Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/16.3YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INQUÉRITO
CONVERSÃO
PROCESSO DISCIPLINAR
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
CONSELHO PERMANENTE
CONTAGEM DE PRAZO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PENA DE ADVERTÊNCIA
DECLARAÇÕES
ARGUIDO
MEIOS DE PROVA
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
RELATÓRIO FINAL
ACUSAÇÃO
PRINCÍPIO DA DEFESA
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
IN DUBIO PRO REO
DEVER DE CORRECÇÃO
DEVER DE CORREÇÃO
ATENUANTE
NULIDADE
RECURSO CONTENCIOSO
JUIZ
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS.
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO / ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ) - INVALIDADE DO ACTO ( INVALIDADE DO ATO ) - TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS / EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR / PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora Limitada, 1974, § 6. Princípios de prova, ponto 3., 215.
- Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I. 10.ª edição, 2.ª reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, 501.
- Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, In “Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, Coimbra Editora, 1.º Vol, 575 (anotação ao art. 194.º).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 26.º, N.º 1, 7.º, 131.º, 161.º, N.ºS 1 E 2, AL. D), 163.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, N.ºS 2 E 10, 269.º, N.ºS 2 E 3.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 85.º, N.º1, AL. A), N.º 4, 110.º, N.º2, 111.º, 122.º, 123.º, 131.º, 135.º, N.º 2, 149.º, AL. A), 150.º, N.º 1, 151.º AL. A), 152.º, N.º 1.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LGTFP): - ARTIGO 178.º.
LEI N.º 35/2014, DE 20-06: - ARTIGO 11.º.
LEI N.º 58/2008, DE 09-09: - ARTIGO 2.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

-DE 29/10/2015 (PROCESSO N.º 014/12).

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 08/05/2012 (PROCESSO N.º 114/11.1YFLSB).
-DE 05/07/2012 (PROCESSO N.º 69/11.2YFLSB),
-DE 21/03/2013 (PROCESSO N.º 15/12.6YFLSB), E DE 08/05/2013 (PROCESSO N.º 47/12.4YFLSB).
-DE 23/02/2016 (PROCESSO N.º 104/15.5YFLSB).
Sumário :

I - De acordo com o art. 131.º do EMJ, em matéria relativa à prescrição do procedimento disciplinar, aplica-se o art. 178.º da Lei 35/2014, de 20-06 (LGTFP), sendo que o n.º 1 prevê a prescrição da própria infracção disciplinar no prazo de 1 ano a contar da respectiva prática e o n.º 2 prevê a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar. O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico.
II - Os juízes não estão sujeitos a qualquer superior hierárquico; é ao CSM que legalmente incumbe o exercício da acção disciplinar relativamente a estes (art. 111.º e al. a) do art. 149.º, ambos do EMJ). O CSM funciona em plenário e em conselho permanente. Ao primeiro, compete o exercício da acção disciplinar respeitantes a juízes do STJ e das Relações (al. a) do art. 149.º e al. a) do art. 151.º). Ao segundo, como deriva do estatuído no n.º 1 do art. 152.º do EMJ, incumbe o desempenho dessa competência relativamente aos juízes de direito.
III - O prazo de 60 dias, referido no n.º 2 do art. 178.º da LGTFP, apenas se pode contar a partir do momento em que o conselho permanente, por intermédio de deliberação, aprecie a factualidade com potencial ressonância disciplinar. Só tem sentido e cabimento sancionar a inacção do CSM se a infracção foi conhecida pelo órgão a quem, internamente, compete instaurar a respectiva acção disciplinar.
IV - De acordo com o n.º 3 do art. 178.º da LGTFP suspende, designadamente, o prazo prescricional de 60 dias (previsto no n.º 2 deste artigo), por um período até 6 meses, a instauração de (…) “processo de inquérito”. Esta suspensão só opera se cumulativamente se verificarem os requisitos do n.º 4 do art. 178.º.
V Na deliberação de 21-10-2014, o Conselho Permanente do CSM apreciou a participação apresentada pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca X, na qual constava a indicação de factos ocorridos em 04-09-2014 e entre 08 e 12-09-2014, e determinou a instauração do processo de inquérito n.º XX.
VI - Por deliberação do conselho permanente de 13-01-2015, foi apreciado o relatório elaborado pelo Sr. Inspector, e decidido nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art. 85.º do EMJ, poder vir a ser aplicada a pena de “Advertência registada”, determinando-se a notificação do arguido, nos termos do art. 85.º, n.º 4, do EMJ. O arguido deduziu oposição aos factos e à pena de advertência registada que lhe poderia vir a ser aplicada.
VII- Uma vez deduzida oposição, o CSM pode optar por uma de duas vias: ou mantém aquele procedimento simplificado, ouvindo a prova apresentada pelo arguido em sua defesa e tomando uma deliberação final sobre a infracção imputada e a pena; ou decide, em face da oposição deduzida, pela instauração de um processo disciplinar. Na deliberação do conselho permanente de 28-04-2015 foi decidido converter o processo de inquérito n.º XX em processo disciplinar e deliberado que aquele processo de inquérito passasse a constituir a parte instrutória do “processo disciplinar”.
VIII - A utilização do procedimento previsto no artigo 85.º, n.º 4, do EMJ não é equiparável à instauração do procedimento disciplinar subsequente, nos termos e para os efeitos do art. 178.º, n.º 4, al. b), da LGTFP. O n.º 4 do artigo 85.º consagra, um procedimento simplificado – que apenas exige a audição do arguido e a possibilidade de defesa – e prescinde do “processo disciplinar.
IX - Não se encontra preenchido o requisito da al. b) do n.º 4 do art. 178.º da LGTFP, na medida, em que o CSM apreciou o relatório do processo de inquérito que mandara instaurar, em 13-01-2015, e só em 28-04-2015 deliberou instaurar o procedimento disciplinar subsequente, ou seja, muito depois de decorridos os 30 dias seguintes à recepção do inquérito. Assim, à data em que foi instaurado o procedimento disciplinar relativamente às infracções disciplinares ocorridas a 04-09-2014 e entre o dia 8 e o dia 12-09-2014 já se encontrava prescrito o direito de o instaurar, nos termos do artigo 178.º, n.º 2, da LGTFP, o que implica, nesta parte, a anulação da deliberação impugnada.
X - Na apreciação da prova, a deliberação recorrida, valorou as declarações do arguido e, dentro da livre apreciação da prova, entendeu que as mesmas não mereciam acolhimento. Tal posição não equivale a desconsiderar as declarações do arguido enquanto meio de prova.
XI - Não é exigível a notificação do relatório final do inspector antes da decisão final do órgão competente que aplica a pena. O relatório final mais não consubstancia do que uma proposta do instrutor do processo que não é vinculativa para o órgão decisor (o CSM). Os princípios de audiência e defesa foram assegurados, na medida em que o arguido foi notificado da acusação (na qual constavam os factos constitutivos das infracções disciplinares e os que integravam circunstâncias agravantes e/ou atenuantes, a indicação dos preceitos legais no caso aplicáveis, com a sugestão, inclusivamente, das penas concretamente aplicáveis – advertência registada e, em cúmulo, a pena de advertência registada), apresentou defesa e ofereceu prova, nomeadamente a sua audição, a qual foi produzida.
XII - O princípio político-jurídico da presunção de inocência, contido no art. 32.º, n.º 2, da CRP tem aplicação no âmbito disciplinar e significa que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. O princípio in dubio pro reo, aplica-se não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena, bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas modificativas ou simplesmente gerais.
XIII - O CSM imputa ao recorrente uma infracção disciplinar, por violação do dever de correcção, consubstanciada em não ter correspondido ao cumprimento do Sr. Juiz Presidente. O CSM considerou irrelevante e anódino para a decisão o facto de o Sr. Juiz Presidente, semanas antes, ter tido uma conversa com outros magistrados, no decurso da qual se referiu ao recorrente como um garoto.
XIV - Apodar qualquer pessoa adulta (ademais um Juiz de direito), de garoto tem um inegável sentido depreciativo e sendo essa desqualificação produzida publicamente, perante vários magistrados, atinge a honorabilidade e a reputação do visado de forma muito negativa. Este facto tem inegável valor atenuativo da conduta do recorrente quando é certo, ademais, que “o estado de dúvida” não se limitou ao facto, abrangendo aqueles que “com o mesmo estavam relacionados” numa inequívoca inclusão da relação de causa-efeito entre o facto e a censurada omissão do recorrente, isto é, de ter sido esse facto que motivou a conduta.
XV - A deliberação impugnada ao considerar irrelevantes os factos descritos em XIII (2.ª parte), incorreu em violação do princípio da presunção de inocência, na sua conformação como princípio de apreciação de prova (princípio in dubio pro reo), no âmbito dos factos que suportaram a imputação ao recorrente da infracção disciplinar na pessoa do Sr. Juiz Presidente. A deliberação, ofendeu o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo, em consequência, nula (artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do CPA).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

1. AA, Juíz ..., apresentou recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ][1], da deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura [CSM], de 20 de Outubro de 2015, que, julgando improcedente a reclamação, por si, apresentada, manteve a deliberação do conselho permanente que lhe aplicou a pena única disciplinar de advertência registada, em cúmulo de três penas autónomas de advertência, pela prática de três infracções ao dever de correcção, uma na pessoa do Sr. Juíz ... BB, outra na pessoa da Sra. Juíza ... CC e, finalmente, por conta do alargamento do objecto do procedimento disciplinar, ainda uma outra na pessoa do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., Juiz DD, por factos ocorridos, respectivamente, no dia 07/09/2014, entre o dia 8 e o dia 12 de Setembro de 2014 e no dia 07/04/2015.

Alegou, no que releva destacar:

«(…)

«III. Da Nulidade por violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório

«III.1

«36. Como se antecipou, e oportunamente se alegou na reclamação apresentada da deliberação do Conselho Permanente, foram dados como não provados pelo Sr. Juiz Instrutor (logo também por essa deliberação) todos os factos carreados para os autos pelo Sr. Juiz arguido relativamente aos três incidentes que motivaram a sua responsabilização disciplinar.

«37. Isto é, e é esta a leitura que, em substância, se faz daquela deliberação, que reproduziu o relatório final, em face de um confronto de versões, diametralmente opostas, decidiu o Sr. Instrutor (logo também o Conselho Permanente) desconsiderar a versão apresentada pela defesa.

«38. Assim aconteceu pela pretensa inexistência de prova ("total inexistência de prova", fls. 386 do p.a.) que permitisse sustentar o "defendido pelo Sr. Juiz arguido" e não por se ter entendido que, uma vez apreciada, tal prova não seria idónea a evidenciar os factos sustentados pela defesa.

«39. Escreveu-se o seguinte, a este propósito, no Relatório Final {fls. 386):

"Já quanto aos factos não provados, essa convicção decorreu da inexistência de prova que, com a suficiente robustez, os permitisse ter por adquiridos, valendo, no essencial, a este propósito, as circunstâncias de;

- a total inexistência de prova quanto ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto aos termos em que decorreu, quer o demais relativo ao incidente com o Dr. BB, quer o relativo ao incidente com a Sra. Dra. CC;

“- a inexistência de prova quanto ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto à forma como decorreu o incidente com o Sr. Dr. DD no dia 07 de Abril de 2015 (que divirja do dado como provado e que decorre do que acima se referiu), sempre se acrescentando a manifesta falta de apoio quanto à inexistência de um cumprimento prévio, pois que, não apenas o campo de visão do Dr. DD lhe teria permitido constatar esse cumprimento, como, se tal tivesse ocorrido, não teria o Sr. Juiz arguido deixado de interromper a marcha e dizer ao Sr. Juiz Presidente que já lhe tinha dado as boas tardes."

«40. Em face de uma tal alegação, pronunciou-se a instância a quo (Conselho Plenário), e assim decidiu, no sentido de se tratar de uma falsa questão, resultante de uma incorrecta leitura, por parte do Juiz arguido, das palavras do Sr. Juiz instrutor.

«41. Disse-se, em síntese, a este propósito, que "dos citados trechos [precisamente aqueles que aqui se transcreveram] resulta à saciedade, a ponderação e valoração da versão dos factos apresentada pelo arguido (...), importando, desde logo, ter presente que todas as alusões realizadas ã inexistência de prova no trecho agora citado não podem, obviamente, deixar de ser contextualizadas nos exactos termos da primeira destas alusões, ou seja, de que a convicção quanto aos factos não provados decorreu da inexistência de prova que, com a suficiente robustez, os permitisse ter por adquiridos" (p. 32 e s. da deliberação recorrida).

«Continuando, disse-se ainda:

«42. "Com efeito, mostram-se claros os motivos pelos quais a versão, naturalmente, interessada, do Exmo. Sr. Juiz arguido, no tocante a tais factos considerados não provados, se mostrou insuficiente para firmar uma convicção positiva sobre a ocorrência de tais factos. (...) a versão do arguido não foi suficientemente robusta para assumir preponderância ou sequer neutralizar a convicção resultante da apreciação conjugada dos depoimentos que sobre os mesmos incidentes foram prestados, de um modo que pareceu ao Sr. Instrutor sério e isento", pelos demais intervenientes {p. 33 da deliberação ora impugnada).

«Enfim,

«43. Quer com isto a instância a quo convencer que, lido o Relatório Final como um todo, se conseguirá retirar que as declarações do arguido foram, afinal!, consideradas e ponderadas, como/ enquanto meio de prova, apenas não tendo apresentado força suficiente para contrariar a convicção de responsabilidade inculcada pelos meios de prova carreados pela acusação.

            «44. Claro está que, no rigor das coisas, era isto que devia ter acontecido, mas não aconteceu.

«45. Não é pelo simples facto de, no texto do Relatório, se nomear ou aludir às declarações (do arguido) que se pode assumir, sem mais e automaticamente, que o seu conteúdo, a sua substância, foi ponderada aquando da apreciação crítica da prova.

           «46. Era imprescindível que do próprio texto resultassem, sem margem para dúvida, os motivos determinantes para a sua (des)consideração, bem como os justificativos da sua força probatória ou falta dela, da sua (ir)razoabilidade.

           «47. Portanto todo um (verdadeiro) juízo valorativo que evidenciasse uma sua consideração além do puramente formal.

           «48. Não se duvida que o Sr. Juiz Instrutor soubesse que aquelas declarações deviam ter sido apreciadas como meio de prova, assim se justificando a sua alusão, en passant, no relatório.

            «49. Sucede que, como bem sabe a instância a quo, o respeito e cumprimento dos princípios e direitos aqui enunciados (da audiência, de defesa e de contraditório) não se coaduna com simples alusões ou apreciações genéricas, em jeito de clichet!

           «50. Não se vislumbram no Relatório Final (nem nas deliberações que o acompanharam) os tais motivos que, de modo claro, terão justificado a desconsideração da versão "naturalmente interessada do Exmo. Sr. Juiz arguido"; nem mesmo resulta qualquer "ponderação e valoração dos factos apresentada pelo arguido, por escrito e em declarações documentadas em auto " (pág.32) - menos ainda "à saciedade "!!!

«51. O que se vê, isso sim, é uma ponderação unilateral dos factos carreados pela acusação, e uma apreciação crítica das motivações dos vários co-intervenientes pretensamente visados pela conduta do A.

«52. Nada mais…

«53. Como se o procedimento disciplinar fosse impermeável aos argumentos da defesa.

            «54. Tanto assim é que os poucos (e insignificantes) argumentos invocados para pretensamente justificar o descrédito das declarações do Sr. Juiz arguido surgem apenas agora, ex novo, na decisão impugnada, continuando, ainda assim, a assentar em puras considerações genéricas, formais, e sem substância.

           «55. Porque é que a versão do Juiz arguido, é naturalmente interessada? Com base em quê se formou essa convicção?

            «56. Afinal, as contra-partes, enquanto visados, também tinham interesse directo na contenda; também terão estado envolvidos nos vários episódios aqui em apreço; e nem por isso as suas declarações foram tidas como interessadas e deixaram de ser valoradas!

            «57. Ao que se julga saber, as convicções (sobretudo as que se convertem em decisões!) são obrigatoriamente fundamentadas (seriamente fundamentadas), de modo a permitirem o contraditório, o que inequivocamente não aconteceu no procedimento disciplinar em causa nos autos, e a satisfazerem as demais exigências constitutivas da legitimidade formal e (sobretudo) material da decisão condenatória inerentes ao dever de fundamentação constitucionalmente imposto (art. 208.º-3 da CRP).

           «58. O Relatório Final é um vazio no que concerne às declarações do arguido, como/ enquanto meio de prova - não explorando, nem esgrimindo as suas motivações, as suas perspectivas, as suas intenções -, limitando-se a formular, quanto a elas, puras referências ou alusões genéricas.

            «59. Por fim, importa referir, em resposta à alegação da instância a quo, que nem mesmo é suficiente (para dar cumprimentos aos direitos de audiência, de defesa e de contraditório) uma motivação por excepção.

           «60. Isto é: nem mesmo é suficiente uma motivação que, assentando na apreciação crítica de uns meios de prova, presuma – e conclua – que os demais, ainda que não especificamente valorados, são irrelevantes.

         «61. A verdade é que a decisão do Conselho Plenário, ora impugnada, não afasta as evidências já denunciadas: as declarações prestadas pelo Sr. Juiz arguido, aqui A., nessa qualidade, não foram consideradas no processo de ponderação / valoração de prova, não tendo sido encaradas como / enquanto verdadeiro meio de prova, com violação dos direitos, constitucionalmente garantidos, de audiência, de defesa e de contraditório.

            «Facto é que,

           «62. Apesar das referências fornais a que agora se alude, do ponto de vista do Sr. Instrutor (logo também da decisão condenatória) nenhuma prova terá sido produzida que corroborasse a matéria factual carreada para os autos pela defesa ou que contrariasse as imputações constantes das acusações.

           «63. Sucede, todavia, que compulsadas todas as diligências de prova realizadas logo se percebe que não assiste razão ao Sr. Instrutor.

«64. Afinal, pelo menos o Sr. Juiz arguido prestou declarações sobre todos os pontos das acusações que lhe foram dirigidas, e bem assim sobre cada um dos pontos que compõem as suas defesas (cf. fls. 22 a 25; e 262 a 266), dando a conhecer, pela sua própria voz, a sua posição sobre os factos que lhe foram imputados nas acusações contra si formuladas e nas contestações por si apresentadas.

«65. Declarações essas que foram reduzidas a auto e juntas ao procedimento disciplinar como meios de prova.

        «66. Tais declarações foram prestadas pelo Sr. Juiz arguido em exercício dos seus direitos de audiência, de defesa e de contraditório, todos eles beneficiando de expressa cobertura constitucional (arts. 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, da CRP) e legal (arts. 110.º-2, 118.º-1, 121.º e 124.º-1 do EMJ).

           «67. Porque assim é - e dúvidas não há que pelo menos o Sr. Juiz arguido se pronunciou detidamente sobre cada um dos factos alegados em sede de defesa, por si presenciados, como aliás não deixa de reconhecer a instância a quo - resulta incompreensível e insufragável a posição assumida pelo Sr. Juiz ... Instrutor a fls. 386 (logo também pelas deliberações do CSM) para fundamentar a sua decisão de dar como não provados os factos enunciados a fls. 380 a 383.

           «68. Bem vistas as coisas, o que sucedeu foi que o Sr. Juiz Instrutor, tendo embora anuído na inquirição do arguido, desconsiderou as suas declarações enquanto / como meio de prova, numa actuação totalmente desconforme aos princípios e critérios aplicáveis à admissibilidade e à valoração da prova, assim violando os seus direitos de audiência, de defesa e de contraditório.

           «69. A sua decisão - no sentido de desconsiderar a prova produzida por declarações do arguido - assentou na errada premissa de que as declarações do arguido não valem como meio de prova.

           «70. Ilegalidade que podia e devia ter sido conhecida pela instância a quo por ter sido invocada e suficientemente fundamentada.

           «71. Porque assim não aconteceu, deverá, nesta sede, ser conhecida e corrigida por V. Exas., revogando-se a deliberação ora impugnada, com as legais consequências.

            «Afinal,

            «72. Determina do seguinte modo o art. 121.º-1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravavante EMJ): “Com a defesa, o arguido pode indicar testemunhas, juntar documentos ou requerer outras diligências”.

            «73. Por sua vez, determina do seguinte modo o art. 125.° do CPP (aplicável ex vi art. 131.° do EMJ): "São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei".

           «74. De entre os vários meios de prova expressamente previstos na lei processual penal, está consagrada e regulada a prova por declarações do arguido (art. 140.° e ss. do CPP).

           «75. Trata-se de um meio de prova com plena aplicação e incidência nos procedimentos disciplinares tendentes a aferir da responsabilidade disciplinar dos Senhores Magistrados Judiciais, tanto mais que são múltiplas as referências ao direito de audição e defesa do arguido, precisamente, na secção do Estatuto dos Magistrados Judiciais reguladora destes procedimentos.

          «76. Nos termos do seu art. 124.°-1 do EMJ, constitui aliás nulidade insuprível a falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa.

            «Ora,

           «77. Por que assim é - e, aliás, resulta inequívoco da lógica do sistema e, sobretudo, do identificado normativo (art. 124.º-1 do EMJ) -, dúvidas não há que as declarações prestadas pelo arguido no âmbito de procedimento disciplinar contra si instaurado são meio de prova válido, que deve ser considerado no momento da valoração da prova, em articulação com os restantes meios de prova, independentemente do resultado que venha a ser alcançado na sequência dessa concreta apreciação.

            «78. Sendo assim, estando embora sujeitas ao principio geral da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), impõe-se que sejam consideradas (efectivamente consideradas, de modo a que resulte da fundamentação as razões que justificaram a sua (des)consideração na decisão final que venha a ser tomada) no processo de valoração da prova, de modo a que, se assim se entender, possam ser tidas em conta para efeitos de decisão quanto à matéria de facto, e bem assim quanto ao mérito da causa, mesmo que para concluir pela improcedência da defesa.

           «79. Apenas esta interpretação é compatível com os direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório de que o arguido é titular no processo disciplinar - uma interpretação que, além do mais, não se sustenta em puras formulações e/ou referências genéricas, como pretende a instância a quo.

           «80. Direitos esses que, em face do juízo expresso pelo Sr. Instrutor a fls. 136 do p.a., e bem assim pelo Conselho Plenário do CSM (págs. 31 a 33 da deliberação impugnada), se mostram frontal e irremissivelmente violados pela decisão impugnada.

           «81. Com efeito, conceder ao arguido oportunidade para se defender mediante prestação de declarações e depois simplesmente desconsiderar a sua defesa, tratando-a como um nada, um vazio, uma inexistência, é o mesmo que não lhe garantir os seus direitos à audiência, à defesa e ao contraditório, plasmados nos arts. 32.º-10 e 269.º-3 da CRP, no art. 140.º e ss. do CPP (aplicável ex vi art. 131.º do EMJ) e ainda nos arts. 110.º-2,121.º-1 e 124.º do EMJ, o que não poderá ser tolerado.

            «Enfim,

          «82. aqui chegados, não resta senão concluir pela nulidade da decisão de condenação do arguido que resultou do Relatório Final proferido pelo Sr. Juiz Instrutor, como também pela nulidade da deliberação do Conselho Plenário, que a confirmou e manteve, por violação daqueles direitos e garantias fundamentais do arguido, constitucional e legalmente fundados, com o consequente arquivamento dos autos.

           «83. Caso assim não se entenda, na esteira da instância a quo interpretando-se e aplicando-se os arts. 110.º-2,121.º, 124.º -1 e 131.º do EMJ e os arts. 125.º e 140.º do CPP no sentido de que as declarações prestadas pelo arguido no procedimento disciplinar não valem como meio de prova, a norma em questão, formada pela conjugação dos referidos preceitos legais, violará os direitos e garantias fundamentais à audiência, à defesa e ao contraditório, plasmados nos arts. 32.º-10 e 269.º-3 da CRP.

           «84. Inconstitucionalidade essa que, desde já, se argui para todos os efeitos juridicamente admissíveis.

            «Isto posto, acresce que,

            «III.2

«85. Ao contrário do que entenderam as instâncias decisórias, nomeadamente, e para o que ora releva, o Conselho Plenário, impunha-se que, mesmo antes de proferida a decisão final condenatória (agora confirmada), fosse o arguido notificado do conteúdo do Relatório Final elaborado pelo Sr. Juiz Instrutor.

           «86. Afinal, sendo desse relatório que constam os factos considerados provados e não provados após a instrução e a concessão de oportunidade de defesa ao arguido, a sua qualificação e a sugestão de pena a aplicar, deve ser dada oportunidade ao arguido para sobre ele se pronunciar, antes de o órgão decisor sobre ele se pronunciar, acolhendo-o, total ou parcialmente, ou não, na sua decisão final.

           «87. Nomeadamente, desde logo, para que o arguido se possa pronunciar sobre possíveis vícios formais que afectem a validade do relatório - e que, por inerência, venham a afectar a validade da decisão final -, fazendo prolongar excessivamente no tempo o procedimento disciplinar, que se espera célere e eficaz.

            «88. Por exemplo, confrontado com o relatório, pode o arguido perceber que deixaram de ser ordenadas diligências determinantes para a descoberta da verdade, disso dando conta ao Sr. Juiz Instrutor, que, ao aceitar uma tal sugestão, pode ainda ordená-la e vir a convencer-se de uma realidade distinta daquela que compunha o seu 'projecto' de relatório.

           «89. Pode também o arguido pronunciar-se de moldes a convencer o próprio órgão decisor da falta de bondade da proposta (de condenação) ínsita no relatório, dai resultando uma decisão distinta, que não acompanhe a sugestão do Instrutor.

         «90. Só assim se crê suficientemente respeitado e garantido o direito de defesa do arguido, e bem assim o direito ao contraditório, legal e constitucionalmente garantidos.

            «91. Apenas uma interpretação dos arts. 122.º e 123.º do EMJ no sentido de dever ser notificado ao arguido o relatório final elaborado pelo Instrutor antes de proferida a decisão final, de modo a ser-lhe possível pronunciar-se sobre o seu conteúdo, é compatível com os princípios constitucionais de defesa plena e do contraditório, consagrados no art. 32.º da CRP.

            «92. Importa ter bem presente, a este propósito, que, de acordo com a estrutura procedimental do processo disciplinar, a pessoa que instrui todo o processo, que dirige a produção a prova, etc., é a mesma que irá emitir um parecer de decisão final, que não sendo vinculativo, tende a transformar-se, a maioria das vezes, em decisão final.

           «93. Nisto vai patente uma feição do procedimento disciplinar com um vezo marcadamente inquisitório.

           «94. Com efeito, se, na aparência, pode até dizer-se que o princípio da acusação é formalmente respeitado - porquanto, não há uma concentração na mesma pessoa da função de acusar (que cabe ao instrutor) e da função de decidir (que compete ao Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura);

            «95. o certo é que a praxis decisória, que parece ter cobertura legal, é complacente com um modo de decidir que pode passar tão-somente pela mera declaração de concordância com o relatório final do instrutor e com a sua proposta condenatória.

