Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30/18.6YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO CONTENCIOSO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: NE BIS IN IDEM
NULIDADE
PROCEDIMENTO CRIMINAL
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
DESPACHO DE PRONÚNCIA
ACUSAÇÃO
DECISÃO FINAL
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
OFICIAL DE JUSTIÇA
RECURSO CONTENCIOSO
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DO CONTENCIOSO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA / ACTO ADMINISTRATIVO / RECLAMAÇÃO E RECURSOS ADMINISTRATIVOS / RECLAMAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS / APLICAÇÃO DA LEI CRIMINAL.
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2007, p. 497 e 498;
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 331;
- Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, Wolters Kluwer, 2.ª Edição, p. 96, 97, 104 e 106.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 161.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA D);
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º 5;
ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS (EDTEFP). – ARTIGOS 6.º, N.º 2 E 7 E 7.º;
ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS (EFJ): - ARTIGOS N.º 94.º, N.º 1 E 123.º;

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :


- DE 07-04-2011, PROCESSO N.º 152/10.1YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-07-2012, PROCESSO N.º 126/11.5YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 117/14.4YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-10-2015, PROCESSO N.º 2/15.2 YFLSB;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 16/14.0YFLSB;
- DE 17-04-2018,PROCESSO N.º 91/17.5YFLSB.
Sumário :   

  

   1. O princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, como princípio basilar do processo penal, é aplicável, em virtude da sua ratio, à perseguição de infrações disciplinares no domínio dos sistemas sancionatórios públicos, como é o inerente ao estatuto disciplinar da função pública e, por via subsidiária, o respeitante ao estatuto disciplinar dos funcionários de justiça.
2. De tal princípio decorre a proibição de, na atividade sancionatória, se proceder a uma dupla valoração do mesmo substrato fáctico, de modo a evitar pronúncias díspares sobre factos unitários.
3. Constando o referido princípio do catálogo dos direitos fundamentais plasmado na Constituição, sempre que ocorrer violação do mesmo na realização de ato punitivo, este ato será nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos do artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA/15.
4. Num caso, como o da presente impugnação, em que ao arguido foi aplicada, em processo disciplinar anterior, sanção disciplinar por infrações ocorridas em processo criminal conexas com crimes distintos dos cometidos no mesmo processo pelos quais foi posteriormente condenado, a aplicação ao mesmo arguido, em ulterior processo disciplinar, de outra sanção disciplinar por infrações conexas com os crimes por que foi depois condenado não constitui violação do princípio ne bis in idem.
5. Para efeitos do início do cômputo do prazo de prescrição de 30 dias do direito de instaurar o procedimento disciplinar, estabelecido no artigo 6.º, n.º 2, do EDTEFP, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, aplicável, subsidiariamente aos funcionários de justiça, por via do artigo 123.º do EFJ, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 343/99, de 26-08, o que releva não é o conhecimento do mero facto naturalístico, mas sim da infração indiciada como materialidade juridicamente significante na perspetiva do ilícito disciplinar, ou seja, com uma corporeidade ou envolvência suscetível de se assim ser qualificada.
6. Para os mesmos efeitos, no elenco das entidades e superiores hierárquicos previstos no n.º 1 do art.º 94.º do EFJ, o que releva é o conhecimento por parte do Plenário do COJ, como órgão colegial competente para instaurar o procedimento disciplinar contra os funcionários de justiça, que não a comunicação feita ao respetivo Vice-Presidente.
7. Em caso de pendência de processo-crime contra arguido simultaneamente visado pelos mesmos factos em processo disciplinar, existem razões ponderosas para admitir como relevante, para os efeitos do n.º 7 do artigo 6.º conjugado com o artigo 7.º do EDTEFP, a suspensão do processo disciplinar, por parte do órgão que o dirige, na decorrência do despacho de pronúncia ou de despacho a ele equivalente proferido no processo criminal contra àquele arguido.
8. Com efeito, só assim se conseguirá, por um lado, prevenir uma indesejável desarmonia, senão mesmo contradição, entre os desfechos alcançáveis nas duas sedes punitivas e, por outro lado, otimizar a atividade probatória com prevalência da investigação criminal em si mais ampla do que a disciplinar e, portanto, com vantagens acrescidas para a defesa do arguido, ainda que com alguns custos de celeridade.
9. Tal suspensão mostra-se justificada num caso, como o dos autos, em que o processo disciplinar emergiu em virtude de a acusação deduzida no inquérito criminal, inteiramente acolhida na subsequente pronúncia, ter revelado novos factos passíveis, simultaneamente, de qualificação criminal e disciplinar que, além disso, necessitavam de ser diferenciados, em sede disciplinar, de outros factos constantes da mesma acusação mas que já tinham sido objeto de anterior processo disciplinar.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA veio impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 06/02/2018, proferida no processo n.º 2017-17/OJ, que negou provimento ao recurso administrativo especial por aquele interposto da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de 09/11/2017, tomada no âmbito processo disciplinar n.º 87-DIS/17, mantendo assim a condenação do ora demandante, na qualidade de oficial de justiça, na categoria de escrivão auxiliar, na pena única de demissão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 89.º do EFJ, 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g), 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, e 18.º da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTEFP).      
  O demandante fundou tal impugnação na violação da lei, invocando, em primeira linha, a prescrição relativa aos prazos estabelecidos quer para a instauração do processo disciplinar quer para a sua conclusão e ainda na violação do princípio ne bis in idem, sustentando, em síntese, que:
  . Os factos que lhe vêm imputados ocorreram em 2010, tendo dado origem ao processo criminal n.º 2340/10.1TAVCT e à instauração do processo disciplinar n.º 243-DIS/10, iniciado em 17/11/2010;
  . No âmbito desse processo disciplinar, foi aplicada ao arguido a pena de 40 dias de suspensão, conforme acórdão do COJ de 27/04/2012, confirmado pelo CSM em sede recurso hierárquico no processo n.º 2012-13/OJ, pena essa que o demandante já cumpriu;
 . Não obstante isso, em 04/06/2015, foi decidido pelo COJ instaurar novo processo disciplinar, o qual culminou na deliberação ora impugnada, mas que tem por objeto os mesmos factos sobre que incidiu o processo disciplinar n.º 243-DIS/10;
         . Assim, aquele novo processo disciplinar foi instaurado para além dos 30 dias a contar da data em que o COJ teve conhecimento dos factos de que se ocupa, daí resultando a prescrição do direito de instaurar tal procedimento;        
         . Por outro lado, foi ultrapassado o prazo de 18 meses previsto no art.º 6.º, n.º 6, do EDTEFP entre a deliberação do COJ que determinou a instauração do novo processo disciplinar e a deliberação final do CSM notificada ao arguido em 09/02/2018, com o que também se encontra prescrito o procedimento disciplinar aqui em referência.  
         . Por fim, a identidade verificada entre os factos que foram objeto do processo disciplinar n.º 243-DIS/10 pelos quais o arguido foi condenado e os que servem de base ao processo disciplinar a que respeita a deliberação ora impugnada traduz-se em violação do princípio ne bis in idem.
 Nessa conformidade, o demandante concluiu pela nulidade da deliberação impugnada, pedindo a sua absolvição.
         2. O Conselho Superior da Magistratura (CSM) deduziu resposta, sustentando, no essencial, que:
         . O Recorrente foi arguido nos seguintes processos:
            i) – Processos criminais:
- n.º 2340/10.TAVCT, com acórdão proferido em 18/05/2016 transitado em julgado em 17/06/2016;
- n.º 1955/16.9T8VCT, com acórdão proferido em 16/02/2017 transitado em julgado em 20/03/2017;
               ii) – Processos disciplinares:
- n.º 243-DIS/10, relativo a condutas ocorridas em exercício de funções nos processos criminais n.º 192/09.3GAPCR e n.º 200/09.8GAPCR;
- n.º 087-DIS/15, relativo a condutas ocorridas em exercício de funções nos processos criminais n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR;      
- n.º 085-DIS/17, relativo a condutas ocorridas em exercício de funções nos processos criminais n.º 192/09.3GAPCR apuradas no processo crime n.º 1955/16.9T8VCT e não consideradas no processo disciplinar 243-DIS/10.
  . A deliberação aqui impugnada respeita à pena de demissão aplicada no âmbito do processo disciplinar n.º 085-DIS/17, tendo por base factos ocorridos em processo judicial, distintos dos que foram considerados tanto no processo disciplinar n.º 243-DIS/10 como no processo disciplinar n.º 085-DIS/15;
. Em 16/02/2017, foi proferido acórdão, transitado em julgado em 20/03/217, no processo criminal n.º 1955/16.9T8VCT;   
. Mediante despacho do Vice-Presidente do COJ de 23/05/2017, ratificado pelo respetivo plenário em 01/06/2017, foi determinada a instauração do processo disciplinar n.º 085-DIS/17 sobre matéria constante da acusação deduzida no processo criminal n.º 192/09.3GAPCR não considerada no processo disciplinar n.º 243-DIS/10;
. No referido processo disciplinar n.º 085-DIS/17, foi deduzida acusação em 21/06/2017 por indiciação de factos passíveis de sanção disciplinar de demissão, que culminou no relatório final do inspetor/instrutor de 13/10/2017 com a proposta de aplicação da pena única de demissão, a qual foi acolhida por deliberação do Plenário do COJ de 09/11/2017 que, sendo objeto de impugnação, foi confirmada por deliberação do CSM de 06/02/ 2018 notificada ao arguido por ofício datado de 09/02/2018;
. Assim, tendo o órgão responsável máximo tomado efetivo conhecimento da factualidade apurada em 01/06/2017, não ocorreu a invocada prescrição do direito de instaurar o respetivo procedimento disciplinar, como também não se verificou a alegada prescrição deste procedimento, nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e 2, do EDTEFP, aprovada pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, tanto mais que, estando perante factos também qualificados de infração criminal, são aplicáveis os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal.
. Uma vez que os factos em que se funda a deliberação aqui impugnada são distintos dos que serviram de base à condenação proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10, não ocorre a alegada violação do princípio ne bis in idem.
Concluiu o respondente pelo não provimento do recurso.
3. Só o CSM apresentou alegações a reiterar o já anteriormente alegado em sede da respetiva resposta.     
4. Por fim, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 143 a 171, em que, depois de convocar todo o contexto processual relevante com a seleção dos factos tidos por pertinentes, procedeu ao seu enquadramento jurídico para concluir pela improcedência de toda a impugnação deduzida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto impugnatório

Como emerge do já precedentemente relatado, as questões a resolver circunscrevem-se ao seguinte quadro:
i) – A questão de saber se ocorre a invocada dupla violação de lei, relativamente à prescrição:
a) – do direito de instaurar o procedimento disciplinar tramitado no processo n.º 085-DIS/17, no âmbito do qual foi proferida a deliberação do Plenário do CSM, de 06/02/2918, que confirmou a pena de demissão aplicada ao demandante através da deliberação do Plenário do COJ de 09/11/2017;    
b) – daquele mesmo procedimento disciplinar pelo decurso de 18 meses entre a data da instauração do processo disciplinar e a decisão final aqui impugnada;
   ii) – A questão consistente na invocada violação do princípio ne bis in idem, sustentada na identidade dos factos em que se funda a deliberação ora impugnada e os que serviram de base à condenação proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10 por decorrência do processo criminal n.º 2340/10.1TAVCT.

Posto que a invocada violação do princípio ne bis in idem, a verificar-se, traduzir-se-ia em vício de nulidade da deliberação impugnada, à luz do artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo (CPA/2015), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 4/2015, de 07/01, e as questões de prescrição do procedimento disciplinar configurariam vício de anulabilidade daquela deliberação, nos termos do art.º 163.º, n.º 1, do mesmo Código, a apreciação do objeto da presente impugnação será feita pela seguinte ordem metodológica:
i) – Em primeiro lugar, conhecer-se-á da questão da violação do princípio ne bis in idem;   
ii) – Seguidamente, se for caso disso, conhecer-se-á das questões de prescrição do procedimento disciplinar:
- em primeiro lugar, da prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar;
- depois, da prescrição na conclusão do mesmo.

