elementos constantes daquele primeiro que se profere acusação neste último.

6. Tal conclusão resulta, desde logo, do facto de inexistirem autos de inquérito que se possam separar dos autos de processo disciplinar.

7. Note-se que o processo que se encontra disponível para consulta é composto por dois volumes físicos, em cujas folhas de rosto se pode ler que se trata de “Autos de Processo Disciplinar”.

8. Contudo, constatou a Recorrente que o primeiro volume se inicia com documentação datada de ..., data em que foi instaurado o inquérito disciplinar.

9. Inicia-se, mais precisamente, com uma remessa de expediente, onde se pode ler o seguinte: “Em cumprimento do douto despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho, tenho a honra de remeter a Vossa Excelência, cópia do expediente para instrução do Inquérito supra referido em que é visada a Exma. Sra. Juíza ...AA” (com destaque nosso).

10. Dos autos consta também despacho de aplicação de medidas de coacção proferido no âmbito do inquérito crime e remetido aos autos de inquérito disciplinar a ... (cfr. fls. 57 e ss.).

11. Ora, de tal coincidência de documentação, que acaso não se tivesse verificado a conversão deveria constar de autos separados, ressalta que, verdadeiramente, não houve instauração ex novo de qualquer processo disciplinar, tendo sido aproveitados, in totum, os actos do inquérito disciplinar que agora constituem a parte instrutória do processo disciplinar.

12. Mas tal conclusão é ainda mais evidente quando se atenta na prova que tem origem no inquérito penal e que, durante o inquérito disciplinar, foi sendo enviada ao CSM, sustentando agora a acusação proferida no processo disciplinar.

13. Com efeito, dos autos que se encontram depositados no CSM para exame, consta que foram recepcionados os seguintes elementos probatórios, provindos do inquérito penal:

a. De fls. 123 dos autos, consta cota datada de ... e na qual se deixa consignado que se juntam dois CDs recebidos dos Serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça e remetidos aos autos de inquérito disciplinar;

b. De fls. 221 dos autos, consta remessa de elementos para juntar aos autos de inquérito, datada de ... e onde se pode ler o que segue: «Tenho a honra de remeter a Vossa Excelência, cópia dos documentos recebidos relativamente a  “autos de pesquisa e análise à documentação digital” (relatórios 1, 2; 3, 5, 9, 21 e 22, bem com os despachos do Exmo. Senhor Conselheiro de Instrução de ... e de ...), e ainda dos quatro CD’s recebidos dos autos de inquérito nº 19/16.0... a correr termos nos Serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, para serem juntos aos autos de Inquérito em que é visada a Exma. Senhora Juíza ...AA” (sublinhado nosso).

c. Logo na página seguinte, a fls. 222, consta termo de apensação com a mesma data e que consigna a apensação dos seguintes documentos:

i. Apenso de Informação Fiscal – Volume I;

ii. Apenso de Informação Fiscal – Volume II;

iii. Apenso de Informação Fiscal – Volume III;

iv. Apenso de Busca 1 – Volume I;

v. Apenso de Busca 1 – Volume II;

vi. Apenso de Perícia 1 – Exames Forenses;

vii. Apenso do GRA – Investigação Patrimonial e Financeira;

viii. Apenso do GRA;

ix. Apenso do GRA – Anexo A;

x. Apenso do GRA – Anexo B;

xi. Apenso do GRA – Anexo C;

xii. Apenso do GRA – Anexo D;

xiii. Apenso do GRA – Anexo E;

xiv. Apenso do GRA – Anexo F;

xv. Apenso do GRA – Anexo G;

xvi. Apenso do Processo de Inquérito, Volumes I, II, III, IV e VI;

xvii. Apenso do Processo de Inquérito, Volumes X, XII, XIII;

xviii. Apenso do Processo de Inquérito, Volumes XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI;

xix. Apenso do Citius;

xx. Apenso da Autoridade Tributária e Aduaneira;

xxi. Apenso de Pessoas Colectivas e Singulares;

xxii. Apenso da Análise Informática;

xxiii. Apenso de Correio Electrónico;

xxiv. Apenso dos Autos de Pesquisa e Análise à Documentação

Digital.

14. De facto, dos autos constam 6 CDs que contêm elementos probatórios provenientes do inquérito crime e aos quais são apostas as seguintes datas:... (dois suportes), ... 20... (dois suportes), ... de 20... e ... 20....

15. Ora, em todas as referidas datas, corria ainda termos o inquérito disciplinar, porquanto, fazendo fé na comunicação de início da instrução do processo disciplinar (cfr. Doc. 4 junto com as alegações de recurso), só a ... se iniciou a instrução do processo disciplinar.

16. Assim, em consonância com a tese do CSM – sufragada nas alegações apresentadas nestes autos de recurso –, só nesta data se terá iniciado a instrução do processo disciplinar, que não aproveitou qualquer acto do inquérito disciplinar por não se ter dado qualquer conversão.

17. Consequentemente, os elementos probatórios recebidos na pendência dos autos de inquérito disciplinar não teriam sido aproveitados no processo disciplinar, que se instaurou ex novo.

18. Tal tese, contudo, vem a ser infirmada pela realidade a que supra se aludiu, que é a de se ter operado uma verdadeira conversão do inquérito disciplinar em processo disciplinar, com aproveitamento dos actos praticados no primeiro.

19. Aproveitamento que, inclusive e de sobremaneira, ressalta da acusação proferida pelo CSM, que se sustenta, única e exclusivamente, naquela prova recebida do inquérito penal durante a pendência do inquérito disciplinar.

20. A título ilustrativo, leia-se o seguinte parágrafo que consta da acusação: “A indiciação destes factos resulta da análise dos elementos probatórios juntos ao inquérito n.º 19/16 (…)” (sublinhado nosso).

21. Conclui-se, então, sem margem para dúvidas, pela verificação, no caso em apreço, de uma total conversão do inquérito disciplinar em processo disciplinar, ainda que o Recorrido tenha alegado – sem demonstrar – o contrário.

22. Tal conversão, contudo, não podia, pelas razões já aduzidas no requerimento de interposição de recurso e nas alegações apresentadas pela Recorrente, ter lugar, porquanto a Recorrente não foi ouvida no inquérito disciplinar.

23. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 135.º, n.º 1 do EMJ, “[s]e apurar a existência de infracção, o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar que o processo de inquérito ou de sindicância em que o arguido tenha sido ouvido constitua a parte instrutória do processo disciplinar” (sublinhado nosso).

