Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO DEVER DE COOPERAÇÃO BOA FÉ | ||
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Data do Acordão: | 02/15/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | ANULA-SE O JULGAMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I. Se o Tribunal considera que um documento é ilegível deve dar à parte a possibilidade de se pronunciar, antes da decisão sobre a matéria de facto. II. Há também violação do contraditório quando tendo a parte pedido a inversão do ónus da prova a recusa só tem lugar na decisão e não se dá à parte a possibilidade de suprir os documentos que a outra parte sem apresentar sem qualquer justificação não forneceu. III. Tais violações do contraditório devem conduzir à repetição do julgamento.
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1314/20.9T8CBR.C1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
Relatório AA intentou ação declarativa comum contra Ramos Catarino, S.A., Catarino – S.G.P.S., S.A. e Nacala Holdings, S. à. r. l., peticionando: “Nestes termos e nos demais de direito deve a presente ação ser julgada procedente por provada e por via dela: - Ser reconhecida a existência de contrato de trabalho entre Autor e 1ª Ré desde dezembro de 1986 até ao dia 01 de abril de 2019, data em que foi despedido; - Ser reconhecido que o Autor desempenhava, à data da cessação do contrato de trabalho, a função de ...; - Ser fixado o vencimento do Autor, aquando da cessação da relação laboral, no montante ilíquido fixo de € 13.571,43; - Ser considerado ilícito o despedimento de que o Autor foi alvo e, em consequência, serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento àquele, a título de créditos laborais, do montante de € 148.616,39, conforme detalhado supra no presente articulado, com juros desde as datas de vencimento das verbas que compõem tal quantia e sem prejuízo dos vincendos até integral pagamento. - Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento das retribuições do Autor desde 30 dias antes da propositura da ação, incluindo férias, subsídios de férias e Natal até ao transito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, acrescido dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento. - Ser a 1ª Ré condenada na reintegração do Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização que, no caso em apreço, e se for exercida, deve ter em conta a elevada ilicitude da conduta e, por isso, ser fixada no montante máximo admissível, sendo as 2ª e 3ª Ré condenadas solidariamente com a 1ª Ré ao pagamento dessa quantia a liquidar, acrescido dos juros até integral pagamento; - Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento de € 50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento”. Foi proferida sentença, a julgar a ação totalmente improcedente e a absolver as Rés dos pedidos. O Autor interpôs recurso de apelação. Por Acórdão de 13.05.2022, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em: “anular a decisão proferida pela 1ª instância, devendo o tribunal recorrido proceder a um novo julgamento com vista a apurar os factos supra enunciados[1] e suprir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia”[2]. O Autor recorreu de revista quanto á decisão do Tribunal da Relação relativa aos factos não provados 1 a 3. No seu recurso o Recorrente formulou as seguintes Conclusões: 1. O presente recurso vem interposto do Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/05/2022, que decidiu “anular a decisão proferida pela 1ª Instância, devendo o tribunal recorrido proceder a um novo julgamento com vista a apurar os factos supra enunciados e suprir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.” 2. Não obstante a sua proficiência, o ora recorrente não se conforma com esta decisão in totum pois, apesar de a mesma anular a decisão proferida em 1.ª instância, não deixou de aceitar o seu julgamento sobre os factos 1º, 2º e 3º dados como não provados, desta forma julgando improcedente o recurso interposto pelo Autor e ora recorrente, nesta parte, sendo sobre este segmento decisório que o recorrente se insurge e que constitui o objeto do presente recurso. 3. Com efeito, o Tribunal da Relação decidiu, conforme consta a páginas 40 do douto Acórdão: “Assim sendo, porque não foi feita prova bastante da matéria descrita nos pontos 1º, 2 º e 3.º do elenco dos factos não provados, a mesma deve manter-se como não provada.”, decisão que o recorrente entende não se encontrar conforme e que deve ser reparada, salvaguardando-se, assim, qualquer efeito de caso julgado. Porquanto, 4. Na reapreciação do julgamento sobre matéria de facto, o Tribunal da Relação confirmou a decisão de 1a instância, mantendo como não provada, especificamente, a matéria constante dos pontos 1o, 2o e 3o do elenco dos factos dados como não provados. 5. Considerou o Tribunal da Relação que: “consta do artigo 11º que o A. celebrou com a 3ª Ré contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações das sociedades comerciais que detinham, por via direta e indireta, o total controlo da 1ª Ré, conforme documento 3. Acontece que, neste contrato faz-se referência à sociedade VCSC, Unipessoal, Ldª e à sociedade Catarino SGPS, SA e diz-se que aquela encabeça o denominado Grupo Catarino, remetendo para o Anexo I, no entanto, tal documento é ilegível, pelo que, fica-se sem saber quais são as sociedades que fazem parte de tal Grupo. Mesmo estando assente que a VCSC e a Catarino SGPS detinham o total controlo da Ramos Catarino, SA, continuamos sem saber quais são as empresas que compõem o Grupo Catarino e que são detidas na totalidade pela Catarino SGPS e também não foi feita prova bastante de que a Ré Catarino SGPS detém a totalidade do capital social da 1ª Ré e que a Ré Nacala é proprietária da totalidade do Grupo Catarino e, portanto, da 1º e 2ª Rés. Não se encontram junto aos autos documentos idóneos para a prova destes factos, da relação de grupo e de domínio, nomeadamente, as respetivas certidões das matrículas das Rés” (sublinhado nosso) 6. Ao decidir assim, o Tribunal da Relação admite que existem elementos probatórios nos autos, nomeadamente documentos mobilizados para sustentar a factualidade a final dada como não provada em 1.