         III – Fundamentação   

1. Factualidade provada

Da prova produzida nos autos resulta como provada a seguinte factualidade:
         1.1. AA exerceu, durante mais de 30 anos as funções de oficial de justiça, ultimamente na categoria de escrivão auxiliar, tendo sido desligado do serviço, em fevereiro de 2018, em virtude de aplicação da pena disciplinar de demissão;  
        1.2. No ano de 2010, o demandante esteve colocado no então designado Tribunal da Comarca de ..., onde, de resto, decorreu a maior parte da sua carreira profissional;
        1.3. Em novembro de 2010, o Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) determinou a instauração ao ora demandante de processo disciplinar que correu termos sob o n.º 243-DIS/10 para averiguação de factos por ele praticados no processo criminal abreviado (PAbr.) n.º 192/09.3GAPCR e no processo criminal singular (PCS) n.º 200/09.8GAPCR do referido Tribunal;
         1.4. Do PAbr. n.º 192/09.3GAPCR, no que aqui releva, consta o seguinte:
         1.4.1. «No processo n.º 192/09.3GAPCR, que correu termos no Tribunal Judicial do Tribunal de ..., por decisão de 07/01/ 2010, foi aplicada [...] [a] BB, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.»
1.4.2. «Na data do julgamento, em 07/01/2010, foi [...] notificado, na pessoa do seu defensor, para no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da sentença, entregar a carta de condução no Tribunal ou em qualquer posto policial da área da sua residência.»
1.4.3. «Depois do julgamento e do depósito da sentença, o arguido AA lavrou um “Termo de Entrega” com data de 19/01/ 2010, consignando que, naquela data, por CC, pai do arguido BB, foi entregue a Carta de Condução n.º ..., emitida em 14/06/2006 por ...»
1.4.4. «Aquele “Termo de Entrega” mostra-se assinado por CC, a esferográfica azul.»
1.4.5. «Embora a data constante do “Termo de Entrega” seja a de 19/ 01/2010, data correspondente ao termo que foi elaborado no programa habilus pelo arguido, a folha em que foi lavrado apresenta uma Certificação CITIUS: Elaborado em: 18-05- 2010.»
1.4.6. «No mesmo processo, foi junto pelo arguido um ofício (ou duplicado) com a referência 208964, datado de 22/02/2010, dirigido à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, em Lisboa, referindo a remessa de cópia da sentença. No entanto não há, naquela entidade, registos da recepção daquela comunicação, sendo que a mesma não foi remetida através de carta registada (por hábito aquelas comunicações eram feitas através de carta simples);
1.4.7. «Com a data de 22/02/2010, o arguido efectuou uma consulta no programa habilus aos detalhes do interveniente, documento que juntou aos autos a fls. 60 e que serve de base à remessa do boletim do registo criminal, constando da mesma e para além do mais, a constituição de arguido, o crime imputado, as penas aplicadas e o trânsito em julgado da decisão (27/0112010).»
1.4.8. «O arguido [AA] elaborou em 10/11/2010 uma notificação no programa habilus, que não juntou ao processo físico, colocando-lhe a data de 29/04/2010, correspondente a uma carta registada, como se a mesma tivesse sido enviada ao arguido, residente em França, referindo a devolução da carta de condução, notificação que sabia não ter enviado.»
1.4.9. «Não existe qualquer registo de correspondência respeitante ao processo em causa com data de 29/04/2010.»
1.5. Do PCS n.° 200/09.8GAPCR, no que aqui releva, extrai-se o seguinte:
1.5.1. Julgado em 7/10/2010 no PCS n.° 200/09.8GAPCR. foi «DD [...] condenado, para além do mais, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 4 meses e 15 dias.»
1.5.2. «Na mesma data foi notificado para no prazo de 10 dias após o trânsito da sentença, proceder à entrega da carta de condução na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial.»
1.5.3. «O arguido AA elaborou um “Termo de Entrega” com data de 14/10/2010, consignando que [...] DD lhe fez entrega da carta de condução n.º ... emitida pela DGV de ..., a qual ficaria guardada no cofre do tribunal.»
1.5.4. O que não correspondia à realidade dos factos, como bem sabia, por o dito DD não haver entregado no tribunal o documento em causa.
1.6. No desfecho do referido processo disciplinar n.º 243-DIS/10 foi aplicada ao ora demandante, conforme acórdão do CSM de 19/06/ 2012, a pena disciplinar de 40 dias de suspensão, com base nas condutas descritas, por se considerar o mesmo incurso na prática de infração disciplinar consistente em violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo e lealdade, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b), e) e g), e n.ºs 3, 4, 7 e 9, da Lei n.º 58/2008, de 9/09, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP), por força do art.º 90.º do EFJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26/08;
1.7. Os factos que foram objeto do processo disciplinar n.º 243-DIS/10, bem como outros similares praticados pelo demandante nos processos criminais singulares (PCS) n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9 GAPCR do mesmo tribunal, foram investigados no inquérito criminal n.º 2340/10.1TAVCT da Procuradoria Geral da República do então designado Tribunal da Comarca de ...;
1.8. O inquérito criminal referido foi encerrado com dedução de acusação em 19/05/2015, na qual foi imputada ao arguido AA, ora demandante, a prática dos seguintes crimes:
1.8.1. No PAbr n.º 192/09.3GAPCR:
a) - de falsificação agravada, p. e p. pelo artigo art.º 256.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4 do Código Penal (CP), conjugado com os artigos 255.º, alínea a), do mesmo diploma e 363.º n.º 2, e 371.º do Código Civil (CC);
b) - de denegação de justiça, p. e p. pelo art.º 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP;
c) - de falsidade informática, p. e p. pelos artigos 2.º, 3.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, pelos factos descritos em 1.4 que se apuraram;
d) - De corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º 1, do CP, em razão de dádiva, ilícita, de 500,00 recebida do co-arguido BB;
1.8.2. No PCS n.º 200/09.8GAPCR, pelos factos descritos em 1.5:
- de falsificação agravada, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4 do CP, conjugado com os artigos 255.º, alínea a), do mesmo diploma e 363.º, n.º 2, e 371.º do CC, em co-autoria com o co-arguido DD;
- de denegação de justiça, p. e p. pelo art.º 369° n.ºs 1 e 2 do CP; 
1.8.3. No PCS n.º 18/09.8GAPCR:
- de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º 1, do CP;
- de falsificação agravada, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º  1, alínea d), e n.º 4 do CP, conjugado com os artigos 255.º, alínea a), do mesmo diploma e 363.º, n.° 2, e 371.º do CC;
- de denegação de justiça, p. e p. pelo art.º 369.º, n.ºs 1 e 2 do CP;
- de falsidade informática p. e p. pelos artigos 2.º, 3.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15/09;
1.8.4. No PCS n.º 222/09.9GAPCR, de corrupção passiva, sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 373.º,, n.º 1, 23.º e 72.º do CP;
1.9. Por ofício do Exm.º Procurador da República de ..., a sobredita acusação foi comunicada aos serviços do COJ em 29/05/ 2015;
1.10. No cotejo dessa acusação com a deliberação final proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10, foi verificado que aquela continha matéria factual disciplinarmente relevante, a qual:
- ou não tinha sido, de todo, ali considerada - como no caso do crime de corrupção passiva indiciado no PAbr n.º 192/09.3GAPCR e de toda a matéria apurada em relação aos PCS n.º 18/09. 8GAPCR e n.º 222/09. 9GAPCR;
- ou, tendo-o sido, não o fora nalgumas das nuances relevadas na sobredita acusação - como era o caso da falsificação de documento referenciada no PAbr n.º 192/09.3GAPCR ao “termo de entrega” mencionado em 1.4.3. a 1.4.5.
1.11. Nessa conformidade, o Plenário do COJ deliberou, em 04/06/ 2015, sob proposta do dia anterior do respetivo Vice-Presidente, instaurar o procedimento disciplinar que veio a correr termos sob o processo disciplinar n.º 87-DIS/15, para averiguação de todos aqueles novos factos.
1.12. Autuado tal processo em 17/06/2015, nele foi proferido despacho de 10/08/2015, pelo Exm.º Vice-Presidente do COJ, no uso de competência subdelegada pelo Despacho n.° 4140/2014, in DR, II, n.º 55, de 19/ 03, a decretar a sua suspensão até à conclusão do processo criminal que lhe tinha dado origem, com a consideração de que, sendo materialmente os mesmos os factos objeto de ambos, a prova criminal «revest[ia] crucial importância para uma boa decisão do processo disciplinar.
1.13. Entretanto, requerida a instrução no Inquérito n.º 2340/10.1 TAVCT, ali veio a ser proferido despacho de pronúncia que acolheu, nos seus precisos termos, a acusação.
1.14. Distribuído, como processo comum coletivo, ao Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial de ..., foi nele proferido despacho, em 02/12/2015, a designar dia para julgamento.
1.15. Em 14/04/2016, em audiência de julgamento, foi ordenada a separação de processos quanto aos factos referenciados ao PAbr n.º 192/09. 3GAPCR, dando a respetiva certidão origem ao PCC n.º 1955/16.9T8VCT do mesmo juiz e juízo.
1.16. Em 18/05/2016, foi publicado acórdão no PCC n.º 2340/10.1 TAVCT, transitado em 17/6/2016.
1.17. Através dele, o ora demandante foi condenado na pena conjunta de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período com sujeição a regime de prova, pela autoria material de crimes de falsidade informática, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, praticados no âmbito da sua intervenção no PCS n.º 18/09.8GAPCR - pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão - e de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 372.º,  n.º 1, do CP, conexo com a sua intervenção no PCS n.º 222/09.9GAPCR -  pena parcelar de 2 anos de prisão -, e absolvido da prática dos crimes de corrupção passiva (art.º 372.º, n.º 1, do CP), de falsificação de documento agravada (artigos 256.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4) e de denegação de justiça (art.º 369.º, n.º 1 e 2, do CP), referenciados ao mesmo PCS n.º 18/09.8 GAPCR, bem como de tudo quanto respeitava ao PCS n.º 200/09.8 GAPCR.
1.18. Comunicada tal condenação, o Plenário do COJ deliberou, em 06/10/2016, o levantamento da suspensão do processo disciplinar n.º 87-DIS/15, decretada em 10/08/2015 e o seu prosseguimento.
1.19. Em 21/12/2016, foi deduzida acusação disciplinar, na qual foi imputada ao demandante a prática do mesmo núcleo de factos ocorridos nos PCS n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR, por ter havido condenação no PCC n.º 2340/10.1TAVCT.
1.20. Tais factos foram ali tidos por integradores de duas infrações disciplinares:
- uma, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de lealdade, prevista pelos artigos 90.º do EFJ, e 3.º, n.º 2, alíneas a) e g), 4 e 9, 9.º, n.° 1, alínea c), 10.º, n.ºs 3 e 4, e 17.º do EDTEFP, punível com pena de suspensão - factos conexos com o PCS n.° 18/09.8GAPCR;
- a outra, dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista e punida pelos artigos 90.º do EFJ e 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea c), 10.º, n.º 5, alínea b), e 18.º, n.º 1, alínea j), do EDTEFP, punível com a pena de demissão - factos conexos com o PCS n.º 222/09.9GAPCR;
- ambas essas violações puníveis com a pena única de demissão.
1.21. Após contestação, seguiu-se a produção de prova requerida pela defesa.
1.22. Foi também junta certidão de acórdão de 16/02/2017 proferido no PCC n.º 1955/16.9T8VCT, publicado e transitado em 20/03/2017, no qual o demandante foi condenado pelos factos ocorridos no PAbr n.º 192/ 03.3GAPCR em pena conjunta de 4 anos de prisão, suspensa da sua execução com sujeição a regime de prova, ali qualificados como crimes de:
- falsidade informática, p. e p. pelos artigos 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 - pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão;
- corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º n.º 1, do CP - 2 anos de prisão;
- falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art.º 256.º,  n.ºs 1, alínea d), e 4 do CP - 1 ano e 8 meses;
- denegação de justiça, p. e p. pelo art.º 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP - 8 meses.
1.23. Em 23/05/2017, no processo disciplinar n.º 87-DIS/15, foi elaborado o relatório final previsto no art.º 54.º, n.º 1, do ED, no qual foi proposta a instauração de procedimento disciplinar autónomo relativamente aos factos noticiados na certidão do acórdão condenatório do PCC n.º 1955/ 16.9T8VCT ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR, prosseguindo o processo disciplinar n87-DIS/15 apenas pelo ocorrido nos PCS n.º 18/09. 8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR.
1.24. No mesmo, concluiu-se pelo indeferimento da arguição deduzida na contestação e reiterada em requerimento do demandante de 06/04/2017, da prescrição das infrações disciplinares e do procedimento e da violação do princípio do ne bis in idem.
1.25. Concluiu-se também pela comprovação, entre o mais, de todos os factos constantes da acusação ali deduzida e pela prática pelo ora demandante das precisas infrações disciplinares que ali lhe vinham imputadas.
1.26. E foi proposta a aplicação das penas parcelares de suspensão e de demissão e da pena única de demissão.
1.27. Por despacho de 23/05/2017 do Vice-Presidente do COJ, ratificado por deliberação do respetivo Plenário de 01/06/2017, foi ordenada, em consonância com o proposto no relatório, a instauração de processo disciplinar autónomo, quanto aos factos apurados no PCC n.º 1955/16.9T8VCT, dando origem ao presente processo disciplinar n.º 87-DIS/17.
1.28. Em 21/06/2017, ali foi deduzida acusação, em que se descreveu a totalidade dos factos pelos quais houve condenação criminal no PCC n.º 1955/16.9T8VCT.
1.29. De entre eles, destacam-se os seguintes:
a) - «No dia 07/01/2010, o arguido BB foi julgado no tribunal judicial de ..., no âmbito do processo abreviado 192/09.3GAPCR (apenso aos presentes autos) por condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, tendo sido condenado, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses, e sido advertido, na pessoa do seu defensor [...] de que, após trânsito em julgado da sentença, deveria entregar e respectiva carta de condução naquele tribunal ou em qualquer posto policial da área de sua residência no prazo de dez dias.»
b) - «No âmbito desse processo [...], a fls. 58, consta um termo de entrega de carta de condução para cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido BB, datado de 19/01/2010, entrega essa pretensamente feita por parte de seu pai, e com o respetivo termo também supostamente por este assinado, o arguido CC, na ausência do filho, emigrado em ....»
c) - «O dito termo foi elaborado e rubricado pelo funcionário AA com essa data, mas convertido em versão final apenas em 18/05/2010.»
d) - «No entanto, essa carta de condução nunca foi entregue para constar do processo em causa, tendo o arguido AA forjado essa entrega, adulterando as datas/termos informáticos o escrevendo pelo sou próprio punho uma assinatura como se fosse a do arguido CC, pai do arguido BB.»
e) - «Desta forma, o arguido AA exarou nos ditos autos uma intencional falsidade de assinatura no sentido de beneficiar ilicitamente o BB, bem sabendo que atuava ilicitamente e em incumprimento dos seus deveres de funcionário.»
f) - «No [...] [PAbr] n.º 192/09.30ARC não consta qualquer devolução da carta de condução do arguido DD, sendo que, contudo, no registo histórico informático Habílus/Citius [...] existe um documento com Referência 235198 - Oficio de devolução de Carta de Condução, com a data, no texto, de 29/04/2010, mas que apenas foi convertido em versão/documento definitivo em 10/11/2010, conforme Certificação Citius constante do canto superior direito.»
g) - «Tal documento, com data de 29/04/2010 foi gerado em 10/11/ 2010 e convertido em versão definitiva nessa mesma data 10/11/2010 – data em que foram detectadas irregularidades.»
h) - «Quanto à autoria deste documento [...] este foi igualmente criado e convertido em versão/documento definitivo pelo arguido, funcionário/utilizador AA, sendo que tal documento foi também anulado pelo mesmo.»
i) - «O arguido AA, com esta concreta conduta, ao exarar processualmente dados inverídicos, para além de ter actuado também com a intenção de beneficiar o arguido BB e de procurar ocultar toda a descrita ilicitude, assim violando os seus deveres de funcionário, com tal engano pôs igualmente em causa deliberadamente a credibilidade do sistema informático do Estado/ Ministério do Justiça/Sistema Habilus/Citius e o trato jurídico imanente.»
j) - «Por via do descrito, foi instaurado processo disciplinar ao arguido AA pelo Conselho dos Oficiais de Justiça que correu termos com o n.º 243-DIS/10 [...] no qual o arguido CC, pai do arguido BB, declarou na qualidade de testemunha [...], a pedido do arguido AA, que o Termo de Entrega em questão havia sido assinado por ele, bem como que teria entregue a Carta de Condução do seu filho, o que não correspondia à verdade, como bem sabia, com a consciência perfeita do que estava a cometer uma falsidade.»
k) - «Após a condenação do arguido BB, em data indeterminada de 2010, este telefonou de ... a EE tendo-lhe pedido que entregasse 500 Euros em numerário na “Café ...” em ... para efeitos do processo em que havia sido condenado, para posterior entrega ao arguido ... do “...” (...), conforme este lho tinha solicitado, para evitar que ficasse sem a carta de condução e pudesse continuar a conduzir veículos motorizados livremente durante o período da inibição.»
l) - Para tal, o arguido BB, anuindo ao pedido, fez uma prévia transferência bancária para uma conta da EE, a qual [...], após levantamento bancário, na posse daquela quantia em numerário, o seguindo as instruções do .....a colocou num envelope, com os dizeres “...”, e o deixou naquele estabelecimento de café, onde posteriormente o arguido AA o foi buscar, assim se tendo locupletado ilicitamente com o dito montante, violando as funções do funcionário que lhe estavam cometidas ao não cumprir o determinado em sentença.»
m) - «O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e intencionalmente, com a consciência perfeita de que actuava Ilegalmente; o arguido AA quis e pediu ao arguido BB, e conseguiu deste a dita quantia, para o favorecer e para enriquecer desonestamente o seu [...] património pessoal, bem ciente da gravidade da sua conduta pessoal e de que denegria a imagem da Justiça com a omissão da prática dos seus deveres funcionais.»
n) - «No processo 192/09.3GAPCR consta um documento com a Referência 208964 - Ofício de envio de sentença à Autoridade Nacional de envio de sentença, com a data de 22/02/2010 e que supostamente corresponderia ao envio, como se impunha legal e oficiosamente, ao citado organismo, da sentença de condenação de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três [meses], oficio este rubricado pelo “Oficial do Justiça AA”, sendo que, contudo, tal documento/ofício nunca foi efectivamente remetido, nem recebido na A.N.S.R..»
o) - «Este documento [...], apesar de conter a data de 22/02/2010, apenas foi convertido em versão/documento definitivo (formato "pdf' - para impressão) em 18/05/2010, conforme data de Certificação Citius constante do canto superior direito do documento existente no registo histórico em suporte Informático/Cd, sendo que, neste caso, o documento impresso e constante do processo não contém tal certificação no canto superior direito, pelo que nunca poderia ter sido remetido naquela data, mas apenas em 18/05/2010, sendo que, contudo e conforme referido, nunca foi efectivamente remetido.»
p) - «Em relação à autoria deste documento [...], o mesmo foi criado e convertido em versão/documento definitivo pelo arguido funcionário /utilizador AA.»
q) - «Na sentença deste processo [...] é ainda determinado que seja remetido boletim à Direcção de Serviços de Identificação Criminal/ D.S.I.C., não tendo, no entanto, e dentro do prazo, o arguido funcionário AA, cumprido tal determinação, tendo apenas dado cumprimento em 03/11/2010, conforme documento com Referência 234471, datado de 03/11/2010 e da sua autoria [...], tendo inserido esta peça processual no processo repetindo a folha 60 (a folha 60 já constava e é datada de 22/02/2010 - Vide canto inferior esquerdo desta folha 60), pelo que esta peça processual/folha 60, datada do 03/11/2010, foi inserida em data muito posterior à peça processual/folha 60 que se segue.»
r) - «Mais uma vez, o arguido AA, actuando voluntária e deliberadamente, no intuito de, com esta concreta conduta, ao exarar processualmente dados inverídicos, para além de ter actuado também com a intenção de beneficiar o arguido BB e de procurar ocultar toda a descrita ilicitude, assim violando os seus deveres de funcionário, com tal engano pôs igualmente em causa intencionalmente a credibilidade do sistema informático do Estado/Ministério da Justiça/Sistema Citius/Habilus e o trato jurídico imanente, com a consciência perfeita da ilicitude que praticava.»
1.30. Factos de que, no momento de identificar o núcleo da imputação disciplinar, o libelo apenas relevou:
a) - por um lado, os que acabam de ser transcritos nas alíneas d) e e) do ponto 1.29, relativos à falsa atestação da entrega da carta de condução e à falsificação da assinatura do pai do ali arguido;
b) - por outro, os transcritos nas alíneas k) a m) do ponto 1.29, relativos ao recebimento corruptivo, dos 500,00;
e considerando todos os demais já anteriormente conhecidos no processo disciplinar n.º 243-DIS/10.
1.31. Factos aqueles [referidos nas alíneas a) e b) do ponto 1.30] com base nos quais imputou ao demandante a comissão, de duas infrações disciplinares:
- uma, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, previstos e punidos pelos artigos 90.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 343/99, de 26/08, e artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), e n.ºs 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, e 18.º, alínea o), todos da Lei n.º 58/2008 de 09/09, a sancionar com a pena demissão;
- a outra, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista e punida pelos artigos 90.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 343/99, de 26/08, e artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), e n.° 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, al. b), e 18.º, n.º 1, alínea j), todos da Lei n.º 58/2008, de 09/09, sancionada com a pena demissão;
- e ambas com a pena única de demissão.
1.32. Em 13/10/2017, foi elaborado no processo disciplinar o relatório final previsto no art.° 54.º, n.° 1, do ED, em que:
a) - se pronunciou pelo indeferimento da arguição, deduzida na contestação, da prescrição das infrações disciplinares e do procedimento e da violação do princípio do ne bis in idem;
b) – se concluiu pela comprovação de todos os factos constantes da acusação e pela comissão pelo demandante das precisas infrações disciplinares imputadas nessa peça;
c) - se propôs, como ali, a aplicação das penas parcelares e única de demissão.
1.33. A deliberação de 09/11/207, do Plenário do COJ fez seus os factos, a fundamentação e a sanção proposta no relatório final, aplicando em conformidade a pena única de demissão ao demandante.
1.34. Inconformado com tal deliberação, o ora demandante recorreu dela para o CSM, arguindo a sua nulidade por violação do princípio do ne bis in idem e por correr prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar e prescrição próprio do procedimento, pedindo o arquivamento dos autos «pela verificação da prescrição.»
1.35. Por deliberação do Plenário do CSM, de 06/02/2018 – a ora impugnada – foi desatendido recurso administrativo na sua totalidade, mantendo «nos seus precisos termos» o ato punitivo do COJ.
1.36. Tal ato considerou o seguinte:
a) - Definitivamente fixada toda a matéria de facto assente no ato impugnado;
b) -          Não ocorrerem prescrições nem violação do princípio do ne bis in idem;
c) - Integrarem as condutas do demandante duas infrações disciplinares:
- uma, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de lealdade, prevista pelos art.º 90.º do EFJ, e  pelos artigos 3.º, n.º 2, alíneas a) e g), 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea c), 10.º n.ºs 3 e 4, e 17.º do EDTEFP factos referenciados à falsificação do termo entrega da carta de condução;
- a outra, dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista pelos artigos art.º 90.º do EFJ, e artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea c), 10.º, n.º 5, alínea b), e 18.º, n.º 1, alínea j), do EDTEFP - factos referenciados ao ato de corrupção passiva;
d) – Mostrarem-se adequadas e proporcionadas as penas parcelares e única de demissão.
1.37. A referida deliberação do CSM foi notificada ao demandante por carta registada a 09/02/2018.