24. Consequentemente, a audição do arguido durante o inquérito disciplinar é conditio sine qua non da possibilidade de conversão, rectius, é condição sem a qual o inquérito disciplinar não pode constituir parte instrutória do processo disciplinar.

25. No caso em apreço, não tendo a Recorrente sido ouvida, jamais se poderia ter operado a conversão e jamais os actos do inquérito disciplinar não convertido em processo disciplinar poderiam sustentar a prolação de uma acusação.

26. Assim, a conversão, determinada pela Deliberação sob recurso e efectivamente operada no caso em apreço – ao contrário do afirmado pelo Recorrido – é nula por preterição daquela formalidade legal e por violação do disposto no artigo 135.º do EMJ, o que se reitera, agora também com estes fundamentos, de que a Recorrente só agora teve conhecimento.»

6. Na sequência de notificação que lhe foi feita, respondeu o CSM nos seguintes termos:

«1.°

Vem a Exm.a Recorrente fundamentar a oportunidade da apresentação do requerimento a que ora se responde invocando estarem em causa factos e circunstâncias supervenientes à apresentação das suas alegações de recurso.

2.°

 Em acréscimo, é referido no ponto 5. do requerimento a que ora se responde Depois de examinado o processo disciplinar, veio a Recorrente a concluir que, efectivamente e como se supunha, o inquérito disciplinar constitui parte instrutória do processo disciplinar e que é com base nos elementos constantes daquele primeiro que se profere a acusação neste último.

3.°

Com efeito, a situação em análise afigura-se para o ora Recorrido límpida e cristalina, não se compreendendo as infundadas objeções e questões suscitadas pela Exm.a Recorrente a respeito da mesma, nem a existência de qualquer facto ou circunstância superveniente atendível, sendo inequívoco que na situação sub judice, o presente processo disciplinar foi e continua a ser objeto de instrução autónoma.

4.º

 Não se alcança, pois, a alegada superveniência de factos e circunstâncias, na medida em que o ora Recorrido desde sempre afirmou e demonstrou que a prova produzida em sede instrutória foi constituída exclusivamente pela certidão oportunamente junta, com origem no processo de inquérito crime em que a Exm.a Recorrente é visada.

5.º

Sendo certo que a extensa prova documental, constituída pela certidão composta por milhares de folhas oriundas do inquérito crime, foi apreciada em sede de inquérito - é certo - e depois, como não poderia deixar de ser, em sede de instrução disciplinar, culminando com a acusação oportunamente deduzida.

6.º

Pretende talvez a Exm.a Recorrente que o afastamento da previsão do artigo 135.°, n.º 1  do EMJ apenas seria possível se os meios de prova utilizados no inquérito e na instrução disciplinar fossem totalmente distintos.

 

7.º

Porém, o ora recorrido não pode acompanhar tal interpretação.

8.º

Inexistiu no decurso do inquérito a produção de prova através de outros meios que não o documental.

9.º

Inexistiu, igualmente qualquer produção de prova que se tenha esgotado na fase de inquérito, ou seja que não se tenha repetido e aprofundado na fase instrutória.

10.º

 Noutras palavras, pretende a Exm.a Recorrente que a instrução do processo disciplinar não pode aproveitar a abundante prova resultante do inquérito crime, senão mediante o recurso à faculdade prevista no artigo 135.º, n.º 1 do EMJ?

11.º

Com o devido respeito, tal interpretação conduziria à conclusão de que a previsão do citado artigo 135.°, n.º 1 do EMJ não constitui uma faculdade do CSM, mas antes uma obrigação legal.

12.º

Com efeito, tal leitura enviesada determina que pretendendo utilizar a certidão do processo crime para fundamentar a acusação disciplinar, o CSM seria obrigado a "preencher" a instrução do processo disciplinar exclusivamente com o processo de inquérito, apenas porque os elementos probatórios do inquérito crime foram juntos ainda em fase de inquérito.

13.º

 

Ora, não suscita dúvidas que a previsão do artigo 135.º, n.º 1 do EMJ constitui uma faculdade, sendo certo que na situação sub judice o ora Recorrido, reitera-se - porque a isso estamos obrigados em face de antagónica e infundada repetição da Exm.a Recorrente - não lançou mão de tal faculdade.

14.º

Repita-se, pois, novamente, aquilo que oportunamente se afirmou quer na Resposta, quer nas Alegações do ora Recorrido: a parte instrutória do processo disciplinar não é constituída pelo processo de inquérito.

15.º

Assim, por muito que a Exm.a Recorrente repita e tente convencer do contrário, tal não transforma a realidade nem torna uma inverdade em verdade.

16.º

Com efeito, à exceção da certidão extraída do inquérito crime, a Exm.a Recorrente não refere nenhum acto ou decisão praticados no decurso do inquérito que tenham sido aproveitados na instrução.

17.º

E não o faz, por impossibilidade e por inexistência, de tais actos ou decisões.

18.º

Na presente situação, em sede de inquérito disciplinar não houve lugar a audição de testemunhas, não foi ouvida a arguida, nem tão pouco foram realizadas quaisquer outras diligências probatórias.

19.º

Mais uma vez sem sucesso a Exm.a Recorrente pretende impor a aplicação do artigo 135.° n.º 1 do EMJ ao caso vertente e forçar o vislumbre de uma pretensa nulidade.

 

20.º

Porém, reitera-se que não é por repetir à exaustão que tal norma é aplicável, que tal afirmação se torna verdadeira sobrepondo-se à realidade dos factos e da tramitação processual, nem à vontade do órgão que determinou o processo disciplinar.

*

Por tudo o exposto e sem prejuízo da Superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, se conclui pela improcedência dos fundamentos do requerimento atípico a que se responde

7. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objecto da acção:

Como emerge da petição e das alegações produzidas, a impugnante suscita as seguintes questões:

- A prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar;

- Subsidiariamente, a nulidade da conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar.

2. Os factos

Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, registam-se os seguintes factos que se têm por assentes:

- Perante o conhecimento dos factos apurados nos autos de inquérito criminal n.º 19/16.0..., por despacho do Senhor Vice-Presidente do CSM, de ..., foi determinada a instauração de inquérito disciplinar à Senhora Juíza ..., ora impugnante, bem como nomeado o respetivo Inspetor Judicial Extraordinário.