ª instância, especificamente um documento cuja integridade e percetibilidade nunca foi posta em causa ao longo do decurso do processo, exceto pelo Tribunal da Relação, que o considerou ilegível, não tendo disso informado o recorrente, nem permitido suprir tal defeito até então desconhecido, que ademais pode ter ocorrido posteriormente à sua junção aos autos, ou seja, desconhece-se a causa da sua ilegibilidade, que só o Tribunal da Relação a considerou e que, se tivesse sido corrigida, poderia ter sido suficiente para alterar a sua decisão. 7. Nessa medida, desconsiderando o documento existente nos autos por o considerar ilegível, veio a concluir que “Não se encontram junto aos autos documentos idóneos para a prova destes factos, da relação de grupo e de domínio”; mais adiantando que tal prova poderia ter sido feita por intermédio das “respetivas certidões das matrículas das Rés”. 8. O recorrente não se pode conformar com esta conclusão que determinou, nesta parte, a sorte da decisão, porque, em primeiro lugar, e smo, os factos em causa não exigem prova documental. Em rigor, os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos alegados e controvertidos. Aliás, a 1ª instância, quando fundamenta por que não deu como provados os factos enunciados em 1.º, 2.º e 3.º, admite que eles poderiam ter sido provados por documentos ou testemunhas, desde que, obviamente, tais elementos probatórios fossem idóneos e credíveis para prova da sua verificação. 9. Não exigindo a lei documento escrito para prova dos factos em causa, que ademais não constituem declarações negociais, e salvo o devido respeito, andou mal a 1 .ª instância, bem como o Tribunal da Relação, ao não reconhecer força probatória à confissão das Rés constante dos autos. 10. Acresce que, o Autor, ora recorrente, apresentou requerimento em 28/09/2020, na audiência prévia, em resposta às exceções, por intermédio do qual “requereu nos termos do disposto no artigo 429º. do Código de Processo Civil, a notificação de cada uma das Rés para vir juntar aos autos: - as respetivas declarações de registo de beneficiários efetivos; - os respetivos livros de registo de ações. 11. Por despacho de 13/10/2020, decidiu o Juízo do Trabalho de Coimbra, “II- Por se revelaram pertinentes para a apreciação do mérito da causa, notifique as rés para, no prazo de 10 dias, juntarem aos autos os documentos requeridos pelo autor a fls. 145 verso e 146 (art.° 429° do NCPC aplicável ex vi do art° 1°, n° 2, ai. a) do CPT).” 12. As Rés, no prazo que lhes foi concedido, não procederam à junção de qualquer documento, nem justificaram a sua omissão, o que o Autor deu nota ao Tribunal por requerimento de 13/11/2020, requerendo que se deveria dar como verificado o disposto no artigo 417.º, n.º 2, devendo as Rés ser condenadas em multa, apreciando o Tribunal o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova. 13. Porém, perante o incumprimento do quanto foi determinado às Rés, de junção das declarações de registo de beneficiários efetivos e dos livros de registo de ações, e conforme consta da ata da sessão de julgamento que se realizou em 18 de novembro de 2020 (fls. 168): “As partes comunicaram que consideram assentes por acordo os factos vertidos nos artigos 1o, 2.°, 3o, 4 o, 5.°, 11°, 19° e 20° da petição iniciai”, o que fizeram com liberdade e autonomia e poderes para tanto, vertendo o conteúdo do acordo em ata, que nunca foi colocada em causa pela partes, pelo que o quanto dela consta constitui prova plena 14. Indo em concreto ao teor dos artigos da PI, o 11.º reza o seguinte: Ora, o Autor manteve a suspensão do seu contrato de trabalho desde Dezembro de 1986 até 21 de Maio de 2018, data em que celebrou com a 3ª Ré contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações das sociedades comerciais que detinham, por via direta e indireta, o total controlo da 1ª Ré, - conforme doc. 3 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. 15. Sendo a 1ª Ré, conforme se identifica, a Ramos Catarino, SA a 2ª Ré é Catarino, SGPS, SA e a 3ª Ré é Nacala Holdings, Sarl, ficou desta forma assente que o ora recorrente, em 21 de Maio de 2018, celebrou com a Ré Nacala Holdings o documento intitulado de contrato de cessão de quotas e de compra e venda de ações, junto de fls 13 verso a 23, das sociedades comerciais que detinham, por via direta e indireta, o total controlo da 1ª Ré. 16. Aliás, do organigrama que constitui o Anexo I, e que o Tribunal da Relação refere ser ilegível, verifica-se que dele consta no canto superior esquerdo a menção ao Grupo Catarino, a Catarino SGPS, SA, encabeça no segundo nível o referido Grupo, fazendo parte deste, a Ré Ramos Catarino, SA. (Cfr. organigrama reproduzido na motivação). 17. Por via desse contrato, o recorrente (e seu irmão) vendeu por 1 euro à compradora Ré Nacala Holdings todas as participações que detinha no denominado “Grupo Catarino”, que desta forma passou a ser dominado pela Ré Nacala Holdings, tendo ainda renunciado a todos os cargos que até então exercia nos órgãos sociais das sociedades que compunham o dito “Grupo Catarino”, conforme o contrato elucida e supra se alegou. 18. Consta do considerando A do contrato, o recorrente detinha uma quota na sociedade VCSC representativa da totalidade do seu capital social e, conforme i) do ponto 1 da cláusula primeira do contrato, esta quota foi cedida à 3ª Ré, esclarecendo o mesmo documento esclarece, no ponto F dos seus “Considerandos”, que a sociedade VCSC encabeça o denominado “Grupo Catarino”, controlando as subsidiárias nacionais, entre as quais a Ré Ramos Catarino, S.A., e estrangeiras que se identificam no organigrama que constitui o Anexo I - em conjunto com a VCSC, tais sociedades são adiante abreviada e coletivamente designadas por “sociedades”. 19. Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo quanto aos factos 1º, 2º e 3º dados como não provados, considerando que o recorrente não fez prova da relação de grupo e de domínio entre as Rés na acção, pois que o Autor fez prova desse facto, e confiou que assim o Tribunal considerasse, e o Autor isso mesmo realçou em 07.06.2021, conforme Ata de Audiência de julgamento, expressamente fazendo constar que: - “Resulta do teor da ata da audiência de julgamento do dia 18/11/2020 que as partes deram assentes por acordo os factos vertidos nos artigos 1o, 2°, 3°, 4°, 5 o, 11°, 19 ° e 20 ° da petição inicial. - Estes artigos remetem para documentos particulares que nunca, em momento algum, foram impugnados pelas rés (documentos n.°s 1 e 3 juntos com a PI), pelo que as assinaturas neles apostas encontram-se plenamente reconhecidas, devendo ser tidas por verdadeiras, nos termos do disposto no n.° 1, do art.