           «96. Uma decisão que, deste jeito, é tomada por simples remissão para os fundamentos avançados por pessoa distinta do decisor.

«97. Ora, foi exactamente isto que sucedeu in casu: a decisão condenatória foi proferida mediante concordância com a proposta formulada pelo Exmo. Senhor Inspector Judicial, Juiz ... Dr. EE

           «98. Neste quadro legal e decisório, em que o princípio do acusatório assume uma dimensão eminentemente formal e o que substancialmente salta à vista e adquire materialidade no procedimento que culmina na condenação é um modus decidendi de cariz inquisitório, impõe-se a previsão de mecanismos processuais que contrabalancem o prejuízo que para a posição da defesa obviamente advêm deste esquema processual.

            «99. Um esquema em que - ao contrário do que, por exemplo, se prevê no art. 361.º do CPP - ao arguido é negada a prerrogativa de ter a última palavra antes de ser tomada a decisão que se pronunciará sobre a sua responsabilidade disciplinar.

           «100. De modo que a decisão condenatória é proferida na sequência de um acto praticado pela pessoa a quem antes foi confiada a decisão sobre a acusação, acto esse no qual i) se procede a uma valoração da prova produzida e examinada no decurso do processo, a qual se materializa numa consideração sobre os factos provados e não provados no processo, ii) se realiza um enquadramento jurídico-disciplinar da factualidade tida como provada e iii) se apresenta uma proposta de condenação em determinada sanção.

            «101. Sendo este, evidentemente, um acto que assume enorme relevo para a decisão final a tomar no processo, ao ponto de poder transmutar-se na decisão propriamente dita, e um acto, além disso, no qual vai compreendida a imputação ao arguido de factos disciplinarmente relevantes, é manifesto o interesse da defesa em ter oportunidade para sobre ele se pronunciar.

            «102. Nessa medida, o regime legal deve ser interpretado no sentido de, em momento prévio à decisão a proferir pelo Conselho Permanente do CSM, o arguido dever ser notificado do relatório final elaborado peio instrutor do processo, nomeadamente, se dele consta uma proposta condenatória, a fim de sobre ele poder ser ouvido e exercer o seu contraditório.

            «103. Com efeito, se ninguém compreenderia que o arguido pudesse ser condenado sem ter oportunidade de exercer os direitos de audiência e de contraditório em relação a uma acusação contra si formulada, é inconcebível que tais direitos lhe sejam negados quando em causa está uma posição (final) tomada no sentido da sua condenação.

            «104. Deste modo, ê inconstitucional, por violação dos direitos e garantias fundamentais à defesa, à audiência e ao contraditório constitucionalmente reconhecidos ao arguido em processo disciplinar (artigos 32.º-10 e 209.º-3 da CRP), a interpretação e aplicação dos artigos 122.º e 123.º do EMJ, 219.º-3 e 220.º-1 da Lei n.º 35/2014, por força da qual o relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar do qual constem os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação» a pena aplicável e ainda uma concreta proposta condenatória não deve ser notificado ao arguido, para que este, querendo, possa em relação a ele pronunciar-se antes de proferida a decisão final.

            «105. Em suma, ao ter acontecido como aconteceu - isto é, ao ter-se omitido a notificação do Relatório Final ao arguido -, não há como não concluir pela nulidade da decisão de condenação, como também da própria deliberação recorrida que a confirmou, uma vez mais por violação daqueles direitos e garantias fundamentais do arguido, constitucional e legalmente fundados, com o consequente arquivamento dos autos.

            «Isto posto:

            «IV - da Violação do direito à presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo

            «IV.1

          «106. No que especialmente respeita ao episódio que pessoalmente envolveu o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., Dr. DD, que justificou a acusação complementar dirigida ao Sr. Juiz arguido, foi dado como não provado que: "xvii. Que um par de semanas antes de 7 de Abril de 2015 o Sr. Juiz Presidente tenha apodado o Juiz arguido de "garoto" numa conversa que teve com outros magistrados, incluindo a magistrada que sabia ser amiga do Juiz arguido, a Dra. FF, com a plena consciência de que esta não deixaria de partilhar com o Juiz arguido essa referência, e com o propósito provocatório para com o Juiz arguido (factos 27 e 28). " (fls. 383).

«107. Foi a seguinte a fundamentação convocada pelo Sr. Juiz Instrutor para dar como não provado este último facto (xvii):"Quanto ao alegado apodar de "garoto pelo Sr. Dr. DD ao Sr. Juiz arguido, na inexistência de outra prova que não os depoimentos dos intervenientes (em que um o afirma e o outro o nega perentoriamente), não havendo que conferir qualquer peso acrescido a qualquer um desses depoimentos (ambos efectuados em termos muito convictos e por pessoas merecedoras de credibilidade, desde logo face às funções que desempenham), não foi o instrutor capaz de superar o sentido do contraditório, o que determinou a sua inclusão nos factos não provados e bem assim dos que com o mesmo estavam relacionados." (fls. 386 e 387)

«108. Assim, quanto a esta factualidade, como se consignou a fls. 386 e 387 do p.a., efectivamente os únicos meios de prova produzidos no processo foram as declarações do Sr. Juiz DD (negando o facto) e da Sra. Procuradora da República FF (afirmando-o).

«109. Factualidade esta que - tal como se alegou anteriormente a fls. 325 e ss. do p.a., em resposta à acusação complementar, e se reitera, contrariando a posição assumida pela instância a quo — se reveste de decisivo relevo para contrariar a imputação da infracção disciplinar que é dirigida ao Sr. Juiz arguido, dado o seu carácter de provocação, tratando-se, por isso, de factualidade claramente favorável à defesa.

«110. Em face de declarações diametralmente opostas em relação ao mesmíssimo facto, o Sr. Instrutor confessou não ter logrado ultrapassar um estado de dúvida sobre a sua verificação: "não foi o instrutor capaz de superar o sentido do contraditório" (fls. 387).

«111. Por essa razão, o Sr. Juiz Instrutor deu tal facto como não provado.

«112. Decisão que, aliás, assumiu expressamente: "não foi o instrutor capaz de superar o sentido do contraditório, o que determinou a sua inclusão nos factos não provados'" (e que foi acompanhada pelo Conselho Permanente).

«113. Temos, pois, que, perante uma dúvida que considerou inarredável em relação a um facto alegado pelo arguido em sua defesa, por lhe ser favorável, o Sr. Instrutor decidiu contra o arguido.

«Ora,

«114. Devendo o processo disciplinar desenvolver-se e materializar-se sob a direcção rectora do direito fundamental a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP), o arguido deve nele ser encarado e tratado como se fosse inocente, isto é, beneficiando do direito à presunção de inocência (nesta direcção, J. J. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.B ed., I, 2007, Art. 20.°, XI, p. 415; e o Ac. do STA de 27-04-2012, Proc. 00747/09.6BEPNF, www.dgsi.pt: "No âmbito do processo disciplinar vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, acolhido no artº 32.º, n.º 2, da CRP").

«115. É nestes termos, isto é, no sentido de que o direito ao processo equitativo integra um direito do arguido à presunção de inocência que se vem pronunciando o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, tendo em conta o art. 6.º-2 da CEDH (pelo apelo à jurisprudência do TEDH na concretização do conteúdo do art. 20.º-4 da CRP, cf. Gomes Canotilho / Vital Moreira, idem, ibidem).

«116. Um entendimento que o TEDH estende bem para lá das margens do processo penal: “la prèsomption d'innocence, bien que prèvue dans un article relatif au procès équitable, s'applique à tout membre de l'autorité publique, même non judiciaire et au-delà dun procès stricto sensu" (JEAN-F RANÇO IS RENUCCI, Droit Europêen des Droits de L 'Homme, 4.a ed., 2010, 326., p. 307).

«117. Como é por demais sabido, o princípio da presunção de inocência projecta-se no domínio probatório no princípio do in dubio pro reo, de acordo com o qual, "um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão - tem de ser sempre valorado a favor do arguido" (JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, FDUC, 1988-9, p. 145), sendo certo, ainda segundo FIGUEIREDO DlAS, idem, p. 146, que "enquanto se tome como equivalente do princípio in dubio pro reo, a «presunção de inocência» pertence sem dúvida aos princípios fundamentais do processo penal em qualquer Estado de Direito”.

«118. Como esclarece FIGUEIREDO DlAS, idem, p. 147, relativamente "ao facto sujeito a julgamento o princípio [in dubio pro reo] aplica-se sem qualquer limitação e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta. Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" (…).

«119. Regra de decisão esta, a do in dubio pro reo, que impõe que se decidam a favor do arguido quaisquer dúvidas insanáveis sobre factos que lhe sejam favoráveis, por poderem determinar a exclusão ou a atenuação da sua responsabilidade, implicando que tais factos sejam dados como provados pela instância decisora.

«120. É patente que o Sr. Juiz ... Instrutor e a instância decisora decidiram a questão de facto plasmada no ponto xvii não provada em flagrante violação do princípio in dubio pro reo.

«121. Pois se não se conseguiu superar a dúvida relativamente a tal facto, com respeito pelo princípio in dubio pro reo, deveria esse facto ter sido dado como provado.

«122. Trata-se da violação de uma regra de decisão tão fundamental que implicaria, necessariamente, a nulidade da decisão condenatória, aliás, atempadamente arguida.

«123. Confrontado com o problema, o Conselho Plenário do CSM não deixou de acompanhar o Juiz arguido nas suas considerações sobre o princípio in dubio pro reo, reconhecendo inclusive (e ainda que em abstracto) a sua aplicação aos procedimentos disciplinares, como é o caso dos presentes autos.

«124. Sucede que, ao invés de declarar a nulidade da decisão condenatória, precisamente (e ao menos) com esse fundamento, aquele Conselho Plenário decidiu, surpreendentemente, pela irrelevância disciplinar da factualidade em causa (alegada pelo Juiz arguido, em sua defesa).

«125. Isto é, no momento em que, em face das evidências (e da sua própria posição de principio), seria expectável que acompanhasse a pretensão do Juiz arguido, o Conselho Plenário contornou o problema, pronunciando-se, numa autêntica decisão surpresa, no sentido de que em nada favorece ou prejudica "o Sr. Juiz arguido a prova de que o Sr. Juiz Presidente, semanas antes, teve uma conversa com outros magistrados no decurso da qual se referiu ao Sr. Juiz arguido como garoto", por se tratar de matéria "irrelevante para a apreciação aqui realizada " (págs. 38, 39).

«126. No fundo, acabou por tomar posição sobre a factualidade em sindicância (repete-se, alegada pelo arguido em sede de defesa), em sentido diverso do órgão instrutor (e do decisor), para assim ultrapassar, de modo claramente ilegal e intolerável, um vício insanável da decisão condenatória.

«127. Fê-lo de um modo tão escancarado, tão infundado e tão irrazoável que não poderá deixar de merecer a censura de V. Exas., com as legais consequências.

«128. Afinal, reconhecida que foi a dúvida (inultrapassável) quanto à verificação daquele episódio (que envolveu o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ... e a Sra. Procuradora da República, amiga do Juiz arguido), e aceite a plena incidência daquele princípio no procedimento disciplinar, não havia como fugir ao destino irremediável da decisão condenatória - a nulidade.

«129. Sendo, pois, totalmente infundada uma decisão que afirme a irrelevância daquela matéria na concreta valoração da conduta do arguido, e consequente ponderação da sanção a aplicar.

«130. Além da correlação directa entre os factos e da identidade de sujeitos, é mais do que evidente que o Juiz arguido sentiu / vivenciou a conduta do Sr. Juiz Presidente, tal qual lhe foi dada a conhecer, como uma verdadeira provocação, em jeito persecutório.

«131. Como que se ele próprio quisesse dar um 'puxão de orelhas' ao arguido!

«132. Sentimento que saiu reforçado pelo contexto em que tais palavras foram ditas (ou terão sido ditas), na sua ausência e na presença de pessoas que não o conhecem.

«133. Claro está que uma tal factualidade, se considerada provada (como se pretendia e impunha, ao menos em face da reconhecida dúvida), necessariamente operaria (como certamente operará) em favor do arguido - senão para afastar totalmente a relevância e ilicitude disciplinar da sua conduta, ao menos para servir de atenuante, contribuindo para um desagravamento da pena a aplicar.

«134. Afinal, as circunstâncias atenuantes especiais diminuem substancialmente a ilicitude e a culpa do arguido.

«135. Que mais poderá ser qualificado como circunstância atenuante, senão um episódio como o que aqui está em causa (do tal apodar de 'garoto' pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca)?

«136. Que mais será preciso para que um Sr. Juiz, visado num processo disciplinar, possa beneficiar deste segmento, para efeitos da aferição da sua responsabilidade disciplinar e determinação de consequente pena?

«137. Importará talvez recordar que a provocação está aliás expressamente prevista no leque das circunstância dirimentes e atenuantes da responsabilidade disciplinar do art. 190.°, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aplicável cx vi art.32.º do EMJ).

«138. Com o devido respeito, não há como contrariar que estamos perante um quadro (factual) de provocação, que, por isso mesmo, não podia ser qualificado como irrelevante, nem mesmo desconsiderado - como se viu acontecer na deliberação agora impugnada.

«139. Sendo certo que o Sr. Juiz arguido, quando em exercício de funções e relativamente aos seus pares, está obrigado a actuação de plena cordialidade, ê também verdade que o seu interlocutor, estando também assim obrigado e assumindo um cargo de hierarquia, não o tratou na mesma medida, com o mesmo respeito, nem tão pouco lhe deu o beneficio da dúvida.

«Enfim,

«140. confrontado com o vício da decisão condenatória reclamada, o Conselho Plenário
procurou contornar o problema, tentando afastar, no caso concreto, o princípio do
in dubio pro reo, que reconhecera abstractamente aplicável (pág.39); crendo que, desse modo, poderia mantê-la inalterável.

«141. Sucede que, ao decidir como decidiu, manteve a invalidade arguida, assacada à deliberação condenatória (do Conselho Permanente), e violou a disciplina do art. 190.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aplicável ex vi art.32.º do EMJ), pois não tomou em consideração todas as circunstâncias atenuantes, especiais e gerais, que o caso convoca, sempre em prejuízo do arguido e em desrespeito das suas garantias de defesa.

«142. Também este caminho denota uma irrazoável e injustificável tendência para decidir contra o arguido, incompatível com os princípios e a lógica dos processos sancionatórios, mormente o princípio in dubio pro reo.

«143. Tudo o que deverá ser reconhecido e declarado pela instância ad quem, com as legais consequências ao nível da deliberação impugnada (do acto) e do próprio procedimento.

«IV.2

«144. Aliás, o modus operandi que se refractou no ponto xvii da matéria não provada – in dubio contra reo – perpassa toda a decisão sobre matéria de facto.

«145. Também nos vários cenários de "palavra contra palavra" - a palavra de uma única testemunha contra a palavra do arguido - se decidiu sempre contra o arguido, porque in dubio contra reo.

«146. Foi o que, além do mais, sucedeu relativamente ao desaguisado que envolveu o Dr. BB, aos episódios referenciado nos pontos 47. e 50. dos factos provados e ao incidente do corredor com o Dr. DD.

«147. Bem ilustrativo da regra de decisão do in dubio contra reo no "palavra contra palavra" é o facto considerado provado no ponto 47.: "Nessa altura, encontrando-se o Sr. Juiz arguido no corredor e tendo ouvido o diálogo acabado de travar, já depois de a Sra. Dra. CC ter entrado no elevador, afirmou «Quem ia ao café com ela era eu»".

«148. A prova desse facto 47., desmentido pelo Juiz arguido nas declarações que prestou nos autos, resultou unicamente do depoimento da testemunha Dr. GG.

«149. Ora, é sintomático que no confronto entre a palavra do Juiz arguido e a palavra de uma testemunha que - como é público e notório e não pelas melhores razões... - é por demais "conhecida em juízo", tenha esse facto sido qualificado como provado!

«150. Em face do que vem exposto, por se ter adoptado como regra de decisão sobre a matéria de facto - de forma expressa e aberta quanto ao ponto xvii) dos factos não provados, e de forma implícita quanto à demais factualidade - uma regra de «In dubio contra reo, em violação portanto do direito fundamental do arguido à presunção de inocência e do princípio constitucional in dubio pro reo -desconformidade que a decisão impugnada manteve, impõe-se a revogação da deliberação recorrida, e bem assim da própria decisão condenatória por si confirmada.

«151. Impondo-se também, e ainda que subsidiariamente, a revogação da deliberação impugnada, por ter violado a disciplina do art. 190.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aplicável ex vi art.32.° do EMJ), ao não tomar em consideração todas as circunstâncias atenuantes, especiais e gerais, que o caso convoca, sempre em prejuízo do arguido e desrespeito das suas garantias de defesa.

«Sem prescindir, por cautela de patrocínio

«V- Da Nulidade por insuficiência da instrução

«152. Parte da defesa complementar apresentada pelo Sr. Juiz arguido, aqui A. – reportada ao concreto incidente ocorrido com o Sr. Juiz DD, Presidente da Comarca de ... –, passava pela demonstração do desvalor inerente à atitude do Sr. Juiz Presidente DD relativamente ao aqui arguido.

«153. Atitude que, sendo anterior ao desaguisado aqui em sindicância e tendo chegado ao conhecimento do Sr. Juiz arguido também em momento anterior, não podia deixar de o influenciar, ainda que inconscientemente, no trato institucional com um tal interlocutor.

«154. Afinal, não se pode exigir de alguém um tratamento de cortesia quando, de modo deselegante, inopinado e descontextualizado, se ofendeu esse alguém, apodando-o de "garoto"!

«155. Quanto a esta matéria, já se viu qual o entendimento da instância a quo. 

«156. A este propósito, escreveu-se, em concreto, que: "em consonância com o que acima se referiu, o facto em causa nenhuma relevância assume na apreciação da responsabilidade disciplinar do Sr Juiz arguido, não possuindo a virtualidade de justificar o comportamento adoptado pelo Sr. Juiz arguido ou sequer atenuar a censura que esse comportamento merece" (pag. 40).

«157. Já se alegaram as razões que justificam um entendimento em sentido contrário, reiterando-se (também quanto a este circunspecto) estarmos perante um caso flagrante de provocação, caindo, por isso, uma tal factualidade, irremediavelmente, no conceito de circunstância atenuante.

«158. Ao ser assim, como é, e havendo dúvidas, como se reconheceu (em face da existência de duas declarações diametralmente distintas), podia e devia o Sr. Juiz Instrutor ter ordenado a realização de diligências probatórias adicionais.

«159. Sucede que, uma vez mais, o procedimento do Sr. Juiz instrutor foi susceptível de crítica e será certamente objecto de censura por parte de V. Exas.

«160. Bem vistas as coisas, só não foi possível ultrapassar o tal contraditório porque o Sr. Juiz instrutor não se dispôs, como se impunha e estava legalmente obrigado (art.124.º do EMJ), a realizar todas as diligências de prova que estavam ao seu alcance e que se mostravam úteis e essenciais à descoberta da verdade material.

«161. Afinal, resulta do depoimento da Sra. Procuradora da República FF, de fls. 346 e ss. dos autos, que, aquando da conversa com o Sr. Juiz Presidente DD, no Palácio da Justiça de ..., no decurso da qual o Sr. Juiz arguido foi apodado de "garoto", estava acompanhada pela Sra. Juíz ... HH; sendo certo que a Sra. Juíz ... HH se terá distanciado já no decurso da conversa, em momento que a Sra. Procuradora da República não conseguiu precisar, dando ainda assim como provável que lhe tenha desagradado o seu teor.

«162. Não sendo possível garantir, de antemão, que a Sra. Juiz HH ouviu toda a conversa havida entre aqueles intervenientes, em especial, e para o que aqui releva, a concreta passagem em que o Sr. Dr. DD terá (ou possa ter) apodado o Sr. Juiz arguido de "garoto", era ao menos de admitir como possível que assim tenha acontecido.

«163. Pelo que sempre se justificaria a chamada da Sra. Dra. Juíz ... HH aos autos para prestar declarações!

«164. Seria certamente uma diligência de fácil concretização, além de inequivocamente útil para aferir da veracidade de uma ou outra das versões em confronto, com influência na decisão de facto e de mérito quanto a esta concreta infracção.

«165. Não há como não admitir que a prova deste concreto ponto alegado pela defesa seria suficiente para decidir pela absolvição do arguido no que concerne à pretensa violação do dever de correcção relativamente ao Sr. Juiz Presidente DD.

«166. Sucede que o Sr. Juiz Instrutor optou por ficar na dúvida, decidindo-a, contra todas as expectativas e à revelia daquele princípio estruturante (também) do direito sancionatório, o in dubio pro reo contra ou desfavoravelmente ao arguido.

«167. Em face da dúvida (incapacidade de "superar esse sentido contraditório", fls. 387 do p.a.), ou bem que se aprofundava a investigação quanto ao ponto controvertido, em homenagem ao princípio da descoberta da verdade material e ao direito de defesa, ou bem que, pelo menos, se motivava / justificava no relatório final o porquê da não audição daquela testemunha sobre aquela matéria – neste sentido, Ac. do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 27/04/2012, Proc. 00747/09.6BEPNF, www.dgsi.pt

«168. Isto de modo a que fosse possível ao arguido aferir da oportunidade e razoabilidade de uma tal opção (decisão).

«169. Afinal, “o instrutor do processo disciplinar, na fase da investigação, não só deverá desenvolver todas as diligências que considere pertinentes para a descoberta da verdade, porque isso mesmo lhe impõe o princípio da investigação a que está vinculado, como deverá, também, levar a cabo determinadas diligências que o próprio legislador considerou importantes para a investigação da conduta participada, tais como a audição do participante e das testemunhas por ele indicadas” – cfr. Ac. do Tribunal Administrativo Central do Norte de 19/10/2006, Proc. 00210/05.4BEBRG, www.dgsi.pt

«170. O que claramente não aconteceu no caso dos autos.

«171. Também o princípio da investigação foi violado, actuando o Sr. Juiz Instrutor como se coubesse ao arguido fazer prova da sua inocência!

«172. Aqui chegados, dúvidas não há que uma tal omissão (de uma diligência essencial à descoberta da verdade) fere de nulidade o processo disciplinar, por insuficiência de diligências probatórias (art. 124.º do EMJ), o que, irremediavelmente, também fere de nulidade o relatório final e a decisão condenatória, com todas as legais consequências.

«173. Invalidade que deve ser também assacada à deliberação ora impugnada, que manteve aquela decisão, ainda que (tão-só) por ficcionar a irrelevância desta matéria.

«Isto posto e sempre sem prescindir,

«VI - Da nulidade por Omissão de Pronúncia

«174. Ainda no que concerne ao particular incidente com o Sr. Juiz Presidente DD, alegou-se o seguinte em sede de defesa complementar (fls. 325 e ss.):

"27. O Sr. Juiz Presidente tem pautado a sua atitude para com o Juiz arguido por um reiterado registo de falta de correcção, espelhado nos juízos de valor e nas imputações desrespeitosas para consigo que por escrito vem engrossando os presentes autos, mas não só.

“28. Com efeito, um par de semanas antes da factualidade objecto desta nova acusação, o Sr. Juiz Presidente não se coibiu de apodar o Juiz arguido de "garoto" (sic) numa conversa que teve com outros magistrados, incluindo uma magistrada que sabia ser amiga do Juiz arguido, a Dra. FF.

“Fê-lo tendo a plena consciência de que esta não deixaria de partilhar com o Juiz arguido a imprecação ofensiva que teceu sobre a sua pessoa, como imediatamente partilhou, deste modo revelando um propósito provocatório para com o Juiz arguido " (sublinhado nosso).

«175. A fls. 383 (também 380 e 38) dos autos decidiu-se o seguinte quanto a este circunspecto:

“b) Factos com interesse para a decisão que se consideram como não provados:

“(…)

“Da defesa à acusação complementar (fIs. 325 a 331)

“(…)

“xvii. Que um par de semanas antes de 7 de Abril de 2015 o Sr. Juiz Presidente tenha apodado o Juiz arguido de "garoto" numa conversa que teve com outros magistrados, incluindo uma magistrada que sabia ser amiga do Juiz arguido, a Dra. FF, com plena consciência de que esta não deixaria de partilhar com o juiz arguido essa referência, e com o propósito provocatório para com o juiz arguido (factos 27 e 28) ".

«176. Bem vistas as coisas, percebe-se que o Sr. Juiz Instrutor se pronunciou quanto à factualidade alegada nos pontos 27. e 28. da defesa complementar apresentada, dando-a como não provada, mas não tomou qualquer partido quanto à factualidade do ponto 29. da mesma defesa.

«177. Precisamente aquele em que se alegou que a Sra. Procuradora da República FF partilhou com o Sr. Juiz arguido o comentário crítico e desrespeitoso do Sr. Juiz Presidente DD.

«178. Ao actuar desse modo – omitindo qualquer pronúncia quanto à alegada comunicação ao arguido, pela Sra. Procuradora da República, do comentário do Sr. Juiz Presidente (ainda que inexistente) –, o Sr. Juiz Instrutor deixou de se pronunciar sobre factos essenciais à defesa, ferindo de nulidade o relatório final e, consequentemente, a decisão condenatória (art. 379.º-1, c) do CPP, aplicável ex vi art. 131.º do EMJ).

«179. Claro está, e uma vez mais, que não pode acompanhar-se a posição assumida pela Instância a quo a este respeito.

«180. Insistiu-se na (errada) convicção quanto à irrelevância desta matéria, o que prejudicou uma apreciação séria do vício assim invocado.

«181. Como se disse, o Conselho Plenário, quando consciente da incorrecção, ou mesmo da ilegalidade da decisão reclamada, optou por fugir do problema, sustentando e persistindo naquela tese.

«182. Uma vez assim qualificada, tal matéria (do apodar de garoto pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca) passou a ser um não problema, como que uma inexistência processual, em benefício exclusivo do órgão decisor.

«183. O que não poderá ser tolerado, sendo pois reconhecida, desde logo e antes de mais, a sua relevância, ao menos como circunstância atenuante.

«Ao ser assim, como será, importara ter presente que,

«184 ainda que fosse (ou seja) verdade (o que apenas se equaciona por dever de patrocínio) que o Sr. Juiz Presidente DD não apodou de "garoto" o arguido, nas circunstâncias relatadas pela defesa (isto é, na presença de outros magistrados, nomeadamente, da Sra. Procuradora da República FF, que sabia ser amiga do arguido e que, por isso, não deixaria de lhe reportar o sucedido),

«185. não seria impossível, nem mesmo inverosímil que uma tal versão dos acontecimentos (a alegada pela defesa e dada como não provada) tenha efectivamente chegado, como chegou, ao conhecimento do Sr. Juiz arguido.