 

- Através de novo despacho do Senhor Vice-Presidente do CSM, também de ..., foi determinada a suspensão preventiva da ora impugnante, pelo período de 60 dias, a reavaliar pelo Exm.º Inspetor Judicial Extraordinário no prazo de 30 dias.

- Mediante deliberação do Conselho Plenário do CSM, de ..., foi ratificado o despacho do Senhor Vice-Presidente acima mencionado, respeitante à suspensão preventiva do exercício de funções.

- Em ......., o Senhor Inspetor Judicial Extraordinário elaborou Relatório Final e propôs ao Conselho Superior da Magistratura:

a)      A instauração de procedimento disciplinar à Juíza ... AA;

b)      A imediata suspensão desse mesmo procedimento disciplinar até ao trânsito em julgado de decisão final que venha a ser proferida no processo criminal originado no inquérito com o n.º 19/16.0....

- Por despacho do Senhor Vice-Presidente do CSM, de ..., foi determinado o seguinte:

“ (…)

Concordo com o teor do relatório final apresentado pelo Exmo. Inspector Judicial Extraordinário e, em consequência:

a)      Determino a instauração de procedimento disciplinar à Juíza ... AA;

b)      Determino a imediata suspensão desse mesmo procedimento disciplinar até ao trânsito em julgado de decisão final que venha a ser proferida no processo criminal originado no inquérito com o n.º 19/16.0....

À ratificação.”

- Na sessão ordinária de ..., do Plenário do CSM:

«Foi deliberado por unanimidade ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de ..., que concordou com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., relativamente à determinação da conversão do processo de Inquérito nº .../IN em processo disciplinar à Exma. Sra. Juíza ...AA.

Mais foi deliberado por unanimidade remeter os autos ao Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., para prosseguir com a instrução dos mesmos.»

3. Apreciação

3.1. Prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar

Invoca a Recorrente a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar, considerando que terão sido ultrapassados os prazos previstos no artigo 178.º, n.os 2 e 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aplicável subsidiariamente ex vi artigo 131.º do EMJ.

A prescrição, como instituto de direito punitivo, relativa ao procedimento e às penas, tanto em direito disciplinar como em direito penal, assenta no pressuposto de que o decurso de determinado lapso de tempo, faz desaparecer as razões determinantes da punição ou do cumprimento da pena.

 A autoridade que detém o poder disciplinar não mantém ilimitadamente no tempo a actuação do seu direito sancionador.

Decorrido que seja certo lapso de tempo determinado na lei, não poderá ser desencadeada a acção disciplinar pelos factos passados, porque o procedimento disciplinar prescreveu.

A prescrição funda-se, pois, no efeito erosivo que o tempo produz em todas as situações e relações humanas, tendo a sua justificação na diminuição do abalo que a infracção produziu nos serviços ou na comunidade. A acção do tempo torna impossível ou inútil a realização dos fins da punição, apaga ou esbate a necessidade da sanção a qual, desta forma, perde significado e interesse.

Como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal - Secção do Contenciosos, de 19-09-2013, proferido no processo n.º 16/13.7YFLSB.S1[1]        (Relator: Cons. Santos Carvalho):

«O instituto da prescrição dos direitos sancionatórios (penal e disciplinar) tem por finalidade acelerar a atividade do Estado no exercício da ação penal ou disciplinar e, ao mesmo tempo, assegurar aos arguidos um tempo certo durante o qual podem ser sujeitos a sanção pelos ilícitos cometidos, a partir do qual ficarão libertos da respetiva responsabilidade.

Com a prescrição extingue-se o “ius puniendi” do Estado, extinção resultante da falta de diligência dos órgãos judiciários ou disciplinares no procedimento que lhes incumbe levar a cabo.

O procedimento disciplinar é a atividade desenvolvida pelos órgãos disciplinares competentes, tendo em vista eventual acusação, julgamento e decisão relativamente a uma infração disciplinar indiciada.

Da prescrição do procedimento disciplinar há que distinguir duas situações que lhe estão próximas.

Uma, que a antecede, é a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, que, em rigor, assume a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do fato gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo.

Outra, que lhe sucede, é a prescrição da pena disciplinar, que ocorre quando, entre o trânsito em julgado da decisão que aplica a pena disciplinar e o momento em que esta vai ser executada, medeia um período de tempo superior ao indicado na lei.

O procedimento disciplinar corre desde a instauração do processo até à decisão final condenatória ou absolutória. A prescrição do procedimento disciplinar ocorre se é excedido o prazo máximo fixado pela lei entre um momento e outro.»

Quer na prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, quer na prescrição do próprio procedimento disciplinar, quer na prescrição das penas disciplinares aplicadas «encontra-se em causa – conforme PAULO VEIGA E MOURA – a desnecessidade de reacção e punição disciplinar e as próprias exigências de segurança e certeza jurídica, sendo certo que quanto mais longo é o tempo sem a instauração do procedimento, sem a aplicação de uma pena ou sem o início da sua execução, menores se vão tronando as exigências disciplinares, aumentando a dificuldade de prova e tornando mais ténues as razões justificativas do cumprimento da pena»[2].

O processo disciplinar relativo aos juízes rege-se pelo EMJ que, porém, não contempla qualquer norma relativa à prescrição do procedimento disciplinar.

Por isso, de acordo com o disposto no artigo 131.º desse mesmo diploma, «[s]ão aplicáveis subsidiariamente as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, do Código Penal, bem como do Código de Processo Penal, e diplomas complementares».

  O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, foi revogado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas [EDTEFP], aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, revogado, por sua vez, pelo artigo 42.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP).

Sob a epígrafe «Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar», dispõe o artigo 178.º da LTFP:


«Artigo 178.º
Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar
1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.
2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.
3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável.
4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente:
a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;
b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente;
c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.
5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.
6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.»

No n.º 2 do preceito transcrito prevê-se a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar. O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico.

A administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, goza do prazo de 60 dias para, dentro do prazo de um ano a que se refere o n.º 1 do artigo 178.º, instaurar o respectivo procedimento disciplinar.

Pode colocar-se a questão da natureza desse prazo e consequente modo de contagem. Em concreto, pode ter pertinência, ou constituir mesmo questão essencial, determinar se esse prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados, conforme estabelece o artigo 87.º, n.º 1, alínea c), do CPA.

No acórdão desta Secção do Contencioso de 22-02-2017, proferido no processo n.º 17/16.YFLSB (Relatora: Cons. Isabel Pais Martins), deu-se como adquirido que os 60 dias legalmente fixados são «contados nos termos do artigo 87.º Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força da remissão operada pelo artigo 2.º da Lei n.º 58/2008», actual artigo 3.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho[3].