° 374° do CC. - O mesmo deverá ser aplicado aos demais documentos juntos pelo autor e cuja autoria, pertencente às rés, não foi colocada em causa. - Quanto aos demais documentos juntos pelo autor na sua petição inicial, que não foram impugnados e cuja genuinidade não foi posta em causa pelas rés, devem as declarações de ciência e vontades neles contidas, desde que contrárias aos interesses dos declarantes, dar-se como plenamente provadas, ao abrigo do n.° 2 do art.° 376.° do CPC. - Nestes termos, o Autor expressamente aceitou tais confissões, requerendo ao Tribunal que as declare irretratáveis, ao abrigo do disposto no artigo 465.° do CPC, com as legais consequências já expostas.” 20. A confissão é, nos termos do art.º 352.º do CC, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, respetivamente, Rés e Autor. 21. Tal confissão das Rés, feita em juízo, reduzida a escrito, é admissível e eficaz em relação às Rés confitentes, porquanto encontravam-se representadas por procurador com poderes e capacidade para a fazer, pelo que, nos termos do n.º 1 do art.º 358.º do CC, a força probatória é plena. 22. Por ser plena a força probatória da confissão, do acordo das partes e dos documentos pertinentes, o exame crítico das provas a que se refere artigo 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil pouco mais envolve do que a operação de considerar, na sentença ou no acórdão, os factos cobertos por aqueles meios de prova. 23. De facto, conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-05-2019, processo n.º º 370/15.6T8ABT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “I - Em sede da decisão de facto, é lícito à Relação, nos termos do art. 607º, n.º 4, ex vi do art. 663.º,n.º 2, do CPC, extrair ilações dos factos dados como provados, nomeadamente por via de presunção judicial, de modo a precisar-lhes o respetivo alcance, desde que tal não contrarie outros factos tidos como não provados e que não tenham sido impugnados. II - Deve também a Relação atender, nos termos do art. 607º, n.º 4, 2 ª parte, ex vi do art. 663.º, n.º2, do CPC, aos factos que se encontrem assentes por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito que, em virtude da respetiva eficácia probatória legal, por si só, devam prevalecer sobre factos resultantes da demais prova produzida.” 24. Considerando que a prova pleníssima constituída pela admissão de factos por acordo ou confissão não pode ser contrariada por outras provas, impunha-se ao juiz de 1.ª instância a sua consideração aquando da elaboração da sentença, nos termos do art. 607.º, n.º 4 do CPC, o que este não fez. 25. Não se pode desconsiderar que a relação de domínio pode ser provada mediante acordo das partes ou confissão, sempre que os respetivos factos jurídicos não constituam o «thema decidendum» da ação, antes constituindo mero pressuposto da decisão a proferir, como sucede no caso em análise. 26. Destarte, a livre apreciação estabelecida pelo legislador no n.º 5 do art. 607.º do CPC não inclui os factos provados por acordo ou confissão das partes, ou documentos. Até porque, a situação de facto descrita no art. 11.º da PI é suscetível de confissão, não tendo de ser provada por documento escrito. 27. A sentença de 1ª instância assim o reconhece quando fundamenta que não deu como provados os factos enunciados em 1.º, 2.º e 3.º por não terem sido carreados para os autos elementos probatórios, documentais e/ou testemunhais, idóneos e credíveis para prova da sua verificação, embora o faça, em clamoroso erro ao omitir, por completo, a confissão das Rés no acordo alcançado entre as partes em juízo. 28. Por último, só é de registo obrigatório a deliberação da manutenção do domínio total superveniente, bem como o termo da relação de grupo. -cfr. 489.º CSC e alínea u) do n.º 2 do art.º 3.º do CRC. 29. Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/06/2018, proc. 472/15.9T8VRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: I. De harmonia com o disposto no artigo 352º do Código Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. II. A confissão feita nos articulados pelo mandatário da parte e aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca, nos termos e para os efeitos dos artigos 47º e 465º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, adquire força probatória plena contra o confitente, nos termos do artigo 358º, nº1 do Código Civil, como modalidade de confissão judicial escrita. III. Sendo invocada a violação de confissão desta natureza, pode o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no artigo 674º, nº 3 do Código de Processo Civil, sindicar a decisão do Tribunal da Relação no tocante a factos que foram considerados como provados por este tribunal sem que se encontrassem reunidos os requisitos legalmente necessários para que tal confissão pudesse ter força probatória plena contra o confitente, nos termos do artigo 358° do Código Civil. 30. In casu, a consideração de que a relação de domínio e de que os factos constantes dos pontos 1.º, 2.º e 3.º dos factos dados como não provados pela 1.º instância só se poderiam provar por documento idóneo, “nomeadamente, as respetivas certidões das matrículas das Rés”, conforme se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra, viola a norma legal do artigo 358.º do Código Civil, que fixa a força probatória da confissão. 31. Mas mais, as duas primeiras Rés, a Ramos Catarino S.A e Catarino SGPS, S.A., são sociedades anónimas portuguesas, não resultando, portanto, óbvio que das respetivas certidões das suas matrículas resultasse a evidência da existência de qualquer relação de domínio, uma vez que, por um lado, as sociedades poderiam não ter averbado/registado na sua matrícula qualquer relação de domínio ou de grupo, e, por outro, sendo sociedades anónimas, também não consta da sua matrícula quem são os seus acionistas. 32. Nos termos do artigo 486.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente, detém uma participação maioritária no capital. 33. Os factos atinentes à relação entre as Rés são constantes dos factos 1, 2 e 3 considerados não provados e preenchem este normativo legal. 34. Pelo que se vem de dizer, isto é, pelo facto de se estar perante duas sociedades anónimas portuguesas, tais factos não seriam provados pela certidão de matrícula das Rés, mas eventualmente pelo seu livro de registo de ações, o que foi requerido pelo Autor que fosse junto pelas Rés aos autos, ordenado pelo Tribunal e incumprido pelas Rés, incumprimento este que a final o Tribunal “premiou”, não obstante o quanto foi expressamente acordado pelas partes, e o valor probatório da confissão. 