«186. Foi aliás esse seu conhecimento do comportamento do Sr. Juiz Presidente DD (e a convicção quanto à sua veracidade) que o determinou, ou ao menos condicionou, ainda que inconscientemente, no trato com ele, no dia aqui em sindicância.

«187. Não há como não reconhecer que está em causa uma circunstância justificativa ou, pelo menos, atenuante da conduta do arguido, que, tendo sido alegada (cf. ponto 29. da defesa complementar), devia ter sido considerada e decidida pelo Sr. Juiz Instrutor.

«188. Ao decidir-se como se decidiu, isto é, com total desconsideração deste circunspecto factual alegado pela defesa, a decisão final (como também a deliberação ora impugnada) surge ferida de nulidade, por omissão de pronúncia (art. 379.º-1, c) do CPP, aplicável ex vi art, 131.º do EMJ), a qual deverá ser reconhecida e declarada, com o consequente arquivamento dos autos.

«Por fim,

«VI[2] - Da irrelevância típica das condutas reportadas ao Sr. Juiz BB e ao SR. Juiz Presidente DD

«189. Mesmo improcedendo a alegação supra quanto aos vícios de que padece a decisão condenatória, e bem assim a deliberação impugnada (o que não se consente e apenas se equaciona por dever de patrocínio), sempre será de concluir pela não verificação de uma violação do dever de correcção consubstanciadora de infracção disciplinar, pelo menos no que concerne aos incidentes ocorridos com o Sr. Juíz ... BB e com o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ... DD.

«190. No que tange ao primeiro, é (e continuará a ser) convicção do Sr. Juiz arguido que o emprego de um tom vivo e acalorado (que não uma resposta em "voz alta", fls. 386) na defesa de uma certa posição de modo algum pode ser levado à conta de desrespeito para com a pessoa do interlocutor traduzido numa infracção ao dever de correcção.

«191. E será tanto mais assim quando, como aqui sucede, é o interlocutor que de algum modo dá azo à disputa, através de comportamento prévio com o seu "quê" provocatório, e está em causa uma questão relacionada com o desempenho da actividade profissional e em relação à qual o Juiz arguido tinha motivos fundados para sentir-se desconsiderado.

«Aliás,

«192. Se, como entendeu já o Supremo Tribunal de Justiça, não falta ao dever de correcção o Senhor Juiz Conselheiro que em conversa com um seu par, num lugar rodeado de magistrados e outros profissionais do foro, lhe diz “Para mim todos os elementos do Conselho são uns filhos da puta”, como poderá concluir-se por uma violação do dever de correcção neste caso (cf. o Ac do STJ de 03-07-2003, Proc. 02P3735, www, dgsi.pt).

«193. Como diz o STJ: “Que atire a primeira pedra quem de nós que, na sua vida particular, não tenha sido – mesmo entre colegas e, sobretudo, em situações de tratamento reputado de injusto (notação em inspecções judiciais; ordenamento em concursos; penalidades disciplinares, etc.) – “reacções menos serenas”, “desabafos”, ou expressões gratuitas, infelizes, lamentáveis” …(Ac, de 03/07/2003, cit.).

«194. Argumentos que valem, na mesma medida, para o segundo dos identificados incidentes – aquele que opôs o aqui arguido ao Sr. Juiz Presidente DD.

«195. Com a agravante de, neste caso, se sancionar o Sr. Juiz arguido pela violação do dever de correcção no trato com alguém - o Sr. Juiz Presidente - que teve para consigo uma atitude claramente persecutória, reflectida em comportamentos apodados, pelo próprio acusador, de "embaraçosos" (fls. 384).

«196. Com o devido respeito, não é normal, razoável, ou mesmo expectável que um Sr. Juiz, mais ainda com a posição e a experiência do Sr. Juiz Presidente DD, persiga um Colega, seu interlocutor, até ao cubículo da casa-de-banho, chegando mesmo a impedir que fechasse a porta desse cubículo, simplesmente por se sentir desconsiderado pela pretensa falta de um cumprimento...!

«197. Sem prejuízo de se reconhecer que os "bons dias" denotam o mínimo de respeito e consideração exigível no trato funcional com todos os Colegas, independentemente das "questões pendentes" (tanto assim é que, contra o que se deu como não provado, o Sr. Juiz arguido continua a afirmar ter saudado o Sr. Juiz Presidente), certo é que a reacção do Sr. Juiz Presidente DD foi atipicamente fervorosa e inquietante, denotando uma estranha sobrevalorização da conduta (pretensamente desvaliosa) do arguido.

«198. Como que se o Sr. Juiz Presidente DD quisesse, ele próprio, repreender e castigar o Sr. Juiz arguido pelo "mau comportamento" no trato com outros Colegas, tratando-o como um irremediável malfeitor (mesmo tratando-se de matéria controversa e ainda não decidida).

«199. Postura que não é admissível, nem mesmo suportada pela dependência e organização hierárquica características da Magistratura Judicial.

«200. Como bem se escreveu no citado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça [que, ao contrário do que se escreveu na deliberação impugnada, apreciou a relevância disciplinar, que não criminal, da conduta de um Sr. Juiz, tendo sido proferido, precisamente, em resposta ao recurso contencioso interposto, em sede disciplinar]: “já S. Tomás de Aquino afirmava que as paixões ou as emoções em si mesmas não são moralmente nem boas nem más. Tornam-se moralmente boas se são orientadas ou reguladas pela recta razão e pela vontade, que as utiliza como energias. As paixões tornam-se moralmente más se não são dirigidas pela recta razão. A moralidade depende da intenção da vontade, que é boa ou má segundo se inclina ou não para um fim justo e bom em si mesmo – isto é, honesto. Assim, uma mesma paixão pode ser boa, se é orientada pela vontade segundo um fim honesto, e má, se é irracional ou dominada por uma vontade para fins desonestos. Por exemplo, a cólera pode ser uma justa cólera ou uma cólera irracional e injusta”!

«201. A verdade é que os presentes autos denotam uma reprovável e atípica perseguição do reactor, a quem não é imputável a origem das contendas...

«202. Bem vistas as coisas, em nenhum dos episódios agora em consideração (o incidente com o Sr. Juiz BB e o incidente com o Sr. Juiz Presidente ...) o Sr. Juiz arguido se dirigiu a quem quer que fosse, travando-se de razões, faltando irremediavelmente ao respeito, em clara violação, além do mais, do dever de urbanidade.

«203. Nada disso!

«204. Em ambos os casos o Sr. Juiz arguido foi levado ao conflito, foi confrontado e questionado (mesmo provocado...), acabando por ver sindicada a sua conduta do ponto de vista disciplinar, individualmente e com total desconsideração dos contornos que estiveram na origem das contendas.

«205. Mais: sem ver sindicada, também do ponto de vista disciplinar, a conduta dos seus pares!

«206. Benevolência que aparentemente desmereceu, mesmo depois de contextualizar e motivar cada uma das suas atitudes e reacções.

«Enfim,

«207. Em boa verdade se diga que a factualidade em sindicância, no que concerne a cada uma destas infracções denota, tão-só, situações de confronto, desaguisados normais no decurso das relações funcionais e institucionais, próprias do dia-a-dia, que não qualquer falta de respeito susceptível de ofender a honra e a consideração dos visados.

«208. O próprio Juiz arguido também se ressentiu desses confrontos, também ficou desagradado com as abordagens, e nem por isso houve consequências para os seus pares, ou mesmo deixou de actuar normalmente e bem exercer as suas funções.

«209. A vida e a experiência ensinam, pelo menos a alguns, a lidar com o conflito e a digerir afrontas – como aliás deve ser, sob pena de vivermos em continuado estado de guerra!

«210. Por tudo isto, resta concluir pela irrelevância da factualidade em sindicância do ponto de vista disciplinar, absolvendo-se o Sr. Juiz arguido da prática das infracções por que vinha condenado, por referência ao Sr. Juiz BB e ao Sr. Juiz Presidente ....

«211. Com a consequente e necessária revogação da decisão condenatória, e substituição por outra menos gravosa (nomeadamente, a advertência não registada).

«212. Tudo com as legais consequências.

Terminou a pedir que «seja declarada a nulidade da deliberação impugnada, nos termos do disposto no art. 161.º do CPA (aplicável ex vi art. 178.° do EMJ), com os seguintes fundamentos:

«1) violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório (todos com expressa cobertura constitucional, arts 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, da CRP, e legal, arts 110.º-2, 118.º-1, 121.º e 124.º-1 do EMJ), com o consequente arquivamento dos autos;

«2) violação do direito fundamental do arguido à presunção de inocência e do princípio constitucional in dubio pro reo;

«3) insuficiência da instrução (art. 124.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - Lei n.º 21/85); e

«4) omissão de pronúncia (art. 379.º-1, c) do CPP, aplicável ex vi art. 131.º do EMJ), com o consequente arquivamento dos autos».

Subsidiariamente, requereu que «seja, ao menos, declarada a anulabilidade da deliberação impugnada, nos termos do disposto no art. 163.º do CPA (aplicável ex vi art. 178.° do EMJ), ante a sua ilegalidade, sendo revogada a decisão condenatória e substituída por outra, menos gravosa para o arguido, que, reconhecendo a irrelevância típica das condutas reportadas ao Sr. Juiz BB e ao Sr. Juiz Presidente ..., aplique, quando muito, a advertência não registada.»

2. Cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 174.º do EMJ, o CSM apresentou resposta em que se sustentou a improcedência do recurso nos seguintes termos:

«(…)

«II.A. Da violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório

«5.º Considera o recorrente, em primeiro lugar, que a deliberação impugnada desconsiderou, como meio de prova, as declarações prestadas pelo arguido em sua defesa (o que atentou contra os seus direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório) e que, além disso, as provas apresentadas pelo arguido foram objecto de um critério de valoração distinto e para ele desfavorável daquele que foi empregue para apreciar as provas produzidas no sentido da acusação (o que, por seu turno, representou uma ofensa aos seus direitos fundamentais à defesa e à presunção de inocência).

«6.º Como detalhadamente se explana na deliberação recorrida “(…) Discorda-se (…) da alegada desconsideração a que tais declarações teriam sido votadas por parte do Exm.º Sr. Instrutor e, subsequentemente, pela deliberação reclamada. A leitura do relatório final (a que aderiu, in totum, a deliberação reclamada) permite chegar, facilmente, à conclusão diametralmente oposta (…)”.

«7.º Esta asserção encontra-se devidamente justificada na deliberação recorrida, radicando esta justificação nos diversos trechos, que ali são citados, do relatório final, dos quais resulta, à saciedade, a ponderação e valoração da versão dos factos apresentada pelo arguido, por escrito e em declarações documentadas em auto, importando, como se assinala na deliberação recorrida “(…) ter presente que todas as alusões realizadas à inexistência de prova no trecho agora citado não podem, obviamente, deixar de ser contextualizadas nos exactos termos da primeira destas alusões, ou seja, de que a convicção quanto aos factos não provados decorreu da inexistência de prova que, com a suficiente robustez, os permitisse ter por adquiridos (…) Em qualquer das situações é patente a consideração e ponderação da versão do arguido que, ao nível da respectiva factualidade não provada, foi afastada por outros elementos de prova, inexistindo, por outro lado, colhesse, qualquer (outro) meio de prova que a apoiasse (…)”.

«8.º E o nível de detalhe colocado na valoração do meio de prova em apreço – declarações do arguido – revela-se perfeitamente ajustado à compreensão da efectiva valoração realizada e dos motivos pelos quais, quando tal sucedeu, tais declarações não foram suficientes para firmar a convicção sobre os factos que afirmavam (seja em si mesmas, seja por se mostrarem eficazmente contrariadas por meios de prova diversos).

«9.º Não se tratou de considerar o procedimento disciplinar impermeável à versão da defesa (quando esta não foi aceite), mas antes de, na ponderação global dos meios de prova produzidos realizada à luz das mais elementares regras da experiência e do direito, firmar uma convicção sobre a factualidade relevante que estava sob apreciação (ainda que contrária à versão da defesa) e nada mais.

«10.º Não se verifica, assim, a nulidade a este título assacada pelo recorrente à deliberação recorrida.

«11.º Ainda a propósito da alegada violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório, defende o reclamante que, mesmo antes de proferida a decisão final, não podia o arguido deixar de ser notificado do conteúdo do relatório final elaborado pelo Sr. Instrutor, já que dele constam os factos considerados provados e não provados no decurso da instrução, a sua qualificação e a sugestão de pena a aplicar, só assim serão suficientemente respeitados e garantidos o direito de defesa do arguido, designadamente o direito ao contraditório (permitindo que se pronuncie sobre possíveis vícios formais que afectem a validade do relatório e que, por inerência, venham a afectar a validade da decisão final.

«12.º Tal como se procurou esclarecer na deliberação recorrida, também com apoio em jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Administrativo sobre esta questão, não tem razão o recorrente, nenhum preceito existindo que obrigue à notificação do relatório final em momento prévio ao acto deliberativo ou que comine a ausência dessa notificação.

«13.º Os valores salvaguardados pelos princípios que o recorrente afirma terem sido violados são, no âmbito do procedimento disciplinar aplicável, plenamente salvaguardados mediante a audição posterior à acusação e com a obrigatoriedade do visado ser notificado das novas diligências probatórias realizadas em fase posterior à defesa, designadamente quando se trate de diligências complementares oficiosamente determinadas pelo instrutor (neste sentido é unânime a jurisprudência do STA – vide, além do aresto citado na deliberação recorrida e entre outros, o acórdão de 5.04.2000, também disponível para consulta in www.dgsi.pt).

«14.º Mais se aditando que, em face da natureza do procedimento disciplinar e da celeridade que essa natureza lhe impõe, dificilmente se compreenderia um acrescido contraditório sobre um documento com carácter não vinculativo e em que apenas é realizada uma análise sobre factos previamente comunicados ao arguido e sobre os quais este tem a mais ampla possibilidade de se pronunciar (e de sobre tais factos ou outros alegados em sua defesa oferecer prova) e onde é realizada uma valoração dos factos pertinentes, já antes anunciada em sede de acusação, a propósito da qual terá o arguido já tido a oportunidade de se pronunciar em sede de defesa.

«15.º Repete-se, nada impunha e nem impõe que o recorrente tivesse sido notificado do relatório final antes da deliberação punitiva e nem esta interpretação, pelos motivos já aduzidos na deliberação recorrida e nas presentes alegações, viola qualquer preceito constitucional, mormente aqueles que são expressamente indicados nas alegações a que se responde.

«II.B Da violação do direito à presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo

«16.º A violação do direito à presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo sustentada pelo recorrente prende-se com a solução encontrada pelo Sr. Instrutor e o Conselho Permanente do CSM na decisão da questão de facto plasmada no ponto xvii (dos factos com interesse para a decisão que se consideram como não provados), considerando-o não provado, em violação do princípio in dubio pro reo, na medida em que se não se conseguiu superar a dúvida relativamente a tal facto, com respeito pelo princípio in dubio pro reo, deveria esse facto, por ser favorável ao arguido, ter sido dado como provado.

«17.º Os referidos factos, considerados não provados, prendem-se com a alegação efectuada pelo Sr. Juiz arguido em sua defesa no sentido de um par de semanas antes de 7 de Abril de 2015 o Sr. Juiz Presidente ter apodado o Juiz arguido de “garoto”, numa conversa que teve com outros magistrados, incluindo a magistrada que sabia ser amiga do Juiz arguido, a Dra. ..., com a plena consciência de que esta não deixaria de partilhar com o Juiz arguido essa referência, e com o propósito provocatório para com o Juiz arguido.

«18.º De acordo ainda com a defesa apresentada pelo Sr. Juiz arguido teria este, no incidente havido com o Sr. Juiz Presidente que se discutia no processo disciplinar, reagido em resposta aquela alegada provocação.

«19.º Na deliberação recorrida reconhece-se a vigência, também no âmbito do processo disciplinar, dada a sua natureza sancionatória, do princípio da presunção da inocência do arguido, que nesse processo tem direito a um “processo justo” o que, passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como seja também o princípio do in dubio pro reo, com tradução directa na apreciação e valoração da prova.

«20.º Reconhece-se igualmente que, tal como o reclamante colocava (e continua a colocar, agora em sede contenciosa) a questão, poderia ter existido uma violação do princípio que invoca em abono da tese que defende.

«21.º Só que, a deliberação recorrida, procedendo a uma melhor apreciação da factualidade em apreço, entendeu não possuir a mesma qualquer interesse para a apreciação da responsabilidade disciplinar do Sr. Juiz arguido, não obstante a relevância expressa que o Sr. Instrutor (e, por decorrência, a deliberação reclamada) atribuiu a tal factualidade, situando-a entre os “factos com interesse para a decisão que se consideram como não provados”.

«22.º Os motivos da constatada irrelevância são detalhados na deliberação recorrida e dão-se aqui por reproduzidos, mantendo-se válidos.

«23.º Na verdade, mesmo admitindo que toda a referida factualidade tivesse ocorrido, nos exactos termos em que foi alegada, não se descortina como possa justificar o comportamento adoptado pelo Sr. Juiz arguido para com o Sr. Juiz Presidente ou atenuar a censura que esse comportamento merece, já que “(…) O que merece censura disciplinar no comportamento adoptado pelo Sr. Juiz arguido é o deliberado, ostensivo e absoluto descaso a que votou o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca onde se encontrava colocado (ignorando a saudação dada e a pessoa que a deu, virando-lhe as costas e prosseguindo a marcha), no “tempo e local de trabalho”. Se o Sr. Juiz Presidente, semanas antes, teve uma conversa com outros magistrados no decurso da qual se referiu ao Sr. Juiz arguido como garoto, tinha este todo o interesse e legitimidade, até porque não tinha conhecimento directo deste facto e do contexto em que teve lugar (que lhe chegaram pelo relato de uma terceira pessoa), em pedir os esclarecimentos que tivesse por convenientes ao Sr. Juiz Presidente e até, se considerasse a factualidade em apreço com suficiente densidade, apresentar a pertinente participação penal ou disciplinar. O que não podia fazer, adstrito que está ao cumprimento dos deveres que sobre si impendem e que são inerentes ao exercício funcional, era ignorar deliberada e ostensivamente, em meio profissional, o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca onde se encontrava colocado após este lhe ter dirigido a palavra. E este é precisamente o cerne factual em que repousa a censura disciplinar dirigida ao Sr. Juiz. (…)”.

«24.º O recorrente invoca igualmente a violação do mesmo princípio in dubio pro reo na, alegada, circunstância de, nas diversas situações de “palavra contra palavra” (a palavra de uma única testemunha contra a palavra do arguido), se ter decidido sempre contra o arguido, materializando a premissa in dubio contra reo.

«25.º Tal como se esclarece na deliberação reclamada “(…) só há lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo em caso de dúvida razoável sobre determinados factos. Ora, nenhuma dúvida parece ter existido na mente do Sr. Inspector ou dos membros do Conselho Permanente que subscreveram a deliberação reclamada sobre a verificação dos factos a que, neste ponto, se refere o reclamante. O que, verdadeiramente, se questiona é a convicção do Sr. Instrutor e dos membros do Conselho Permanente. Ora, a maior credibilidade porventura atribuída à versão dos factos relatada por testemunhas no confronto com a versão do arguido, resultou, como expressamente se consignou no relatório final (sufragado pela deliberação reclamada), da convicção na seriedade e isenção dos depoimentos prestados por tais testemunhas, resultante de uma apreciação conjunta dos respectivos testemunhos e das declarações do arguido à luz das regras da experiência e da livre convicção da entidade competente (nos termos preceituados pelo art. 127.º do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” do art. 131.º do EMJ). Novamente apreciada, no seu conjunto, a prova recolhida, não se descortinam motivos para divergir da apreciação previamente realizada, isenta de dúvida e de juízos predeterminados, que assumida e justificadamente se ampara em depoimentos cuja seriedade e isenção se retira, com clareza, do afastamento que os respectivos autores demonstram dos factos em apreço e do detalhe que colocam na sua narração, a que se contrapõe (e apenas em alguns aspectos) a versão (necessariamente interessada) do Sr. Juiz arguido. Por este motivo, improcedem também estas objecções apontadas à deliberação reclamada. (…)”.

«26.º Nada mais se descortina útil acrescentar, afigurando-se clara a falta de razão do recorrente.

«II.C. Da nulidade por insuficiência da instrução

«27.º O recorrente considera, a este respeito, que não foram realizadas todas as diligências necessárias e possíveis para o apuramento de factos por si apresentados em defesa complementar, reportados ao que qualifica como o “concreto incidente ocorrido com o Sr. Juiz DD, Presidente da Comarca de ...” que o teria apodado de "garoto", entendendo que o Sr. Instrutor, para ultrapassar o estado de dúvida sobre tal facto, estava obrigado a inquirir a Sr.ª Juíza ..., que poderia ter dele um conhecimento directo, de acordo com o depoimento prestado pela Sr.ª Procuradora da República ....

«28.º E, ao não ter procedido a essa diligência de prova, teria o Sr. Instrutor violado o disposto no art. 124º do EMJ, segundo o qual constitui nulidade insuprível a falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa e a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade que ainda possam utilmente realizar-se.

«29.º Como se observa na deliberação recorrida e já supra se referiu, o facto em causa nenhuma relevância assume na apreciação da responsabilidade disciplinar do recorrente, não possuindo a virtualidade de justificar o comportamento adoptado pelo recorrente ou sequer de atenuar a censura que esse comportamento merece.

«30.º Destarte, nenhuma utilidade se vislumbrando nas diligências de prova destinadas a (melhor) apurar tal facto, não se verifica a apontada nulidade.

«II.D. Da nulidade por omissão de pronúncia

«31.º A este propósito, sustenta o recorrente que o Sr. Instrutor e a deliberação reclamada (e consequentemente a deliberação recorrida) omitiram qualquer pronúncia quanto à alegada comunicação ao arguido, pela Sr.ª Procuradora da República, do comentário do Sr. Juiz Presidente (ainda que inexistente), deixando de se pronunciar sobre factos essenciais à defesa e ferindo de nulidade o relatório final e, consequentemente, a decisão condenatória, em consonância com o que decorre do art. 319.º, n.º 1, al. c) do CPP, aplicável “ex vi” art. 131.º do EMJ.

«32.º A apreciação desta questão só possuiria utilidade se a factualidade em apreço (tenha ela ocorrido ou não) tivesse relevância na apreciação da responsabilidade disciplinar do recorrente.

«33.º Não possuindo relevância, como já se constatou, resta concluir pela inexistência da invocada omissão de pronúncia.

«II.E. Da irrelevância típica das condutas reportadas ao Sr. Juiz BB e ao Sr. Juiz Presidente ...

«34.º Neste ponto, o recorrente defende que, ainda que improceda a alegação quanto aos vícios de que padece a deliberação recorrida, sempre seria de concluir pela não verificação de uma violação do dever de correcção consubstanciadora de infracção disciplinar, pelo menos no que concerne aos incidentes ocorridos com o Sr. Juiz BB e com o Sr. Juiz Presidente ....

«35.º Com este pressuposto, requer também a revogação da deliberação e a sua substituição por outra deliberação disciplinar que aplique sanção menos gravosa para o arguido (nomeadamente, que aplique a advertência não registada).

«36.º A este respeito, haverá apenas que repristinar o que se consignou na deliberação impugnada “(…) Sobre a relevância disciplinar dos factos referentes aos incidentes ocorridos com o Sr. Juiz BB e com o Sr. Juiz Presidente ... nada mais será de acrescentar ao que consta do relatório final (e, consequentemente, da deliberação reclamada), onde se apreciam e qualificam correctamente aqueles factos, aderindo-se, por isso, ao que ali se deixou escrito. Relativamente ao incidente com o Sr. Juiz ... não se trata de uma questão de convicção (mormente do Sr. Juiz arguido no sentido de que o emprego de um tom vivo e acalorado na defesa de uma certa posição – como pretende ter agido - de modo algum pode ser levado à conta de desrespeito para com a pessoa do interlocutor), mas sim do Sr. Juiz arguido “(…) não ter sabido preservar um ambiente de serenidade que se impõe num tribunal, ter respondido em termos agressivos a um colega (…)”, de insistir “(…) numa postura de alheamento para com uma decisão que sabia existir (embora não os seus exactos termos), manifestando mesmo a vontade de a contrariar, ante um comentário em jeito de brincadeira de um colega (no sentido de evidenciar que a postura de “ocupação” não tinha sido a mais correcta), exalta-se e responde de modo desabrido e desrespeitoso para com esse mesmo colega (…)” e de ter actuado “(…) de forma livre e consciente, com a intenção de marcar a sua intenção quanto àquela que seria a melhor solução quanto à afectação das salas de audiência (Sala 2 destinada à realização dos julgamentos da Secção Criminal da Instância Local), em termos desrespeitosos, bem sabendo que com o seu comportamento colocava em causa a existência de um relacionamento profissional saudável com esse colega e que tal comportamento constituía infracção disciplinar (…)”. (…) Não está também em causa a conduta do Sr. Juiz Presidente em reacção à atitude desrespeitosa do Sr. Juiz arguido, que se apresenta como consequência do comportamento deste e não como causa do mesmo. Por fim, em nenhuma das situações – com o Sr. Juiz ... ou com o Sr. Juiz Presidente – se vê que o Sr. Juiz arguido tenha sido, por qualquer forma, levado ao conflito, confrontado ou questionado. O que se observa é precisamente o inverso: em ambas as situações foi a conduta do Sr. Juiz arguido a estar na origem das contendas. (…)”.

            Concluiu pela improcedência do recurso.

3. Na sequência da notificação, nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 176.º do EMJ, alegaram:

3.1. O recorrente, suscitando a questão prévia da prescrição das infracções disciplinares e dando por reproduzida a motivação de recurso que apresentara.

Quanto à questão prévia da prescrição das infracções disciplinares, alegou:

«§1.1 O regime legal aplicável

«1. Atendendo ao previsto no art. 131.º do EMJ (integrado na Secção V do Capítulo VIII, relativo ao Procedimento Disciplinar), às infracções disciplinares nele tipificadas e ao respectivo procedimento é subsidiariamente aplicável a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP: Lei n.º 35/2014, de 2 de Junho, entrada em vigor em 01-08-2014).

«2. Por força dessa aplicação subsidiária, é na LTFP, designadamente, no seu art. 178.°, que se encontra definido o regime legal da prescrição das infracções disciplinares e do procedimento disciplinar do EMJ.

«3. De acordo com o art. 178.º-1 da LTFP, em regra, a infracção disciplinar prescreve no prazo de 1 ano sobre a respectiva prática. Só assim não será quando tal infracção consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal, o que in casu não se verifica.

«4. O prazo de prescrição das 3 infracções disciplinares imputadas ao recorrente é assim de 1 ano, contado sobre o momento da respectiva prática.