No acórdão desta Secção do Contencioso de 21-03-2019, proferido no processo n.º 30/18.6YFLSB (Relator: Cons. Tomé Gomes), também se consignou que esse prazo «é contado em dias úteis nos termos do artigo 87.º, alíneas c), a contrario, e d) do CPA/2015».

A questão foi expressa e desenvolvidamente examinada muito recentemente no acórdão desta Secção de 25-09-2019, proferido no processo n.º 91/18.8YFLSB, ainda inédito (Relator: Cons. Ferreira Pinto), que o ora relator subscreveu como adjunto, em acção impugnatória com objecto idêntico ao aqui presente.

Sobre o tópico «Como se conta o prazo de 60 dias», afirma-se nesse acórdão[4]:

            «O artigo 3.º, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, dispõe que os prazos previstos na LTFP contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo.

           De acordo com o artigo 87º, alínea c), do CPA, “o prazo fixado suspende-se aos sábados, domingos e feriados”.

            Contudo, o artigo 87º, do CPA, fixa regras de contagem de prazos procedimentais, ou seja, prazos para a prática de atos ou para o cumprimento de formalidades no seio do procedimento administrativo.

            O prazo de 60 dias estabelecido no n.º 2, do artigo 178º, da LGTFP, não é um prazo procedimental, pois não se inclui no conceito de prazos procedimentais o prazo estabelecido na lei como condição de exercício (fator de caducidade ou de prescrição) do direito ou da posição jurídica a cuja atribuição ou reconhecimento o procedimento tende.

            Assim, o prazo de 60 dias em questão não se suspende aos sábados, domingos e feriados, devendo ser contado de acordo com a regra do artigo 279º, do Código Civil».

            Convocando-se, em seguida, posições doutrinárias no sentido apontado, bem como os entendimentos, no mesmo sentido, da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público e da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, concluindo-se que:

            «Deve […] fazer-se uma interpretação restritiva do artigo 3º, da LTFP [artigo 9º, do CC], e concluir-se que o superior hierárquico, com competência disciplinar para instaurar o procedimento disciplinar, tem 60 dias “corridos” (computados nos termos do artigo 279.º do Código Civil) e não 60 dias “úteis” (contabilizados ao abrigo do artigo 87.º do CPA) para o instaurar [[5]], a partir do conhecimento da infração, sob pena de prescrição do direito dessa instauração.»

            A questão relativa ao modo de contagem do prazo de 60 dias para a instauração do procedimento disciplinar não está suscitada na presente acção. Ambos os sujeitos processuais, Recorrente e CSM têm como adquirido que esse prazo corre de forma contínua.

           Neste conspecto e na economia desta decisão, consideramos desnecessário retomar e examinar mais desenvolvidamente tal questão, assumindo expresso compromisso sobre este tópico.

           Prosseguindo, já consideramos que se justificam algumas considerações a propósito do momento em que tem início a contagem daquele prazo para a instauração do procedimento disciplinar.

           Com a devida vénia, convocamos o que se afirma, a este propósito, no mencionado acórdão de 25-09-2019[6]:

           «A jurisprudência da Secção do Contencioso, deste Supremo Tribunal de Justiça, tem distinguido o mero conhecimento de uma certa materialidade dos factos do conhecimento dos factos em termos de os poder enquadrar como ilícito disciplinar.

           E tem entendido, pacífica e uniformemente que o que releva para o efeito de contagem do prazo de prescrição, no que à instauração do procedimento disciplinar diz respeito, é o conhecimento da infração e não a suspeita da mesma, ou seja, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, a que se refere o n.º 2 do artigo 178º, da LGTFP, apenas se inicia quando o Plenário do CSM tiver real e efetivo conhecimento do facto e do circunstancialismo que o rodeia, de molde a poder fazer o seu enquadramento como ilícito disciplinar, sendo, pois, insuficiente uma mera participação ou denúncia não suficientemente concretizada.

           Ainda recentemente, no dia 21 de março de 2019, foi proferido no Processo n.º 30/18.6YFLSB[7], desta Secção do Contencioso, em que era arguido um funcionário de justiça, acórdão, que na parte que aqui releva, decidiu:
ü Para efeitos do início do cômputo do prazo de prescrição de 30 dias do direito de instaurar o procedimento disciplinar, estabelecido no artigo 6.º, n.º 2, do EDTEFP, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, aplicável, subsidiariamente aos funcionários de justiça, por via do artigo 123.º do EFJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26-08, o que releva não é o conhecimento do mero facto naturalístico, mas sim da infração indiciada como materialidade juridicamente significante na perspetiva do ilícito disciplinar, ou seja, com uma corporeidade ou envolvência suscetível de se assim ser qualificada.
ü Para os mesmos efeitos, no elenco das entidades e superiores hierárquicos previstos no n.º 1 do art.º 94.º do EFJ, o que releva é o conhecimento por parte do Plenário do COJ, como órgão colegial competente para instaurar o procedimento disciplinar contra os funcionários de justiça, que não a comunicação feita ao respetivo Vice-Presidente.

           Também no Processo n.º 17/16.3YFLSB[8], desta Secção, foi proferido acórdão, em 22.02.2017, cujo sumário é o seguinte:
1. De acordo com o art.º 131.º do EMJ, em matéria relativa à prescrição do procedimento disciplinar, aplica-se o art.º 178.º da Lei 35/2014, de 20-06 (LGTFP), sendo que o n.º 1 prevê a prescrição da própria infração disciplinar no prazo de 1 ano a contar da respetiva prática e o n.º 2 prevê a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar. O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.
2. Os juízes não estão sujeitos a qualquer superior hierárquico; é ao CSM que legalmente incumbe o exercício da ação disciplinar relativamente a estes (art.º 111.º e al. a) do art.º 149.º, ambos do EMJ). O CSM funciona em plenário e em conselho permanente. Ao primeiro, compete o exercício da ação disciplinar respeitantes a juízes do STJ e das Relações (al. a) do art.º 149.º e al. a) do art.º 151.º). Ao segundo, como deriva do estatuído no n.º 1 do art.º 152.º do EMJ, incumbe o desempenho dessa competência relativamente aos juízes de direito.
3. O prazo de 60 dias, referido no n.º 2 do art.º 178.º da LGTFP, apenas se pode contar a partir do momento em que o conselho permanente, por intermédio de deliberação, aprecie a factualidade com potencial ressonância disciplinar. Só tem sentido e cabimento sancionar a inação do CSM se a infração foi conhecida pelo órgão a quem, internamente, compete instaurar a respetiva ação disciplinar.