2. Análise fáctico-jurídica   

2.1. Quanto à questão da invocada violação do princípio ne bis in idem

Vem o demandante invocar a violação do princípio ne bis in idem, sustentando, em síntese, que ocorre identidade entre os factos que foram objeto do processo disciplinar n.º 243-DIS/10, ocorridos no PAbr. n.º 192/ 03.3GAPCR, pelos quais aquele demandante foi condenado na sanção disciplinar 40 dias de suspensão e os factos ocorridos no mesmo PAb. e que foram objeto dos processos disciplinares n.º 87-DIS/15 e n.º 87-DIS/17, culminando na aplicação ao mesmo demandante da sanção disciplinar de demissão mantida pela deliberação do Plenário do CSM ora impugnada.

Por sua vez, quer o CSM quer o MP, no douto parecer de fls. 145-171, sustentam que, embora se trate de factos imputados ao demandante ocorridos no mesmo processo criminal (PAbr. n.º 192/03.3GAPCR), os que foram objeto do processo disciplinar n.º 243-DIS/10 configuram-se como infrações disciplinares conexas com factos ilícitos criminais distintos dos que foram objeto do processo disciplinar n.º 87-DIS/17, pelo que não se verifica a alegada violação do princípio ne bis in idem.   

Vejamos.

Como se observa no douto parecer do MP, o regime disciplinar dos funcionários de justiça, a que é subsidiariamente aplicável o regime disciplinar geral dos trabalhadores que exercem funções públicas, enquanto direito sancionatório público, comunga dos princípios gerais do direito penal e do direito processual penal.
Ora, um dos princípios basilares do processo penal é o denominado princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
Tal princípio encontra-se incluído no capítulo dos «direitos, liberdades e garantias pessoais», assumindo, por isso, a natureza de garantia fundamental dos cidadãos de não serem duplamente perseguidos pelos mesmos factos ilícitos criminais.
Embora o sobredito preceito constitucional se refira expressamente à perseguição criminal, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que aquele princípio, em virtude da sua ratio, deve ser aplicado também à perseguição de infrações de matriz disciplinar.

Assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira[1], quanto ao referido princípio ne bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.º da CRP, consideram que:
“[…] comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.
(…)
A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime».”
E, noutro passo, acrescentam que:
«É problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo são extensíveis a outros domínios sancionatórios. (…) Há-de, porém, entender-se que esses princípios devem, na parte pertinente, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar
Também Jorge Miranda e Rui Medeiros[2], em anotação ao mesmo normativo, referem que:
«[…] embora o art.º 29.º se refira somente  à lei criminal, deve considerar-se que parte destes princípios (…) se aplicam também aos outros dois ramos do chamado direito público sancionatório: o direito de mera ordenação social e o direito disciplinar (…).»

Na mesma linha de entendimento se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão de 14/10/2015, proferido no processo n.º 2/15.2 YFLSB da Secção do Contencioso[3], ao considerar que:
«I - O art.º 29.º, n.º 5, da CRP prevê a inadmissibilidade, em sentido amplo, de um segundo procedimento que vise o mesmo sujeito e que incida sobre factos que já constituíram objecto de um outro processo, apresentando-se como um princípio que comporta uma dimensão subjectiva - um direito do cidadão perante o Estado que tem na base a necessidade de assegurar a sua paz jurídica – e uma dimensão objectiva – impõe ao legislador a definição do direito processual e do caso julgado material para evitar a existência de um duplo julgamento sobre os mesmos factos.
II - Para que se pudesse concluir pela violação do princípio do ne bis in idem, era imperioso que se focassem os aspectos de identidade entre as condutas apreciadas na decisão recorrida e aquelas pelas quais a recorrente foi sancionada noutros processos, tanto mais que a deliberação do CSM teve o cuidado de não incluir actuações protagonizadas pela recorrente em outros processos judiciais que foram objecto de um outro processo.»
E também no acórdão da Secção do Contencioso do STJ de 23/06/ 2016, proferido no processo n.º 16/14.0YFLSB, citado no sobredito parecer do MP, foi considerado que:
«O princípio non bis in idem, proíbe assim que, na actividade sancionatória, se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material. As fundamentais razões dessa proibição residem, por um lado, na paz jurídica que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários. E, para que a referida proibição assuma o devido alcance, a doutrina fá-la acompanhar do que designa por um mandado de esgotante apreciação de toda a matéria cognoscível.»          
Em suma, o que o princípio ne bis in idem proíbe é que, na atividade sancionatória, se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato fáctico, de modo a evitar pronúncias díspares sobre factos unitários.
Assim, constando o princípio ne bis in idem do catálogo dos direitos fundamentais plasmado na Constituição, sempre que ocorrer violação do mesmo na realização de ato punitivo, este ato será nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos do artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA/15.
Feitas estas considerações, debrucemo-nos agora sobre o caso dos autos.

Como resulta do inicialmente relatado, a presente impugnação tem por objeto a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 06/02/2018, proferida no processo n.º 2017-17/OJ, que negou provimento ao recurso administrativo especial interposto pelo ora demandante AA da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de 09/11/2017, tomada no processo disciplinar n.º 87-DIS/17, mantendo assim a condenação do mesmo, na qualidade de oficial de justiça, na categoria de escrivão auxiliar, na pena disciplinar única de demissão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 89.º do EFJ, 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g), 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, e 18.º da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTEFP).
  Tal sanção disciplinar teve como fundamento os factos imputados ao arguido AA, por este cometidos no processo criminal abreviado (PAbr) n.º 192/03.3GAPCR, pelos quais contra o mesmo arguido foi deduzida acusação em 19/05/2015, no desfecho no inquérito criminal n.º 2340/10.1TAVCT, acolhida por subsequente despacho de pronúncia, e, por fim, proferida condenação no processo criminal em coletivo (PCC) n.º 1955/16.9T8VCT - por sua vez, resultante de separação, ordenada em 14/04/2016, do PCC n.º 2340/10.1TAVCT -, conforme acórdão de 16/02/2017, publicado e transitado em 20/03/2017.
Da referida acusação, no respeitante aos factos cometidos no PAbr. n.º 192/03.3GAPCR, consta a imputação ao arguido dos seguintes crimes:
a) - de falsificação agravada, p. e p. pelo artigo art.º 256.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4 do CP, conjugado com os artigos 255.º, alínea a), do mesmo diploma e 363.º n.º 2, e 371.º do CC;
b) - de denegação de justiça, p. e p. pelo aart.º 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP;
c) - de falsidade informática, p. e p. pelos artigos 2.º, 3.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, pelos factos descritos em 1.4 que se apuraram;
d) - De corrupção passiva, p. e p. pelo art..º 373.º, n.º 1, do CP, em razão de dádiva, ilícita, de 500,00 recebida do co-arguido BB.  
E nos termos do indicado acórdão, de 16/02/2017, proferido no PCC n.º 1955/16.9T8VCT, o mesmo arguido foi condenado em pena conjunta de 4 anos de prisão, suspensa da sua execução com sujeição a regime de prova, pelos factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR, qualificados como crimes de:
a) - falsidade informática, p. e p. pelos artigos 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 - pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão;
b) - corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º n.º 1, do CP - 2 anos de prisão;
c) - falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art.º 256.º,  n.ºs 1, alínea d), e 4 do CP - 1 ano e 8 meses;
d) - denegação de justiça, p. e p. pelo art.º 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP - 8 meses.
         
           Sucede que, em novembro de 2010, o COJ determinou a instauração de processo disciplinar contra o ora demandante, que correu termos sob o n.º 243-DIS/10, para averiguação de factos por ele praticados no processo criminal abreviado (PAbr.) n.º 192/09.3GAPCR e no processo criminal singular (PCS) n.º 200/09.8GAPCR do referido Tribunal.
No desfecho desse processo disciplinar n.º 243-DIS/10, conforme acórdão do CSM de 19/06/2012, foi aplicada àquele a pena disciplinar de 40 dias de suspensão pela prática de infração disciplinar consistente em violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo e lealdade, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b), e) e g), e n.ºs 3, 4, 7 e 9, da Lei n.º 58/2008, de 9/09, que aprovou o EDTEFP, por força do art.º 90.º do EFJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26/08.

A par disso, os factos que foram objeto do processo disciplinar n.º 243-DIS/10, bem como outros similares praticados pelo demandante nos PCS n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR, foram investigados no inquérito criminal n.º 2340/10.1TAVCT, de que resultou a acusação deduzida em 19/05/2015 e subsequente pronúncia.
Porém, do confronto dessa acusação com a deliberação final proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10, constatou-se que aquela continha matéria factual disciplinarmente relevante, a qual, no que aqui interessa: i) - não tinha sido, de todo, ali considerada - como no caso do crime de corrupção passiva indiciado no PAbr n.º 192/09.3GAPCR; ii) - ou, tendo-o sido, não o fora nalgumas das nuances relevadas na sobredita acu-sação, como no caso da falsificação de documento referenciada no PAbr n.° 192/09.3GAPCR ao “termo de entrega” mencionado em pontos 1.4.3. a 1.4.5 dos factos acima descritos. 
Foi perante tal constatação que o Plenário do COJ deliberou, em 04/06/2015, sob proposta do dia anterior do respetivo Vice-Presidente, instaurar o procedimento disciplinar que veio a correr termos sob o n.º 87-DIS/15, com vista a averiguar todos aqueles factos novos, processo este, autuado em 17/06/2015, em que foi proferido despacho de 10/08/2015 pelo Vice-Presidente do COJ, no uso de competência subdelegada pelo Despacho n.° 4140/2014, in DR, II, n.º 55, de 19/03, a decretar a sua suspensão até à conclusão do processo criminal que lhe tinha dado origem, com a consideração de que, sendo materialmente os mesmos os factos objeto de ambos, a prova criminal revestia importância crucial para uma boa decisão do processo disciplinar. 
Posteriormente, comunicada que foi a condenação decretada pelo acórdão proferido no PCC n.º 2340/10.1TAVCT, publicado em 18/05/ 2016 e transitado em 17/6/2016, o Plenário do COJ deliberou, em 06/10/ 2016, o levantamento da suspensão do processo disciplinar n.º 87-DIS/ 15 e o seu prosseguimento, sendo ali deduzida acusação disciplinar, em 21/12/2016, na qual foi imputada ao arguido a prática do mesmo núcleo de factos ocorridos nos PCS n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR, por ter havido condenação no PCC n.º 2340/10.1TAVCT.
Ao referido processo disciplinar foi mais tarde junta certidão de acórdão de 16/02/2017 proferido no PCC n.º 1955/16.9T8VCT, publicado e transitado em 20/03/2017, no qual o demandante foi condenado, por factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR, qualificados nos crimes acima indicados, em pena conjunta de 4 anos de prisão, suspensa da sua execução com sujeição a regime de prova.
No mesmo processo disciplinar (n.º 87-DIS/15), foi elaborado relatório final, em 23/05/2017, no qual, além do mais, foi proposta a instauração de procedimento disciplinar autónomo relativamente aos factos constantes do acórdão condenatório do PCC n.º 1955/16.9T8VCT ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR, prosseguindo aquele processo disciplinar apenas pelos factos ocorrido nos PCS n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR.
Em face do assim proposto, foi proferido despacho de 23/05/2017 do Vice-Presidente do COJ, ratificado por deliberação do respetivo Plenário de 01/06/20917, a ordenar o prosseguimento em processo disciplinar autónomo, no respeitante aos factos apurados no PCC n.º 1955/16. 9T8VCT, dando então origem ao processo disciplinar n.º 87-DIS/17.
Neste processo, foi deduzida acusação disciplinar em 21/06/2017, nela se descrevendo a totalidade dos factos pelos quais houve condenação criminal no PCC n.º 1955/16.9T8VCT, conforme o constante do ponto 1.29 da factualidade acima consignada. 
Não obstante isso, só foram tidos como disciplinarmente ali relevantes os factos transcritos nas alíneas d) e e) do ponto 1.29, relativos à falsa atestação da entrega da carta de condução e à falsificação da assinatura do pai do ali arguido, e os transcritos nas alíneas k) a m) do ponto 1.29, relativos ao recebimento corruptivo, dos 500,00, considerando-se que todos os demais já haviam sido anteriormente conhecidos no processo disciplinar n.º 243-DIS/10.

De referir que os factos transcritos nas alíneas d) e e) do ponto 1.29 são os seguintes:
d) - «No entanto, essa carta de condução nunca foi entregue para constar do processo em causa, tendo o arguido AA forjado essa entrega, adulterando as datas/termos informáticos o escrevendo pelo sou próprio punho uma assinatura como se fosse a do arguido CC, pai do arguido BB.»
e) - «Desta forma, o arguido AA exarou nos ditos autos uma intencional falsidade de assinatura no sentido de beneficiar ilicitamente o BB, bem sabendo que atuava ilicitamente e em incumprimento dos seus deveres de funcionário.»
Por sua vez, os factos transcritos nas alíneas k) a m) do mesmo ponto são os seguintes:  
k) - «Após a condenação do arguido BB, em data indeterminada de 2010, este telefonou de ... a EE tendo-lhe pedido que entregasse 500 Euros em numerário na “Café ...” em ... para efeitos do processo em que havia sido condenado, para posterior entrega ao arguido ...” (...), conforme este lho tinha solicitado, para evitar que ficasse sem a carta de condução e pudesse continuar a conduzir veículos motorizados livremente durante o período da inibição.»
l) - Para tal, o arguido BB, anuindo ao pedido, fez uma prévia transferência bancária para uma conta da EE, a qual [...], após levantamento bancário, na posse daquela quantia em numerário, o seguindo as instruções do DD, a colocou num envelope, com os dizeres “...l”, e o deixou naquele estabelecimento de café, onde posteriormente o arguido AA o foi buscar, assim se tendo locupletado ilicitamente com o dito montante, violando as funções do funcionário que lhe estavam cometidas ao não cumprir o determinado em sentença.»
m) - «O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e intencionalmente, com a consciência perfeita de que actuava Ilegalmente; o arguido AA quis e pediu ao arguido BB, e conseguiu deste a dita quantia, para o favorecer e para enriquecer desonestamente o seu [...] património pessoal, bem ciente da gravidade da sua conduta pessoal e de que denegria a imagem da Justiça com a omissão da prática dos seus deveres funcionais.»