«5. Em razão do estipulado pelo art. 178.º-3 da LTFP, esse prazo de 1 ano de prescrição da infracção é susceptível de suspensão, por um período de até 6 meses, no caso de ser instaurado algum dos 3 tipos seguintes de processos: i) processo de sindicância aos órgãos ou serviços; ii) processo de inquérito; ou iii) processo disciplinar.

«6. O n.° 4 do art. 178.° da LTFP estabelece, não obstante, que para que se opere essa suspensão do prazo de prescrição da infracção é necessária a verificação cumulativa de várias condições: a) o processo de inquérito tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) o procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e c) à data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

«7. Como se demonstrará, aplicando o regime descrito aos factos imputados ao recorrente e à marcha processual dos presentes autos conclui-se que se encontram já prescritas as três infracções pelas quais foi declarado culpado e condenado.

«§1.2 Prescrição da primeira (infracção ao dever de correcção na pessoa do Dr. BB) e da segunda (infracção ao dever de correcção na pessoa Dra. ...) infracções disciplinares

«8. A primeira infracção imputada ao recorrente prende-se com uma alegada inobservância do dever de correcção na pessoa do Dr. BB (matéria provada sob os n,os 20 e ss.), tendo-se considerado que tal infracção foi praticada no dia 04 de Setembro de 2014 (facto provado n.º 21 e ss.).

«9. A segunda infracção que lhe é imputada diz respeito a uma alegada violação do dever de correcção na pessoa da Dra. ... (matéria provada sob os n.os 32 e ss.), a qual foi situada na segunda semana do mês de Setembro de 2014, algures entre os dias 8 e 12 de Setembro de 2014 (factos provados n.os 34 e 46).

«10. Como se depreende de fls. 4 e ss. - especialmente do ponto 9. de fls. 5 -, já pelo menos desde o dia 16 de Setembro que as condutas correspondentes àquelas infracções eram do conhecimento do Presidente da Comarca de ..., Dr. ....

«11. Desde, pelo menos, essa data, portanto, que recaía sobre o recorrente uma suspeita de ter incorrido na prática das infracções disciplinares pelas quais veio a ser condenado nos presentes autos.

«12. Sucede que, como se vê por fls. 1, a decisão de instaurar processo de inquérito ao recorrente só foi tomada pelo CSM no dia 21-10-2014.

«13. E portanto, mais de 30 dias depois da aquisição da suspeita da prática das infracções.

«14. Nessa medida, não está desde logo preenchida a primeira das três condições cumulativas de suspensão da prescrição da infracção disciplinar previstas pelo art. 178.º-4 da LTFP.

«15. Não está ainda preenchida a segunda condição cumulativamente imposta para que possa suspender-se o prazo de prescrição da infracção disciplinar: que o procedimento disciplinar subsequente ao inquérito tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à sua recepção, para decisão, pela entidade competente, o Conselho Superior da Magistratura.

«16. Com efeito, embora o inquérito n.º 2014-464/IN tenha sido presente ao Conselho Superior da Magistratura para deliberação sobre as propostas formuladas pelo Senhor Inspector Judicial Dr. ... no relatório de fls. 97 e seguintes (elaborado nos termos e para os efeitos previstos no art. 134.º do EMJ) em data anterior a 13-01-2016,

«17. só em 28-04-2015 é que o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura decidiu converter o referido inquérito em processo disciplinar.

«18. Verifica-se, pois, que a decisão de conversão do inquérito tomada pelo CSM ocorreu mais de 106 dias depois de o inquérito n.° 2014-464/IN lhe ter sido presente pelo Senhor Inspector Judicial para tomada de decisão.

«19. E nem se diga que este lapso temporal é imputável ao recorrente, uma vez que a oposição que este manifestou à proposta sancionatória que lhe foi dirigida ao abrigo do art. 85.º-4 do EMJ foi recebida pelo CSM em 12-02-2015.

«20. Assim, logo a partir de 12-02-2015 estava o CSM em condições de tomar a decisão de conversão do inquérito em processo disciplinar.

«21. E todavia, essa decisão de conversão só foi proferida 28-04-2015, 76 dias depois sobre aquela oposição apresentada pelo recorrente, recebida pelo CSM em 12-02-2015.

«22. Nenhuma das duas condições cumulativamente estabelecidas pelas alíneas a) e b) do n.º 4 do art. 178.º da LTFP para que seja suspenso o prazo de prescrição da primeira e da segunda infracções disciplinares imputadas ao recorrente se mostra portanto verificada.

«23. Donde, sendo de 1 ano o prazo de prescrição dessas duas infracções disciplinares,

«24. não tendo a contagem desse prazo sido suspensa,

«25. e tendo as infracções disciplinares em apreço sido praticadas no dia 04-09-2014 (a primeira) e entre os dias 8 e 12-09-2014 (a segunda),

«26. só resta concluir que a primeira infracção disciplinar prescreveu no dia 03-09-2015 e que a segunda infracção disciplinar prescreveu no dia 07-09-2015.

«Sem prescindir,

«27. ainda que assim não se entenda, e se considere - o que não se consente e se admite apenas por mera cautela de patrocínio - que aquele prazo de prescrição de 1 ano foi objecto de suspensão nos termos do art. 178.º-4 da LTFP, sempre deverá, não obstante, concluir-se igualmente que aquelas duas infracções se encontram já prescritas.

«28. Com efeito, mesmo que se considere que houve suspensão da contagem daquele prazo com fundamento no art. 178.º-4 da LTFP, tal suspensão tem uma duração máxima de 6 meses.

«29. De modo que, em última e subsidiária instância, sempre será de concluir que a primeira infracção disciplinar prescreveu no dia 03 de Março de 2016 e que a segunda infracção disciplinar prescreveu no dia 07 de Março de 2016.

«§1.3. Prescrição da terceira (infracção ao dever de correcção na pessoa do Dr. ...)

«30. A terceira infracção disciplinar imputada ao recorrente funda-se numa alegada inobservância do "dever de correcção na pessoa do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., Juiz Desembargador Dr. ..." (matéria provada sob o n.a 55 e ss.).

«31. A factualidade que dá corpo àquela imputação verificou-se no dia 07 de Abril de 2015 (facto provado n.º 55).

«32. Também o prazo de prescrição desta infracção é de 1 ano (art. 178.º-1 da LTFP) sobre a sua prática.

«33. Ao contrário do procedimento disciplinar relativo às infracções anteriormente referidas, o procedimento disciplinar respeitante a esta terceira infracção não foi precedido de qualquer inquérito.

«34. Após tomar conhecimento da notícia desta infracção, o CSM determinou, por deliberação de 26-05-2015, a instauração de procedimento disciplinar quanto a ela, mediante alargamento do objecto processual do procedimento disciplinar então já em curso: "foi deliberado por unanimidade remeter este expediente para o processo disciplinar n.º 2015-140/PD, em que é instrutor o Exmo. Sr. Inspector Judicial Dr. ..., alargando-se o mesmo a este expediente".

«35. Como se referiu supra, a suspensão do prazo de prescrição da infracção disciplinar opera somente nos casos em que se encontre concretamente verificado um tríplice condicionalismo (cf. art. 178.º-4 da LTFP), exigindo-se, antes de mais, que o processo disciplinar haja sido precedido de um processo de sindicância aos órgãos ou serviços ou de um processo de inquérito.

«36. Não tendo sido instaurado qualquer um desse tipo de processos preliminares (e prévios ao procedimento disciplinar), entendeu o legislador não haver razão para que o prazo (prescricional) para o exercício do poder punitivo disciplinar conhecesse uma suspensão na sua contagem, designadamente, a suspensão a que se refere o n.º 4 do art. 178.º da LTFP.

«37. Com efeito, considerou o legislador que só faz sentido sustar a marcha do prazo de prescrição da infracção se o conhecimento desta em procedimento disciplinar haja carecido de uma prévia averiguação em sede de inquérito.

«38. Não sendo esse o caso, não há razão para que se "dê mais tempo" à Administração, através da concessão de uma suspensão do prazo de prescrição da infracção, para exercer o seu poder disciplinar.

«39. Deste modo, a suspensão do prazo de prescrição da infracção a que se refere o art. 178.º-4 da LTFP não teve aqui lugar, logo por falta de verificação da primeira das três exigências cumulativamente postas por aquele preceito, mais precisamente a constante da sua alínea a).

«40. Sendo in casu inaplicável o disposto no n.º 4 do art. 178.º da LTFP, tendo a prática da terceira infracção ocorrido no dia 07 de Abril de 2015, o seu prazo de prescrição consumou-se no dia 06 de Abril de 2016.»

3.2. O CSM, dando por reproduzidos os motivos expostos na resposta e, quanto à questão da prescrição das infracções disciplinares, esclarecendo os motivos pelos quais entende que não assiste razão ao recorrente.

Em suma, os seguintes:

«(…)

«8.º Sendo certo que o processo disciplinar relativo aos juízes se rege pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais, que não contempla qualquer norma relativa à prescrição do procedimento disciplinar, há que recorrer, neste particular, ao disposto no artigo 131.º desse diploma, que manda aplicar subsidiariamente as normas de diplomas complementares.

«(…)

«11.º Ora, no caso em apreço estão em causa três infracções disciplinares, por violação do dever de correcção, a primeira delas ocorrida em 4 de Setembro de 2014 (relativa à pessoa do Dr. BB), a segunda ocorrida entre os dias 8 a 12 de Setembro de 2014 (relativa à pessoa da Dra. ...) e a terceira ocorrida no dia 7 de Abril de 2015 (relativa à pessoa do Dr. ...).

«12.º Vejamos, então, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar relativamente a cada uma dessas infracções.

«13.º Quanto às duas primeiras indicadas infracções, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar iniciou-se em 28 de Abril de 2015, data em que o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura decidiu converter o inquérito para averiguações em procedimento disciplinar ao recorrente, por haver indícios de violação dos mencionados deveres de correcção.

«14.º O prazo correu ininterruptamente até 5 de Fevereiro de 2016, data da notificação ao recorrente da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (de 2 de Fevereiro de 2016), que o condenou na pena única de advertência.

«15.º «Quanto à terceira infracção, o prazo de prescrição iniciou-se em 26 de Maio de 2015, data em que o Conselho Superior da Magistratura determinou a instauração de procedimento disciplinar também quanto a esta matéria, mediante alargamento do objecto processual do procedimento disciplinar já em curso.

«16.º E o prazo correu, igualmente, de forma ininterrupta até 5 de Fevereiro de 2016, data da notificação ao recorrente da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (de 2 de Fevereiro de 2016), que o condenou na pena única de advertência.

«17.º Entre 28 de Abril de 2015 e 5 de Fevereiro de 2016 decorreram 9 meses 7 dias, isto relativamente à primeira e segunda infracções. Quanto à terceira infracção esse período de tempo foi ainda inferior, pois decorreu entre 26 de Maio de 2015 e 5 de Fevereiro de 2016.

«18.º Com a interposição de recurso da deliberação do Conselho Plenário de 2 de Fevereiro de 2016 para o Supremo Tribunal de Justiça (em 10 de Março de 2016), o prazo de prescrição do procedimento disciplinar ficou suspenso, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas.

«19.º Por conseguinte, não se mostra decorrido o prazo de prescrição do procedimento disciplinar em relação a qualquer uma das infracções pelas quais o recorrente foi condenado.

«20.º Não podemos, porém, deixar de salientar que o recorrente, embora mencione sempre a prescrição das infracções disciplinares, aquilo a que se refere é questão de natureza distinta.

«21.º Com efeito, como bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2013, processo n.º 16/13, in www.dgsi.pt, “O instituto da prescrição dos direitos sancionatórios (penal e disciplinar) tem por finalidade acelerar a actividade do Estado no exercício da acção penal ou disciplinar e, ao mesmo tempo, assegurar aos arguidos um tempo certo durante o qual podem ser sujeitos a sanção pelos ilícitos cometidos, a partir do qual ficarão libertos da respectiva responsabilidade.  

«Com a prescrição extingue-se o "ius puniendi" do Estado, extinção resultante da falta de diligência dos órgãos judiciários ou disciplinares no procedimento que lhes incumbe levar a cabo.

«O procedimento disciplinar é a atividade desenvolvida pelos órgãos disciplinares competentes, tendo em vista eventual acusação, julgamento e decisão relativamente a uma infração disciplinar indiciada.

«Da prescrição do procedimento disciplinar há que distinguir duas situações que lhe estão próximas.

«Uma, que a antecede, é a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, que, em rigor, assume a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do fato gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo.

«Outra, que lhe sucede, é a prescrição da pena disciplinar, que ocorre quando, entre o trânsito em julgado da decisão que aplica a pena disciplinar e o momento em que esta vai ser executada, medeia um período de tempo superior ao indicado na lei.

«O procedimento disciplinar corre desde a instauração do processo até à decisão final condenatória ou absolutória. A prescrição do procedimento disciplinar ocorre se é excedido o prazo máximo fixado pela lei entre um momento e outro.

«22.º E, na verdade, o recorrente, pese embora sempre mencionado a «prescrição do procedimento disciplinar», aquilo que está a pôr em causa é a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, que, como se disse, assume verdadeiramente a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito.

«23.º Com efeito, invoca o recorrente que quanto à primeira e à segunda infracção, pelo menos, desde o dia 16 de Setembro de 2014 que as mesmas eram do conhecimento do Senhor Juiz Presidente da Comarca de ..., sendo que a decisão de instaurar procedimento disciplinar pelo Conselho Superior da Magistratura só foi tomada em 21 de Outubro de 2014, portanto, mais de 30 dias depois da aquisição da suspeita da prática das infracções.

«24.º Mais refere que o inquérito não foi instaurado no prazo de 30 dias subsequente à sua recepção, para decisão, pelo Conselho Superior da Magistratura, pois o relatório com as propostas elaboradas pelo Senhor Inspector Judicial chegaram ao conhecimento do Conselho Superior da Magistratura em data anterior a 13 de Janeiro de 2015 e só em 28 de Abril de 2015 é que o Conselho Permanente decidiu converter o referido inquérito em processo disciplinar.

«25.º Sucede que o recorrente, sempre ressalvando melhor opinião, não está a fazer uma leitura correcta dos normativos aplicáveis.

«26.º A competência para instaurar procedimento disciplinar assiste ao Conselho Superior da Magistratura (artigo 149.°, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais).

«27.º O Conselho Superior da Magistratura funciona em Conselho Plenário e em Conselho Permanente (artigo 150.º, n.º 1, do mesmo diploma), estando as competências de cada um destes órgãos prevista nos artigos 151.º e 152.º, respectivamente.

«28.º Por seu turno, em nenhum preceito relativo aos Senhores Juízes Presidentes de Comarcas, nem aos Senhores Inspectores está prevista a competência para instaurar procedimento disciplinar.

«29.º Não tendo tal competência, nem sendo superiores hierárquicos do recorrente, aquando da tomada de conhecimento dos factos, pelo Exmo. Senhor Presidente da Comarca de ... e do Senhor Inspector Judicial, não se iniciou qualquer prazo para instaurar o procedimento disciplinar, como parece pretender o recorrente.

«30.º Deste modo, quando foi determinada a instauração de processo disciplinar, pelo órgão com competência para tanto - o Conselho Permanente -, foi respeitado o prazo a que alude o artigo 6.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aplicável ex vi artigo 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

«31.º Acresce que o artigo 154.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, versando sobre a competência do vice-presidente, diz apenas que:

«1 – Compete ao vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura substituir o presidente nas suas faltas ou impedimentos e exercer as funções que lhe forem delegadas.

«2 – O vice-presidente pode subdelegar nos vogais que exerçam funções em tempo integral as funções que lhe forem delegadas ou subdelegadas.

«32.º É ao Conselho Superior da Magistratura que, entre outras funções, compete:

«(…)

«e) Ordenar inspecções, sindicâncias e inquéritos aos serviços judiciais […].

«33.º O Conselho Superior da Magistratura funciona, como já se referiu, em Plenário e em Conselho Permanente - artigo 150.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

«33.º[3] Conforme artigo 151.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, são da competência do plenário do Conselho Superior da Magistratura, entre várias:

«c) Deliberar sobre as matérias referidas nas alíneas b), c), f), g) e m) do artigo 149.º

«34.º Por sua vez, de harmonia com o n.º 2 do artigo 152.º: - Consideram-se tacitamente delegadas no conselho permanente, sem prejuízo da sua revogação pelo plenário do Conselho, as competências previstas nas alíneas a), d), e) e h) a j) do artigo 149.º, salvo as respeitantes aos tribunais superiores e respectivos juízes.

«35.º Aliás, mesmo a nível de delegação de poderes, o artigo 158.º refere que:

«1 – O Conselho Superior da Magistratura pode delegar no presidente, com faculdade de subdelegação no vice-presidente, poderes para:

«a) Ordenar inspecções extraordinárias;

«b) Instaurar inquéritos e sindicâncias.

«36.º Tem de ser pois a deliberação do Conselho Superior da Magistratura a determinar o procedimento disciplinar, o que significa, que in casu somente a partir da deliberação que apreciasse o relatório do Senhor Inspector é que se iniciava o prazo de 30 dias para a instauração de processo disciplinar, não sendo assim a data da apresentação de tal relatório no Conselho Superior da Magistratura, que desencadeia legalmente o início do prazo da prescrição, pelo que não foi desrespeitado o prazo pelo órgão competente, que obviamente pressupõe, prévia deliberação para o efeito.

«37.º O procedimento disciplinar foi iniciado por deliberação do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura na sessão de 28 de Abril de 2015, sendo este órgão, a par com o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, os órgãos competentes para instaurar procedimento disciplinar conforme resulta do artigo 149.º, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

«38.º É esta norma que valerá para, em confronto com o artigo 131.º e o artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas se proceder à interpretação de "superior hierárquico" nessa norma referido.

«39.º Tal competência não radica no Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, como parece defender o recorrente, pelo que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos que resultam do teor da comunicação do Exmo. Senhor juiz Presidente da Comarca de ... não se iniciou enquanto o teor de tal exposição, bem como o relatório/requerimento dirigida ao Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura pelo Senhor Inspetor Judicial, não foram submetidos à apreciação e deliberação do Conselho Permanente, o que ocorreu em 28 de Abril de 2015, quando este órgão deliberou instaurar processo disciplinar ao ora recorrente.

«40.º O mesmo sucede em relação aos factos relativos à terceira infracção, relativamente à qual, foi deliberado, também pelo órgão competente, em 26 de Maio de 2015, a instauração de procedimento disciplinar, mediante alargamento do objecto processual do procedimento disciplinar então já em curso.

«41.º Não está, pois, prescrito o procedimento disciplinar pelo que, também neste segmento, em que verdadeiramente se aborda a questão da caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar, não será de aceitar a argumentação do recorrente.»

3.3. A Exm.ª Procuradora-geral-adjunta pronunciando-se no sentido da procedência do recurso relativamente à invocada prescrição de duas das infracções disciplinares, e improcedência no restante.

3.3.1. Quanto à prescrição, pronunciou-se, designadamente, como segue:

«(…)

«2. No que tange ao conhecimento, relevante para o exercício do procedimento disciplinar, seja para a determinação do dies a quo do prazo de caducidade do direito a instaurar/iniciar o procedimento disciplinar, e, nessa medida agora também para a eventual suspensão do prazo de prescrição da infracção disciplinar, face ao que dispõe o nº 4 do artigo 178º da LGTFP, a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, em consonância com a jurisprudência do STA na matéria, é no sentido de que o momento relevante para a contagem dos referidos prazos prescricionais é o do conhecimento da entidade competente para o exercício do poder disciplinar (o CSM)[4], mais precisamente, no que para o caso importa, o Conselho Permanente (artigo 152º do EMJ).

«3. Como se referiu, por força do disposto no nº 4 do artº 178º da LGTFP, a prescrição da infracção disciplinar, suspende-se, por um período até seis meses, quando, cumulativamente se verifique que:

«- os processos referidos nos números anteriores [sindicância aos órgãos ou serviços, processo de inquérito ou processo disciplinar] tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

«- o procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos;

«- à data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

«4. No caso vertente os factos respeitantes às duas primeiras infracções por que o Recorrente veio a ser sancionado ocorreram em 4.9.2014 e entre 8 e 12.9.2014, respectivamente.

«O Conselho Permanente do CSM teve conhecimento dos mesmos, após a conclusão do inquérito que deliberou instaurar, em 13.1.2015, e só em 28 de Abril de 2015, decorridos mais de 30 dias sobre o conhecimento da existência de factos puníveis, deliberou converter o inquérito em processo disciplinar, pelo que, salvo melhor opinião, não se verificou a suspensão do prazo de prescrição da infracção disciplinar previsto no nº 1 do artº 178º da LGTFP.

«5. Donde se segue que tais infracções prescreveram, como sustenta o Recorrente, decorrido um ano sobre a data da prática dos factos, em 4.9.2015 e 8.9.2015[5], antes de ser proferida a deliberação sancionatória pelo CSM/Conselho Permanente, em 20.10.2015.

«6. O mesmo não sucede relativamente à terceira infracção, cometida em 7.4.2015, porquanto, a mesma não foi precedida de inquérito ou de qualquer um dos procedimentos previstos no nº 4 do artº 178º da LGTFP, e logo que dela teve conhecimento, em 26.5.2015, o Conselho Permanente deliberou remeter o expediente à mesma atinente para o processo disciplinar em curso, alargando-o a esses factos, sendo que a deliberação punitiva foi proferida em 20.10.2015, tendo sido notificada ao Recorrente por ofício de 29.10.2015, antes de decorrido um ano sobre a data da prática da infracção, não tendo, sempre salvo o devido respeito, sustentação a posição defendida pelo Recorrente de que a prescrição, quanto a esta infracção se verificou em 6.4.2016, tanto mais que nessa data, já tinha sido proferida a deliberação sancionatória e interposto o presente recurso.»

3.3.2. Quanto à terceira infracção disciplinar, o parecer é como segue:

«Quanto a esta terceira infracção disciplinar, consubstanciada no facto de não ter retribuído o cumprimento que, no espaço público do Tribunal e na presença de, pelo menos uma pessoa, lhe ter sido dirigido pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., bem como relativamente às demais, invoca o Sr. Juiz Recorrente que a deliberação impugnada incorreu em violação dos direitos de audiência, de defesa, do contraditório, da presunção de inocência, do princípio in dubio pro reo, de insuficiência da instrução e omissão de pronúncia, o que tudo se reconduz a vício de violação de lei, que se apreciarão pela ordem indicada.

«a) violação dos direitos de audiência, de defesa e do contraditório

«Invoca o Sr. Juiz Recorrente a violação dos direitos de audiência, de defesa e do contraditório, alegando em síntese, que a deliberação recorrida, dando como não provados os factos alegados pela defesa, desconsiderando as declarações do arguido/Recorrente, parte da premissa de que as suas declarações não valem como meio de prova, violando os invocados direitos, e, também, como sendo violadores dos mesmos a ausência de notificação do Relatório Final proferido pelo Sr. Instrutor.

«7. Os factos respeitantes à infracção disciplinar ocorrida em 7.4.2017 foram objecto de autónoma, deduzida em complemento à acusação anterior, nela se mencionando expressamente que, pelos factos descritos, o arguido incorreu na prática de uma infracção disciplinar ao dever de correção, previsto no artº 73º, nºs 1 e 2 h) e 10 da LGTFP, punível com a pena de advertência (art. 81º, 82º, 85º, nº 1, al. a) e 86º do EMJ).

«Tal acusação foi precedida de instrução durante a qual foram ouvidos em declarações os intervenientes dos factos e testemunhas dos mesmos.

«O Recorrente apresentou a sua defesa, negando os factos e indicando uma testemunha que foi ouvida em declarações, tendo igualmente sido ouvido em declarações o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ....

«No Relatório Final o Sr. Instrutor considerou provados os factos descritos na acusação e não provados os factos invocados pela defesa, indicando em sede de motivação as razões da convicção firmada relativamente à matéria de facto considerada provada e não provada, e, quanto à primeira, nomeadamente pelo depoimento de uma das testemunhas ouvidas corroborando as declarações do Sr. Juiz Desembargador Presidente da Comarca.

«8. Defende o Sr. Juiz recorrente que a desconsideração das suas declarações, na premissa de que não são meio de prova, viola os direitos de audiência, de defesa e do contraditório mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, o procedimento disciplinar, com a dedução da acusação, o exercício do direito de defesa que lhe foi facultado e efectivamente exerceu, assegurando o seu direito de audiência e de defesa, não se confundem, em nosso entender, com a valoração da prova recolhida, que, em nosso entender não merece qualquer porque efetivamente respaldada na prova produzida.

«9. A divergência e discordância do Recorrente no tocante à valoração da prova, sendo legítima, não viola os direitos invocados, sendo que tem sido entendimento sucessivamente reafirmado, por este Supremo Tribunal que a suficiência da prova e da matéria de facto em que se fundamenta a decisão punitiva em processo disciplinar pode ser objecto de recurso contencioso, sem que, todavia, o controlo da suficiência da prova passe pela reapreciação da prova disponível e pela formação de uma nova e diferente convicção face aos elementos de prova disponíveis[6].

«10. Por seu turno, e no que respeita à ausência de notificação do Relatório Final proferido pelo Sr. Instrutor, o artº 122º do EMJ não prevê expressamente a notificação do mesmo ao arguido. Face à jurisprudência do Tribunal Constitucional afirmada nos Acs. nº 516/2003, de 28.10.2003, e 499/99, de 30.9.2009, entende-se que, quando a acusação não contenha a indicação da pena aplicável, mas tal menção conste do relatório final, este deve ser notificado ao arguido, para exercício do direito de defesa, sob pena de nulidade insuprível nos termos do arº 124º, nº 1 do EMJ.

«11. No caso vertente tal menção constava da acusação deduzida, pelo que não havia lugar, sob pena de preterição do exercício do direito de defesa, à notificação do relatório final.

«b) Violação do direito à presunção de inocência, do princípio in dubio pro reo, insuficiência da instrução e omissão de pronúncia.

«Invoca o senhor Juiz recorrente a violação do princípio “in dubio pro reo”, alegando que a matéria de facto plasmada no ponto xvii em que se deu como não provada, com fundamento em que não foi o instrutor capaz de superar o sentido do contraditório, o que determinou a sua inclusão nos factos não provados, sustentando que se o instrutor não conseguiu superar a dúvida quanto a tal facto, deveria tal matéria ter sido dada como provada.

«Invoca igualmente, e sobre o mesmo ponto da matéria de facto não provada, a insuficiência da instrução e omissão de pronúncia, por não terem sido realizadas todas as diligências necessárias, v.g. a inquirição da Sra. Juíz ... ..., e não se ter pronunciado sobre o ponto 29º da defesa apresentada, deixando de se pronunciar sobre factos essenciais à defesa.

«12. Segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção de inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste, afirmando-se como princípio relativamente à prova, não tem cabimento se estiver verificado que uma entidade Administrativa, no exercício do seu poder disciplinar, formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, só podendo a violação de tal princípio ser aferida em sede de recurso quando da decisão impugnada resulte, de forma evidente, que a entidade administrativa ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida insuperável, e nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido[7].