            Assim, só quando o Plenário do CSM teve a informação de que os factos praticados pelo Demandante […] tinham potencial ressonância disciplinar, ou seja, só quando teve conhecimento da “infração indiciada como materialidade juridicamente significante na perspetiva do ilícito disciplinar”, é que se iniciou o prazo de contagem da prescrição do exercício do poder disciplinar sobre aquele.

           Esse conhecimento, respeita à infração e não a factos, pois exige-se um juízo fundado sobre a relevância jurídico-disciplinar do “facto” e não o mero conhecimento do mesmo, só foi obtido com a deliberação de ... que ratificou o despacho do Vice-Presidente do CSM, de ....

           Por fim, assinala-se que este conhecimento, refere-se ao conhecimento por todos os elementos do Plenário do CSM e não apenas por algum ou por alguns dos seus membros (o Vice-Presidente é apensa um dos seus membros) pois, como já dito, é o Plenário o órgão com competência disciplinar no caso concreto – artigos 111º, 149º, alínea a), e 151º, alínea a), todos do EMJ»[9].

           Não existe igualmente no presente caso controvérsia sobre a data a ter em conta para efeitos do conhecimento dos factos com ressonância disciplinar.

            Sendo o CSM um órgão colegial, o conhecimento de uma falta disciplinar ocorrerá quando efectivamente se reunir e essa matéria constar da ordem de trabalhos. Como pondera LUIZ S. CABRAL DE MONCADQA, «[a] vontade colegial é de todos os membros do órgão em causa»[10].

           No caso sub judice, é ponto assente que o Plenário do CSM tomou conhecimento da putativa infracção em..., data em que deliberou ratificar o despacho de ... do Vice-Presidente que determinava a suspensão preventiva de funções da agora impugnante pelo período de 60 dias.

            Por seu lado, tendo sido instaurado inquérito suspendeu-se por seis meses o prazo de 60 dias para a instauração do processo disciplinar (artigo 178.º, n.os 2 e 3, da LTFP.

            Assim, contando-se os referidos prazos de 6 meses e 60 dias de acordo com o artigo 279.º, alíneas b) a d), do Código Civil, e tendo o conhecimento da infração sido obtido em ..., o prazo para o exercício do direito a instaurar procedimento disciplinar terminava a ..., uma sexta-feira. Sendo dia feriado nacional, como se lhe seguiu sábado e domingo, aquele prazo terminou em ..., primeiro dia útil seguinte, nos termos da alínea e) do artigo 279° do Código Civil, como se concluiu no citado acórdão desta Secção de 25-09-2019, proferido numa situação com os mesmos contornos fácticos à aqui apreciada.

            Ora, no caso em apreço e em conformidade com a factualidade assente, o procedimento disciplinar foi instaurado em ..., data em que o Vice-Presidente do CSM, após apreciação do Relatório Final e perante a proposta do Inspetor Judicial Extraordinário, proferiu o despacho que se reproduz, objecto de posterior ratificação pelo Plenário do CSM, questão que merecerá mais desenvolvida atenção:
«Concordo com o teor do relatório final apresentado pelo Exmo. Inspetor Extraordinário e, em consequência:
a)      Determino a instauração de procedimento disciplinar ao Juiz BB;
b)      Determino a imediata suspensão desse mesmo procedimento disciplinar até ao trânsito em julgado de decisão final prolatada no processo criminal originado no inquérito com o n° 19/16.0....
         À ratificação.»

          Na sequência, na Sessão do Plenário do CSM de ..., foi adoptada a deliberação agora sob impugnação, em que se ratificou parcialmente o despacho que vem de se transcrever do Vice-Presidente:
«Foi deliberado por unanimidade ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de ..., que concordou com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., relativamente à determinação da conversão do processo de Inquérito nº .../IN em processo disciplinar à Exma. Sra. Juíza ...AA.
Mais foi deliberado por unanimidade remeter os autos ao Exmo. Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., para prosseguir com a instrução dos mesmos.»

            Afirma a Recorrente que «relativamente ao despacho de Exmo. Senhor Vice-Presidente e à proposta apresentada pelo Exmo. Senhor Inspector Judicial Extraordinário, inexiste qualquer acto de ratificação por parte do Plenário, que adopta uma deliberação de conteúdo substancialmente diverso daqueles».

            E que:

           «[…] muito embora a proposta do Exmo. Senhor Inspector Judicial Extraordinário e o despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM tenham sido proferidos antes de se verificar o término do prazo de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar, certo é que a deliberação do Plenário do CSM é adoptada em momento posterior ao do termo daquele prazo».

            Vejamos:

            A questão da competência para o exercício da acção disciplinar relativamente a juízes ...es e a questão da ratificação de actos praticados por agente incompetente foram examinadas no já citado acórdão desta Secção de 25-09-2019 em termos que consideramos pertinente convocar.

            Assim, lê-se aí:

            «Nos termos do artigo 111º, do EMJ, “compete ao Conselho Superior da Magistratura a instauração de procedimento disciplinar contra magistrados judiciais.”

           No artigo 149º, alínea a), do mesmo diploma, consta que ““compete ao Conselho Superior da Magistratura (…) exercer a ação disciplinar [relativamente] a magistrados judiciais.”

            Nos termos do artigo 151º, alínea a), do referido Estatuto, “são da competência do Plenário do Conselho Superior da Magistratura praticar os atos referidos no artigo 149º, respeitantes a juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações ou a estes tribunais.”

           Por fim, diz o artigo 116º, n.º 1, do EMJ, que o magistrado arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso de funções.

           Não consta do artigo 158º, do EMJ, que o Conselho Superior da Magistratura possa delegar no seu presidente, com a faculdade de subdelegação no seu vice-presidente, o exercício da ação relativamente aos Juízes ….

           Mas, mesmo assim, o ato em causa, não deixa de produzir efeitos.