35. Donde, smo, outra decisão não deveria ser tomada, senão a de julgar provado que: 1º O Grupo Catarino é composto por várias empresas detidas na totalidade pela holding do grupo, a segunda ré Catarino, SGPS, S.A.; 2.° A segunda ré detém a totalidade do capital social da primeira ré; 3 o A terceira ré é proprietária da totalidade do Grupo Catarino e, portanto, da primeira e segunda ré. 36. Decidindo como decidiu, o Tribunal da Relação de Coimbra, violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 352.°, 358.° 1 e 2 ambos do Código Civil, artigos 47.°, 465.°, n.° 2, 607.°, n.° 4 e 5, ex vi art. 663.°, n.° 2 todos do Código de Processo Civil, e artigo 486.°, n.° 2 do Código das Sociedades Comerciais. E rematava pedindo a este Tribunal que os factos não provados1 a 3 fossem dados como provados, em vez de não provados. Não houve contra-alegações. Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. Por despacho do Relator foi admitido o recurso com efeito meramente devolutivo. Do referido despacho consta o seguinte: “O Acórdão recorrido decidiu “anular a decisão proferida pela 1ª instância, devendo o tribunal recorrido proceder a um novo julgamento com vista a apurar os factos supra enunciados e suprir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia”. Ora, dir-se-ia que sendo tal decisão tomada ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 2 alínea c) não é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (n.º 4 do artigo 662.º). No entanto, da leitura do Acórdão resulta que este acabou por extinguir parcialmente a instância relativamente aos 2.º e 3.º Réus. Fê-lo ao considerar insuficientes os elementos de prova constantes dos autos e que justificariam a presença em juízo de outras sociedades do mesmo grupo. Acresce que além da presença de documentos (designadamente os documentos 1 a 3 juntos à petição inicial e com força probatória plena porque não impugnados) houve também uma decisão quanto à não aplicação da regra de direito sobre inversão do ónus da prova. Trata-se, em suma, de uma decisão que pôs termo ao processo relativamente ao 2.º e 3.º Réus, pelo que se admite o presente recurso de revista, com efeito meramente devolutivo, tanto mais que estão presentes os requisitos gerais de admissibilidade (valor, sucumbência, tempestividade do recurso, legitimidade das partes)”.
Fundamentação De Facto Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias: 1.º Em dezembro de 1986 o autor foi admitido pela ré Ramos Catarino, S.A., mediante acordo verbal, para sob a sua autoridade, direção e fiscalização desempenhar funções de ...; 2. º O autor desempenhava as funções referidas em 1.º na sede da ré Ramos Catarino, S.A. sita em Febres, podendo deslocar-se para outro lugar que lhe fosse indicado, normalmente associado às obras que estivessem em curso e a serem realizadas pela Ramos Catarino, S.A.; 3.º As funções do autor enquanto ... incluíam o estudo, organização, direção e coordenação, nos limites dos poderes de que estava investido, das atividades da empresa ou de um ou vários dos seus departamentos, conforme definição funcional da categoria profissional prevista no CCT aplicável - Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) para o Setor da Construção Civil e Obras Públicas -, cuja última versão é de 29 de julho de 2018, e foi publicada no BTE n.º 26, de 15 de julho de 2017; 4.º A ré Ramos Catarino, S.A. procedeu à inscrição do autor na Segurança Social enquanto trabalhador por conta de outrem; 5.º A partir de maio de 1988 o autor foi nomeado administrador da ré Ramos Catarino, S.A.; 6.º Em 21 de maio de 2018 autor e Nacala Holdings subscreveram o documento intitulado de contrato de cessão de quotas e de compra e venda de ações, junto de fls. 13 verso a 23 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente que: Entre 1. AA (…); 2. BB (…); De ora em diante abreviada e coletivamente designados por primeiros contraentes ou vendedores e 3. Nacala Holdings S.A.R.L., sociedade de direito luxemburguês (…), neste ato representada por CC, na qualidade de ..., com poderes para o ato, de ora em diante abreviadamente designada por Compradora; Sendo os vendedores e a compradora adiante abreviada e conjuntamente designados por Partes. Considerando que: A. O vendedor AA é titular, livre de ónus ou encargos, de uma quota com o valor nominal de €5.000,00, representativa da totalidade do capital social e dos direitos de voto da sociedade VCSC-Gestão e Serviços de Consultoria, Unipessoal, Lda. (adiante a Quota) (…); B. Os vendedores são titulares de 39.146 ações com o valor nominal de €5,00 representativas de 25% do capital social da sociedade Catarino SGPS, S.A. (adiante as Ações) (…); C. Os vendedores são, em concreto, titulares das seguintes participações sociais na Catarino SGPS: i)AA: 14.680 ações; ii) BB: 24.466; D. O vendedor AA pretende ceder à compradora, que pretende adquirir, a Quota; E. Os vendedores pretendem alienar à compradora, que pretende comprar, as ações (sendo a cessão da Quota e a venda das Ações de ora em diante abreviada e conjuntamente designadas por a Operação); F. A VCSC encabeça o denominado Grupo Catarino, controlando as subsidiárias nacionais e estrangeiras que se identificam no organigrama que constitui o anexo I – em conjunto com a VCSC, tais sociedades são adiante abreviada e coletivamente designadas por Sociedades; (…); é celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações (adiante o Contrato), que se regerá pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes: Cláusula Primeira (Objeto) 1.Pelo presente contrato: i) O vendedor AA cede á compradora, que adquire, (i) a Quota e (ii) todos e quaisquer direitos sociais e económicos inerentes à Quota ou à qualidade de sócio, nomeadamente, quaisquer créditos decorrentes de suprimentos, prestações acessórias ou suplementares, bem como quaisquer outros créditos sobre a VCSC; ii) Os vendedores vendem á compradora, que compra (i) as Ações e (ii) todos e quaisquer direitos sociais e económicos inerentes às ações ou à qualidade de acionistas, nomeadamente, quaisquer créditos decorrentes de suprimentos, prestações acessórias ou suplementares, bem como quaisquer outros créditos sobre a Catarino SGPS; (…); 3. Na presente data, os vendedores entregam à compradora os seguintes documentos: (…); iv) cartas de renúncia, com efeitos