E foi com base nesses factos que foi então imputada ao demandante a prática de duas infrações disciplinares:
- uma, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, previstos e punidos pelos artigos 90.º do EFJ, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 343/99, de 26/08, e artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), e n.ºs 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, e 18.º, alínea o), todos da Lei n.º 58/2008 de 09/09, a sancionar com a pena demissão;
- a outra, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista e punida pelos artigos 90.º do EFJ, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 343/99, de 26/08, e artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), e n.° 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, al. b), e 18.º, n.º 1, alínea j), todos da Lei n.º 58/2008, de 09/09, sancionada com a pena demissão;
- e ambas com a pena única de demissão.
Sobre essa acusação o Plenário do COJ proferiu a deliberação de 09/ 11/2017 a acolher inteiramente os factos, a fundamentação e a sanção proposta, aplicando em conformidade a pena única de demissão ao demandante.   
Tendo o ora demandante impugnado tal deliberação perante o CSM, com fundamento nulidade por violação do princípio do ne bis in idem e por prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar e prescrição próprio do procedimento, o Plenário do CSM proferiu, em 06/02/2018, a deliberação ora impugnada, considerando o seguinte:
a) - Definitivamente fixada toda a matéria de facto assente no ato impugnado;
b) - Não ocorrerem prescrições nem violação do princípio do ne bis in idem;
c) - Integrarem as condutas do demandante duas infracções disciplinares:
- uma, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de lealdade, prevista pelos art.º 90.º do EFJ, e  pelos artigos 3.º, n.º 2, alíneas a) e g), 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea c), 10.º n.ºs 3 e 4, e 17.º do EDTEFP factos referenciados à falsificação do termo entrega da carta de condução;
- a outra, dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista pelos artigos art.º 90.º do EFJ, e artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea c), 10.º, n.º 5, alínea b), e 18.º, n.º 1, alínea j), do EDTEFP - factos referenciados ao ato de corrupção passiva;
d) – Mostrarem-se adequadas e proporcionadas as penas parcelares e única de demissão.

De todo o exposto resulta que as infrações disciplinares conexas com os referidos crimes de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art.º 256.º, n.ºs 1, alínea d), e 4 do CP e de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º n.º 1, do CP, que determinaram a aplicação a sanção disciplinar de demissão aqui em causa, se mostram perfeitamente distintas, quer sob o prisma factual quer na sua relevância jurídica, das infrações disciplinares conexas com os crimes de falsidade informática, p. e p. pelos artigos 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, e de denegação de justiça, p. e p. pelo art.º 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP.
Em suma, impõe-se concluir que os factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR e imputados ao demandante no desfecho do processo disciplinar n.º 87-DIS/17, em que se sustenta a aplicação ao mesmo da sanção disciplinar de demissão constante da deliberação do Plenário do COJ, de 09/11/2017, confirmada pela deliberação do Plenário do CSM de 06/02/ 2018, aqui impugnada, são fáctico-juridicamente distintos dos factos ocorridos no mesmo PAbr n.º 192/03.3GAPCR e que lhe foram anteriormente imputados em sede disciplinar no processo n.º 243-DIS/10.
Nessa conformidade, não se verifica a alegada violação do princípio ne bis in idem.

2.2. Quanto à questão da prescrição do procedimento disciplinar     

2.2.1. Quadro normativo geral
 
O regime disciplinar dos funcionários de justiça encontra-se estabelecido nos artigos 89.º e seguintes do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 343/99, de 26-08, objeto de sucessivas alterações, a mais recente delas introduzida pelo Dec.-Lei n.º 73/2016, de 08/11.
Desse corpo normativo destaca-se aqui o n.º 1 do artigo 94.º, sob a epígrafe instauração e instrução do processo, nos termos do qual:
São competentes para instaurar processo disciplinar contra oficiais de justiça, além do Conselho dos Oficiais de Justiça:
      a) – O director-geral da Administração da Justiça;
   b) – O juiz-presidente do tribunal em que o funcionário exerça funções à data da infracção;
c) – O magistrado coordenador, quando a infracção seja cometida no Departamento Central de Investigação e Acção Penal ou num departamento de investigação e acção penal;
d) – O Conselho Superior da Magistratura, o Conselho dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior do Ministério Público;
e) – Os inspectores dos conselhos referidos na alínea anterior.
         Todavia, do mesmo complexo normativo não constam disposições relativas à prescrição do procedimento disciplinar, impondo-se aplicar, subsidiariamente, o que nessa matéria se encontra estabelecido para a função pública, por via do disposto no artigo 123.º do EFJ.
         Ora, à data dos factos aqui em causa, estava em vigor o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP), aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, mais tarde revogada pelo artigo 42.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 35/2014, de 20-06, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), em vigor desde 01/08/2014 (art.º 44.º, n.º 1), porém, imediatamente aplicável, quanto ao novo regime disciplinar, aos processos então em curso, quando, em concreto, mais favorável ao arguido, nos termos do respetivo artigo 11.º.
         Assim, o artigo 6.º do EDTEFP, sob a epígrafe prescrição do procedimento disciplinar, preceitua o seguinte:
1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.
2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.
3 - Quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal, aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal.
4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável.
5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente:
a) - Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;
b) - O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e
c) - À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.
6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.
7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.    
         Por sua vez, o artigo 178.º da LTFP, sob a epígrafe prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar, dispõe que:
1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.
2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.
3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável.
4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente:
a) - Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;
b) - O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente;
c) - À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.
5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.
6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.
        
Desde logo, deste quadro normativo, em relação à prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, decorre como mais favorável ao arguido o prescrito no artigo 6.º, n.º 2, do EDTEFP – prazo de 30 dias - do que o estabelecido no art.º 178.º, n.º 2, da LTFP – prazo de 60 dias.  
Assim, da conjugação dos n.ºs 1, 2, 3 e 6 do artigo 6.º do EDTEFP resulta a existência de três prazos distintos para efeito de prescrição do procedimento disciplinar, a saber:
a) - O prazo para instaurar procedimento disciplinar, que é de um ano sobre a data em que a infração tenha sido cometida, salvo quando esta infração seja conexa com facto qualificado como ilícito criminal, caso em que se aplicam então os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal;
b) - Dentro desse prazo, o prazo de 30 dias para instaurar o procedimento disciplinar, a contar do conhecimento da infração por parte da entidade ou superior hierárquico competente para tal;
c) - O prazo para conclusão do procedimento disciplinar, que é de 18 meses entre a data da instauração do procedimento disciplinar e a data da notificação da decisão final ao arguido.

         Nesta base, procederemos à análise das questões, nessa sede, suscitadas pelo demandante.

2.2.2. Quanto à prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar     

Como ficou dito no ponto precedente, à luz do disposto no artigo 6.º, n.ºs 1, 2 e 3, do EDTEFF, como bem se equaciona no douto parecer do MP, importa distinguir:
   i) – por um lado, o prazo de prescrição de um ano a contar da data da infração ou, quando esta constitua também ilícito criminal, o prazo de prescrição estabelecido na lei penal – n.º 1 e 3 do citado art.º 6.º;    
ii) – por outro, o mais curto prazo de 30 dias a contar do conhecimento da infração por parte de qualquer superior hierárquico competente para a instauração do processo disciplinar – n.º 2 do art.º 6.º.
        
a) – Quanto ao prazo prescricional estabelecido no n.º 1 e 3 do artigo 6.º do EDTEFP        

Desde logo, não sofre dúvida de que os factos que serviram de fundamento à deliberação aqui impugnada ocorreram no ano de 2010 no âmbito do processo criminal (PCC) n.º 192/03.3GAPCR.
  Tais factos foram investigados no inquérito criminal n.º 2340/10. 1TAVCT de que resultou a acusação ali deduzida em 19/05/2015 e a ulterior condenação do ora demandante proferida, em 16/02/2017, no PCC n.º 1955/16.9T8VCT em pena conjunta de 4 anos de prisão, suspensa da sua execução com sujeição a regime de prova, incluindo, no que aqui releva, os crimes de:
- falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art.º 256.º,  n.ºs 1, alínea d), e 4 do CP - 1 ano e 8 meses;
- corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º n.º 1, do CP - 2 anos de prisão.
        
         O crime de falsificação de documento agravada era punido com a pena de prisão abstrata de 1 a 5 anos, nos termos do artigo 256.º, n.º 1 e 4, do CP e o crime de corrupção com a pena de prisão abstrata de 1 a 8 anos, nos termos do artigo 373.º, n.º 1, do mesmo Código na redação dada pela Lei n.º 108/2001.
         Assim, sendo o respetivo prazo de prescrição do procedimento criminal de 10 anos conforme o preceituado no artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do CP, é este o prazo aplicável por força do disposto no n.º 3 do artigo 6.º do EDTEFP, como também o seria à luz do n.º 1 do art.º 178.º da LTFP.
         Nesta conformidade, não se tem por verificada a prescrição do direito de instaurar o procedimento criminal em apreço resultante do disposto nos n.º 1 e 3 do indicado artigo 6.º do EDTEFP conjugado com o artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do CP.    
        
  b) – Quanto ao prazo prescricional de 30 dias estabelecido no n.º 2 do art.º 6.º EDTEFP

Segundo o preceituado no n.º 2 do art.º 6.º do EDTEFP, o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve quando, conhecida a infração por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.
Tal prazo é contado em dias úteis nos termos do artigo 87.º, alíneas c), a contrario, e d) do CPA/2015.
No respeitante ao superior hierárquico competente, rege o disposto no n.º 1 do artigo 94.º do EFJ acima transcrito.
         Quanto a saber qual o momento relevante do conhecimento da infração por parte do superior hierárquico, é de acolher o entendimento adotado no acórdão da Secção do Contencioso do STJ, de 30/04/2015, proferido no processo n.º 117/14.4YFLSB[4], citado no sobredito parecer, segundo o qual:
«O prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar a que se refere o n.º 2 do art.º 6.º do EDTEFP apenas se inicia quando o superior hierárquico tiver real e efetivo conhecimento do facto e do circunstancialismo que o rodeia, de molde a poder fazer o seu enquadramento como ilícito disciplinar, sendo, pois, insuficiente a mera participação ou denúncia não suficientemente concretizada.»    
Nessa linha de entendimento, o que releva não é o conhecimento do mero facto naturalístico, mas sim a infração indiciada como materialidade juridicamente significante na perspetiva do ilícito disciplinar, ou seja, com uma corporeidade ou envolvência suscetível de assim ser qualificada.  
          E para tanto, como também no mesmo aresto se esclarece, não conta, “no elenco previsto no n.º 1 do art.º 94.º do EFJ, o Vice-Presidente do COJ e posto que este órgão apenas funciona em plenário (art.º 113.º do mesmo diploma), apenas releva, para efeitos de cômputo do prazo [estabelecido no artigo 6.º, n.º 2, do EDTEFP], o conhecimento dos factos potencialmente integradores da infracção disciplinar que o mesmo adquira enquanto órgão colegial”.
         Feitas estas breves considerações, debrucemo-nos sobre os dados de facto relevantes.             
 
Da factualidade provada colhe-se que:
- Os factos aqui em referência foram investigados no inquérito criminal n.º 2340/10.1TAVCT, culminando na dedução de acusação do ora demandante em 19/05/2015;
- Por ofício do Exm.º Procurador da República de ..., a referida acusação foi comunicada aos serviços do COJ em 29/05/ 2015;
- No confronto do teor dessa acusação com a deliberação final proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10, constatou-se que aquela continha matéria factual disciplinarmente relevante que: - não tinha sido, de todo, considerada nesse processo disciplinar, como no caso do crime de corrupção passiva indiciado no PAbr n.º 192/09.3GAPCR; - ou, tendo-o sido, não o fora nalgumas das nuances relevadas na sobredita acusação, como no caso da falsificação de documento referenciada no PAbr n.° 192/09.3GAPCR ao “termo de entrega” mencionado em pontos 1.4.3. a 1.4.5 dos factos acima descritos;
- Perante tal constatação o Plenário do COJ deliberou, em 04/06/ 2015, sob proposta do dia anterior do respetivo Vice-Presidente, instaurar o procedimento disciplinar que veio a correr termos sob o n.º 87-DIS/15, com vista a averiguar todos aqueles novos factos;
- Este processo disciplinar desenvolveu-se sem interrupções relevantes até 18/08/2015, data em que foi decretada a sua suspensão por despacho do Vice-Presidente do COJ, atenta a crucial importância de se aguardar pela prova a produzir no processo criminal em coletivo (PCC) que corria termos sob n.º 2340/10.1TAVCT;
- Porém, no âmbito deste processo criminal acabou por, na audiência de julgamento, em 14/04/2016, ser ordenada a separação no tocante aos factos ocorridos no PAbr. n.º 192/09.3GAPCR, dando assim origem ao PCC n.º 1955/16.9T8VCT;
- Seguidamente, em 18/05/2016, foi publicado o acórdão proferido no PCC n.º 2340/10.1TAVCT, transitado em 17/6/2016, nos termos do qual o ora demandante foi condenado na pena conjunta de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período com sujeição a regime de prova, pela autoria material de crimes de falsidade informática, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, praticados no âmbito da sua intervenção no PCS n.º 18/09.8GAPCR e de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 372.º, n.º 1, do CP, conexo com a sua intervenção no PCS n.º 222/09.9GAPCR e absolvido dos crimes de corrupção passiva (art.º 372.º, n.º 1, do CP), de falsificação de documento agravada (artigos 256.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4) e de denegação de justiça (art.º 369.º, n.º 1 e 2, do CP), referenciados ao mesmo PCS n.º 18/09.8GAPCR, bem como de tudo quanto respeitava ao PCS n.º 200/09.8GAPCR.
- Comunicada tal condenação, o Plenário do COJ deliberou, em 06/10/2016, o levantamento da suspensão do processo disciplinar n.º 87-DIS/15, decretada em 10/08/2015, e o seu prosseguimento, mantendo-se, no entanto, a suspensão do mesmo processo disciplinar quanto aos factos relativos ao PAbr. n.º 192/09.3GAPCR que, nessa data ainda não tinha sido objeto de julgamento no PCC n.º 1955/16. 9T8VCT.  
- Em 21/12/2016, foi deduzida acusação disciplinar no processo disciplinar n.º 87-DIS/15, na qual foi imputada ao demandante a prática dos factos ocorridos nos PCS n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR e pelos quais tinha sido condenado no PCC n.º 2340/10.1TAVCT.
- Em 31/03/2017, foi comunicado ao processo disciplinar n.º 87-DIS/15 o acórdão de proferido 16/02/2017 no PCC n.º 1955/16.9 T8VCT, publicado e transitado em 20/03/2017, no qual o demandante foi condenado pelos factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR.
- Em 23/05/2017, foi elaborado relatório final no processo disciplinar n.º 87-DIS/15 a dar como demonstrados os factos e as infrações que ali estavam sob acusação de 21/12/2016 e, na mesma data (23/05/2017), foi ordenada a separação para prosseguir em processo disciplinar autónomo, que veio a ser autuado, sob o n.º 87-DIS/17, com vista à apreciação dos factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR.
- Nesse último processo disciplinar (n.º 87-DIS/17) foi deduzida acusação disciplinar em 21/06/2017, elaborado relatório final em 13/ 10/2017 e proferida, em conformidade, deliberação pelo Plenário do COJ de 09/11/2017, confirmada depois pela deliberação do Plenário do CSM de 06/02/2018, aqui impugnada.