           Na verdade, o artigo 164º, do Código de Procedimento Administrativo [[11]] dispõe o seguinte:


1) São aplicáveis à ratificação, reforma e conversão dos atos administrativos as normas que regulam a competência para a anulação administrativa dos atos inválidos e a sua tempestividade.
2) Os atos nulos só podem ser objeto de reforma ou conversão.
3) Em caso de incompetência, o poder de ratificar o ato cabe ao órgão competente para a sua prática.
4)  A reforma e a conversão obedecem às normas procedimentais aplicáveis ao novo ato.
5) Desde que não tenha havido alteração ao regime legal, a ratificação, a reforma e a conversão retroagem os seus efeitos à data dos atos a que respeitam, mas não prejudicam a possibilidade de anulação dos efeitos lesivos produzidos durante o período de tempo que as tiver precedido, quando ocorram na pendência de processo impugnatório e respeitem a atos que envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos e interesses legalmente protegidos.

           No seu n.º 5, condicionado, desde logo, à não alteração do regime legal, estabelece-se como regime-regra a retroatividade dos efeitos à data a que respeitam no caso da sua ratificação.

           

            Segundo Luiz S. Cabral de Moncada [[12]] “[a] ratificação, bem como a reforma e conversão, são atos secundários ou de segundo grau que incidem sobre um anterior ato primário ferido de ilegalidade e cujo objeto é a supressão desta mesma ilegalidade suprindo-a totalmente no caso da ratificação ou conservando a sua parte sã, no caso da reforma. A ratificação sana vícios formais, a reforma elimina a parte inválida de um ato e a conversão transforma o ato ilegal noutro. Trata-se de modalidades de sanação administrativa de ilegalidade ou de convalidação de um ato primário inválido. Preenchem os requisitos da legalidade que num primeiro momento faltavam no ato sanado.

            […]

            “[E]xiste uma norma especial para a ratificação, apenas ela, do ato ferido de incompetência. Se o ato administrativo estiver ferido de incompetência a competência para a respetiva ratificação cabe ao órgão competente para a prática do ato ilegal, de acordo com o n.º 3 do artigo em análise. Esta disposição explica-se porque se a competência em causa coubesse ao autor do ato reincidiria na ilegalidade, o mesmo sucedendo se coubesse ao superior hierárquico ou à autoridade que sobre o órgão incompetente que foi o autor do ato exerça poderes de tutela. Além disto, porque se regula de novo a situação, só quem tem poderes dispositivos sobre a matéria o poderá fazer.

            […]

            De acordo com o n.º 5, a sanação de atos administrativos tem efeitos retroativos à data dos atos que incidem ou a que respeitam, como não podia deixar de ser tratando-se da prática de um ato novo que elimina os efeitos já produzidos de um ato primário anterior inválido. A eliminação retroativa destes efeitos é, aliás, indispensável para que o que ficou do ato primário ilegal possa ser precisamente aproveitado para a prática de um ato novo sanado.

            A retroatividade, contudo, de acordo com o n.º 5 do artigo em análise, só se verifica se, entretanto, não houve alteração ao regime legal do ato.”

            Para João Caupers e Vera Eiró [[13]] “[o]s atos administrativos secundários - que incidem sobre um ato administrativo anterior – repartem-se por quatro categorias: os atos integrativos, os atos sanadores, os atos modificativos e os atos desintegradores.

            […]

            Os atos sanadores, que visam eliminar a invalidade de ato administrativo anteriormente praticado, com base no princípio da economia dos atos jurídicos são de três espécies:

           - A ratificação sanação, ato administrativo que visa suprir a ilegalidade resultante da incompetência do autor de um ato anterior, ou da falta de uma condição legalmente exigida para que o seu ator pudesse praticá-lo - caso do ato praticado por aquele a quem a lei de habilitação atribui competência delegada, sem que o delegante haja autorizado o exercício de tal competência.”   

 

           Neste sentido decidiu o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.01.2007, Pleno da Secção, proferido no Processo n.º 011288/05:
I. A ratificação é o ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um ato inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia.
II. O ato de ratificação-sanação substitui o ato sanado na ordem jurídica e determina a perda de objeto do recurso contencioso que contra ele tenha sido interposto.
III. Por essa razão a instância do recurso contencioso extingue-se por impossibilidade superveniente da lide.

           Expressando a nossa adesão a estas considerações, concluímos igualmente que a invalidade dos atos praticados pelo Vice-Presidente do CSM, em ..., já foi sanada pela sua ratificação pelo órgão competente para os praticar, ou seja, pelo Plenário do CSM, através da sua deliberação de ..., ora impugnada.

            Retroagindo a ratificação os seus efeitos à data do acto a que respeita, nos termos do n.º 5 do artigo 164.° do CPA, tem toda a razão o CSM quando alega que «o acto em questão, que determinou a instauração de processo disciplinar foi praticado em ..., por isso antes de decorrido o prazo para exercício do direito de instaurar procedimento disciplinar indicado pela Exm.ª Recorrente na sua petição recursória, que recorde-se, seria 0...», pelo que, ocorrendo a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar em ..., o procedimento disciplinar se considera instaurado em ..., portanto antes daquela data.

           

           Alega, no entanto, a Recorrente que, muito embora a deliberação do Plenário classifique o acto como de ratificação, quanto à instauração de procedimento disciplinar, «certo é que o conteúdo material do acto do Plenário difere do conteúdo não só do despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente como, bem assim, da proposta apresentada no relatório final apresentado pelo Exmo. Senhor Inspector Judicial Extraordinário».

            Em bom rigor, prossegue a Recorrente, «se nestes dois últimos se pugna pela instauração, ex novo, de um procedimento disciplinar, naquela deliberação do Plenário determina-se a conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar, figura prevista no artigo 135.° do EMJ.

            Por outro lado, a deliberação do Plenário também não acolhe a suspensão do procedimento disciplinar até trânsito em julgado da decisão final a proferir no processo n.º 19/16. O..., determinando, pelo contrário, o imediato prosseguimento do procedimento disciplinar».

            Deste modo, afirma-se ainda, «não pode senão concluir-se que, relativamente ao despacho de Exmo. Senhor Vice-Presidente e à proposta apresentada pelo Exmo. Senhor Inspector Judicial Extraordinário, inexiste qualquer acto de ratificação por parte do Plenário, que adopta uma deliberação de conteúdo substancialmente diverso daqueles».

            Não procede esta objecção.

            Como alega o CSM, «não merece também qualquer acolhimento o exercício de retórica e os efeitos que a Exm.a Recorrente pretende retirar da circunstância de o texto da deliberação ratificadora, não coincidir exatamente com o texto do despacho ratificado».