«13. Porém, como se ponderou e decidiu na deliberação impugnada, a matéria de facto questionada não possui interesse para a apreciação da responsabilidade disciplinar do Recorrente, pois que, ainda que tal factualidade tivesse ocorrido não seria a mesma susceptível de justificar o comportamento do Recorrente ou de atenuar a censura do mesmo, sendo que, relativamente à factualidade provada não resulta da deliberação impugnada que a autoridade recorrida tenha ficado na dúvida quanto a qualquer facto, concretamente quanto ao facto imputado ao arguido, pelo que não se verifica a violação dos aludidos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.

«14. Do mesmo modo, porque apenas devem ser efectuadas diligências probatórias que se mostrem razoavelmente pertinentes, isto é, que sejam susceptíveis de influir na decisão final do procedimento, não se verificam as invocadas insuficiência da instrução e omissão de pronúncia.

«c) Irrelevância típica da conduta do Recorrente

«15. O dever de correção, imposto pelo artigo 73º, nºs 1, 2, al. h), e 10, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2004, de 20 de Junho, aplicável por remissão do EMJ, impõe, positivamente, que o agente, no seu relacionamento com as outras pessoas no âmbito dos serviços públicos, trate a todos com correção, com respeito[8].

«Seguindo a lição de Maria Fernanda Neves (O Direito Disciplinar da Função Pública, II, Lisboa: FDUL, 2007, ps. 215 e ss.), citado no Ac. do STJ de 16.6.2015, Procº nº 7/15.3YFLSB, diremos que o dever de correção é o dever do trabalhador se relacionar, no exercício das suas funções, com os titulares dos órgãos que corporizam o empregador, outros trabalhadores e terceiros com urbanidade e respeito.

«- Não se trata da mera observância das regras da boa educação próprias do relacionamento social.

«- Tratando-se de um dever funcional é na perspectiva funcional que tem que ser analisado.

«- Concretamente, reclama no exercício funcional: i) trato correcto, isto é, cordialidade, atenção e objectividade no atendimento e prestação de serviços aos cidadãos, utentes ou destinatários da actividade administrativa; ii) objectividade e colaboração entre trabalhadores com um mesmo empregador e com um mesmo enquadramento finalístico-institucional; iii) bem assim essa mesma objectividade, colaboração e deferência adequada às relações hierárquicas ou não paritárias.

«- O dever de correção postula também a adopção de "comportamento conforme à dignidade das próprias funções" ou actividade funcional do trabalhador e o seu posicionamento na organização”.

«16. Neste enquadramento, ainda que, face à factualidade apurada, de uma infracção sem gravidade de maior, espelhada na sanção menos grave que lhe foi aplicada, afigura-se-nos que os factos denotam uma conduta descortês e de menor urbanidade, ainda susceptível de integrar a previsão típica de tal ilícito disciplinar.»

4. Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a audiência.

Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.

II

1. O objecto do recurso

Como emerge do recurso e das alegações produzidas, o recorrente pede:

i) a título de questão prévia, a declaração de prescrição das infracções disciplinares imputadas; e, caso assim não se entenda,

ii) que seja declarada a nulidade da deliberação impugnada, por violação do direito de audiência, de defesa e do contraditório, por violação do direito à presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo, por insuficiência da instrução e por omissão de pronúncia; subsidiariamente,

iii) que seja declarada a anulabilidade da deliberação impugnada, sendo revogada a decisão condenatória e substituída por outra, menos gravosa que, reconhecendo a irrelevância típica das condutas reportadas ao Sr. Juiz BB e ao Sr. Juiz Presidente ..., aplique, quando muito, a advertência não registada.

2. O procedimento

Deve começar-se por uma referência ao desenvolvimento do procedimento na medida em que o mesmo releva para a apreciação de questões objecto do recurso, especialmente, da questão da prescrição.  

1. No dia 29/09/2014, foi recebido no CSM, um expediente remetido pelo Sr. Presidente da Comarca de ..., datado de 26/09/2014, no qual o mesmo participa factos ocorridos no Tribunal de ... cometidos pelo Sr. Juiz AA, uns relacionados com o Sr. Dr. ..., praticados em 04/09/2014, outros relacionados com a Sr.ª Dr.ª ..., praticados entre 8 e 12/09/2014 e outros envolvendo a sua própria pessoa, na qualidade de Presidente da Comarca de ..., ocorridos em inícios de Setembro de 2014.

2. Por deliberação do conselho permanente do CSM, de 21 de Outubro de 2014, apreciado o expediente antes descrito, foi decidido instaurar inquérito ao recorrente, ao qual foi atribuído o n.º 2014-464/IN.

3. Foi ouvido o recorrente e realizadas as diligências instrutórias consideradas pertinentes, nomeadamente, audição do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., Sr. Dr. ....

4. Atenta as declarações prestadas pelo Juiz Presidente da Comarca de ..., foi pelo Sr. Inspector, considerado relevante para a aferição da globalidade da conduta do Juiz visado, recolher os depoimentos de dois advogados que terão alegadamente presenciado factos susceptíveis de integrar ilícito disciplinar. Os factos novos narrados pelo Sr. Juiz Presidente foram:

a) comentário efectuado pelo Juiz visado a uma testemunha no julgamento a que presidia (referente ao proc. 436/09.1JAAVR em que eram ofendidas ou envolvidas prostitutas), dizendo-lhe, ante a afirmação da mesma testemunha que havia parado o carro por se aperceber de algo indevido, que ele “tinha ido era à procura de sexo à borla”. Esse julgamento ocorreu entre 27-09-2012 e 07-12-2012;

 b) alegado incidente ocorrido no decurso de um julgamento em que o Sr. Juiz visado teria dito a uma testemunha, de origem paquistanesa, “que tinha cara de Jihadista”;

c) alegado incidente ocorrido num processo em que o Sr. Juiz visado se terá detido em comentários sobre o n.º inicial de um processo “69/98”;

d) alegado incidente consubstanciado em procedimentos incorrectos do Sr. Juiz visado no proc. 208/12.6PAVFR.

5. Após a realização das diligências probatórias, foi elaborado relatório pelo Sr. Inspector judicial, nos termos do artigo 134.º do EMJ, datado de 16/12/2014, no qual propôs:

«a) Independentemente da veracidade quanto à ocorrência dos factos, a extinção, por prescrição, da responsabilidade disciplinar quanto aos factos descritos em 4. a);

«b) Arquivamento dos autos quanto à alegada atitude desrespeitosa, de interpelação e de afronta para com o Exmo. Sr. Presidente da Comarca de ... em inícios de Setembro de 2014;

«c) Não tomada de qualquer iniciativa para efeitos disciplinares por parte do CSM quanto aos factos novos denunciados pelo Exmo. Sr. Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de ... referidos em 4. b), 4.c) e 4.d);

«d) A ponderação pelo CSM da possibilidade de, independentemente de processo, ser aplicada ao Sr. Juiz visado a sanção de advertência nos termos do artigo 85.º, n.º 4, do EMJ, pela violação, em concurso de infracções (2), dos deveres de correcção previstos nos artigos 82.º do EMJ e 73.º, n.os 1 e 2, alínea a), e 10.º da LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20-06), nas pessoas dos Juízes ... e .....

«e) Ou, caso assim não se entenda, a instauração de procedimento disciplinar contra o Juiz visado pela violação, em concurso de infracções (2), dos deveres de correcção previstos nos artigos 82.º do EMJ e 73.º, n.os 1 e 2, alínea a), e 10.º da LGTFP, nas pessoas dos Juízes de direito ... e ....

6. Em 16/12/2014 foi enviado, via e-mail, ao CSM ficheiro informático com o relatório referido em 5., e, na mesma data, foram remetidos os autos ao CSM.

7. Em 18/12/2014 foi aberta conclusão ao Vice-Presidente do CSM que na mesma data proferiu o seguinte despacho “Ao Conselho Permanente”.

8. Por deliberação do conselho permanente do CSM, de 13/01/2015, no âmbito do Proc. n.º 2014-464/IN, foi decidido “Apreciado o teor da proposta apresentada pelo Exmo. Sr. Inspector judicial, Juiz ... Dr. ..., foi deliberado por unanimidade concordar com o teor da mesma, que aqui se dá por reproduzida, e nos termos previstos no n.º 1, al. a) do art. 85.º do EMJ, pode vir a ser aplicada a pena de “Advertência registada”, determinando-se em conformidade a notificação do Exmo. Juiz, nos termos do art. 85.º, n.º 4 do EMJ, para que o mesmo se pronuncie sobre a pena ora proposta no prazo de 10 dias, sendo a sanção homologada em caso de não oposição ou de silêncio em pronunciar-se”.

9. Foi remetida ao arguido, pelo CSM, carta registada, com aviso de recepção, datada de 23/01/2015, a notificá-lo da deliberação referida em 8.

10. No dia 12/02/2015 o CSM recebeu a oposição deduzida pelo arguido à deliberação referida em 8.

11. Em 19/02/2015, foi feita, no CSM, a distribuição da oposição, tendo sido atribuída a um relator (Exmo. Vogal do CSM).

12. Em 24/02/2015 foi aberta conclusão ao Exmo. Vogal do CSM com a oposição deduzida pelo arguido.

13. Em 17/03/2015 foi proferido o seguinte despacho pelo Sr. Vogal “Inscreva em tabela para o próximo Conselho Permanente. Segue projecto”.

14. Por deliberação de 28/04/2015, o conselho permanente do CSM decidiu:

Arquivar os autos quanto a: factos relativos à atitude de interpelação do Exmo. Senhor Juiz Presidente da Comarca de ...; alegado comentário dirigido a uma testemunha no julgamento de processo comum 436/09.1JAAVR; alegada referência a uma testemunha, de origem paquistanesa “que tinha cara de Jihadista”; comentários tecidos sobre o NUIPC de um processo “69/98”.

Converter o inquérito em processo disciplinar, constituindo aquele a parte instrutória deste, para cabal apuramento da responsabilidade disciplinar do Sr. Juiz ..., relativa à violação (duas infracções) dos deveres de correcção, previstas e puníveis pelos artigos 82.º do EMJ e 73.º, n.os 1 e 2, alínea h), e 11.º da LGTFP, quanto aos Senhores Juízes ... e ... (artigo 135.º do EMJ).

15. Esta deliberação foi notificada ao arguido em 04/05/2015.

16. Com data de 29/04/2015, o Senhor Juiz Presidente da Comarca de ..., Dr. ... fez uma participação ao CSM, na qual relata um episódio ocorrido no dia 07/04/2015, cerca das 14H30, no Tribunal de ..., em que o Sr. Dr. AA não o terá cumprimentado (não lhe dirigiu as boas tardes após um cumprimento por banda do Sr. Juiz Presidente).

17. Na acusação deduzida, em 09/05/2015, foi imputada ao Sr. Juiz arguido, pelos factos aí elencados, a prática, em concurso efectivo, de duas infracções aos deveres de correcção previstos nos artigos 82.º do EMJ e 73.º, n.os 1, 2, h) e 10 da LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), na pessoa dos Srs. Juízes ... ... e ..., ambas puníveis com a pena de advertência registada e, em cúmulo, com a pena de advertência registada (artigos 85.º, a), 86.º, 91.º, 96.º e 99.º do EMJ, 180.º, n.º 3 e 189.º da LGTFP

18. O Sr. Juiz arguido apresentou defesa, concluindo, a final, no sentido de deverem ser arquivados os autos ou, subsidiariamente, dever a sanção a aplicar limitar-se à mera advertência não registada.

19. Realizou-se a inquirição das testemunhas arroladas pelo Sr. Juiz.

20. Entretanto, o conselho permanente do CSM deliberou, em 26/05/2015: “Apreciado o expediente apresentado pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente da Comarca de ..., Dr. ..., em que é visada a actuação do Exmo. Senhor Juíz ... da Instância Local de ... – Secção Criminal, Dr. AA (…) remeter este expediente para o processo disciplinar n.º 2015-140/PD (…), alargando-se o mesmo a este expediente”.

21. Aberta a instrução, com o objecto de apurar se o comportamento imputado ao Sr. Juiz AA na participação efectuada pelo Exmo. Sr. Juiz ... Presidente da Comarca de ... consubstancia cometimento de infracção disciplinar, foi o Sr. Juiz arguido notificado para se pronunciar quanto aos factos participados, designadamente confirmando ou não a ocorrência do evento nos termos relatados na participação e bem assim prestar os esclarecimentos que a esse propósito considerasse relevantes.

22. O Sr. Juiz arguido respondeu a esse convite e, realizadas diversas diligências, procedeu-se à tomada de declarações ao Sr. Juiz arguido, quer quanto aos factos relativos ao processo disciplinar originariamente instaurado, quer quanto ao objecto do alargamento.

23. Concluída a instrução foi deduzida a acusação complementar, datada de 18/08/2015, com a imputação ao arguido da prática, pelos factos aí descritos, de uma infracção ao dever de correcção previsto no artigo 73.º, n.os 1, 2, h), e 10 da LGTFP, punível com a pena de advertência.

24. O Sr. Juiz arguido apresentou defesa, procedeu-se à inquirição da testemunha por ele arrolada e bem assim do Sr. Juiz Desembargador, Dr. ....

25. O Sr. Instrutor, no âmbito do artigo 122.º do EMJ, elaborou relatório propondo que:

«”A) seja o Sr. Juiz arguido sancionado com a pena de advertência pela prática de uma infracção ao dever de correcção na pessoa do Sr. Juíz ... Dr. ... (art. 82.º, 85.º, 1, a), 86.º do EMJ e 73.º, n.º 1, 2, h) e 10 da LGTFP aprovada pela lei n.º 35/2014, de 20 de Junho);

«“B) seja o Sr. Juiz arguido sancionado com a pena de advertência pela prática de uma infracção ao dever de correcção na pessoa da Sra. Juíz ... Dra. ...;

«”C) seja o Sr. Juiz arguido sancionado com a pena de advertência pela prática de uma infracção ao dever de correcção na pessoa do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., Juiz Desembargador Dr. ...;

«”D) Procedendo-se ao cúmulo das penas, seja o Sr. Juiz arguido sancionado com a pena única de advertência registada (art. 99.º, n.º 2 do EMJ). (…)”

26. Na sessão de 20 de Outubro de 2015 do conselho permanente do CSM foi deliberado, por unanimidade, concordar com a proposta formulada pelo Sr. Inspector judicial, nos autos de processo disciplinar em que é arguido o Exmo. Sr. Juiz AA e sancioná-lo na pena única disciplinar de advertência registada (englobando, em cúmulo de penas, três penas autónomas de advertência).

27. Notificado da referida deliberação, veio o Exm.º Juiz arguido dela reclamar para o plenário.

28. Em 02 de Fevereiro de 2016, os membros do plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberaram considerar improcedente a reclamação formulada pelo Exm.º Sr. Juiz AA, mantendo a deliberação tomada no dia 20 de Outubro de 2015, em sessão do conselho permanente, que lhe aplicou a pena única disciplinar de advertência registada (englobando, em cúmulo de penas, três penas autónomas de advertência.

3. A fundamentação de facto – factos provados e factos não provados – e a motivação da deliberação do Conselho Permanente em que assenta a deliberação impugnada

            A deliberação do conselho permanente acompanhou, na íntegra, a fundamentação, de facto e de direito, constante do relatório final do Sr. Inspector Judicial que instruiu o processo disciplinar.

3.1. A fundamentação de facto, no que respeita aos factos provados, é a seguinte:

«a) Consideram-se provados os seguintes factos:

«1. O Sr. Dr. AA, após ter frequentado o XX Curso do CEJ, por decisão de 13.05.2003, foi nomeado Juíz ... em regime de estágio e colocado no Tribunal Judicial da Comarca de ....

«2. Por deliberação do Plenário do CSM de 16.03.2004 foi nomeado Juíz ... e colocado como Auxiliar no Tribunal Judicial da Comarca de ....

«3. Por deliberação do Plenário do CSM de 16.07.2004 foi colocado no Tribunal Judicial da Comarca de ....

«4. Por deliberação do Plenário do CSM de 14.07.2005 foi destacado como auxiliar para o Tribunal Judicial da Comarca de ....

«5. Por deliberação do Plenário do CSM de 18.07.2006 foi destacado como auxiliar para o Tribunal Judicial da Comarca de ....

«6. Por deliberação do Plenário de 15.07.2008 foi destacado como auxiliar para o Círculo de ....

«7. Por deliberação do Plenário de 14.07.2009 foi nomeado, em comissão de serviço, para a Bolsa de Juízes de Évora, tendo sido sucessivamente afectado ao Círculo de ..., ao Tribunal Judicial da Comarca de ..., ao Tribunal Judicial da Comarca de ..., ao 2.º Juízo Criminal de ... e ao Juízo de Média e Pequena Instância Cível de ....

«8. Por deliberação do Plenário de 12.07.2011 foi destacado como auxiliar para o Círculo Judicial de ....

«9. Por deliberação do Plenário de 10.07.2012 foi destacado como auxiliar para a Comarca do ... (afectação exclusiva-... em agregação com o Juízo do Comércio).

«10. Por deliberação do Plenário de 09.07.2013 foi colocado no 1.º Juízo Criminal de ....

«11. Por deliberação do Plenário de 08.07.2014 foi colocado na Secção Criminal da Instância Local de ... (Juiz ...) da Comarca de ..., tendo tomado posse a 1 de Setembro de 2014, em ....

«12. O Sr. Juiz AA, após uma primeira notação de “Bom” (serviço prestado no Tribunal Judicial da Comarca de ...), encontra-se presentemente classificado com a notação de Bom com Distinção – Deliberação do Conselho Permanente de 24.04.2012 (inspecção ao serviço efectuado no Tribunal Judicial da Comarca de ..., no Tribunal Judicial da Comarca de ... e no Círculo Judicial de ..., no período entre 19.09.2005 a 31.12.2010).

«13. No respectivo registo disciplinar não se encontra averbada qualquer sanção por prática de infracção disciplinar.

«14. Em data não apurada com rigor de finais de Agosto de 2014, teve lugar uma reunião no Palácio da Justiça de ..., presidida pelo Exmo. Sr. Juiz ... Presidente da Comarca de ..., Dr. ..., com vista, ante a reorganização judiciária prestes a entrar em vigor, à distribuição dos gabinetes desse edifício pelos Srs. magistrados.

«15. Previamente ao agendamento dessa reunião foi dada a indicação aos Srs. magistrados que, na sequência do movimento operado pela deliberação do Conselho Plenário de 08.07.2014, continuassem a manter-se em funções nesse edifício poderiam manter o gabinete que já então ocupavam.

«16. Convocado para essa reunião, e sendo esse o único ponto da ordem de trabalhos, o Sr. Juiz arguido (então colocado no ...º Juízo Criminal de ...) remeteu comunicação ao Sr. Presidente da Comarca de ..., informando-o que não iria participar nessa reunião e que pretendia manter o gabinete que já ocupava.

«17. Nessa reunião, aproveitando-se a circunstância de estar presente um elevado número de magistrados, o Sr. Juiz Presidente da Comarca e bem assim o Sr. Administrador Judiciário, foram acordadas, para além da distribuição dos gabinetes, as regras quanto à utilização das salas de audiência do Palácio da Justiça de ..., ficando estabelecido que a Secção Criminal da Instância Local de ... realizaria os julgamentos afectos na Sala 1 do Palácio da Justiça de ... e que a Sala 2 ficava afecta aos julgamentos e diligências da ....ª Secção da Instância Criminal.

«18. Não foi efectuada acta da reunião referida em 14, 16 e 17 nem até ao instaurar do inquérito que precedeu o presente processo disciplinar foi dado conhecimento por escrito aos Srs. Juízes dos termos em que foi efectuada a distribuição das salas de audiências do Palácio da Justiça de ....

«19. O deliberado nessa reunião não foi comunicado ao Sr. Juiz arguido através de qualquer ofício, acta ou documento.

«20. Por ocasião da tomada de posse do Sr. Juiz arguido como Juiz ... da Secção Criminal da Instância Local de ... da Comarca de ..., acto presidido pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., ocorreu uma conversa entre ambos, altura em que o Sr. Juiz Presidente comunicou ao Sr. Juiz arguido que havia sido atribuída uma sala para a realização dos julgamentos afectos à Secção Criminal da Instância Local de ..., não o tendo no entanto informado qual a concreta sala que ficava afecta aos julgamentos a presidir pelo Sr. Juiz arguido.

«21. No dia 4 de Setembro de 2014, na primeira das diligências realizadas após a sua tomada de posse como Juiz... da Secção Criminal da Instância Local de ..., apesar de ter conhecimento do referido em 20, e sem se procurar inteirar junto dos demais magistrados ou funcionários judiciais qual a sala que lhe estava afecta para a realização dos julgamentos da Secção Criminal da Instância Local de ..., o Sr. Juiz arguido ocupou para o efeito a Sala de Audiências n.º 2 (sala essa que usualmente ocupava até 15 de Julho de 2014 na realização dos julgamentos a que presidia).

«22. Para o mesmo dia e em horário coincidente encontrava-se também agendada uma diligência da ....ª Secção (...) da Instância Central Criminal da Comarca de ..., presidida pelo Sr. Dr. ... (Juiz dessa ....ª Secção).

«23. O Sr. Dr. ..., ao aperceber-se que a sala afecta à 2.ª Secção da Instância Central estava a ser ocupada pelo Sr. Juiz arguido, teve necessidade de efectuar essa diligência numa outra sala que se encontrava livre.

«24. Quando já depois de terminadas ambas diligências, o Sr. Dr. ... se cruzou com o Sr. Juiz arguido num corredor do Palácio da Justiça de ... (pessoa que o Dr. ... já conhecia desde o estágio e por quem nutria relação de amizade), disse-lhe em tom de brincadeira, com o sentido de o alertar que havia ocupado indevidamente essa sala 2, “quando voltar a ver-te na sala 2 despejo-te”.

«25. Acto contínuo, o Sr. Juiz arguido, num tom agressivo, respondeu-lhe que “não sabia nada sobre distribuição de salas”, que “nada lhe tinha sido comunicado”, que “sempre utilizara aquela sala”, que “a sala dos colectivos era outra” e que “se tinha havido nova distribuição de salas não queria saber”.

«26. O Sr. Dr. ... tentou esclarecer o Sr. Juiz arguido das razões que determinaram a nova distribuição das salas, tendo em conta a reestruturação do mapa judiciário e face ao tipo de trabalho que iria ser desenvolvido pela Instância Central Criminal, tendo, apesar disso, o Sr. Juiz arguido afirmado, mantendo o mesmo tom agressivo “que iria continuar na sala 2 como sempre até aí”.

«27. Desde então e até ao presente o Sr. Dr. AA passou a utilizar a Sala 1 para a realização dos julgamentos por si presididos.

«28. Apesar do referido em 21 a 26 o Sr. Dr. ... não guarda qualquer mágoa ou ressentimento relativamente ao Sr. Dr. AA.

«29. O Sr. Juiz arguido não deu aos funcionários da Secção qualquer instrução específica no sentido da utilização da sala 2 para a realização da diligência processual referida em 21 (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«30. A secretaria afecta ao serviço do Juiz ... da Secção Criminal da Instância Local de ... assumiu que a diligência referida em 21 deveria ser realizada na sala de audiências habitual, isto é a Sala de Audiências n.º 2, tendo para aí encaminhado as pessoas que nela deveriam participar (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«31. Até ser abordado pelo Sr. Dr. BB o Sr. Juiz arguido e os funcionários afectos desconheciam que havia sido decidido que a Sala de Audiências n.º 2 deixaria de estar afecta ao serviço do Juiz ... da Secção Criminal da Instância Local de ... (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«32. A Sra. Dra. ... tomou posse como Juiz ... da 2.ª Secção (...) da Instância Central da Comarca de ... em 1 de Setembro de 2014, não conhecendo ao tempo o Sr. Dr. AA.

«33. O gabinete atribuído à Sra. Dra. ..., situado no Palácio da Justiça de ..., é contíguo ao ocupado pelo Sr. Juiz arguido.

«34. Em data não apurada com rigor da segunda semana do mês de Setembro de 2014 (dias 8 a 12), dirigiram-se ao gabinete daquela senhora Juíza, duas outras magistradas (Drs. ... e ...) tendo-lhe perguntado se sabia onde se encontrava o Sr. Dr. AA (aqui Sr. Juiz arguido).

«35. A Sra. Dra. ... respondeu-lhes que não sabia onde o mesmo se encontrava, tendo, ainda assim, convidado aquelas magistradas a aguardar pelo mesmo no seu (dela) gabinete.

«36. Na altura a Sra. Dra. ... queixou-se que ainda não sabia regular o ar condicionado do gabinete e perguntou-lhes se, como lhe haviam dito, essa regulação estava dependente da do gabinete do lado.

«37. Entretanto, passou pelo corredor o Sr. Juíz ..., Dr. ..., o qual, vendo a porta do gabinete aberta, entrou para cumprimentar a Sra. Dra. ....

«38. Na altura em que o Sr. Dr. ... cumprimentava a Sra. Dra. ..., de pé, junto à secretária da mesma, entrou no gabinete o Sr. Dr. AA, tendo-se dirigido ao mesmo as Srs. Drs. ... e ....

«39. Instantes depois o Sr. Dr. AA começou a mexer no controlo do aparelho do ar condicionado (colocado junto à entrada do gabinete), tendo a Dra. ... presumido que as colegas lhe haviam transmitido as dificuldades por si anteriormente transmitidas quanto à regulação do ar condicionado.

«40. Nessa altura, de forma inusitada, o Sr. Dr. AA, dirigindo-se à Sra. Dra. ..., referiu “estou a baixar a temperatura porque tu és uma brasa”.

«41. A Sra. Dra. ..., de forma a evidenciar o despropósito e incómodo decorrente daquele tipo de abordagem e de atitude, manteve-se séria e nada respondeu.

«42. Após, a Sra. Dra. ..., dirigindo-se ao Sr. Juiz arguido, tratando-o por “Senhor Doutor”, pediu-lhe que a informasse se a regulação do ar condicionado estava dependente do ar condicionado do gabinete dele.

«43. Acto contínuo o Sr. Juiz arguido, pondo a mão em forma de concha atrás do ouvido, caminhando em direcção à Sra. Dra. ..., afirmou em voz alta “Diz?”

«44. A Sra. Dra. ... repetiu-lhe uma vez mais a pergunta, enfatizando o tratamento por “Senhor Doutor”, na esperança de marcar a posição de manter um tratamento formal, ao que o Sr. juiz arguido, aproximando-se ainda mais da Sra. Dra. ..., com a mão no ouvido em forma de concha, repetiu “Diz?”

«45. Com vista a não prolongar a situação, a Sra. Dra. ... voltou a atenção para o Sr. Dr. ..., com vista a evidenciar ao Sr. Juiz arguido que a conversa com ele acabara, após o que o Sr. Dr. AA abandonou o gabinete acompanhado das colegas que tinham ido à sua procura.