Deste acervo factual resulta que as infrações disciplinares ocorridas no PAbr n.º 192/03.3GAPCR e imputadas ao ora demandante no âmbito do processo disciplinar n.º 87-DIS/17 só foram conhecidas, por parte do Plenário do COJ, na sequência da comunicação feita em 29/05/2015, da acusação deduzida em 19/05/2015 no inquérito criminal n.º 2340/10.1TAVCT, tendo sido deliberada, pelo mesmo órgão, a instauração do processo disciplinar em 04/06/2015, o qual foi autuado em 17/06/2015 sob o n.º 87-DIS/17.
E importa sublinhar que, para tanto, foi necessário fazer o confronto entre o teor daquela acusação e a decisão final proferido no processo disciplinar n.º 243-DIS/10, em termos de constatar quais os factos que constavam dessa acusação e que não tinha sido abrangidos nesse processo disciplinar.
Nessas circunstâncias, tem-se por certo que o COJ, ao ordenar a instauração do processo disciplinar n.º 87-DIS/15 através da deliberação do respetivo Plenário de 04/06/2015, o fez inequivocamente dentro do prazo de 30 dias úteis previsto no artigo 6.º, n.º 2, do EDTEFP.
É certo que, no desenvolvimento do processo disciplinar n.º 87-DIS/ 15, mais precisamente em 23/05/2017, foi ordenada a separação relativamente aos factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR para prosseguimento como processo disciplinar autónomo sob o n.º 87-DIS/17, mas tal não significa que o procedimento disciplinar sobre esses factos se tenha iniciado nessa altura.
O que sucedeu foi que o processo disciplinar sobre aqueles factos se iniciou aquando da instauração do processo n.º 87-DIS/15, ficando nessa parte, suspenso até à decisão final do PCC n.º 1955/16.9T8VCT, após o que prosseguiu então em separado no processo disciplinar n.º 87-DIS/17.
Nessa conformidade, também aqui se conclui pela não verificação, quanto às infrações disciplinares aqui em causa, do prazo de prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar de 30 dias previsto no artigo 6.º, n.º 2, do EDTEFP.     

2.2.3. Quanto à prescrição do procedimento disciplinar

Neste capítulo, sustenta o demandante que entre a data da deliberação do Plenário do COJ, de 04/06/2015, a determinar a instauração do processo disciplinar n.º 87-DIS/15, e a deliberação final do CSM notificada ao arguido em 09/02/2018 decorreram mais de 18 meses, verificando-se, por isso, a prescrição daquele procedimento disciplinar nos termos estatuídos no art.º 6.º, n.º 6, do EDTFP.

Neste particular, contrapõe o CSM que entre 01/06/2017, data da deliberação do Plenário do COJ a ordenar a instauração do processo disciplinar n.º 87-DIS/17, e 09/02/2018, data em que o demandante foi notificado da deliberação do Plenário do CSM aqui impugnada, não decorreram mais de 18 meses.    

Por sua vez, o MP, no seu parecer, sustenta que:
- O referido prazo de prescrição, em curso desde a instauração do processo disciplinar n.º 87-DIS/15, em 04/06/2015, se suspendeu, entretanto, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, e 7.º, n.º 1, do ED, senão logo em 10/08/2015 com o despacho de suspensão proferido pelo Vice-Presidente do COJ, pelo menos por ocasião da prolação do despacho de pronúncia, algures entre 19/05/2015, quando foi deduzida a acusação no inquérito n.º 2340/10.1TAVCT e 02/12/2015, data da designação de dia para julgamento no PCC n.º 2340/ 10.1TAVCT, voltando a correr em 20/03/2017, quando transitou em julgado o acórdão proferido no PCC n.º 1955/16.9T8VCT, até à notificação ao demandante da deliberação impugnada em 13/02/2018;      
- No cenário mais desfavorável à sobrevivência do procedimento, contando a suspensão desde 02/12/2015, decorreram apenas 16 meses e 20 dias.

Vejamos.

O instituto da prescrição do procedimento disciplinar previsto no artigo 6.º do EDTEFP, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2013 proferido no processo n.º 16/13.7YFSLB, tem em vista “acelerar a actividade do Estado no exercício da acção disciplinar (…) e, simultaneamente, assegurar aos arguidos um tempo certo durante o qual podem ser sujeitos a sanção pelos ilícitos cometidos, ficando a partir daí libertos da respectiva responsabilidade.”

É, pois, com tal finalidade que o n.º 6 do artigo 6.º do EDTEFP estabelece que:
6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.
         Assim, tal prazo prescricional corre, em regra, ininterruptamente desde a data da instauração do processo disciplinar até à data em que o arguido for notificado da decisão final, entendendo-se por tal, no tipo de casos como os destes autos, a deliberação do CSM que se pronuncie sobre a deliberação do COJ em que culminou o processo disciplinar.[5]

         Todavia, os n.ºs 7 e 8 do citado artigo 6.º preceituam que:
7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.
Desse modo, configura-se aqui uma típica causa suspensiva do sobredito prazo prescricional de 18 meses, o que significa que este prazo não corre, no dizer da lei, “durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar”, retomando o seu curso logo que cessar essa causa de suspensão.
Ponto é saber qual a decisão determinativa da suspensão do processo disciplinar, mais precisamente, qual deva ser a decisão que reconhece o factor impeditivo relevante da marcha do processo disciplinar por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão.
Numa interpretação mais centrada no teor literal deste inciso, o seu alcance seria o de que a causa suspensiva seria ditada exclusivamente por decisão jurisdicional ou em sede de apreciação jurisdicional de qualquer questão prejudicial relativamente à decisão disciplinar.
Esse entendimento poderá parecer, de certo modo, implícito no acórdão do STJ de 05/07/2012, proferido no processo contencioso n.º 126/ 11.5YFLSB, quando, a propósito da única causa suspensiva do prazo de prescrição de 18 meses prevista o n.º 7 do art.º 6.º do EDTEFP, refere o seguinte:
«Compreende-se que a razão de celeridade que o legislador quis imprimir na actuação disciplinar da Administração não possa aqui determinar solução diferente, uma vez que a mesma está impedida de actuar, por razões que lhe são estranhas e que obviamente escapam ao seu controlo.»   
Todavia, um entendimento restritivo no sentido considerar a sobredita causa de suspensão do procedimento disciplinar unicamente dependente de decisão judicial parece esbarrar com a reconhecida autonomia entre o processo disciplinar e o processo judicial, mormente o processo criminal, já que, em virtude dessa autonomia, nada obstará a que o processo disciplinar prossiga, como sucede com frequência, independentemente do que venha a ser averiguado e decidido em sede judicial sobre os mesmos factos mas diversamente qualificados como infrações de matriz distinta – infração disciplinar e ilícito criminal.
Por outro lado, mal se compreenderia que a causa suspensiva do processo disciplinar fosse equacionada e reconhecida exclusivamente em sede do processo judicial com alheamento, portanto, da entidade competente para dirigir o processo disciplinar.
A entender-se que a causa suspensiva do processo disciplinar depende somente do seu reconhecimento em sede judicial, ficaria em muito reduzido o alcance útil do preceituado no n.º 7 do artigo 6.º do EDTEFP, por dificilmente se vislumbrarem razões que possam levar o juiz do processo a determinar a suspensão do processo disciplinar, que está fora da sua alçada.
Mais lógico se afiguraria entender que a causa suspensiva do processo disciplinar devesse ser equacionada e reconhecida pelo órgão competente para dirigir esse processo, muito embora em função de decisão jurisdicional sobre a averiguação e julgamento dos mesmos factos passíveis, contudo, de qualificação jurídica distinta da ilicitude disciplinar mas com ela conexa, como é o caso das infração criminal.
Em abono desta linha de entendimento poderá convocar-se o disposto no artigo 7.º do mesmo diploma, sob a epígrafe efeitos da pronúncia e da condenação em processo penal, ao prescrever que:
1 – Quando o agente de um crime cujo julgamento seja da competência do colectivo seja um trabalhador a que o presente Estatuto é aplicável, a secretaria do tribunal por onde corra o processo, no prazo de vinte e quatro horas sobre o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente, entrega, por termo nos autos, cópia de tal despacho ao Ministério Público, a fim de que este a remeta ao órgão competente em que o trabalhador desempenha funções.     
Nesta base, o acórdão 17/04/2018 do Supremo Tribunal de Justiça, Secção de Contencioso, proferido no Processo n.º 91/17.5YFLSB[6], considerou que a pendência de processo-crime contra o arguido simultaneamente visado em processo disciplinar configura causa de suspensão da prescrição do procedimento disciplinar do prazo de 18 meses, nos termos dos artigos 6.º, n.º 7, e 7.º do EDTEFP, causa essa que se inicia com a notificação da decisão de pronúncia (ou despacho equivalente) proferida no processo-crime e cessa com o trânsito em julgado da decisão final.