           Sendo inequívoco que a deliberação do Plenário do CSM de ..., conforme expressamente refere, ratifica o despacho do Vice-Presidente de..., que concordou com o teor da proposta do Exm.° Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, no que respeita à instauração de processo disciplinar, sendo absolutamente irrelevante o facto de o Plenário não ter ratificado a imediata suspensão desse mesmo processo disciplinar como havia sido proposto pelo Inspector Judicial Extraordinário.

           Observa-se aqui uma ratificação parcial de uma decisão do Vice-Presidente que, por ser admissível, é a que releva para a situação aqui em apreço.

            Sendo que o facto de no despacho do Vice-Presidente se referir «instauração de processo disciplinar» e na deliberação que o ratifica se referir «conversão do inquérito em processo disciplinar» é irrelevante, porquanto tal só releva para os efeitos do disposto no artigo 135.° do EMJ, isto é, se se pretender que o inquérito constitua a parte instrutória do processo disciplinar, o que não se verificou, nem tal poderia suceder já que a arguida não foi ouvida no processo de inquérito. Daí que não tenha sido determinado o aproveitamento do inquérito para efeitos de ele constituir a parte instrutória do processo disciplinar.

            Em face do exposto, improcede a exceção da prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar invocada pela Impugnante.

            3.2. Da nulidade da conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar

           A título subsidiário, invoca a Recorrente a nulidade da deliberação impugnada «por violação do disposto no artigo 135.º do EMJ e, bem assim, por violação do disposto no artigo 124.º, n.º 1, do EMJ, aplicável ex vi do artigo 133.º do mesmo diploma legal».

            Alega que:

       «Muito embora o relatório final e o despacho de ... nada mencionem quanto à aplicação do artigo 135.° do EMJ, a deliberação sob recurso determina a conversão.

            […] A conversão, contudo, não pode ter aplicação no nosso caso, porquanto nunca a Recorrente foi ouvida em inquérito, volvidos mais de nove meses desde a sua instauração.»

            Esta questão já se mostra examinada no ponto anterior.

            Como aí se afirma, «o facto de no despacho do Vice-Presidente, ratificado, se referir “instauração de processo disciplinar” e na deliberação que ratifica se referir “conversão do inquérito em processo disciplinar” é irrelevante, porquanto tal só releva para os efeitos do disposto no artigo 135.° do EMJ, isto é, se se pretender que o inquérito constitua a parte instrutória do processo disciplinar, o que não se verificou, nem tal poderia suceder já que a arguida não foi ouvida no processo de inquérito. Daí que não tenha sido determinado o aproveitamento do inquérito para efeitos de ele constituir a parte instrutória do processo disciplinar».

            Ou seja, não resulta da deliberação impugnada a aplicação do artigo 135.º do EMJ que, sob a epígrafe «Conversão do processo disciplinar», estabelece no n.º 1 que:
«1 - Se se apurar a existência de infracção, o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar que o processo de inquérito ou de sindicância em que o arguido tenha sido ouvido constitua a parte instrutória do processo disciplinar.»

            Disposição similar é a que se contém no artigo 231.º, n.º 4, da LTFP: o processo de inquérito ou de sindicância pode constituir, por decisão da entidade que mandou instaurar o procedimento, a fase de instrução do processo disciplinar, deduzindo o instrutor, no prazo de 48 horas, a acusação do trabalhador ou dos trabalhadores, seguindo-se os demais termos.

            Esta norma tem pressuposta a prévia audição do trabalhador, expressamente imposta no artigo 135.º do EMJ, assim se garantindo o seu direito de defesa, proporcionando-se-lhe a oportunidade de se pronunciar sobre os indícios que contra si foram recolhidos no inquérito ou na sindicância.

            Não tendo o trabalhador/magistrado sido ouvido, o processo de inquérito não pode ser convolado para processo disciplinar, não podendo aquele constituir a parte instrutória deste e não podendo, consequentemente, transitar-se para a fase da acusação em processo disciplinar.

            Daí que a deliberação sob impugnação não tenha determinado o aproveitamento do inquérito, não tenha determinado a conversão do inquérito em processo disciplinar, sendo o presente processo (disciplinar), como sustenta o CSM, «objecto de instrução autónoma».

            Assim, não se verifica violação do disposto no artigo 135.º do EMJ e, bem assim, por violação do disposto no artigo 124.º, n.º 1 do EMJ, aplicável ex vi do artigo 133.º do mesmo diploma legal, preceitos invocados pela Recorrente, improcedendo, consequentemente, o pedido de declaração da nulidade da deliberação impugnada.

           

           Neste sentido se decidiu no citado acórdão desta Secção do Contencioso de 25-09-2019, em que, numa situação idêntica à aqui presente, e perante uma deliberação do mesmo teor da que é aqui objecto de impugnação (variando somente o magistrado visado), se suscitou a «nulidade da conversão do processo de inquérito em processo disciplinar».

            Diz-se aí, com o que se concorda[14]:

           «[…]da matéria de facto dada como provada consta que na sessão do Plenário do CSM, realizada em .... foi deliberado, por unanimidade ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de ..., que concordou com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro. ..., relativamente à da determinação da conversão do processo de inquérito n.... em processo disciplinar ao Exmo. Sr. Juiz ... […].

           Ora, dispõe o artigo 135º, n.º 1, do EMJ, que “se apurar a existência de infração o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar que o processo de inquérito ou a sindicância em que o arguido tenha sido ouvido constitua a parte instrutória do processo disciplinar”.

          No caso concreto, a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ... versou especificamente sobre a ratificação do despacho do Vice-Presidente, do mesmo Conselho, de ..., que, concordou com o teor da proposta do Inspetor Extraordinário, Juiz Conselheiro ..., em relação à instauração de procedimento disciplinar ao Juiz […].

           Efetivamente, o sobredito Inspetor Extraordinário propôs, em ..., ao CSMa instauração de procedimento disciplinar ao Juiz ... […] e, em ..., o Senhor Vice-Presidente do CSM, concordando com a proposta efetuada pelo mesmo Inspetor Extraordinário determinou, “a instauração de procedimento disciplinar ao Juiz ... […]”.

           Assim deduz-se da deliberação de ..., conjugada com o despacho do Vice-Presidente do CSM de ..., e com a proposta do Inspetor Extraordinário em ..., que o inquérito em causa não constitui a parte instrutória do processo.

           Com efeito, ao ordenar-se a remessa dos autos ao Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro ..., para prosseguir com a instrução dos mesmos, significa que o processo de inquérito não constitui a instrução, pois, caso contrário, a parte instrutória não teria de prosseguir, dado que o inquérito a tinha substituído.