«46. Nesse mesmo dia, por volta das 17h., quando a Sra. Dra. ... se dirigia aos elevadores do terceiro piso do Palácio da Justiça de ..., o Sr. Dr. ... (que se encontrava junto das escadas de acesso ao quarto piso), convidou-a para o acompanhar a si e ao Dr. ... e Dra. ... ao café, dizendo que estava ali à espera de ambos para esse efeito, ao que a mesma respondeu negativamente, dizendo que já estava de saída.

«47. Nessa altura, encontrando-se o Sr. Juiz arguido no corredor e tendo ouvido o diálogo acabado de travar, já depois de a Sra. Dra. ... ter entrado no elevador, afirmou “Quem ia ao café com ela era eu”.

«48. A Sra. Dra. ... tomou conhecimento do referido em 47 por o comentário proferido pelo Sr. Juiz arguido lhe ter sido narrada posteriormente pelo Sr. Dr. ....

«49. Nos dias imediatos a Sra. Dra. ... passou a manter trato pessoal com o Sr. Dr. AA circunscrito ao mínimo possível, limitando-se a dar-lhe os bons dias matinais, sem acompanhar esse cumprimento com qualquer gesto ou sorriso, por forma a evitar que tal pudesse dar azo a nova abordagem destoada.

«50. Ainda assim, cerca de 15 dias depois, o Sr. Dr. AA, ao cruzar-se num corredor do Palácio da Justiça de ... com a Sra. Dra. ..., dirigiu-lhe uma vénia ao mesmo tempo que dizia “Senhora Doutora” em tom jocoso.

«51. Devido aos factos referidos em 40 a 44 e 47 a Sra. Dra. ... sentiu-se incomodada e desrespeitada com as atitudes do Sr. Juiz arguido.

«52. Posteriormente, o Sr. Juiz arguido pediu para falar com a Sra. Dra. ... ao que esta acedeu, sendo que, no decurso da conversa travada, após esta ter mostrado o seu desagrado pelos comportamentos referidos em 40 a 44 e 47, o Sr. Juiz arguido pediu-lhe desculpa e disse que se “tinha comportado como um trolha”, que era brincalhão e que não fora por mal.

«53. A Sra. Dra. ... manifestou-lhe que estava disposta a aceitar o pedido de desculpas, esquecer aqueles comportamentos anteriores e a relacionar-se com ele com normalidade, desde que o mesmo entendesse que “a confiança não é coisa que se toma, mas que se dá (ou não) e que ela não lhe tinha dado nem daria para aquele tipo de abordagem”.

«54. Desde então o Sr. Juiz arguido, nos contactos havidos com a Sra. Dra. ..., assumiu um comportamento cordato e educado.

«55. No dia 7 de Abril de 2015, cerca das 14h30, o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., Sr. Juiz ... ..., encontrava-se no 3.º piso do Palácio da Justiça de ... a sair do hall que dá acesso ao seu gabinete, piso esse onde também se situa o gabinete de serviço afecto ao Sr. Juiz arguido (com portas contíguas).

«56. Nessa altura o Sr. Juiz arguido saía também do seu gabinete, com a intenção de se dirigir à casa de banho existente nesse 3.º piso do Palácio da Justiça de ....

«57. O Sr. Juiz Presidente da Comarca de ... ao aperceber-se da presença do Sr. Juiz arguido deu-lhe a saudação “Boas tardes, Dr. AA”.

«58. Após essa saudação, o Sr. Juiz arguido, com pleno conhecimento da pessoa que lha dirigia e que a mesma lhe era dirigida, virando a cara ao Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., não lhe deu qualquer resposta e, em passo apressado, de molde a não permitir qualquer tipo de diálogo com o Sr. Juiz Presidente, prosseguiu o seu caminho em direcção à aludida casa de banho.

«59. O Sr. Juiz Presidente da Comarca, ante esta reacção do Sr. Juiz arguido, aumentando cada vez mais o tom de voz, interpelando-o e caminhando atrás dele, afirmou sucessivamente: “Dr. AA, Dr. AA”, “ Ó Dr. AA, não me responde?”, “Está a ouvir ó Dr. AA?”, Ó Dr. AA, não me cumprimenta, não me responde?”.

«60. Apesar disso o Sr. Juiz arguido, ouvindo as aludidas interpelações que sabia serem-lhe dirigidas, continuou na sua marcha apressada e entrou na casa de banho.

«61. O Sr. Juiz Presidente, procurando encetar diálogo com o Sr. Juiz arguido, entrou também nessa casa de banho.

«62. No interior dessa casa de banho o Sr. Juiz arguido entrou num dos cubículos (sanitários) aí existentes, tendo procurado encostar a porta.

«63. Nessa altura o Sr. Juiz Presidente disse ao Sr. Juiz arguido que entendia a sua (dele, arguido) conduta como inadmissível e que tinham que manter uma relação funcional de acordo com as funções que cada um desempenhava, sendo que, em simultâneo, com a mão, impediu que o Sr. Juiz arguido encostasse por completo a porta do cubículo onde se encontrava.

«64. Foi então que o Sr. Juiz arguido respondeu ao Sr. Juiz Presidente que não era cínico e afirmou “nem na casa de banho posso estar em paz”, após o que o Sr. Juiz Presidente se retirou da casa de banho.

«65. O Sr. Juiz Presidente da Comarca de ... sentiu-se muito perturbado com este comportamento do Sr. Juiz arguido, designadamente por ter ocorrido num espaço público do tribunal, na presença de pelo menos uma outra pessoa, e por entender terem sido colocados em causa o respeito e a consideração devidas ao cargo que desempenha por parte de um Juiz em exercício de funções na Comarca de ... por si presidida.

«66. Na altura em que ocorreram os factos descritos em 55 a 64 o Sr. Juiz Presidente não tinha qualquer assunto de serviço para tratar com ele.

«67. No tocante aos factos referidos em 24 a 26 o Sr. Juiz arguido agiu de forma livre e consciente, respondendo em tom agressivo ao comentário do Sr. Dr. ..., com a intenção de marcar a sua intenção quanto àquela que seria a melhor solução quanto à afectação das salas de audiência (Sala 2 destinada à realização dos julgamentos da Secção ... da Instância Local), e que com o seu comportamento desrespeitoso colocava em causa a existência de um relacionamento profissional saudável com esse colega.

«68. Sabia que tal comportamento constituía infracção disciplinar.

«69. No tocante aos factos sob os números 40 a 44 e 47, o Sr. Juiz arguido agiu deliberada livre e conscientemente, efectuando comentários e tendo posturas de cariz brejeiro e insinuativo, bem sabendo que as mesmas eram de molde a ofender a dignidade e consideração pessoal da Sra. Dra. ..., como efectivamente ofenderam.

«70. Sabia que tais comportamentos constituíam infracção disciplinar.

«71. No tocante aos factos constantes dos números 55 a 64 o Sr. Juiz arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, não retribuindo o cumprimento e afastando-se em passo apressado com a intenção de se furtar ao diálogo com o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., bem sabendo que tais comportamentos constituíam infracção disciplinar.

«72. O Sr. Juiz arguido actuou da forma descrita por se sentir injustiçado ante anteriores participações e comunicações efectuadas pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de ... e constantes dos autos a fls. 3 a 6 e 39 a 42.

«73. O Sr. Juiz arguido é uma pessoa de feitio extrovertido (parte do facto alegado sob o n.º IV, 6 da defesa).

«74. Não há conhecimento de que o arguido em data anterior aos factos sob(re) apreciação nos autos tenha adoptado nas relações com os colegas, com magistrados, advogados, funcionários e demais cidadãos atitudes desrespeitosas para com eles ou que pusessem em causa a elevada dignidade da função que exerce (parte do facto alegado sob o n.º IV, 6 da defesa).

«75. Não há conhecimento de que o arguido em data anterior aos factos sob(re) apreciação nos autos tenha sido confrontado com qualquer participação disciplinar relativa ao seu comportamento no âmbito do exercício das suas funções (parte do facto alegado sob o n.º IV, 6 da defesa).

«76. O Sr. Juiz arguido tem elevadas qualidades humanas para o exercício da judicatura – dedicação à função, idoneidade cívica, independência, isenção, elevada dignidade de conduta, bom relacionamento com os operadores judiciários, serenidade e reserva no exercício da função, compreensão do meio e bom sentido de justiça, qualidades que lhe permitiram conquistar – em elevado grau – o respeito e a confiança da generalidade dos operadores judiciários;

«77. É assíduo, pontual e extremamente empenhado no trabalho, revelando uma produtividade elevada e superior à média.

«78. Trata-se de um juiz dotado de uma boa, completa e muito abrangente preparação técnico-jurídica, o que, aliado a uma personalidade dinâmica, madura e sensata, lhe permite gerir adequadamente a marcha processual, encontrar as soluções mais acertadas e adoptar um discurso jurídico bem estruturado e fundamentado.»

3.2. Foram dados como não provados os seguintes factos:

«b) Factos com interesse para a decisão que se consideram como não provados:

            «Da acusação:

«Que aquando dos factos referidos em 25 o Sr. Juiz arguido tivesse respondido ao Sr. Dr. ... em voz alta.

            «Da defesa (fls. 190 a 194):

            «i. Que o Sr. Juiz arguido, no tocante à diligência referida em 21, tivesse assumido que deveria ter lugar na sala 2 por não ter recebido, tal como a Secretaria, qualquer informação sobre os termos em que essa sala ia passar a ser usada a partir de Setembro de 2014 (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«ii. Que o Sr. Juiz arguido tivesse encarado com surpresa a abordagem do Sr. Dr. BB (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«iii. Que o Sr. Dr. BB se tenha dirigido ao Sr. Juiz arguido de um modo ríspido e desafiante, sem qualquer expressão facial ou jeito de falar que pudesse indiciar tom jocoso (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«iv. Que o Sr. Juiz arguido tivesse respondido ao Dr. BB nos termos em que o fez sentindo-se desconsiderado por tão inopinada tirada (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«v. Que o Sr. Juiz arguido tenha respondido ao Dr. BB em termos diferentes dos constantes do facto provado sob o n.º 25 (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«vi. Que o Dr. BB, em voz alta, tenha referido ao Sr. Juiz arguido “estava muito enganado se pensava que ele ia passar o dia enfiado numa sala que parecia um caixão” (parte do alegado sob o n.º II, 2.2 da defesa).

«vii. Que não seja verdade que o Sr. Juiz arguido tenha dito à Sra. Dra. ... “estou a baixar a temperatura porque tu és uma brasa” e se tenha limitado a gracejar, dizendo qualquer coisa como “é das brasas que aqui estão”, como uma simples brincadeira, dita em tom descontraído, sem qualquer consciência ou intenção de ofender ou faltar ao respeito fosse a quem fosse (parte do facto alegado sob o n.º III, 4 da defesa).

«viii. Que o Sr. Juiz arguido não tenha dirigido o comentário especificamente à Sra. Dra. ... e não tenha adoptado uma postura insinuante (parte do facto alegado sob o n.º III, 4 da defesa).

«ix. Que o Sr. Juiz arguido não tivesse afirmado “quem ia ao café com ela era eu” logo depois de a Sra. Dra. ... ter entrado num elevador junto ao local onde ele se encontrava (parte do facto alegado sob o n.º III, 5 da defesa).

«x. Que o Sr. Juiz arguido não tivesse qualquer intuito de desrespeitar ou manifestar despeito em relação à Sra. Dra. ..., tratando-se somente de saudação com que o Sr. Juiz arguido, de quando em vez, brinda os colegas com quem se cruza (parte do facto alegado sob o n.º III, 5 da defesa).

«xi. Que o Sr. Juiz arguido não tivesse admitido à Sra. Dra. ... que se “tinha comportado como um trolha” ou outra afirmação no mesmo sentido (parte do facto alegado sob o n.º III, 5 da defesa).

«Da defesa à acusação complementar (fls. 325 a 331)

«xii. Que ao passar pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca, quando saído do seu gabinete, o Sr. Juiz arguido, em termos pouco efusivos, o tenha cumprimentado dizendo “Boa tarde” (alegado em 6 e 8).

«xiii. Que o Sr. Juiz Presidente tenha “respondido” à saudação que, em primeiro lugar, o arguido lhe fizera (alegado em 9).

«xiv. Que o Sr. Juiz Presidente tenha entrado de rompante no cubículo onde o Sr. Juiz arguido se encontrava (alegado em 12).

«xv. Que aquando do referido em 63 dos factos provados o Sr. Juiz Presidente se tivesse dirigido ao Sr. Juiz arguido em tom alto e exaltado (alegado em 13).

«xvi. Que o Sr. Juiz arguido se tivesse limitado a virar ligeiramente a cabeça em direcção ao Sr. Juiz Presidente (alegado em 15).

«xvii. Que um par de semanas antes de 7 de Abril de 2015 o Sr. Juiz Presidente tenha apodado o Juiz arguido de “garoto” numa conversa que teve com outros magistrados, incluindo uma magistrada que sabia ser amiga do Juiz arguido, a Dra. ..., com a plena consciência de que esta não deixaria de partilhar com o Juiz arguido essa referência, e com o propósito provocatório para com o Juiz arguido (factos 27 e 28).»

            3.3. A motivação da decisão de facto é a seguinte:

«A decisão quanto à matéria de facto, provada e não provada, assentou na apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção firmada onde influiu também a experiência do Instrutor enquanto Juíz ... e enquanto cidadão.

«Assim, em concretização, a motivação do Instrutor quanto aos factos provados, assentou:    

«- no registo biográfico de fls. 15 a 19-R e 75 (factos 1 a 13);

«- nos documentos de fls. 3 a 9 e 26 a 30 (comunicações efectuadas entre o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ... e o Sr. Juiz arguido e que permitem compreender o contexto em que surgiram os factos relacionados com o “incidente” ocorrido  entre o Sr. Juiz arguido e o Sr. Dr. ...);

«- no relatório de inspecção junto a fls. 268 a 313 (factos 76 a 78);

«- nos depoimentos que se me afiguraram sérios e isentos prestados por:

«Sr. Juiz Desembargador Dr. ..., o qual esclareceu as circunstâncias em que se procedeu à distribuição das salas de audiência no Palácio da Justiça de ... e renovou o referido nas comunicações que efectuou ao CSM. Quanto à matéria constante da acusação complementar, relatou, com notória sinceridade (não escondendo os seus comportamentos que eventualmente se apresentem como “embaraçosos”, tais como “perseguir” o Juiz arguido até ao cubículo da casa de banho e o não permitir que fechasse a porta desse cubículo), relatou os termos em que os factos ocorreram, justificou a razão de ter insistido na obtenção de uma explicação para a falta de cumprimento pelo Sr. Juiz arguido e evidenciou a perturbação que o comportamento deste lhe causou (fls. 32 a 37 e 350 a 353).

«Sra. Juíza ..., Dra. ..., a qual, em termos rigorosos e impressivos, relatou de forma muito convicta e fundamentada as circunstâncias em que conheceu o Sr. Juiz arguido, e os comportamentos e posturas por este assumidos para consigo e os desenvolvimentos posteriores. No tocante à acusação complementar, encontrando-se no seu gabinete na altura dos factos, narrou ter ouvido os termos em como o Sr. Juiz Presidente procurava obter uma resposta/cumprimento do Sr. Juiz arguido e constatou posteriormente o estado de perturbação em que o Sr. Juiz Presidente se encontrava (fls. 43 a 48 e 257 a 259).

«Sr. Juíz ... Dr. ..., o qual relatou com pormenor e grande convicção o incidente ocorrido com o Sr. juiz arguido na altura em que o mesmo se dirigiu a ele em tom de brincadeira a propósito da ocupação da sala de audiências (fls. 49 a 51).

«Sr. Juíz ... Dr. ..., o qual, encontrando-se presente, relatou os comentários proferidos e posturas assumidas pelo Sr. Juiz arguido relativamente à Sra. Dra. ... (fls. 95 e 96).

«Sr. Escrivão de Direito ..., o qual, tendo funções de chefia no serviço respectivo, confirmou a inexistência até à presente data de qualquer comunicação formal quanto à afectação de sala para o serviço do ... da Secção Criminal da Instância Local de ... (fls. 204 a 206);

«Sra. Escrivã Auxiliar ..., de cujo depoimento resulta ter sido ela a preparar a sala para efeito da realização da diligência referida em 21 (o que fez convencida que a sala em causa continuava a ser a destinada aos actos presididos pelo Sr. Juiz aqui arguido) e bem assim relatou que o Sr. Juiz arguido determinou no dia 4 de Setembro de 2014 (obviamente depois de ter ocorrido o incidente com o Dr. BB) que doravante as diligências do ... passavam a ser realizadas na sala 2 (fls. 207 a 209).

«Sra. Juíz ... ..., a qual, encontrando-se no gabinete da Sra. Dra. ... aquando dos factos, confirmou parte dos que a esse propósito constavam da acusação (“diga?”, aproximação com a mão em forma de concha, “diz”) e bem assim os relativos ao pedido de desculpas por parte do Sr. Juiz arguido (fls. 213 a 215).

«Sr. ..., o qual encontrando-se na ocasião no corredor do Palácio da Justiça de ..., presenciou o Sr. Dr. ... a interpelar o Sr. Juiz arguido, ambos a entrar na casa de banho e posteriormente o Sr. Juiz arguido a afirmar “nem na casa de banho me deixa em paz” (fls. 254 a 256).

«Sra. Juíz ... Dra. ... e Sra. Procuradora da República Dra...., as quais, por se tratarem de pessoas com relacionamento profissional e de amizade com o Sr. Juiz arguido, traçaram as respectivas características e qualidades pessoais em termos concordantes com o que resultou provado a esse propósito (fls. 213 a 218).

«Nas declarações prestadas pelo Sr. Juiz arguido onde, para além do esclarecimento quanto ao contexto das comunicações trocadas com o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., admitiu parcialmente os incidentes havidos com os Sra. Dra. BB, ... e ....

«Já quanto aos factos não provados, essa convicção decorreu da inexistência de prova que, com a suficiente robustez, os permitisse ter por adquiridos, valendo, no essencial, a este propósito, as circunstâncias de:

 «- tal como o Sr. Juiz arguido sustentou, não resultar do depoimento do Sr. Dr. BB, que o Sr. Juiz arguido lhe tivesse respondido em voz alta;

            «- a total inexistência de prova quanto ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto aos termos em que decorreu, quer o demais relativo ao incidente com o Dr. BB, quer o relativo ao incidente com a Sra. Dra. ...;

  «- a inexistência de prova quanto ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto à forma como decorreu o incidente com o Sr. Dr. ... no dia 07 de Abril de 2015 (que divirja do dado como provado e que decorre do que acima se referiu), sempre se acrescentando a manifesta falta de apoio quanto à existência de um cumprimento prévio, pois que, não apenas o campo de visão do Dr. ... lhe teria permitido constatar esse cumprimento, como, se tal tivesse ocorrido, não teria o Sr. Juiz arguido deixado de interromper a marcha e dizer ao Sr. Juiz Presidente que já lhe tinha dado as boas tardes.

  «- quanto ao alegado apodar de “garoto” pelo Sr. Dr. ... ao Sr. Juiz arguido, na inexistência de outra prova que não os depoimentos dos intervenientes (em que um o afirma e o outro o nega peremptoriamente), não havendo que conferir qualquer peso acrescido a qualquer um desses depoimentos  (ambos efectuados em termos muito convictos e por pessoas merecedoras de credibilidade, desde logo face às funções que desempenham),  não foi o Instrutor capaz de superar esse sentido contraditório, o que determinou a sua inclusão nos factos não provados e bem assim dos que com o mesmo estavam relacionados.»

4. Questão prévia – prescrição das infracções disciplinares

            4.1. Alega o recorrente que as três infracções disciplinares que lhe foram imputadas prescreveram nos termos do artigo 178.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LGTFP][9], dado que decorreu um ano a contar da sua prática (cometidas, uma em 04/09/2014, outra entre o dia 08 e o dia 12/09/2014 e a terceira em 07/04/2015) e não ocorreu causa de suspensão por 6 meses daquele prazo (por não se terem verificado os requisitos cumulativos a que aludem os n.os 3 e 4 daquele artigo 178.º. 

            O Ministério Público, com os fundamentos já referidos, conclui pela prescrição das infracções disciplinares ocorridas em 04/09/2014 e entre 08 e 12/09/2014, mas que a infracção ocorrida em 07/04/2015 não se encontra prescrita.

            O CSM, pelo contrário, sustenta que nenhuma das infracções imputadas está prescritas, considerando que o procedimento disciplinar, relativamente às infracções disciplinares praticadas em 04/09/2014 e entre 08 e 12/09/2014, se iniciou em 28/04/2015 com a deliberação do CSM que decidiu converter o inquérito em processo disciplinar (e, nessa medida, ainda não tinha decorrido um ano sobre a sua prática), e que, relativamente à infracção disciplinar praticada em 07/04/2015 o procedimento disciplinar se iniciou em 26/05/2015, data em que o conselho permanente do CSM iniciou o procedimento disciplinar (pelo que também ainda não tinha decorrido um ano).

            4.2. O processo disciplinar relativo aos juízes rege-se pelo EMJ que não contempla qualquer norma relativa à prescrição do procedimento disciplinar. Por isso, de acordo com o disposto no artigo 131.º desse mesmo diploma, há que aplicar subsidiariamente as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, do Código Penal, bem como do Código de Processo Penal, e diplomas complementares.

  O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, foi revogado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas [EDTEFP], aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro.

            Por sua vez, a Lei n.º 58/2008 foi revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LGTFP], a qual entrou em vigor em 1 de Agosto de 2014 e se aplica, no caso (artigo 11.º).

            Face à factualidade dada como assente, concluiu-se que as imputadas infracções disciplinares terão sido praticadas em 04/09/2014 (a relativa ao Sr. Juiz ...), entre 08 e 12/09/2014 (a relativa à Sr.ª Juíza CC) e 07/04/2015 (a relativa ao Sr. Juiz Presidente da Comarca de ...). Assim, à data da prática de todos os factos imputados encontrava-se já em vigor a LGTFP e, nessa medida, aplicam-se as disposições constantes nesta lei, relativas à prescrição – artigo 178.º da LGTFP.

Dispõe o artigo 178.º da LGTFP sob a epígrafe «Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar»:

«1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.

«2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.

«3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável.

«4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente:

«a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

«b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente;

«c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

«5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.

«6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

«7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.»

4.3. O n.º 1 do artigo 178.º prevê a prescrição da própria infracção disciplinar no prazo de um ano a contar da respectiva prática. Praticado o ilícito disciplinar, seja ele conhecido ou não do superior hierárquico, decorrido um ano sobre a sua prática, sem ter sido instaurado o competente procedimento disciplinar, já não mais pode ser perseguida a infracção cometida pelo trabalhador público.

O n.º 2 do mesmo artigo prevê a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar. O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico.

A administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, goza do prazo de 60 dias, contados nos termos do artigo 87.º Código de Procedimento Administrativo [CPA][10], por força da remissão operada pelo artigo 2.º da Lei n.º 58/2008) para, dentro do prazo de um ano a que se refere o n.º 1 do artigo 178.º, instaurar o respectivo procedimento disciplinar.

Os prazos dos n.os 1 e 2 respeitam a realidades distintas: o prazo de 60 dias para instaurar o procedimento disciplinar do n.º 2 define o período de tempo de exercício possível da acção disciplinar, a partir do conhecimento da infracção, por parte do detentor do respectivo poder; o prazo de um ano, do n.º 1, refere-se à possibilidade de perseguir disciplinarmente a infracção, independentemente do momento em que dela teve conhecimento a hierarquia competente.

4.4. Procedendo-se às adaptações do regime legal vindo de citar que são exigidas pela especificidade do contexto funcional da magistratura judicial – do qual resulta, designadamente, que os juízes não estão sujeitos a qualquer superior hierárquico e que é ao CSM que legalmente incumbe o exercício da acção disciplinar relativamente àqueles (artigo 111.º e alínea a) do artigo 149.º do EMJ) –, tem sido entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a menção ao «conhecimento do superior hierárquico» deve ser entendida por referência a esse órgão[11].

Ora, como se sabe, o CSM funciona em plenário e em conselho permanente (n.º 1 do artigo 150.º do EMJ). Ao primeiro, compete o exercício da acção disciplinar respeitantes a juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações (al. a) do artigo 149.º e alínea a) do artigo 151.º do mesmo diploma). Ao segundo, como deriva directamente do estatuído no n.º 1 do artigo 152.º daquele diploma, incumbe o desempenho dessa competência relativamente aos juízes de direito.

Assim, o prazo de 60 dias apenas se pode contar a partir do momento em que o conselho permanente, por intermédio de deliberação (o que, naturalmente, pressupõe a inscrição na respectiva ordem de trabalhos – cfr. n.º 1 do artigo 26.º do CPA –[12]), aprecie a factualidade com potencial ressonância disciplinar.

Com efeito, só tem sentido e cabimento sancionar a inacção do CSM se a infracção foi conhecida pelo órgão a quem, internamente, compete instaurar a respectiva acção disciplinar.

Se assim não fosse, relevar-se-ia a inércia do CSM como se fosse um todo indivisível, o que não é compaginável com as citadas disposições estatuárias de repartição interna da competência (o que até seria de somenos importância), mas também, e sobretudo, com o interesse público que subjaz ao exercício do poder disciplinar.

Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/05/2013, proferido no processo n.º 47/12.4YFLSB, segundo o qual: “VIII. A competência para instaurar procedimento disciplinar aos Juízes assiste ao CSM (art. 149.º, al. a), do EMJ), o qual funciona em Plenário e em Conselho Permanente, estando as competências de cada um destes órgãos previstas, respectivamente, nos arts. 150.º, n.º 1, 151.º e 152.º, do EMJ, não estando prevista a competência do seu Vice-Presidente para instaurar procedimento disciplinar. IX - Não tendo tal competência, nem sendo superior hierárquico da recorrente, a tomada de conhecimento da participação não marca o início do prazo para instaurar o procedimento disciplinar. Deste modo, quando foi determinada a instauração de processo disciplinar, pelo órgão com competência para tanto (Conselho Permanente do CSM), foi respeitado o prazo a que alude o art. 6.º, n.º 2, do EDTFP, aplicável ex vi art. 131.º do EMJ, não ocorrendo a prescrição do procedimento disciplinar. X - Apenas quando o Conselho Permanente ou o Plenário tomam conhecimento dos factos se pode afirmar que o CSM tomou conhecimento dos mesmos, por ser em tais órgãos que repousa a competência para decidir em matéria disciplinar, não sendo de aplicar, pelas características próprias do funcionamento do CSM e inexistência de hierarquia no seio da magistratura judicial, a previsão da caducidade do direito de punir”.