a partir do oitavo dia seguinte ao da presente data, dos vendedores (ou familiares) aos cargos que exerçam nos órgãos sociais das sociedades, declarando nada ter a haver destas, seja a que título for; v) acordos de revogação de todas as relações contratuais existentes entre as sociedades e os vendedores, incluindo, mas sem limitar, na qualidade de sócios e, caso seja aplicável, na qualidade de gerentes e/ou administradores, com efeitos imediatos, declarando nada mais terem a haver, seja a que titulo for, das sociedades; (…); Cláusula Segunda (Preço) 1. O preço global da venda da (i) Quota, das (ii) Ações e de (iii) eventuais suprimentos é de €3,00 com a seguinte repartição: i) Quota: €1,00; ii) Ações pertencentes a AA: €1,00; ii) Ações pertencentes a BB: €1,00; 2. O preço é pago, na presente data, mediante transferência bancária, dando os vendedores, pelo presente, a respetiva quitação; (…); Cláusula Quarta (Declarações e Garantias dos Vendedores) (…); 4. Os vendedores declaram e garantem, expressa e formalmente que, na presente data, os seguintes elementos e informações são exatos, verdadeiros e atualizados: (…); i) Laboral i) Do Anexo VIII ao presente contrato consta uma lista completa e atualizada de todos os contratos de trabalho e de prestação de serviços com pessoas individuais em que são parte as sociedades, bem como um resumo das condições contratuais relevantes; (…); Cláusula Sétima (Obrigação de Permanência) 1.O vendedor AA assume a obrigação de permanecer ao serviço das sociedades, em funções diretivas, conforme melhor definido pela compradora, por um período de quatro anos contados da presente data; (…); 7.º Consta do anexo VIII, do documento referido em 6.º (cláusula 4.ª, n.º 4, ponto i)), em relação ao autor, que o seu contrato se iniciou em 1 de dezembro de 1986, é um contrato sem termo, o seu vencimento base é de €11.786,00 e a função atribuída é de administrador; 8.º A ré Nacala Holdings subscreveu e entregou ao autor, que a recebeu no dia 21 de maio de 2018, a carta junta de fls. 26 a 27 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente, que: Assunto: Compromissos assumidos pela sociedade Nacala Holdings S.A.R.L, em relação ao contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações celebrado, entre outros, com AA Exmo. Sr. Eng.º Referimo-nos ao contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações celebrado entre a sociedade Nacala Holdings, S.A.R.L. (…), na qualidade de compradora, BB e AA, na qualidade de vendedores (…); A Nacala assume o compromisso de, após a concretização da operação, assegurar as seguintes condições, relativamente às sociedades do grupo Catarino e ao Eng. º AA: (…); (iii) Em obras de valor igual ou inferior a €5.000.000, atribuição de uma comissão variável de 2% do valor de obra contratado em cada ano civil pelas sociedades do Grupo Catarino, do Grupo ... e do Grupo ... a AA, sendo 50% dessa comissão a liquidar no ano da angariação da obra e os remanescentes 50% a liquidar no ano da conclusão do contrato, desde que a obra em questão seja, efetivamente, angariada por AA, e se encontre cumprida a margem comercial de fecho; (iv) Em obras de valor superior a € 5.000.000, atribuição de uma comissão variável de 1% do valor de obra contratado em cada ano civil pelas sociedades do Grupo Catarino, do Grupo ..., e do Grupo ... a AA, sendo 50% dessa comissão a liquidar no ano da angariação da obra e os remanescentes 50% a liquidar no ano da conclusão do contrato, desde que a obra em questão seja, efetivamente, angariada por AA, e se encontre cumprida a margem comercial de fecho; (v) Atribuição de uma remuneração fixa a AA no montante anual ilíquido de €190.000 (cento e noventa mil euros), a liquidar em 14 prestações mensais e sucessivas, ficando o concreto enquadramento jurídico da relação contratual entre as partes por definir; (vi) Reembolso das despesas realizadas por AA, relativas à utilização de viatura própria ao serviço das sociedades do Grupo Catarino, excluindo-se as que se refiram a deslocações entre o seu domicílio e a sede da respetiva sociedade, no valor de €0,20/km (vinte cêntimos por quilómetro), sujeitas a validação mensal por parte do Presidente do Conselho de Administração da respetiva sociedade; (vii) Reembolso de despesas de alojamento e alimentação realizadas por AA ao serviço das sociedades, desde que devidamente documentadas e efetivamente suportadas, com os valores máximos diários de € 80 (oitenta euros) e € 35 (trinta e cinco euros) para alojamento e refeições, respetivamente, quando realizadas no território português ou €120 (cento e vinte euros) e €50 (cinquenta euros) para alojamento e refeições, respetivamente, quando realizadas fora do território português, sujeitas a validação mensal por parte do Presidente do Conselho de Administração da respetiva sociedade e quando realizadas fora do território nacional, desde que tais deslocações tenham sido prévia e expressamente autorizadas pelo Presidente do Conselho de Administração da respetiva sociedade; (…); 9.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor manteve um gabinete próprio, nas instalações da Ramos Catarino S.A., sitas em Febres; 10.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor identificava oportunidades de negócio, marcando reuniões com os parceiros (donos de obra, empresas de fiscalização e arquitetos) e produzindo relatórios dessas reuniões; 11.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor cumpria as ordens de CC e DD na assinatura dos documentos que exigiam a assinatura do administrador; 12.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor deixou de dar ordens de pagamento de salários; 13.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor deixou de contratar trabalhadores e de exercer poder disciplinar sobre os mesmos; 14.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor deixou de controlar e de tomar decisões da empresa de índole administrativa e financeira; 15.º Em 30 de janeiro de 2019 o autor remeteu a CC e DD, que o receberam, o mail junto a fls. 73 verso cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente que: (…) Assinarei mais esta comunicação, por instruções vossas, porque face ao incumprimento do registo dos contratos de cessão de participações sociais do Grupo Catarino e de nomeação dos gerentes e administradores - que, de facto, desde a data da transação tomam as decisões de gestão - me mantenho formalmente como administrador das sociedades. Não obstante, gostaria de ver este assunto definitivamente resolvido até ao dia 15 de fevereiro de 2019, data a partir da qual desde já informo que deixarei de assinar os documentos que me vêm solicitando que assine (…); 16.