           Por outro lado, numa interpretação “a contrario” do artigo 135º, n.º 1, do EMJ, resulta que o facto de o arguido não ter sido ouvido no processo de inquérito não constitui qualquer nulidade, apenas determinando que ele não possa valer como a parte instrutória do procedimento disciplinar.

            Não se verifica, assim, a invocada nulidade.»

           3.3. Em articulado superveniente, a Recorrente vem alegar que, deduzida a acusação no processo disciplinar contra si instaurado e após exame do mesmo, se conclui que «o inquérito disciplinar constitui parte instrutória do processo disciplinar e que é com base nos elementos constantes daquele primeiro que se profere a acusação neste último» e que [inexistem autos de inquérito que se possam separar dos autos de processo disciplinar».

            Insiste ainda no facto de que «não houve instauração ex novo de qualquer processo disciplinar, tendo sido aproveitados, in totum, os actos de inquérito disciplinar que agora constituem a parte instrutória do processo disciplinar», verificando-se «uma total conversão do inquérito disciplinar em processo disciplinar», conversão que não poderia ter lugar «porquanto a Recorrente não foi ouvida no inquérito disciplinar», sendo «nula por preterição daquela formalidade legal e por violação do disposto no artigo 135.º do EMJ».

            O articulado apresentado não configura uma ampliação objectiva da instância pois manifestamente não se verificam os necessários pressupostos enunciados no artigo 63.º do CPTA[15], permanecendo intocado o objecto do processo demarcado na petição e nas alegações.

            Trata-se de alegação que visa, digamos, reforçar a invocada nulidade da pretensa conversão do inquérito em processo disciplinar.

            Atentas as considerações já expostas no ponto anterior, não procede esta alegação.

            O artigo 135.º, n.º 1, do EMJ não consagra qualquer imposição de conversão do processo de inquérito em processo disciplinar. Prevê-se aí, isso sim, uma faculdade, claramente expressa na fórmula textual: «o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar …» (sublinhado agora) sujeita a um pressuposto essencial – a audição do arguido.

            Como já se disse, a deliberação sob impugnação não determinou que o inquérito constituísse a parte instrutória do processo disciplinar, ou seja, não determinou a conversão do inquérito em processo disciplinar, sendo o procedimento disciplinar instaurado, como sustenta o CSM, «objecto de instrução autónoma».

            Já nas suas alegações (artigo 44.º), dá conta o CSM de que a instrução «ainda está em curso, tendo inclusivamente sido prorrogado o prazo de instrução e tendo sido determinadas acrescidas diligências instrutórias, designadamente a inquirição da arguida», juntando-se cópia da «Certidão de notificação» da mesma, datada de ..., «para comparecer à audição a realizar no próximo dia …. pelas …, no Conselho Superior da Magistratura, sito (…)».

            Como se documenta no processo apenso, em 11 de dezembro de 2018, por solicitação do Inspetor Judicial, foi entregue ao mesmo o registo disciplinar da Arguida, aqui Impugnante.

            Por seu lado, importa afirmar que o aproveitamento da prova recolhida no inquérito na instrução do processo disciplinar é válido e admissível e não pressupõe (nem depende de) a obrigatoriedade de recurso ao regime consignado no citado artigo 135.º, n.º 1, do EMJ.

           Sendo que é questão que exorbita o objecto desta acção impugnatória apurar que diligências de instrução ou mais diligências processuais de relevo foram realizadas, ou não, designadamente a audição da ora impugnante, a apresentação ou recolha de outros elementos probatórios.

            Os elementos de facto disponíveis, oportunamente condensados, são suficientes para uma decisão criteriosa e justa relativamente à invocação da prescrição do procedimento disciplinar e ao pedido subsidiário da alegada «conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar».

            III - DECISÃO

           Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente acção de impugnação proposta pela Juíza ... AA.

            Custas pela Demandante, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

            Valor da causa: € 30.000,01

 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 10 de dezembro de 2019

Manuel Augusto de Matos (Relator)

Chambel Mourisco

Helena Moniz

Graça Amaral

Oliveira Abreu

Alexandre Reis

Tomé Gomes

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente da Secção)

_________________
[1]              Disponível em texto integral nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra indicação.
[2]             Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, 2009, p. 67.
[3]              Já anteriormente, em acórdão da Secção do Contencioso de 09-02-2012, proferido no processo n.º 89/11.7YFLSB, relatado pela mesma Ex.ma Relatora, sumariado em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso, se decidira que «nos termos do n.º 2 do art. 6.º do EDTEFP, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve quando, conhecida a infracção por superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias. O prazo de 30 dias referido conta-se nos termos do art. 72.º do CPA [actual artigo 87.º]. Não se inclui na contagem o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr e suspende-se nos sábados, domingos e feriados (art. 78.º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2, a contrario).
[4]              Realces e sublinhados no original.
[5]            - Não se desconhece o acórdão desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça, proferido, em 09.02.2012, no Processo n.º 89/11.7YFLSB, que contou o prazo de 30 dias [agora 60] nos termos do artigo 72º, do CPA.
               Contudo, nesse acórdão não se tomou qualquer posição sobre a natureza desse prazo, limitando-se a dizer que “o prazo de 30 dias conta-se nos termos do artigo 72º, do Código do Procedimento Administrativo. Não se inclui na contagem o dia em que correr o evento a partir do qual o prazo começa a correr e suspende-se nos sábados, domingos e feriados (n.º 1, alíneas a) e ), a contrario, desse artigo 72º)”.
Não faz, pois, jurisprudência por não versar sobre esta questão e por ter aplicado o teor literal da lei.
[6]              Realces e sublinhados no original.
[7] - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1eafc7620d54847b802583c5004e52e5?OpenDocument
[8] -http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/604af8baee542698802580d6003506ab?OpenDocument
[9]              Realces e sublinhados no original.
[10]    Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra Editora, p. 142.
[11]             - Doravante CPA.
[12]            - Código do Procedimento Administrativo, anotado, 3ª edição, revista e atualizada, Quid Juris, páginas 541/544, anotação ao artigo 164º.
[13]             - Introdução ao Direito Administrativo, 12ª edição, Âncora Editora, páginas 252/253.
[14]             Os destaques e sublinhados figuram igualmente no original.
[15]    Sobre o âmbito do preceito, v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, pp. 393-394.