A este propósito, Paulo Veiga e Moura[7], em anotação ao artigo 6.º, n.º 6 e 7, do EDTFP escreve o seguinte:
«4. O segundo prazo prescricional estabelecido no presente preceito constitui uma verdadeira inovação, uma vez que até aqui se previa a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar.
Agora, o n.º 6 do presente artigo determina que, após a sua instauração, o procedimento disciplinar tem de estar concluído no prazo máximo de 18 meses, devendo até ao termo de tal prazo ser comunicada ao arguido a decisão final, sob pena de prescrever o próprio procedimento disciplinar e não se poder sancionar o trabalhador. Trata-se de um passo em frente no sentido de alcançar a necessária eficiência do serviço (que não se compadece com o sucessivo retardamento da concretização da justiça disciplinar) e de reforçar a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do trabalhador/arguido, seguramente incompatíveis com o estigma de a todo o tempo poder vir a ser objecto de uma punição disciplinar.
(…)
Também relativamente a este prazo prescricional de 18 meses se prevê a possibilidade de ocorrer a sua suspensão sempre que ocorra uma questão prejudicial, do foro jurisdicional, que inviabilize que o procedimento depois de instaurado possa começar ou avançar (e entre estas causas incluem-se a comunicação ao serviço de que depende o trabalhador da sua pronúncia em sede criminal, do recebimento em juízo da acusação contra ele deduzida ou da sua condenação pela prática de um crime (…).
Porém, estas são as únicas situações em que é admissível a suspensão daquele prazo, pelo que as nulidades ou outras questões processuais suscitadas ao longo do procedimento disciplinar, inclusive a interposição de recursos hierárquicos, não suspende o decurso do prazo prescricional de 18 meses.»       
            E, em anotação ao art.º 7 do mesmo diploma, escreve o referido Autor, a dado passo, o seguinte:
«Julgamos, no entanto, que o objectivo da comunicação por parte das autoridades judiciais não se limita apenas a uma mera participação ou auto de notícia da infracção disciplinar. Na verdade, entendemos que se na sequência dessa comunicação o serviço de que depende o trabalhador proceder à instauração de procedimento disciplinar com base nos factos comunicados, esse mesmo procedimento disciplinar ficará automaticamente suspenso até que transite em julgado a decisão final do processo criminal pelo qual o trabalhador foi pronunciado ou viu recebida a acusação em juízo. O mesmo sucederá se na altura em que a comunicação for feita o serviço já tiver instaurado procedimento disciplinar, o qual deverá ficar suspenso a aguardar o resultado definitivo do processo-crime.
Este nosso entendimento não ignora que as relações entre o processo penal e o processo disciplinar têm sido objecto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência, não tanto quanto à sua autonomia e independência como quanto aos efeitos do caso julgado penal em sede disciplinar.
Porém, essa autonomia e independência não têm necessariamente que significar que ambos os procedimentos tenham de correr em paralelo nem que o procedimento disciplinar não tenha que aguardar o desfecho do processo criminal. Na verdade, se temos por certo que aquela autonomia e independência podem justificar uma diferente qualificação jurídica dos mesmos factos, também temos por certo que são inúmeras as vantagens que podem resultar de o apuramento dos factos comuns a ambos os procedimentos ser efectuados apenas por uma das instâncias.
Ora, o legislador reconhece uma supremacia e preponderância do procedimento criminal sobre o procedimento disciplinar, seja assegurando que o juiz pode aplicar ao trabalhador público condenado criminalmente sanções acessórias cujo cumprimento é obrigatório por parte da Administração (ainda que no foro disciplinar se entenda que tal comportamento não justificava uma sanção do género), seja assegurando que, quando a infracção disciplinar for simultaneamente uma infracção criminal, o direito de instaurar procedimento disciplinar só prescreverá nos mesmos prazos de prescrição do procedimento criminal, o que denota a intenção de evitar o que vier a ser sentenciado como crime não deixe de poder ser punido igualmente em sede disciplinar.
Por fim, o novo estatuto disciplinar veio expressamente determinar que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar ficará suspenso por todo o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, aquele procedimento não possa começar ou continuar a ter lugar (v. n.º 7 do art.º 6.º).
Assim sendo, julgamos que o objectivo da comunicação judicial imposta pelo presente artigo não é só o de constituir uma participação de uma eventual infracção disciplinar, mas também o de informar a entidade administrativa de que por tais factos já corre um procedimento criminal e que, por isso, uma vez instaurado o processo disciplinar, o início ou continuação do mesmo (e pode dar-se a hipótese de na altura da comunicação a que alude o presente preceito o procedimento disciplinar já estar instaurado e em andamento) ficarão a aguardar o desfecho e o consequente trânsito em julgado da sentença proferida ou que vier a ser proferida em sede criminal (pelo que não será apenas a sentença condenatória que terá de ser comunicada ao serviço mas também a sentença de absolvição, pelo menos em todas as situações em que a pronúncia ou recebimento da acusação em juízo tenham sido comunicadas ao serviço).
Através desta suspensão se atenuará a possibilidade de virem a ocorrer situações manifestamente contraditórias e pouco dignificantes para a Administração e para os Tribunais, minimizando-se nomeadamente as hipóteses de no procedimento disciplinar se virem a dar por provados factos contrários aos que se provaram em sede criminal (v.g., punindo um trabalhador por uma conduta que a provar em sede criminal não ter por ele sido praticada), como se os mesmos factos pudessem existir e deixar de existir para os diversos órgãos do Estado.
Para além disso, temos de dar razão àqueles que sustentam que o princípio da economia dos meios jurídicos impõe que não se desperdice em sede disciplinar o património factual adquirido pelo juiz penal, claramente dotado de poderes de investigação bem mais amplos e eficazes do que os reconhecidos ao instrutor do processo disciplinar (…)
As vantagens que esta suspensão do procedimento disciplinar permite alcançar são indiscutivelmente superiores às eventuais desvantagens que da mesma podem decorrer para a justiça disciplinar, tanto mais que se é certo que esta ficará a aguardar pelo termo do procedimento criminal, também é inegável que, nas situações verdadeiramente graves para a disciplina do serviço, o juiz penal tem ao seu dispor meios de coacção destinados a impedir a permanência do trabalhador ao serviço na pendência do processo criminal (art.º 199.º do CPC).»
            Na esteira destas considerações doutrinárias, afigura-se existirem razões ponderosas para admitir como relevante, para os efeitos do n.º 7 do artigo 6.º conjugado com o art.º 7.º, n.º 1, do EDTEFP, a suspensão do processo disciplinar, por parte do órgão que o dirige, na decorrência do despacho de pronúncia ou de despacho a ele equivalente proferido em processo criminal sobre os mesmos factos imputados ao arguido quando qualificáveis simultaneamente como crime e como infração disciplinar. Só assim se conseguirá, por um lado, prevenir uma indesejável desarmonia, senão mesmo contradição, entre os desfechos alcançáveis nas duas sedes punitivas e, por outro lado, otimizar a atividade probatória com prevalência da investigação criminal em si mais ampla do que a disciplinar e, portanto, com vantagens acrescidas para a defesa do arguido, embora com alguns custos de celeridade.

Ora, da factualidade provada, no que aqui interessa, resulta que:
- Os factos que foram objeto do processo disciplinar n.º 243-DIS/ 10 instaurado a AA, ora demandante, além de outros similares por ele praticados nos processos criminais singulares (PCS) n.º 18/09.8 GAPCR e n.º 222/09.9 GAPCR, foram investigados no inquérito criminal n.º 2340/10.1 TAVCT, por sua vez encerrado com dedução de acusação, em 19/05/2015, contra o mesmo arguido;
- Nessa acusação, foram imputados àquele arguido, por factos por ele praticado no PAbr n.º 192/09.3GAPCR, os seguintes crimes:  
a) - falsificação agravada, p. e p. pelo artigo art.º 256.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4 do CP, conjugado com os artigos 255.º, alínea a), do mesmo diploma e 363.º n.º 2, e 371.º do CC;
b) - de denegação de justiça, p. e p. pelo aart.º 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP;
c) - de falsidade informática, p. e p. pelos artigos 2.º, 3.º, n.ºs 1, 3 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15/09;
d) - De corrupção passiva, p. e p. pelo art..º 373.º, n.º 1, do CP, em razão de dádiva, ilícita, de 500,00 recebida do co-arguido BB.
- Por ofício do Exm.º Procurador da República de ..., a sobredita acusação foi comunicada aos serviços do COJ em 29/05/2015;
- No cotejo dessa acusação com a deliberação final proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10, foi verificado que aquela continha matéria factual disciplinarmente relevante, a qual:
- ou não tinha sido, de todo, ali considerada, como no caso do crime de corrupção passiva indiciado no PAbr n.º 192/09.3 GAPCR;
- ou, tendo-o sido, não o fora nalgumas das nuances relevadas na sobredita acusação, como era o caso da falsificação de documento referenciada no PAbr n.º 192/09.3GAPCR ao “termo de entrega” mencionado em 1.4.3. a 1.4.5;
- Nessa conformidade, o Plenário do COJ deliberou, em 04/06/ 2015, sob proposta do dia anterior do respetivo Vice-Presidente, instaurar o procedimento disciplinar que veio a correr termos sob o processo disciplinar n.º 87-DIS/15 para averiguação de todos aqueles novos factos.
- Autuado tal processo em 17/06/2015, o mesmo desenvolveu-se sem interrupções relevantes até 18/08/2015, data em que foi decretada a sua suspensão por despacho do Vice-Presidente do COJ, atenta a crucial importância para uma boa decisão disciplinar de se aguardar pela prova a produzir no processo criminal em coletivo (PCC) que corria termos sob n.º 2340/10.1TAVCT.
- Requerida a instrução no Inquérito n.º 2340/10.1TAVCT, ali veio a ser proferido despacho de pronúncia que acolheu, nos seus precisos termos, a referida acusação.
- Distribuído, como processo comum coletivo, ao Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial de ..., foi nele proferido despacho, em 02/12/2015, a designar dia para julgamento.
- No PCC n.º 2340/10.1TAVCT, em 14/04/2016, na audiência de julgamento, em 14/04/2016, foi ordenada a separação de processos quanto aos factos referenciados ao PAbr n.º 192/09.3GAPCR, dando a respetiva certidão origem ao PCC n.º 1955/6.9T8VCT do mesmo juiz e juízo.
- Em virtude dessa separação, o processo disciplinar n.º 87-DIS/15 manteve-se suspenso, nessa parte, a aguardar a decisão final a proferir no PCC n.º 1955/6.9T8VCT.  
- Em 31/03/2017 foi comunicado ao processo disciplinar n.º 87-DIS/15 o acórdão de proferido 16/02/2017 no PCC n.º 1955/16.9T 8VCT, publicado e transitado em 20/03/2017, no qual o demandante foi condenado pelos factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR na prática dos seguintes crimes:
a) - falsidade informática, p. e p. pelos artigos 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 - pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão;
b) - corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º n.º 1, do CP - 2 anos de prisão;
c) - falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art.º 256.º,  n.ºs 1, alínea d), e 4 do CP - 1 ano e 8 meses;
d) - denegação de justiça, p. e p. pelo art.º 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP - 8 meses.
- Em 23/05/2017, foi elaborado relatório final no processo disciplinar n.º 87-DIS/15, em que, além do mais, foi ordenada a separação para prosseguir em processo disciplinar autónomo, que veio a ser autuado, sob o n.º 87-DIS/17, com vista à apreciação dos factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3GAPCR.
- Nesse último processo disciplinar (n.º 87-DIS/17) foi deduzida acusação disciplinar em 21/06/2017, elaborado relatório final em 13/ 10/2017 e proferida, em conformidade, deliberação pelo Plenário do COJ de 09/11/2017.
- No âmbito dessa acusação disciplinar foi considerado relevante, em sede disciplinar, apenas o núcleo fáctico acima descrito nas alienas d), e), k), l) e m) do ponto 1.29, consistente no seguinte:
d) - «No entanto, essa carta de condução nunca foi entregue para constar do processo em causa, tendo o arguido AA forjado essa entrega, adulterando as datas/termos informáticos o escrevendo pelo sou próprio punho uma assinatura como se fosse a do arguido CC, pai do arguido BB.»
e) - «Desta forma, o arguido AA exarou nos ditos autos uma intencional falsidade de assinatura no sentido de beneficiar ilicitamente o BB, bem sabendo que atuava ilicitamente e em incumprimento dos seus deveres de funcionário.»
k) - «Após a condenação do arguido BB, em data indeterminada de 2010, este telefonou de ... a EE tendo-lhe pedido que entregasse 500 Euros em numerário na “Café ...” em ... para efeitos do processo em que havia sido condenado, para posterior entrega ao arguido AA, conforme este lho tinha solicitado, para evitar que ficasse sem a carta de condução e pudesse continuar a conduzir veículos motorizados livremente durante o pe-ríodo da inibição.»
l) - Para tal, o arguido AA, anuindo ao pedido, fez uma prévia transferência bancária para uma conta da EE, a qual [...], após levantamento bancário, na posse daquela quantia em numerário, o seguindo as instruções do BB, a colocou num envelope, com os dizeres “AA”, e o deixou naquele estabelecimento de café, onde posteriormente o arguido AA o foi buscar, assim se tendo locupletado ilicitamente com o dito montante, violando as funções do funcionário que lhe estavam cometidas ao não cumprir o determinado em sentença.»
m) - «O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e intencionalmente, com a consciência perfeita de que actuava Ilegalmente; o arguido AA quis e pediu ao arguido BB, e conseguiu deste a dita quantia, para o favorecer e para enriquecer desonestamente o seu [...] património pessoal, bem ciente da gravidade da sua conduta pessoal e de que denegria a imagem da Justiça com a omissão da prática dos seus deveres funcionais.»
- Os factos descritos nas alíneas d) e e) do ponto 1.29 respeitam a falsa atestação da entrega da carta de condução e a falsificação da assinatura do pai do ali arguido e ora demandante e os descritos nas alíneas k) a m) são relativos ao recebimento corruptivo, dos 500,00 por parte do mesmo arguido.
- Na acusação disciplinar em 21/06/2017, acolhida pela deliberação pelo Plenário do COJ de 09/11/2017, com referência aos sobreditos factos criminais, foram imputadas ao arguido, ora demandante, duas infrações disciplinares, a saber:
- uma, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de lealdade, prevista pelos art.º 90.º do EFJ, e  pelos artigos 3.º, n.º 2, alíneas a) e g), 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea c), 10.º n.ºs 3 e 4, e 17.º do EDTEFP, conexa com o crime de falsificação de documento agravada;
- outra, dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista pelos artigos art.º 90.º do EFJ, e artigos 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e g), 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea c), 10.º, n.º 5, alínea b), e 18.º, n.º 1, alínea j), do EDTEFP, conexa com o crime de corrupção passiva.
- A referida deliberação do Plenário do COJ de 09/11/2017 foi depois confirmada pela deliberação do Plenário do CSM de 06/02/ 2018, aqui impugnada, notificada ao demandante por carta registada de 09/02/2018 (sexta-feira), presumivelmente recebida no 3.º dia útil seguinte, no termos dos artigos 112.º, n.º 1, alínea a), e 113.º, n.º 1, do CPA/2015, ou seja, no limite, no dia 14/02/2018 (quarta-feira).  