4.5. Resulta da factualidade assente que no conselho permanente, de 28 de Abril de 2015, relativamente às infracções praticadas em 04/09/2014 e entre 08 e 12-09-2014, foi determinada a conversão do processo de inquérito (2014-464/IN) em processo disciplinar, que veio a receber o n.º 2015-140/PD.

Também relativamente à infracção disciplinar praticada em 07/04/2015, resulta da factualidade assente que no conselho permanente de 26/05/2015 foi determinada a instauração de processo disciplinar quanto a estes factos, procedendo-se a um alargamento do objecto do processo disciplinar n.º 2015-140/PD.

Assim sendo, quando o conselho permanente decidiu instaurar o procedimento disciplinar relativamente às três infracções – 28/04/2015 e 26/05/2015 - e tendo em conta as datas da prática das infracções (04/09/2014, entre 8 e 12/09/2014 e 07/04/2015), ainda não tinha decorrido um ano sobre a prática dos aludidos factos.

4.6. Como resulta da deliberação de 21/10/2014, o conselho permanente do CSM apreciou a participação apresentada pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., na qual constava a indicação de factos ocorridos em 04/09/2014 e entre 08 e 12/09/2014, e, nessa oportunidade, determinou a instauração de um processo de inquérito (ao qual foi atribuído o n.º 2014-464/IN).

Por outro lado, como resulta da deliberação de 26/05/2015, o conselho permanente do CSM apreciou a participação apresentada pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., na qual constava a indicação dos factos ocorridos em 07/04/2015, e, nessa oportunidade, determinou a instauração de processo disciplinar (alargando o objecto do processo disciplinar já existente).

Como decore do antes exposto, é de considerar que só com o conhecimento por banda do conselho permanente do CSM dos factos participados se iniciou o prazo previsto no n.º 2 do artigo 178.º, pois só então o órgão interno do CSM, com competência em matéria disciplinar relativamente aos juízes de 1.ª Instância, tomou contacto com os factos em causa.

            Assim, nos termos e para os efeitos do artigo 178.º, n.º 2, da LGTFP, o conhecimento das infracções por parte do CSM ocorreu em 21/10/2014 (relativamente aos factos praticados em 04/09/2014 e entre 08 e 12-09-2014) e em 26/05/2015 (relativamente aos factos praticados em 07-04-2015).

            A contar das aludidas datas, dispôs o conselho permanente do CSM de 60 dias para instaurar procedimento disciplinar.

            4.7. Prazo esse que foi observado quanto à imputada infracção disciplinar ocorrida em 07/04/2015.

Quanto às imputadas infracções disciplinares ocorridas em 04/09/2014 e entre 8 e 12-09-2014, já não é assim.

            Como resulta dos factos assentes, na deliberação do conselho permanente de 28/04/2015 foi decidido converter o processo de inquérito em processo disciplinar e deliberado que o processo de inquérito passasse a constituir a parte instrutória do processo disciplinar. De acordo com o artigo 135.º, n.º 2, do EMJ, a notificação ao arguido da deliberação do CSM fixa o início do procedimento disciplinar. A notificação ao arguido da deliberação do CSM ocorreu em 04/05/2015, pelo que nessa data se fixou o início do procedimento disciplinar.

            Verifica-se, pois, que entre o conhecimento da infracção (21/10/2014) e a instauração do procedimento disciplinar (28/04/2015) foi largamente excedido o prazo de 60 dias

            4.8. Impondo-se, agora, analisar se esse prazo foi suspenso.

De acordo com o n.º 3 do artigo 178.º da LGTFP suspendem, designadamente, o prazo prescricional de 60 dias (previsto no n.º 2 do mesmo artigo), por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando, em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável.

            Mas essa suspensão (de 6 meses) só opera se, cumulativamente, conforme n.º 4 do mesmo artigo:

            a) Os processos referidos no n.º 3 tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

            b) O processo disciplinar subsequente a estes mesmos processos tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à sua recepção, para decisão, pela entidade competente para o efeito;

c) E, finalmente, se à data da instauração destes processos e procedimento, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar (os referidos prazos de 1 ano ou de 60 dias).

Analisemos o caso em apreço.

 4.8.1. O conselho permanente do CSM decidiu, em 21/10/2014, instaurar processo de inquérito relativamente aos factos participados ocorridos no dia 04/09/2014 e entre o dia 08 e o dia 12/09/2014.

            O conselho permanente do CSM decidiu instaurar processo de inquérito ao recorrente, no próprio dia em que teve conhecimento da suspeita da prática dos factos disciplinarmente puníveis uma vez que decidiu instaurar processo de inquérito no próprio dia em que apreciou o expediente remetido pelo Exmo. Juiz Presidente da Comarca de ....

Encontra-se, assim, preenchido o requisito da alínea a) do n.º 4 do artigo 178.º da LGTFP.

            4.8.2. Terminada a instrução do inquérito, foi elaborado relatório, nos termos do134.º do EMJ, no qual o Sr. Inspector propôs: “A ponderação pelo CSM da possibilidade de, independentemente de processo, ser aplicada ao Sr. Juiz visado a sanção de advertência nos termos do art. 85.º, n.º 4, do EMJ, pela violação, em concurso de infracções (2), dos deveres de correcção previstos nos artºs. 82.º do EMJ e 73.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e art. 10.º da LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20-06), na pessoa dos Srs. Juízes de direito Drs. ... e ...; Ou caso assim não se entenda, a instauração de procedimento disciplinar contra o Sr. Juiz visado pela violação em concurso de infracções (2), dos deveres de correcção previstos nos artºs. 82.º do EMJ e 73.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e art. 10.º da LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20-06), na pessoa dos Srs. Juízes de direito Drs. ... e ...”.

            Por deliberação do conselho permanente, de 13/01/2015, foi decidido:

 «Apreciado o teor da proposta apresentada pelo Exmo. Sr. Inspector judicial, Juiz Desembargador Dr. ..., foi deliberado por unanimidade concordar com o teor da mesma, que aqui se dá por reproduzida e nos termos previstos no n.º 1, al. a), do art. 85.º do EMJ, pode vir a ser aplicada a pena de “Advertência registada”, determinando-se em conformidade a notificação do Exmo. Juiz, nos termos do art. 85.º, n.º 4 do EMJ, para que o mesmo se pronuncie sobre a pena ora proposta no prazo de 10 dias, sendo a sanção homologada em caso de não oposição ou de silêncio em pronunciar-se”.

            O arguido deduziu oposição aos factos e à pena de advertência registada que lhe poderia vir a ser aplicada.

Após esta oposição, recebida no CSM em 12/02/2015, o conselho permanente do CSM deliberou, em 28/04/2015, converter o processo de inquérito em processo disciplinar, considerando o processo de inquérito a parte instrutória do processo disciplinar, nos termos do artigo 135.º, n.º 1, do EMJ, sendo que é a notificação ao arguido dessa deliberação que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 135.º, fixa o início do procedimento disciplinar.

            Verifica-se, pois, que o conselho permanente do CSM apreciou o relatório do processo de inquérito que mandara instaurar, em 13/01/2015, e só em 28/04/2015 deliberou instaurar o procedimento disciplinar subsequente, ou seja, muito depois de decorridos os 30 dias seguintes à recepção do inquérito.

            Não se preenche, pois, o requisito da alínea b) do n.º 4 do artigo 178.º da LGTFP.

            4.8.3. Neste ponto, poderá colocar-se a questão de saber se a utilização do procedimento previsto no artigo 85.º, n.º 4, do EMJ é equiparável à instauração do procedimento disciplinar subsequente, nos termos e para os efeitos do artigo 178.º, n.º 4, alínea b), da LGTFP.

            A resposta, em nosso entender, é negativa.

            Conforme, expressamente, estatui o n.º 4 do artigo 85.º, n.º 4, do EMJ (à semelhança do artigo 194.º, n.º 2, da LGTFP) a pena disciplinar de advertência é aplicada independentemente de processo[13], desde que com audiência e possibilidade de defesa do arguido.

  O n.º 4 do artigo 85.º consagra, assim, um procedimento simplificado – que apenas exige a audição do arguido e a possibilidade de defesa – e prescinde do “processo disciplinar”.

            Entendimento este que sai reforçado pela norma do n.º 2 do 110.º do EMJ, segundo a qual, «Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 85.º, o processo disciplinar é sempre escrito e não depende de formalidades, salvo a audiência com possibilidade de defesa do arguido».

Na mesma linha se escreveu no acórdão desta secção do contencioso, de 20/10/2005 (processo n.º 1160/05): «I - A adopção do procedimento sumário consentido pelo art. 85.º, n.º 4, do EMJ dispensa o processo disciplinar a que aludem os arts. 110.º e ss. do mesmo Estatuto, não havendo, pois, lugar à nomeação de inspector judicial perante o qual o arguido possa apresentar a sua defesa».

Do texto destas normas do EMJ, concluímos, pois, que o procedimento adoptado nos termos do artigo 85.º, n.º 4, não obriga a instauração de um processo disciplinar, não tem que ser escrito, e apenas exige que ao arguido seja dada a possibilidade de se pronunciar e exercer a sua defesa, no prazo que lhe for fixado, relativamente os factos concretos que lhe são imputados (por isso, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 85.º, é notificado ao arguido o relatório do inspector judicial) e à pena de advertência que, por eles, lhe poderá ser aplicada não conforma um processo disciplinar.

Conforme referem Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar[14] «(…) se a intenção do serviço com responsabilidades disciplinares sobre o trabalhador for apenas a de lhe aplicar uma mera apreensão escrita, não terá de observar as regras e o formalismo dos arts. 195.º e segs., podendo apenas adoptar um procedimento simplificado, que terá que assegurar a audição oral do trabalhador, dando-lhe a conhecer concretamente do que está e por que está a ser acusado, e possibilitar que se defenda por qualquer meio permitido à face do direito, requerendo as provas que tiver por convenientes e forem legalmente permitidas, sendo certo que esta defesa será igualmente efectuada de forma oral, excepto se solicitar a apresentação da defesa por escrito e em cinco dias».

            Deduzida oposição, o CSM das duas uma.

Ou mantém aquele procedimento simplificado, ouvindo a prova apresentada pelo arguido em sua defesa e tomando uma deliberação final sobre a infracção imputada e a pena.

            Ou decide, em face da oposição deduzida, então sim, pela instauração de um processo disciplinar.

            Esta última, foi a opção assumida, no caso.

            O CSM, face à oposição deduzida pelo arguido, determinou a conversão do inquérito em processo disciplinar nos termos do artigo 135.º do EMJ.

            A deliberação de 28/04/2015, de conversão do inquérito em processo disciplinar, passando a constituir o processo de inquérito a parte instrutória do processo disciplinar, apresenta-se como a mais evidente demonstração de que tudo o que se passou desde a recepção do inquérito até essa deliberação não integra o processo disciplinar.

            4.9. Assim, e em suma, à data em que foi instaurado o procedimento disciplinar relativamente às imputadas infracções disciplinares cometidas em 04/09/2014 – na pessoa do Sr. Juiz BB – e entre o dia 8 e o dia 12 de Setembro de 2014 – na pessoa da Sr.ª Juíza ... –, já se encontrava prescrito o direito de o instaurar, nos termos do artigo 178.º, n.º 2, da LGTFP.

            A implicar, nessa parte, a anulação da deliberação impugnada.

Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CPA, «são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção».

Podendo-se afirmar que a violação de lei “é o vício de que enferma o acto administrativo, cujo objecto, incluindo os respectivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar”[15].

Ao não conhecer e declarar a prescrição do procedimento disciplinar, quanto aos factos referidos, a deliberação impugnada não respeitou a estatuição do n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP, incorrendo, pois, em vício de violação de lei, o que determina, nesse segmento, a sua anulabilidade (n.º 1 do artigo 163.º do CPA).

5. Apreciação de mérito – nulidade da deliberação recorrida

O objecto do recurso contencioso de anulação fica, por conseguinte, limitado aos vícios apontados pelo recorrente à deliberação do plenário do CSM, na parte relativa à imputada infracção disciplinar por violação do dever de correcção, cometida na pessoa do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., em 07/04/2015.

Devendo, antes de mais, deixar-se claro que o objecto do recurso é a deliberação recorrida – a deliberação do plenário – dada a insistência do recorrente em retomar, nesta sede, os termos em que procedeu à impugnação da deliberação do conselho permanente, desconsiderando, afinal, em substancial medida, a deliberação de que recorre.

            Sendo o objecto de recurso a deliberação do conselho plenário do CSM mal se compreende que o recorrente insista em trazer à colação o relatório do Inspector e a deliberação do conselho permanente quando ao Supremo Tribunal de Justiça apenas cabe apreciar das eventuais nulidades ou da anulabilidade de que a deliberação do plenário enferme.

5.1. Violação do direito de audiência, de defesa e do contraditório

Na reclamação da deliberação do conselho permanente, o recorrente apontou a esta incorrer em violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e do contraditório.

5.1.1. Também, então, como agora, sustentando:

i) que foram dados como não provados pelo Sr. Juiz Desembargador Instrutor todos os factos carreados para os autos pela defesa relativamente aos três incidentes que motivaram a sua responsabilização disciplinar, com fundamento em pretensa inexistência de prova que permitisse sustentar tais factos e não por se ter entendido que, uma vez apreciada, tal prova não seria idónea a evidenciar os factos sustentados pela defesa;

ii)  que prestou declarações sobre todos os pontos das acusações que lhe foram dirigidas, e bem assim sobre cada um dos pontos que compõem as suas defesas, mas que o Sr. Instrutor (e, consequentemente, a deliberação reclamada) desconsiderou as suas declarações de arguido enquanto/como meio de prova (não por via de um juízo valorativo que, apreciando tais declarações, tenha concluído pela sua inverosimilhança ou falta de credibilidade, mas firmado na premissa de que as declarações do arguido não valem como meio de prova), numa actuação totalmente desconforme aos princípios e critérios aplicáveis à admissibilidade e à valoração da prova, assim violando os seus direitos de audiência, de defesa e de contraditório.

5.1.2. Neste âmbito, a deliberação do plenário é do seguinte teor:

«(…)

 «Não parece que assista razão ao reclamante.

«Como bem afirma, as declarações prestadas pelo arguido no âmbito de procedimento disciplinar contra si instaurado (que dão corpo, entre o mais, aos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório de que é titular no processo disciplinar) constituem um meio de prova, a ser considerado na valoração conjunta do acervo probatório. E também se concorda com a afirmação do reclamante no sentido de que tais declarações não fazem prova plena da versão dos factos que sustentem, encontrando-se sujeitas ao princípio geral da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP aplicável “ex vi” do art. 131.º do EMJ).

«Discorda-se, porém, da alegada desconsideração a que tais declarações teriam sido votadas por parte do Exm.º Sr. Instrutor e, subsequentemente, pela deliberação reclamada.

«A leitura do relatório final (a que aderiu, in totum, a deliberação reclamada) permite chegar, facilmente, à conclusão diametralmente oposta.

«Naquele documento enuncia-se, desde logo, a versão do arguido relativamente aos três incidentes que deram origem ao procedimento disciplinar, referindo-se expressamente que se procedeu “(…) à tomada de declarações ao Sr. Juiz arguido, quer quanto aos factos relativos ao processo disciplinar originariamente instaurado, quer quanto objecto do alargamento (…)”.

«Depois, na motivação da decisão de facto, consta do mesmo documento que “(…) A decisão quanto à matéria de facto, provada e não provada, assentou na apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção firmada onde influiu também a experiência do Instrutor enquanto Juíz ... e enquanto cidadão. (…) Assim, em concretização, a motivação do Instrutor quanto aos factos provados, assentou: (…) Nas declarações prestadas pelo Sr. Juiz arguido onde, para além do esclarecimento quanto ao contexto das comunicações trocadas com o Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., admitiu parcialmente os incidentes havidos com os Sra. Dra. BB, .... (…)”.

«Ainda na motivação da matéria de facto, agora referente à factualidade considerada não provada, pode ler-se na mesma peça processual: “(…) Já quanto aos factos não provados, essa convicção decorreu da  inexistência de prova que, com a suficiente robustez, os permitisse ter por adquiridos, valendo, no essencial, a este propósito, as circunstâncias de: - tal como o Sr. Juiz arguido sustentou, não resultar do depoimento do Sr. Dr. BB, que o Sr. Juiz arguido lhe tivesse respondido em voz alta; - a total inexistência de prova quanto ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto aos termos em que decorreu, quer o demais relativo ao incidente com o Dr. BB, quer o relativo ao incidente com a Sra. Dra. ...; - a inexistência de prova quanto ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto à forma como decorreu o incidente com o Sr. Dr. ... no dia 07 de Abril de 2015 (que divirja do dado como provado e que decorre do que acima se referiu), sempre se acrescentando a manifesta falta de apoio quanto à existência de um cumprimento prévio, pois que, não apenas o campo de visão do Dr. ... lhe teria permitido constatar esse cumprimento, como, se tal tivesse ocorrido, não teria o Sr. Juiz arguido deixado de interromper a marcha e dizer ao Sr. Juiz Presidente que já lhe tinha dado as boas tardes. - quanto ao alegado apodar de “garoto” pelo Sr. Dr. ... ao Sr. Juiz arguido, na inexistência de outra prova que não os depoimentos dos intervenientes (em que um o afirma e o outro o nega peremptoriamente), não havendo que conferir qualquer peso acrescido a qualquer um desses depoimentos (ambos efectuados em termos muito convictos e por pessoas merecedoras de credibilidade, desde logo face às funções que desempenham),  não foi o Instrutor capaz de superar esse sentido contraditório, o que determinou a sua inclusão nos factos não provados e bem assim dos que com o mesmo estavam relacionados. (…)”.

«Dos citados trechos resulta, à saciedade, a ponderação e valoração da versão dos factos apresentada pelo arguido, por escrito e em declarações documentadas em auto, importando, desde logo, ter presente que todas as alusões realizadas à inexistência de prova no trecho agora citado não podem, obviamente, deixar de ser contextualizadas nos exactos termos da primeira destas alusões, ou seja, de que a convicção quanto aos factos não provados decorreu da inexistência de prova que, com a suficiente robustez, os permitisse ter por adquiridos.

            «Com efeito, mostram-se claros os motivos pelos quais a versão, naturalmente interessada, do Exm.º Sr. Juiz arguido, no tocante aos factos considerados não provados, se mostrou insuficiente para firmar uma convicção positiva sobre a ocorrência de tais factos.

«No que se refere ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto aos termos em que decorreu, quer o demais relativo ao incidente com o Dr. BB, quer o relativo ao incidente com a Sra. Dra. ..., a versão do arguido não foi suficientemente robusta para assumir preponderância ou sequer neutralizar a convicção resultante da apreciação conjugada dos depoimentos que sobre os mesmos incidentes foram prestados, de um modo que pareceu ao Sr. Instrutor sério e isento, por ..., ..., ... e ... (sumariamente descritos, na essência relevante de cada um deles, a propósito da motivação dos factos considerados provados).

«No que tange ao defendido pelo Sr. Juiz arguido quanto à forma como decorreu o incidente com o Sr. Dr. ... no dia 07 de Abril de 2015 (que divirja do dado como provado e que decorre do que acima se referiu), a versão do arguido não foi suficientemente robusta para assumir preponderância ou sequer neutralizar a convicção resultante da apreciação conjugada dos depoimentos que sobre o mesmo incidente foram prestados, de um modo que pareceu ao Sr. Instrutor sério e isento, por ... e ... (sumariamente descritos, na essência relevante de cada um deles, a propósito da motivação dos factos considerados provados). Acrescendo aqui uma ponderação adicional, resultante das mais elementares regras de experiência, sobre a improbabilidade de ter existido um cumprimento prévio por parte do Exm.º Sr. Juiz arguido (facto alegado pela defesa e considerado não provado), pois que, não apenas o campo de visão do Dr. ... lhe teria permitido constatar esse cumprimento, como, se tal tivesse ocorrido, não teria o Sr. Juiz arguido deixado de interromper a marcha e dizer ao Sr. Juiz Presidente que já lhe tinha dado as boas tardes.

«Relativamente ao alegado apodar de “garoto” pelo Sr. Dr. ... ao Sr. Juiz arguido, e a este segmento voltaremos adiante, não tinha a versão do arguido, por não ter qualquer conhecimento directo desta factualidade, qualquer relevância para a apreciação deste facto.

 «Em qualquer das situações é patente a consideração e ponderação da versão do arguido que, ao nível da respectiva factualidade não provada, foi afastada por outros elementos de prova, inexistindo, por outro lado, colhesse, qualquer (outro) meio de prova que a apoiasse.»

5.1.3. A deliberação recorrida esclarece, de forma circunstanciada, como na decisão da matéria de facto – mormente quanto aos factos não provados – foram consideradas e ponderadas as declarações prestadas pelo recorrente e as razões por que as mesmas não foram de molde “a assumir preponderância ou sequer neutralizar a convicção resultante da apreciação conjugada dos depoimentos que sobre os mesmos incidentes foram prestados”.

            Ao invés do sustentado pelo recorrente, a apreciação da prova (mormente das suas declarações) constante na deliberação recorrida não se ficou por “considerações genéricas, formais e sem substância”. São perfeitamente compreensíveis as razões que motivaram que determinados factos fossem dados por não provados, não obstante o sentido das declarações do recorrente, e os motivos por que elas não foram suficientes, por si mesmas, para convencer positivamente da ocorrência dos factos que foram dados por não provados, além de terem sido contrariadas por meios de prova diversos, mostrando-se os depoimentos das testemunhas sérios e seguros. Por isso, contrariamente ao por si alegado as declarações do recorrente não foram tratadas como “um nada, um vazio, uma inexistência”.

            Coisa diferente é o recorrente não se conformar com a decisão da matéria de facto, isto é, não concordar com a valoração e ponderação efectuada quanto à prova produzida. Mas tratam-se de situações distintas: uma situação é a ausência de ponderação das declarações do arguido, por não a considerar meio de prova, o que não aconteceu. Outra coisa é valorar as declarações do arguido e dentro da livre apreciação da prova, entender que as mesmas não merecem acolhimento, que foi o que sucedeu.

            Por isso, ao contrário do alegado pelo recorrente, a deliberação recorrida não desconsiderou as suas declarações enquanto meio de prova, inexistindo, nesta medida, qualquer violação dos direitos de audiência, de defesa e contraditório plasmados nos artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, nem qualquer violação de lei (nomeadamente dos artigos 110.º, 121.º, e 124.º do EMJ), invocados pelo recorrente.

 5.1.4. Ainda a respeito da alegada violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório, defende o recorrente que não podia deixar de ser notificado do conteúdo do relatório final elaborado pelo Sr. Instrutor, já que dele constam os factos considerados provados e não provados no decurso da instrução, a sua qualificação e a sugestão de pena a aplicar, só assim sendo suficientemente respeitados e garantidos o direito de defesa do arguido, designadamente o direito ao contraditório (permitindo que se pronuncie sobre possíveis vícios formais que afectem a validade do relatório e que, por inerência, venham a afectar a validade da decisão final.

5.1.5. Sobre esta mesma questão pronunciou-se a deliberação recorrida nos seguintes termos:

            «Está longe de ser uma questão nova aquela que se refere à (não) obrigatoriedade de notificação do relatório final ao arguido em processo disciplinar, que, relativamente aos trabalhadores em funções públicas, já se colocava na vigência do anterior regime legal (Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro – Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas).

            «Com facilidade se encontram arestos do Supremo Tribunal Administrativo que a abordam e decidem, tanto quanto se sabe, de forma idêntica e elucidativa, sendo deles exemplo o recente acórdão de 29.10.2015 (disponível para consulta in www.dgsi.pt), onde se esclarece:

            «“(…) do cotejo do quadro normativo em questão na sua concatenação, nomeadamente, com o art. 54.º do citado Estatuto, não deriva que a omissão de notificação do relatório final ao arguido conduza à invalidade da decisão disciplinar, mormente, que seja geradora da falta de fundamentação do referido ato. (…) É que no art. 49.º do ED/2008, enquanto normativo disciplinador do procedimento e como tal à data aplicável, previam-se apenas regras relativas à notificação da acusação e não do relatório final, tal como resulta da sua epígrafe, dele constando, nomeadamente, que “[d]a acusação extrai-se cópia, no prazo de quarenta e oito horas, para ser entregue ao arguido mediante notificação pessoal ou, não sendo esta possível, por carta registada com aviso de receção, marcando-se-lhe um prazo entre 10 e 20 dias para apresentar a sua defesa escrita” [n.º 1] [preceito em tudo similar ao regime que hoje consta do art. 214.º, n.º 1, da LTFP]. (…) Para além disso, do art. 54.º daquele Estatuto [correspondente ao atual art. 219.º da LTFP], referente ao «relatório final do instrutor», extraia-se que “[f]inda a fase de defesa do arguido, o instrutor elabora, no prazo de cinco dias, um relatório final completo e conciso donde constem a existência material das faltas, a sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, bem como a pena que entenda justa ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação, designadamente por inimputabilidade do arguido” [n.º 1], relatório esse que era presente sem mais formalidades à entidade competente para decisão [arts. 54.º, n.ºs 2 e 3, e 55.º e segs. do mesmo ED/08], na certeza de que, antes daquela decisão e na ausência da ordenação da realização de novas diligências de instrução ou de pedido de emissão de parecer por parte do superior hierárquico do arguido ou de unidades orgânicas do órgão ou serviço a que o mesmo pertença [art. 55.º, n.ºs 1 e 2], apenas se previa uma diligência de audição/participação [“parecer fundamentado” - art. 54.º, n.º 4] da comissão de trabalhadores ou da associação sindical [esta apenas quando o arguido fosse representante sindical] se estivesse proposta a aplicação das penas de demissão, de despedimento por facto imputável ao trabalhador ou de cessação da comissão de serviço [esta quando seja acessória daquelas] ou se, em qualquer caso, o trabalhador não fosse titular de relação jurídica de emprego público constituída em diferente modalidade. (…) E do art. 57.º do mesmo Estatuto [correspondente ao atual art. 222.º da LTFP], preceito respeitante apenas à notificação da decisão disciplinar e que, também, não se mostra aplicável especificamente ao relatório final, decorria que “[a] decisão é notificada ao arguido, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 49.º” [n.º 1], prevendo-se, ainda, notificações ao instrutor e ao participante [caso este o tenha requerido] e comunicações às entidades referidas no n.º 4 do art. 54.º [comissão de trabalhadores e associação sindical - se houver ocorrido aplicação no processo daquele preceito]. (…) Ora como vimos no referido ED/2008 inexistia preceito que impusesse, em momento prévio à decisão disciplinar punitiva, uma tal notificação do relatório final ao arguido, e, muito menos, que ocorresse qualquer ilegalidade geradora de invalidade do ato punitivo, decorrente uma tal omissão, nem isso se extrai do n.º 4 do art. 55.º já que ali apenas se disciplinavam as exigências de observância do dever de fundamentação quando a decisão do procedimento não fosse “concordante com a proposta formulada no relatório final do instrutor”, na certeza de que tal tese também não encontrava ou encontra fundamentação no regime geral de notificações inserto nos arts. 66.º e segs. do CPA/91 à data também aplicável. (…) Por último, não é geradora nunca de invalidade da decisão disciplinar punitiva uma qualquer preterição das regras de comunicação quanto àquilo que seja, ou deva ser, o seu conteúdo e documentação que tenha de acompanhar aquela decisão no ato de notificação [cfr. arts. 66.º, 68.º do CPA/91, 55.º e 57.º do ED/2008], visto que tal infração contenderá apenas e só com a eficácia ou oponibilidade da decisão e não com a sua validade, na certeza de que tal preterição, enquanto referente requisito externo ao ato administrativo, nada tem que ver ou releva em matéria de fundamentação e das exigências impostas nessa sede ao conteúdo obrigatório do ato [arts. 120.º, 123.º, 124.º, 125.º do CPA, 55.º e 57.º, do ED/2008]. (…)”.