º Em 19 de fevereiro de 2019 o autor remeteu à P..., Lda., com conhecimento da Ramos Catarino, S.A. e Nacala Holdings S.A.R.L., que a receberam, a carta junta de fls. 74 verso a 75 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta designadamente que: Assunto: Renúncia à administração da sociedade Ramos Catarino, S.A. (…); Nessa sequência estavam V. Exas. obrigados à apresentação de tal documento a registo, o que até à presente data não cumpriram. Como tal, reitero a vontade já transmitida no dia 21/05/2018 de renunciar à administração da sociedade Ramos Catarino, S.A., com efeitos á data de outorga do referido acordo (21/05/2018) (…); 17.º Em 22 de fevereiro de 2019 foi registado na matrícula da ré Ramos Catarino, S.A., o ato de renúncia do autor do cargo de presidente do conselho de administração, datado de 20 de fevereiro de 2019; 18.º Em 7 de maio de 2019 foi registado na matrícula da ré Ramos Catarino, S.A. o ato de nomeação de CC, como presidente do conselho de administração, e de DD, como vogal do conselho de administração, com data da deliberação de 2 de abril de 2019; 19.º Em outubro de 2018 a ré Ramos Catarino, S.A. emitiu recibo de remuneração do autor do qual consta, designadamente: o montante da remuneração mensal ilíquida de €13.571,43 (líquida de €6.446,57) e a menção da categoria profissional de administrador; 20.º Na lista de funcionários a serem pagos pela ré Ramos Catarino S.A. em julho de 2018, é indicado o autor com o valor a pagar de €6.446,57; 21.º O autor subscreveu e remeteu à Ramos Catarino S.A. e à Nacala Holdings S.A.R.L., que a receberam, a carta registada com aviso de receção, datada de 1 de abril de 2019 junta de fls. 86 verso a 88 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente, que: (…); 13. Ora, a minha atividade na Ramos Catarino, S.A. iniciou-se em outubro de 1986, pelo exercício das funções de diretor de obra, diretor de produção e diretor comercial, interrompidas apenas pelo período em que fui designado administrador; 14. Cessadas formalmente as funções de administrador, apresentei-me hoje ao meu posto de trabalho, para, tal como de facto vinha exercendo desde maio de 2018, exercer o cargo de diretor comercial nas condições remuneratórias acima mencionadas; 15. Hoje, por volta das 12 horas, foi determinada a minha presença na sala principal de reuniões da Ramos Catarino, S.A., em Febres, por parte do Eng. CC, que me comunicou: que estava despedido; que hoje seria o meu último dia de trabalho; que deveria retirar todos os meus pertences e abandonar as instalações da empresa até ao final do ia; que estava impedido de entrar nas instalações a partir do final do dia de hoje em diante; 16. Aliás, essa comunicação ocorre na sequência da reunião havida no mesmo local pelas 10h30, com a presença de todos os colaboradores que trabalham a partir de Febres, com exceção do signatário, onde, entre outras coisas, foi comunicado que a partir de hoje, o Eng. AA não teria mais quaisquer funções no Grupo Catarino; (…); 19. Assim, além de ter sido despedido, tendo hoje sido recusada a minha prestação de trabalho, também não poderia continuar a prestar a minha atividade para o Grupo Nacala, sem que me fossem regularizadas todas as remunerações em dívida, no valor de remuneração fixa e variável de €80.760,64, não me sendo exigível a manutenção da obrigação de permanência e não concorrência assumida no contrato a que me refiro em 1., porque não posso continuar vinculado a uma obrigação que me impede de trabalhar para outrem, quando por força e tal obrigação não me é paga qualquer remuneração; 20. De modo que, venho pela presente, solicitar que me seja comunicado formalmente o despedimento, com entrega de toda a documentação que se impõe, bem como o pagamento imediato das remunerações em dívida; 21. Caso tal não suceda, informo, desde já que, não tenho outra solução que não seja resolver o contrato de trabalho com justa causa, por falta de pagamento de remunerações e também, desse hoje, por violação do dever de ocupação efetiva, considerando ser insustentável a manutenção desta situação, que coloca em causa o meu bem-estar e o da minha família (…); 22.º Em 4 de abril de 2019 CC remeteu ao autor o mail junto a fls. 89, com conhecimento de várias pessoas de vários empresas, cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente: Ex.mo Sr. Eng. AA Com a renúncia do mandato de Administrador dos CADM do Grupo Catarino, as suas funções no Grupo conforme lhe foi devidamente explicado na reunião havida no ia 1/4/2019 nos escritórios da empresa foram completamente cessadas. Neste sentido, não nos liga nenhum contrato de trabalho, nem existe nenhuma nomeação da Ramos Catarino para que exerça quaisquer cargos na empresa. Assim, solicito que no âmbito do que lhe foi comunicado abandone de imediato as instalações da empresa, porque a sua permanência no local para além de perturbadora e intrusiva, reveste-se de um abuso com o qual não estamos dispostos a pactuar. Que fique bem claro a todos os trabalhadores do Grupo que o Sr. Eng. AA não é colaborador do Grupo, não foi nomeado para qualquer cargo de direção comercial, a sua presença dentro das instalações é abusiva, não representa o grupo de nenhuma forma nem em nenhum fórum e por conseguinte não deve ocupar quaisquer espaços dentro das instalações, nem os meios da sociedade, neste sentido está formalmente informado que em função do supra referido está proibido de, em nome da empresa, de se relacionar com clientes, funcionários, bancos ou outros (…); 23.º Em resposta à carta referida em 21.