Ora, como já acima se deixou dito, no desenvolvimento do processo disciplinar n.º 87-DIS/15, instaurado por deliberação do Plenário do COJ de 04/06/2015, foi ordenada a separação, em 23/05/2017, relativamente aos factos ocorridos no PAbr n.º 192/03.3 GAPCR para prosseguir como processo disciplinar autónomo sob o n.º 87-DIS/17, o que não significa que o procedimento disciplinar sobre esses factos se tenha iniciado nessa última data.
O que sucedeu foi que o processo disciplinar sobre aqueles factos se iniciou aquando da instauração do processo n.º 87-DIS/15, ficando, nessa parte, suspenso até à decisão final do PCC n.º 1955/16.9T8VCT, após o que prosseguiu então em separado no processo disciplinar n.º 87-DIS/17.
Nessas circunstâncias, a data relevante para o início do cômputo do prazo de prescrição de 18 meses aqui em causa será, pois, 04/06/2015.

Assim, independentemente de saber se, para efeitos de aplicação da suspensão do referido prazo ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do EDTEFP, releva, desde logo, a suspensão decretada pelo Vice-Presidente do COJ em 18/08/2015, na decorrência da comunicação da acusação deduzida em 19/ 05/2015, no inquérito n.º 2340/10.1TAVCT, mas antes do subsequente despacho pronúncia, o certo é que este despacho acabou por ser proferido em data não apurada nestes autos mas seguindo-se-lhe o despacho de designação de dia para julgamento no PCC n.º 2340/10.1TAVCT proferido em 02/12/2015, o que, de resto, não foi sequer impugnado pelo demandante.
Nestas circunstâncias, adotando o entendimento de que cabe ao órgão competente para dirigir o processo disciplinar determinar, na decorrência do despacho de pronúncia ou a ele equivalente, a suspensão desse processo até à decisão final do processo crime, pode ter-se por seguro que a decisão do Vice-Presidente do COJ proferida em 18/08/2015 de suspender o processo disciplinar n.º 87-DIS/15 passou a estar amparada pelo despacho de pronúncia proferido no inquérito n.º 2340/10.1TAVCT, na medida em que este despacho acolhera inteiramente a acusação ali deduzida, pelo menos com efeitos a partir de 02/12/2015, data do subsequente despacho de designação para julgamento.  
Acresce que tal suspensão, no caso concreto, mostra-se justificada porquanto o referido processo disciplinar (n.º 87-DIS/15) emergiu precisamente em virtude de a acusação deduzida no inquérito n.º 2340/10.1 TAVCT, inteiramente acolhida na subsequente pronúncia, ter revelado novos factos passíveis, simultaneamente, de qualificação criminal e disciplinar que, além disso, necessitavam de ser diferenciados, em sede disciplinar, de outros factos constantes da mesma acusação mas que já tinham sido objeto do anterior processo disciplinar n.º 243-DIS/10. Nesse contexto, afigura-se muito mais proficiente e seguro, até sob o prisma da defesa, aguardar pelo desfecho do processo criminal. 
Sucede que essa causa suspensiva se manteve, estendendo-se, entretanto, ao processo disciplinar n.º 87-DIS/17, até ao trânsito em julgado, ocorrido em 20/03/2017, do acórdão condenatório proferido no PCC n.º 1955/16.9T8VCT, que fora, por sua vez, originado por separação do PCC n.º 2340/10.1 TAVCT.
Com a cessação daquela causa de suspensão em 20/03/2017, o referido prazo de prescrição voltou a correr até 14/02/2018, data da presumida notificação ao demandante da deliberação do Plenário do CSM aqui impugnada. 
Deste modo, considerando que o prazo prescricional de 18 meses previsto no art.º 6.º, n.º 6, do EDTEFP esteve suspenso entre 02/12/2015 e 20/03/2017, daí resulta terem decorrido:
- na fase inicial, 5 meses e 28 dias, desde de 04/06/2015 e 02/12/ 2015;
   - na fase final, 10 meses e 25 dias, entre 20/03/2017 e 14/02/2018. 
         A soma de tais períodos perfaz o total de 16 meses e 23 dias, ficando pois aquém dos 18 meses.
Termos em que também improcede a arguição da prescrição do procedimento disciplinar relativamente às infrações disciplinares aqui em causa.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar totalmente improcedente a impugnação deduzida no presente “recurso contencioso”, confirmando-se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 06/02/2018, por sua vez, confirmativa da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 09/11/2017, tomada no processo disciplinar n.º 87-DIS/17, nos termos da qual o demandante foi condenado, na qualidade de oficial de justiça, na categoria de escrivão auxiliar, na pena única de demissão, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 89.º do EFJ, 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g), 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, e 18.º da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTEFP).   
Valor tributário: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, e do artigo 34.º, n.º 2, do CPTA.
As custas ficam a cargo do demandante com a taxa de justiça fixada em 6 UC (art.º 7.º, n.º 1, do RCP e respetiva Tabela I-A, anexa).
 
                                     Lisboa, 21 de março de 2019
                                     
  Manuel Tomé Soares Gomes (relator)

  Alexandre Reis (com voto de vencido) *

   Raul Borges

   Ferreira Pinto

   Isabel São Marcos
                                     
   José Rainho

    Olindo Geraldes
                                     
   Manuel Pinto Hespanhol (Vice-Presidente)


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[1] In CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2007, pp. 497 e 498.
[2] In Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 331.
[3] Relatado pelo Juiz Cons. Martins de Sousa, conforme sumário acessível em http:www.stj.pt/Con-tencioso/ Sumários de Contencioso - Ano de 2015.
[4] Acórdão relatado pelo Juiz Cons. Gregório da Silva Jesus, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.
[5] Neste sentido, vide acórdãos do STJ da Secção do Contencioso, de 07/04/2011, proferido no processo n.º 152/10.1YFLSB e, de 05/07/2012, proferido no processo n.º 126/11.5YFLSB, acessíveis na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.
[6] Ainda inédito.
[7] In Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, grupo Wolters Kluwer, 2.ª Edição, pp. 96-97 e 104-106
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Votaria a anulação da deliberação tomada pelo CSM no procedimento disciplinar em questão e ora impugnada por considerar verificada a ilegalidade desse acto, uma vez que foi notificado ao arguido quando já decorrera inteiramente o prazo (peremptório) de 18 meses estatuído no art. 6º nº 6 do ED (aprovado pela Lei 58/2008, de 9/9) para a conclusão do procedimento (desde a data da respectiva instauração), sem que, entretanto, tivesse ocorrido qualquer uma das duas causas de suspensão desse prazo expressamente previstas no nº 7 do mesmo artigo.
Esse meu entendimento assenta, essencialmente, no princípio da autonomia do procedimento disciplinar face ao penal e no da tipicidade das causas de suspensão da prescrição do procedimento disciplinar estipuladas pelo legislador.
É adquirida a diferenciação entre o ilícito disciplinar – que visa preservar a capacidade funcional do serviço – e o ilícito criminal – que se fundamenta na defesa dos bens jurídicos essenciais à vida em sociedade – e daí que o direito disciplinar tenha natureza e finalidades diversas do direito criminal e que se verifique completa autonomia probatória e decisória entre o processo disciplinar e o processo penal.
Todavia, reconhece-se que o direito disciplinar prevê um processo com garantias, embora sem a acuidade inerente às do direito processual criminal e sem que seja transponível para os processos disciplinares o rigor técnico-jurídico exigido nos processos penais.
A prescritibilidade constitui um princípio geral de todo o direito sancionatório.
Com o referido art. 6º, a extinção do direito público ao sancionamento disciplinar dos servidores do Estado, decorrente da prescrição do respectivo exercício, passou a resultar do não desencadeamento do procedimento dentro de determinados prazos (nºs 1 a 5), ou, no caso de este ter sido instaurado (atempadamente), da sua não ultimação no prazo de 18 meses contado desde a data dessa instauração (nº 6) (cf. acórdão desta Secção de 17-11-2015, p. 70/15.7YFLSB).
Na origem das alterações introduzidas pela citada Lei 58/2008 estiveram preocupações tendentes a garantir a celeridade na marcha dos processos, como expressamente informa a “Exposição de Motivos” da respectiva “Proposta”. Essa Lei estabeleceu inovatoriamente o prazo máximo de 18 meses para a conclusão do procedimento disciplinar, através da conjugação dos nºs 6 e 7 do artigo 6º do ED, sobre a qual o acórdão desta Secção de 05-07-2012 (p. 126/11.5YFLSB) esclareceu «que este prazo apenas se suspende (…) “durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar”, acrescentando: «Compreende-se que a razão de celeridade que o legislador quis imprimir na actuação disciplinar da Administração não possa aqui determinar solução diferente, uma vez que a mesma está impedida de actuar, por razões que lhe são estranhas e que obviamente escapam ao seu controlo».
Sendo essa a opção do legislador plasmada na referida conjugação, dela resulta a consagração da autonomia entre o procedimento disciplinar e os jurisdicionais, mesmo se susceptíveis de influir no procedimento disciplinar, e que este, em regra, não pode ficar a aguardar a conclusão daqueles, sob pena de poder vir a prescrever: só assim não sucede quando a instauração ou a marcha do procedimento disciplinar dependam da apreciação jurisdicional de qualquer questão ou sejam impedidas por uma determinada decisão jurisdicional.
Assim, qualquer dessas duas ressalvas à aplicação da regra só suspende a prescrição do procedimento disciplinar se se verificar a sua prejudicialidade em relação à instauração ou à marcha do procedimento ou se estas se mostrarem por elas impedidas.
Exemplificativa de uma decisão jurisdicional de questão prejudicial para o procedimento disciplinar é a da impugnação (judicial) do acto administrativo que considere injustificada a falta ao serviço que tenha despoletado a instauração do procedimento disciplinar: não é o próprio processo disciplinar que pode sindicar o acto administrativo que considerou a falta como injustificada, considerando-o válido ou inválido.
Diferente é o que se passa quando determinado facto é em abstracto idóneo a preencher, simultaneamente, ilícito criminal e ilícito disciplinar porque a decisão que sobre aquele se alcance não é conditio sine qua non para a determinação da responsabilidade disciplinar, podendo esta, em princípio, ser apurada autonomamente.
Só assim não ocorrerá se a decisão jurisdicional impossibilitar a apreciação da ilicitude da conduta no próprio processo disciplinar, caso em que aquela assumirá carácter prejudicial, ou conditio sine qua non, em relação a este.
Realmente, é configurável a hipótese de a entidade incumbida do poder disciplinar relativo a um funcionário, a quem tenha sido dado conhecimento pela autoridade judicial de indícios de factos consubstanciadores de ilícito concomitantemente criminal e disciplinar emitir uma decisão – sujeita, naturalmente, a escrutínio jurisdicional –, determinando a suspensão do procedimento da sua competência até obter elementos fácticos e/ou probatórios que uma decisão jurisdicional lançada no processo-crime a tenha impedido de obter, razão pela qual a apreciação da responsabilidade disciplinar não pode continuar.
Já não se vislumbra a viabilidade de vir a emergir uma relação com a aludida prejudicialidade na inversa situação de ter sido a entidade administrativa a fornecer à autoridade judicial tais elementos fácticos e/ou probatórios.
Foi o que sobre este tema também ponderou Jorge Almeida Esteves [ex-Vice Presidente do COJ, in “Regime da prescrição do procedimento disciplinar no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas” (Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro”, Revista Jurídica da Universidade Portucalense, nº 14, Porto 2011, p. 143], ao que aditou:
«Quanto à decisão jurisdicional que dite a impossibilidade do início ou da marcha do processo disciplinar, para além da decisão que imponha tal efeito, ou seja, uma decisão judicial que determine a suspensão do procedimento, por via, por exemplo, de uma providência cautelar intentada com essa finalidade, consideramos que se aplica às decisões que impliquem necessariamente impossibilidade de acesso a elementos imprescindíveis para o procedimento disciplinar, nomeadamente probatórios, como por exemplo, a decisão que imponha o segredo de justiça num determinado processo criminal em que as provas sejam necessárias para aquele procedimento.
A decisão jurisdicional referida no preceito será aquela que não permite que o procedimento disciplinar possa correr termos ou que possa correr termos por si, nomeadamente por não ser permitido o acesso a elementos necessários para a sua marcha.»
Lisboa, 21/3/2019

Alexandre Reis