            «A explanação citada é inteiramente válida no regime legal aqui aplicável, por referência aos arts. 214.º, 216.º a 220.º e 222.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho - Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – e aos arts. 110.º a 114.º, 148.º e 151.º a 153.º do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro.

«Sufragando, na íntegra, os fundamentos expostos na lição jurisprudencial citada, resta concluir que a omissão de notificação do relatório final em momento prévio ao acto deliberativo não configura qualquer vício (que, a existir, sempre possuiria unicamente uma natureza procedimental), improcedendo, em consequência, a arguição a este propósito deduzida pelo reclamante.

            5.1.6. Vejamos.

            Nesta matéria releva o artigo 122.º do EMJ, segundo o qual «Terminada a produção de prova, o instrutor elabora, no prazo de 15 dias um relatório, do qual devem constar os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação e a pena aplicável». Por sua vez, dispõe o artigo 123.º do EMJ que «A decisão final, acompanhada de cópia do relatório a que se refere o artigo anterior, é notificada ao arguido com observância do disposto no artigo 118.º».

            Nos termos do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, «Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».

            Por sua vez, estatui o artigo 269.º, n.º 3, da Constituição, que «Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa».

            Pode-se desde já avançar que não se vê em que medida existe violação destes preceitos constitucionais na interpretação dos artigos 122.º e 123.º do EMJ no sentido de não ser exigível a notificação do relatório final do inspector antes da decisão final do órgão competente que aplica a pena.

            No processo disciplinar comum, conforme se encontra previsto no EMJ, o princípio do acusatório (basilar no processo penal) é totalmente respeitado, na medida em que a instrução e acusação do processo cabe a um instrutor e a função de decidir sobre a responsabilidade disciplinar do Juiz cabe ou ao conselho permanente ou ao plenário do CSM. São, assim, bem patentes as duas fases, de instrução e de decisão, com autonomia das entidades que a elas presidem.

Elucidativo, a propósito, o acórdão da secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/09/2012 (processo n.º 10/12.5YFLSB): no qual se ponderou, como consta do respectivo sumário: «V. De acordo com o n.º 1 do artigo 117.º do EMJ, na acusação deve apenas constar a indicação dos preceitos aplicáveis ao caso. É no relatório final que o instrutor, recolhida toda a factualidade, faz a sua proposta de pena aplicável, à qual o CSM, que é o órgão decisor, não está, naturalmente, vinculado (art. 122.º do EMJ).»

Os princípios constitucionais, consagrados para o processo disciplinar, de audiência e defesa, foram totalmente assegurados no presente processo disciplinar, na medida em que o arguido foi notificado da acusação (na qual constavam os factos constitutivos das infracções disciplinares e os que integravam circunstâncias agravantes e/ou atenuantes, a indicação dos preceitos legais no caso aplicáveis, com a sugestão, inclusivamente, das penas concretamente aplicáveis – advertência registada e, em cúmulo, a pena de advertência registada), apresentou defesa e ofereceu prova, nomeadamente a sua audição, a qual foi produzida.

            Durante a instrução do processo o arguido teve a possibilidade de se defender e de se pronunciar, sem qualquer restrição, sobre os factos, a subsunção jurídica dos mesmos e as penas aplicáveis. Toda a prova produzida está documentada no processo.

            O relatório final mais não consubstancia do que uma proposta do instrutor do processo não vinculativa do órgão decisor (o CSM).

             O CSM, para decidir, dispôs de toda a prova produzida (documentada) das duas posições definidas no processo.

            Admitir-se-ia uma eventual violação dos direitos de audiência e defesa, caso a acusação não indicasse a pena aplicável e a mesma só fosse referida, pela primeira vez, no relatório final (e o mesmo não fosse notificado previamente à decisão). Contudo, não é essa a situação que se verifica, no caso, na medida em que já na acusação constavam as penas concretamente aplicáveis e a pena única proposta.

            Neste sentido, se pronunciou o acórdão desta secção, de 05/07/2012 (processo n.º 69/11.2YFLSB), extraindo-se do respectivo sumário o seguinte: “XIV - Estabelece o artigo 48.º, n.º 3, do EDTFP, que a acusação contém, além do mais, a referência às penas aplicáveis. Acontece, porém, que esta norma não é aplicável ao processo disciplinar contra magistrados judiciais. Na verdade, pressuposto da aplicação subsidiária de normas, ao abrigo do artigo 131.º do EMJ, é a existência de lacunas deste diploma. Ora, o EMJ não é omisso na matéria, pois regula com precisão a forma de elaboração da acusação (artigo 117.º), obrigando apenas, em matéria de direito, à indicação dos «preceitos legais aplicáveis». XV - Por sua vez, o artigo 122.º do mesmo diploma estabelece que, terminada a produção de prova, após a defesa, o instrutor elabora um relatório (final) do qual devem constar, além dos factos provados, a sua qualificação e a pena aplicável. É sobre este relatório que é proferida a decisão. Não prevê expressamente o citado artigo a notificação do mesmo ao arguido, para a sua defesa. Contudo, face à jurisprudência do TC afirmada nos Acs. n.ºs 516/2003, de 28-10-2003, e 499/2009, de 30-09-2009, entende-se que, quando a acusação não contenha a indicação da pena aplicável, mas tal menção conste do relatório final, este deve ser notificado ao arguido, para exercício do direito de defesa, sob pena de nulidade insuprível, nos termos do artigo 124.º, n.º 1, do EMJ. XVI - No caso dos autos, a acusação não contém de facto referência às penas aplicáveis. Essa referência é feita no relatório final, onde o Inspetor propõe a aplicação de uma pena de 20 dias de suspensão. Esse relatório foi notificado ao mandatário e à própria arguida, ora recorrente, não tendo ela reagido, pelo que não se verifica qualquer nulidade.”

Sustenta o recorrente que a notificação do relatório final do Sr. Instrutor antes de proferida a decisão pelo CSM permitia-lhe, nomeadamente, pronunciar-se sobre possíveis vícios formais que afectassem a validade do relatório, sugerir que fossem ordenadas diligências determinantes para a descoberta da verdade e pronunciar-se de molde a convencer o próprio órgão decisor da falta de bondade da proposta (de condenação).

            Pretendia, afinal, que se facultasse ao acusado mais um direito de resposta, que a lei não contempla, agora relativamente ao relatório final do Sr. Instrutor, o qual, no limite, se poderia sucessivamente renovar, sempre que, na sequência da resposta, fosse elaborado um relatório com algo de novo em relação ao anterior.

Com relevância sobre a matéria em apreciação, entre outros, o acórdão do STA, de 29-10-2015 (processo n.º 014/12), extraindo-se do respectivo sumário o seguinte: «I- No ED/2008 inexistia preceito que impusesse, em momento prévio à decisão disciplinar punitiva, a notificação do relatório final ao arguido e que ocorresse qualquer ilegalidade geradora de invalidade do ato punitivo decorrente de tal “omissão”, nem tal exigência encontrava fundamentação no regime geral de notificações inserto nos arts. 66.º e segs. do CPA/91». E, ainda, o acórdão do STA, de 19-06-2007 (processo n.º 1058/06) em que, no ponto III do respectivo sumário se clarifica: «III - Não viola o direito de audiência (prévia) do arguido, a falta de notificação do relatório final do instrutor, em processo disciplinar, se o arguido foi devidamente notificado da acusação, que continha os factos que lhe eram imputados, o seu enquadramento jurídico e a indicação da sanção aplicável, não contendo aquele relatório novos factos ou imputações desfavoráveis ao arguido omitidas na acusação, com influência na decisão disciplinar».

            Concluímos, pois, que os direitos de audiência e de defesa do recorrente e o princípio do contraditório em nada foram afectados com a notificação da decisão final, acompanhada de cópia do relatório, nos termos definidos pelo artigo 123.º do EMJ.

            5.2. Violação do direito à presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo,

            A nulidade da deliberação, com fundamento na violação do princípio in dubio pro reo, radica, na perspectiva do recorrente, no facto nuclear, dado por não provado, de ter sido apodado de “garoto”, pelo Sr. Dr. ..., umas semanas antes de 07/04/2015.

            5.2.1. Uma vez que, relativamente a tal facto, foram produzidos, como únicos meios de prova, as declarações do Sr. Juiz Presidente ..., que o negou, e o depoimento da Sr.ª Procuradora da República ..., que confirmou ter o mesmo ocorrido, o recorrente considera que se criou um estado de dúvida relativamente a esse facto que teria de ser resolvido a seu favor.

Defendendo que o princípio in dubio pro reo se aplica não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação mas também a todas as circunstâncias relevantes (atenuativas) em matéria de determinação da medida da pena, sustenta que, nessa medida, se impunha dar como provado o facto não provado identificado sob o n.º xvii.

5.2.2. Tendo esta questão sido colocada na reclamação para o plenário, a apreciação que dela foi feita é a seguinte:

«Seguidamente, o reclamante aponta à deliberação a violação do direito à presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo.

            «Sustenta esta alegação afirmando que o Sr. Instrutor e a instância decisora decidiram a questão de facto plasmada no ponto xvii (dos factos com interesse para a decisão que se consideram como não provados) não provada em flagrante violação do princípio in dubio pro reo, na medida em que se não se conseguiu superar a dúvida relativamente a tal facto, com respeito pelo princípio in dubio pro reo, deveria esse facto, por ser favorável ao arguido, ter sido dado como provado.

            «Os referidos factos, considerados não provados, prendem-se com a alegação efectuada pelo Sr. Juiz arguido em sua defesa no sentido de um par de semanas antes de 7 de Abril de 2015 o Sr. Juiz Presidente ter apodado o Juiz arguido de “garoto”, numa conversa que teve com outros magistrados, incluindo a magistrada que sabia ser amiga do Juiz arguido, a Dra. ..., com a plena consciência de que esta não deixaria de partilhar com o Juiz arguido essa referência, e com o propósito provocatório para com o Juiz arguido.

 «De acordo ainda com a defesa apresentada pelo Sr. Juiz arguido teria este, no incidente havido com o Sr. Juiz Presidente que se discutia no processo disciplinar, reagido em resposta àquela alegada provocação.

            «É já consensual, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que também no âmbito do processo disciplinar, dada a sua natureza sancionatória, vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, que nesse processo tem direito a um “processo justo” o que, passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio, acolhido no n° 2, do artigo 32° da CRP (vide, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 7.06.1990 – in BMJ 398-115 - de 31.03. 1992 – in BMJ 415-264 – e de 16.02.1995 - in DR, I Série, de 10.03.1995 -; Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª edição, a págs. 947; todos citados no Acórdão do STA de 18.04.2002, disponível para consulta in www.dgsi.pt).

            «Decorrente do princípio da presunção de inocência, com tradução directa na apreciação e valoração da prova, temos o princípio do in dubio pro reo.

            «Sobre este último princípio pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011 (disponível para consulta in www.dgsi.pt), “(…) O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – artigo 32.º, n.º 2, da CRP - , impondo este que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/98, DR, II Série, de 25-02-1999. O princípio in dubio pro reo - fórmula condensada por Stubel - que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário. (…)”

            «Efectivamente, não tendo, em processo penal, “(…) aplicação o ónus da prova formal, nos termos do qual cada uma das partes terá de produzir as provas necessárias a sustentar os factos que alega, porque, vigorando o princípio da investigação, recai sobre o juiz o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento (…) se, recolhida toda a prova, o tribunal tiver persistido numa dúvida razoável sobre determinados factos, o non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido (…) sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,  vol,. I, pág, 519) (…)” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.05.2013 (disponível para consulta in www.dgsi.pt).

            «Assim, tal como o reclamante coloca a questão que agora se analisa, poderia ter existido uma violação do princípio que invoca em abono da tese que defende.

            «Efectivamente, tendo o Sr. Instrutor reconhecido a sua dúvida, bem como a incapacidade de a ultrapassar, relativamente à factualidade plasmada no acima identificado ponto xvii, possuindo esta interesse para a apreciação da responsabilidade disciplinar do Sr. Juiz arguido e sendo-lhe favorável, deveria o Sr. Instrutor (e, consequentemente, a deliberação reclamada) ter considerado provada essa mesma factualidade.

            «Só que, melhor apreciada a factualidade em apreço, não parece correcto considerar que a mesma possua qualquer interesse para a apreciação da responsabilidade disciplinar do Sr. Juiz arguido.

            «Não obstante a relevância expressa que o Sr. Instrutor (e, por decorrência, a deliberação reclamada) atribuiu a tal factualidade, situando-a entre os “factos com interesse para a decisão que se consideram como não provados”, na verdade não se descortina qual seja esse interesse.

            «É que, mesmo admitindo que toda a referida factualidade tivesse ocorrido, nos exactos termos em que foi alegada, não se descortina como possa justificar o comportamento adoptado pelo Sr. Juiz arguido para com o Sr. Juiz Presidente ou atenuar a censura que esse comportamento merece.

            «O que merece censura disciplinar no comportamento adoptado pelo Sr. Juiz arguido é o deliberado, ostensivo e absoluto descaso a que votou o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca onde se encontrava colocado (ignorando a saudação dada e a pessoa que a deu, virando-lhe as costas e prosseguindo a marcha), no “tempo e local de trabalho”.

            «Se o Sr. Juiz Presidente, semanas antes, teve uma conversa com outros magistrados no decurso da qual se referiu ao Sr. Juiz arguido como garoto, tinha este todo o interesse e legitimidade, até porque não tinha conhecimento directo deste facto e do contexto em que teve lugar (que lhe chegaram pelo relato de uma terceira pessoa), em pedir os esclarecimentos que tivesse por convenientes ao Sr. Juiz Presidente e até, se considerasse a factualidade em apreço com suficiente densidade, apresentar a pertinente participação penal ou disciplinar.

            «O que não podia fazer, adstrito que está ao cumprimento dos deveres que sobre si impendem e que são inerentes ao exercício funcional, era ignorar deliberada e ostensivamente, em meio profissional, o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca onde se encontrava colocado após este lhe ter dirigido a palavra.

            «E este é precisamente o cerne factual em que repousa a censura disciplinar dirigida ao Sr. Juiz.

            «Desta feita, assistindo razão ao reclamante quando refere que a dúvida razoável sobre determinados factos deve ser resolvida a seu favor, em nada o favorecendo (ou prejudicando) a prova de que o Sr. Juiz Presidente, semanas antes, teve uma conversa com outros magistrados no decurso da qual se referiu ao Sr. Juiz arguido como garoto (facto irrelevante para a apreciação aqui realizada e que, como tal, deveria ter sido considerado na deliberação reclamada, o que, em qualquer caso, não impede que agora assim seja qualificado), não tem aplicação o referido princípio.

   «Depois, invocando ainda a violação do mesmo princípio in dubio pro reo, argumenta o reclamante que o Sr. Instrutor (e a deliberação reclamada), nas diversas situações de “palavra contra palavra” (a palavra de uma única testemunha contra a palavra do arguido) se decidiu sempre contra o arguido, materializando a premissa in dubio contra reo (teria sido o que sucedeu relativamente ao desentendimento havido com o Dr. BB, aos episódios referenciado nos ponto 47. e 50. dos factos provados e ao incidente do corredor com o Dr. DD).

            «A este propósito importa sublinhar que só há lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo em caso de dúvida razoável sobre determinados factos.

   «Ora, nenhuma dúvida parece ter existido na mente do Sr. Inspector ou dos membros do Conselho Permanente que subscreveram a deliberação reclamada sobre a verificação dos factos a que, neste ponto, se refere o reclamante.

  «O que, verdadeiramente, se questiona é a convicção do Sr. Instrutor e dos membros do Conselho Permanente. Ora, a maior credibilidade porventura atribuída à versão dos factos relatada por testemunhas no confronto com a versão do arguido, resultou, como expressamente se consignou no relatório final (sufragado pela deliberação reclamada), da convicção na seriedade e isenção dos depoimentos prestados por tais testemunhas, resultante de uma apreciação conjunta dos respectivos testemunhos e das declarações do arguido à luz das regras da experiência e da livre convicção da entidade competente (nos termos preceituados pelo art. 127.º do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” do art. 131.º do EMJ).

  «Novamente apreciada, no seu conjunto, a prova recolhida, não se descortinam motivos para divergir da apreciação previamente realizada, isenta de dúvida e de juízos predeterminados, que assumida e justificadamente se ampara em depoimentos cuja seriedade e isenção se retira, com clareza, do afastamento que os respectivos autores demonstram dos factos em apreço e do detalhe que colocam na sua narração, a que se contrapõe (e apenas em alguns aspectos) a versão (necessariamente interessada) do Sr. Juiz arguido.

  «Por este motivo, improcedem também estas objecções apontadas à deliberação reclamada.»

            5.2.3. No ponto xvii dos factos, com interesse para a decisão da causa, não provados, registou-se: [Não se ter provado] «Que um par de semanas antes de 7 de Abril de 2015, o Sr. Juiz Presidente tenha apodado o Juiz arguido de “garoto” numa conversa que teve com outros magistrados, incluindo uma magistrada que sabia ser amiga do Juiz arguido, a Dr.ª FF (…)».

Este facto – de publicamente, em conversa com outros magistrados, o Sr. Juiz Presidente da comarca ter apodado o recorrente de garoto – e, necessariamente, o conhecimento que dele teve, foi incluído na defesa do recorrente quanto ao “incidente” havido, no corredor do tribunal, entre ele, e o Sr. Juiz Presidente, caracterizando a sua actuação como “uma reacção” àquela referência pública a seu respeito.

            Ainda que, de acordo com os factos provados, tal incidente se circunscreva, no que respeita ao recorrente, à omissão de retribuir o cumprimento que o Sr. Juiz Presidente lhe dirigiu, afastando-se em direcção à casa de banho, o facto de ter ignorado o cumprimento é, na tese da defesa, uma reacção à conduta do Sr. Juiz Presidente da comarca de ... de, perante colegas, ter apodado o recorrente de garoto.

           De acordo com a motivação da decisão de facto “quanto ao alegado apodar de «garoto» pelo Sr. Dr. DD ao Sr. Juiz arguido, na inexistência de outra prova que não os depoimentos dos intervenientes (em que um o afirma e o outro o nega peremptoriamente), não havendo que conferir qualquer peso acrescido a qualquer um desses depoimentos (ambos efectuados em termos muito convictos e por pessoas merecedoras de credibilidade, desde logo face às funções que desempenham), não foi o instrutor capaz de superar esse sentido contraditório, o que determinou a sua inclusão nos factos não provados e bem assim dos que com o mesmo estavam relacionados”.

    Transmite-se, assim, a permanência de um estado de dúvida a respeito de um facto (ter o Sr. Dr. DD apodado, ou não, o recorrente de garoto) e de esse facto ter determinado a conduta do recorrente (“e bem assim dos que com o mesmo estavam relacionados”) que se veio a concluir consubstanciar uma infracção disciplinar.

   Não obstante o “confessado” estado de dúvida, a deliberação impugnada arreda qualquer violação do princípio in dubio pro reo essencialmente na consideração da irrelevância para a decisão dos factos relativamente aos quais não foi possível afastar um estado de dúvida razoável.        

             Destaca a deliberação que «o que merece censura disciplinar no comportamento adoptado pelo recorrente é o deliberado, ostensivo e absoluto descaso a que votou o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca onde se encontrava colocado (ignorando a saudação dada e a pessoa que a deu, virando-lhe as costas e prosseguindo a marcha), no “tempo e local de trabalho”.

           Reconhecendo que assiste razão ao recorrente quando refere que qualquer dúvida razoável sobre determinados factos deve ser resolvida a seu favor, a deliberação considera que o princípio in dubio pro reo não tem aplicação por «em nada o favorecendo (ou prejudicando) a prova de que o Sr. Juiz Presidente, semanas antes, teve uma conversa com outros magistrados, no decurso da qual se referiu ao Sr. Juiz arguido como garoto (facto irrelevante para a apreciação aqui realizada e que, como tal, deveria ter sido considerado na deliberação reclamada, o que, em qualquer caso, não impede que agora assim seja qualificado)».

         5.2.4. O princípio político-jurídico da presunção de inocência, contido no artigo 32.º.º, n.º 2, da Constituição da República, enformando todo o processo penal, traduz-se, no âmbito da apreciação da prova, no princípio in dubio pro reo, a significar que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido.

            É inquestionável que «o princípio da presunção de inocência não cinge o seu campo de actuação ao direito criminal, tendo também plena aplicação no âmbito disciplinar, pois o procedimento disciplinar deve, também ele, ser conformado como um “processo justo”, o que implica que lhe sejam extensíveis algumas das regras que enformam o processo penal» (assim, v. g. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, secção do contencioso, de 23/02/2016 (processo n.º 104/15.5YFLSB).

  No domínio da aplicação do princípio in dubio pro reo, ensina Figueiredo Dias[16] que, relativamente ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena, «bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas modificativas ou simplesmente gerais. Em todos estes casos, a persistência de uma dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido».

  5.2.5. Não assiste, deste modo, qualquer parcela de razão ao plenário do CSM quando concluiu pela irrelevância do facto de o Sr. Juiz Presidente, semanas antes, ter tido uma conversa com outros magistrados, no decurso da qual se referiu ao recorrente como garoto.

    Na tese da responsabilidade do recorrente por uma infracção disciplinar, por violação do dever de correcção, consubstanciada em não ter correspondido ao cumprimento do Sr. Juiz Presidente, tal facto não é ele de molde, evidentemente, a excluir a ilicitude da conduta ou a culpa pelo facto.

            Mas carece de razão tratá-lo como facto irrelevante, anódino para a decisão.

            Apodar qualquer pessoa adulta, ademais um Juíz ..., com mais de dez anos de serviço e as características pessoais e funcionais descritas nos pontos 76,77 e 78 dos factos provados, de “garoto” tem um inegável sentido depreciativo e sendo essa desqualificação produzida publicamente, perante vários magistrados, atinge a honorabilidade e a reputação do visado de forma muito negativa.

            O facto tem, portanto, inegável valor atenuativo da conduta do recorrente quando é certo, ademais, que “o estado de dúvida” não se limitou ao facto, abrangendo aqueles que “com o mesmo estavam relacionados” numa inequívoca inclusão da relação de causa-efeito entre o facto e a censurada omissão do recorrente, isto é, de ter sido esse facto que motivou a conduta.

            Por outro lado, esse facto é distinto daquele outro que foi dado por provado, no ponto 72, também como motivo de “não ter retribuído o cumprimento e se ter afastado com passo apressado” (“por se sentir injustiçado ante anteriores participações e comunicações efectuadas pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de ...”).       

            5.2.6. A deliberação impugnada incorreu, pois, em violação do princípio da presunção de inocência, na sua conformação como princípio de apreciação de prova (princípio in dubio pro reo), no âmbito dos factos que suportaram a imputação ao recorrente da infracção disciplinar na pessoa do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ....

  Deste modo, a deliberação, no ponto analisado, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo, em consequência, nula (artigo 161.º, n.os 1 e 2, alínea d), do CPA).

  Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes questões postas no recurso.

           

III

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em, julgando procedente o recurso interposto por AA:

1. Anular a deliberação impugnada, na parte relativa às imputadas infracções disciplinares ocorridas em 04/09/2014, na pessoa do Sr. Juiz BB, e entre o dia 8 e o dia 12 de Setembro de 2014, na pessoa da Sr.ª Juíza CC, por, à data em que foi instaurado o procedimento, já se encontrar prescrito o direito de o instaurar, nos termos do artigo 178.º, n.º 2, da LGTFP.

            2. Declarar a nulidade da deliberação impugnada, nos termos do artigo 161.º, n.os 1 e 2, alínea d), do CPA, na parte relativa à imputada infracção disciplinar de 07/0472015, na pessoa do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., Dr. DD.

***

Custas pelo recorrido, com 6 UC de taxa de justiça (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, e respectiva Tabela I-A anexa).

Valor da causa: € 30.000,01 (artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

  

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Fevereiro de 2017

 Isabel Pais Martins (Relatora)

Tavares de Paiva

Oliveira Mendes

Ana Luísa Geraldes

Pinto de Almeida

Silva Gonçalves

Sebastião Póvoas (Presidente da Secção) - Vencido quanto ao nº2 da conclusão. O acto não é nulo mas anulável por erro sobre os pressupostos de facto.

----------------------
[1] Aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho e alterado pelo Decreto-Lei n.º 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis n.os 2/1990, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro, 143/99, de 31 de Agosto, 3-B/2000, de 4 de Abril, 42/2005, de 29 de Agosto, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, 63/2008, de 18 de Novembro, 37/2009, de 20 de Julho, 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e 9/2011, de 12 de Abril.  
[2] Como no original.
[3] Como no original.
«[4] Cf., entre outros, Ac. supra citado, Ac. STJ de 5.6.2012, Procº nº 118/11.4YFLSB, e de 5.7.2012, Procº nº 5/12.9YFLSB,  e Ac. STA, de 2.4.2009, Procº nº 0531/07».

«[5] Sobre a contagem dos prazos cf. mutatis mutandis AUJ nº 4/2012, publicado no DR Iª Série, nº 98, de 21.5.2012.»

«[6] Cf. Ac. do STJ já citado, de 5.6.2012, Procº nº 118/11.4YFLSB.»
«[7] Cf. AC. STJ, de 18.3.2015, Procº nº 111/14.5YFLSB»
«[8] Ac. STJ, de 16-02-2000 Proc. n.º 732/99.»
[9] Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.
[10] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.
[11] Assim, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2013 (processo n.º 15/12.6YFLSB), e de 08/05/2013 (processo n.º 47/12.4YFLSB).
[12] Neste sentido, v.g., o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2012 (processo n.º 114/11.1YFLSB).   
[13] Sublinhado nosso.
[14] In “Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, Coimbra Editora, 1.º Vol, pág. 575 (anotação ao art. 194.º).
[15] Assim, Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I. 10.ª edição, 2.ª reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, p. 501.
[16] Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora Limitada, 1974, § 6. Princípios de prova, ponto 3., p. 215.