º, as rés Ramos Catarino, S.A. e Nacala Holdings subscreveram e remeteram ao autor, que a recebeu, a carta datada de 4 de abril de 2019, junta de fls. 90 a 91 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente: (…) Na sequência da s/missiva datada de 1 de abril de 2019, a qual mereceu a nossa melhor atenção, vêm as signatárias esclarecer o seguinte: Ao contrário do quem vem alegado por V. Exa., não existe qualquer relação jurídica de trabalho entre V. Exa. e as ora signatárias (ou qualquer outra empresa do Grupo Ramos Catarino). (…) Com efeito, e pese embora desconheça a Nacala Holdings, S.A.R.L. a eventual existência de alguma relação jurídico-laboral passada entre V. Exa. e alguma das sociedades do Grupo Ramos Catarino, a verdade é que, a mesma, caso alguma vez tenha existido, cessou para todos os efeitos no dia 21 de maio de 2018, tendo aí V. Exa. dado integral quitação relativamente a todas as sociedades do Grupo Ramos Catarino. (…) Finalmente, e pese embora tenham sido acordados termos e condições específicos para a manutenção, a título transitório, de V. Exa. nas sociedades do Grupo Ramos Catarino, a verdade é que nunca foi acordada a celebração de qualquer contrato de trabalho entre as signatárias (ou qualquer outra sociedade do Grupo Ramos Catarino) e V. Exa. Com efeito, e conforme ignora convenientemente V. Exa., foi acordado entre V. Exa. e a ora signatária Nacala Holdings, S.A.R.L, que o concreto enquadramento jurídico da relação contratual entre as partes ficava por definir. Sendo certo que tal enquadramento nunca veio a ser formalmente definido, a verdade é que o foi materialmente, através do exercício prolongado - quer formal, quer material, - das funções de administração e/ou gerência das sociedades do Grupo Ramos Catarino. Com efeito, conforme V. Exa. sabe e não pode desconhecer, a única relação jurídica existente entre V. Exa. e as ora signatárias (ou qualquer outra sociedade do Grupo Ramos Catarino), desde 21 de maio de 2018, foi de administração e/ou gerência, a qual é, por natureza, incompatível com a existência de contrato de trabalho, porquanto não lhe sendo devida qualquer comunicação de despedimento, nem lhe assistindo qualquer direito como seja o de resolver o contrato de trabalho, atenta a inexistência, conforme se referiu, de qualquer contrato de trabalho (…); 24.º A título de salários a ré Ramos Catarino, S.A. pagou ao autor as seguintes quantias: - €5.598,54 referente ao mês de maio de 2018; - €6.446,57 referente ao mês de junho de 2018; - €6.446,57 referente ao mês de julho de 2018; - €5.000,00 em 19 de dezembro de 2018; - €6.000,00 em 15 de janeiro de 2019; 25.º Em 4 de fevereiro de 2019 o autor enviou a CC e DD o mail junto a fls. 94 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos do qual consta, designadamente: (…) Venho solicitar, muito respeitosamente, que me seja pago (pelo menos) um salário, com a maior urgência. Desde 2013 que me têm vindo a ser, sucessivamente e por razões diversas, retirados rendimentos de trabalho (fixos e variáveis) que me seriam devidos. Desde a transação (21 de maio de 2018) vários foram os salários que não me foram pagos. Em consequência de tido isto, encontro-me numa situação de absoluto estrangulamento financeiro. Não tenho dinheiro para viver com um mínimo de dignidade. Falta dinheiro para pagar a prestação da casa, para a saúde da família – que atravessa, como abem, um momento particularmente dramático -, para ajudar a cuidar dos pais, para a higiene pessoal, para a alimentação, etc. Começo, pois, a não ter condições para viver com a dignidade que se exige a um qualquer ser humano. Começo, por conseguinte, e a persistir esta situação, a não ter as melhores condições (apenas por razões de estrangulamento financeiro) para desempenhar as funções que me estão confiadas (…); 26.º No ano de 2012 o autor foi eleito personalidade do ano, para a revista do sector da construção civil Construir;
Factos dados como não provados (transcrevem-se os factos 1 a 3 por constituírem precisamente o objeto do presente recurso):
1.º O Grupo Catarino é composto por várias empresas detidas na totalidade pela holding do grupo, a segunda ré Catarino, SGPS, SA; 2.º A segunda ré detém a totalidade do capital social da primeira ré; 3.º A terceira ré é proprietária da totalidade do Grupo Catarino e, portanto, da primeira e segunda rés;
De Direito
O presente recurso de revista incide exclusivamente sobre a decisão do Tribunal da Relação relativamente aos factos dados como não provados 1 a 3 (como se afirma na Conclusão 2 do recurso). O n.º 2 do artigo 682.º do CPC dispõe que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”, sendo que este último preceito ressalva apenas os casos em que haja “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Aliás, também o n.º 4 do artigo 662.º esclarece que das decisões da Relação previstas nos números 1 e 2 do mesmo preceito não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, importa não confundir a decisão do Tribunal recorrido quanto à matéria de facto e a decisão sobre questões que podem acabar por ter consequências quanto àquela decisão, mas que dela se distinguem e podem representar a violação de lei substantiva ou a violação ou errada aplicação de lei do processo, que são fundamentos possíveis do recurso de revista, como resulta inequivocamente do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 682.º. Entre estas refiram-se tanto a violação do contraditório e a existência de decisões surpresa, como a decisão sobre a própria inversão do ónus da prova como sanção civil[3] para a violação dos deveres de cooperação (artigo 7.º do CPC) e de atuação em conformidade com a boa fé processual (artigo 8.º do CPC). Tal tem sido, de resto, o entendimento reiterado deste Supremo Tribunal. Assim, no Acórdão proferido a 12.05.2016, no processo n.º 85/14.2T8PVZ.P1.S1 (Relator Conselheiro Abrantes Geraldes), afirma-se que “tal como é viável a interferência do Supremo Tribunal de Justiça na matéria de facto cuja fixação esteja associada a alguma ofensa a disposição expressa de lei que exija determinado meio de prova ou que fixe a força valor probatória de algum meio, também deve admitir-se que, no âmbito do recurso de revista, possa ser sindicado pelo Supremo o modo como as instâncias interpretaram e aplicaram uma norma de direito probatório material, como a do art. 344º, nº 2, do CC, na medida em que, sendo acolhida a pretensão dos recorrentes, tal se possa traduzir na modificação do juízo probatório subjacente à decisão da matéria de facto provada e não provada” e no sumário do Acórdão proferido a 09/04/2019 (no processo n.º 4759/07.6TBGMR-A.G1.S1, Relator Conselheiro Fernando Samões) pode igualmente ler-se que “a apreciação do modo como as instâncias qualificaram a atuação de uma das partes no contexto da inversão do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 2, do Código Civil insere-se no âmbito do recurso de revista”. Na fundamentação da decisão tomada pelo Acórdão recorrido quanto ao segmento decisório sobre o qual incide o presente recurso – a decisão relativamente aos factos 1 a 3 do elenco de factos não provados) consta, designadamente, o seguinte: “Alega o recorrente que esta matéria devia ter sido dada como provada atento o acordo expresso em audiência de julgamento, tendo sido considerados assentes por acordo os factos vertidos nos artigos 1.º a 5.º, 11º, 19.º e 20.º da p.i., sendo que, o artigo 11.º faz referência às sociedade que detinham o total controlo da 1ª Ré, remetendo para o doc. 3, contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações, tendo a 3ª Ré adquirido a totalidade do denominado “Grupo Catarino” e, ainda, que os referidos artigos remetem para os documentos n.ºs 1 e 3 juntos com a p.i. que não foram impugnados. Na verdade, consta da ata de audiência de julgamento de fls. 168 que as partes consideram assentes por acordo os factos vertidos nos artigos 1.º a 5.º, 11.º, 19.º e 20.º da petição inicial. Acresce que, consta do artigo 11.º que o A. celebrou com a 3ª Ré contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações das sociedades comerciais que detinham, por via direta e indireta, o total controlo da 1ª Ré, conforme documento 3. Acontece que, neste contrato faz-se referência à sociedade VCSC, Unipessoal, Ld.ª e à sociedade Catarino SGPS, SA e diz-se que aquela encabeça o denominado Grupo Catarino, remetendo para o Anexo I, no entanto, tal documento é ilegível, pelo que, fica-se sem saber quais são as sociedades que fazem parte de tal Grupo (…)” Noutro passo afirma-se, ainda, que: “Não se provaram os factos enunciados em 1.º, 2.º e 3.º por não terem sido carreados para os autos elementos probatórios, documentais e/ou testemunhais, idóneos e credíveis para prova da sua verificação. O ónus da prova desta factualidade impendia sobre o autor por se tratarem de factos constitutivos do direito indemnizatório que reclama (art.º 342.º, n.º 1 do CC). Para prova desta matéria o autor requereu a junção aos autos pelas rés das respetivas declarações de registo de beneficiários efetivos e livros de registos de ações (fls. 141, 153 e 154). Por ter sido determinada a sua junção pelo tribunal e as rés não terem cumprido esta determinação, o autor requereu a inversão do ónus da prova (fls. 160 e 161). O tribunal não fez operar a inversão do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 2 do CC, por não se verificarem os respetivos pressupostos. Desde logo, porque não resulta comprovado nos autos que as rés mantêm os referidos documentos na sua posse. E depois porque a inversão do ónus da prova exige que a prova de determinada factualidade, por ação ou omissão da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer e que esse comportamento da parte contrária lhe seja imputável a título culposo (art.º 344.º, nº 2 do CC). Ora, o autor não estava impossibilitado de fazer a prova da relação de grupo e de domínio alegadamente existente entre as rés, com recurso a outros meios de prova, designadamente, testemunhal e documental, através das matrículas das rés. E também não resulta indiciada nos autos a culpa das rés na não apresentação dos documentos em apreço.” Relativamente à primeira passagem, há que dar razão ao Recorrente quando o mesmo alega que não houve respeito pelo contraditório ao afirmar que o documento junto aos autos (o Anexo 1) é ilegível sem dar ao Autor a possibilidade de apresentar nova versão do mesmo ou de o substituir por outro(s) meio(s) de prova. Trata-se de uma decisão surpresa vedada pelo artigo 3.º do CPC. Quanto à outra passagem da motivação há que dizer o seguinte: a norma do artigo 344.º n.º 2 do CC não pode ser considerada isoladamente, mas deve atender-se na sua interpretação ao ordenamento no seu conjunto. A norma do artigo 334.º do Código do Trabalho reforça a garantia do trabalhador ao estabelecer a responsabilidade solidária do empregador e da sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo. O escopo tuitivo desta norma não deve ser esvaziado com requisitos excessivos em matéria de prova que constituem uma verdadeira probatio diabolica, como seria exigir ao Autor que provasse que as Rés conservam em seu poder, por exemplo, os livros de registos de ações. Em todo o caso, sublinhe-se que as sociedades anónimas sempre se encontraram obrigadas a possuir ou promover um registo das suas ações nominativas tituladas (até 2000, através do “livro de registo de ações”, e, posteriormente, através do “registo de emissão”, junto da própria sociedade e de um intermediário financeiro por si indicado), onde é obrigatoriamente inscrita o(s) primeiro(s) titular(es) dessas ações e onde são ainda averbadas quaisquer eventuais transmissões futuras da titularidade dessas mesmas ações[4]. A conduta das Rés, ao não juntar os documentos solicitados, sem para tanto apresentar qualquer fundamentação, é em sim mesma, ao contrário do que se afirma no Acórdão recorrido, uma conduta culposa, representando a violação, sem justificação, dos deveres de cooperação processual previstos no artigo 7.º e 417.º n.º 1. E também aqui se impunha uma resposta ao requerimento do Autor quanto à inversão do ónus da prova. Em todo o caso, e mesmo que se entenda que ao Autor seria ainda possível fazer prova dos factos dados como não provados 1 a 3, embora tal lhe fosse mais difícil que às Rés, deveria ter-lhe sido dada oportunamente a possibilidade de a fazer. Acresce que, dentro do domínio da sua livre apreciação (não sindicável por este recurso de revista) o Tribunal da Relação deveria nos termos do n.º 1 do artigo 417.º apreciar livremente o valor da recusa, sem qualquer justificação, para efeitos probatórios. O Recorrente pede, no seu recurso, que este Tribunal dê como provados os factos 1 a 3 do elenco de factos não provados. Tal exorbita dos poderes deste Tribunal e não seria possível mesmo que se verificasse a inversão do ónus da prova prevista no artigo 344.º n.º 2 do Código Civil. As violações do contraditório e as decisões surpresa justificam, no entanto, que se anule o julgamento da matéria de facto relativa aos pontos 1 a 3 dos factos dados como não provados, determinando-se que o processo seja remetido às instâncias, para que o Recorrente possa, designadamente, juntar prova que substitua o documento tido por ilegível e a falta de apresentação dos documentos solicitados às 2.ª e 3.ª Rés.
Decisão: Determina-se se a repetição do julgamento dos pontos 1 a 3 do elenco de factos dados como não provados. Custas a decidir a final.
15 de fevereiro de 2023
Júlio Gomes (Relator) Ramalho Pinto Domingos José de Morais
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