Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
85/14.2T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
FUNCIONÁRIO BANCÁRIO
RELAÇÃO DE COMISSÃO: ART. 500º DO CC
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA: ART. 344º
Nº 2
DO CC
ÂMBITO DO RECURSO DE REVISTA
DOCUMENTOS FORJADOS
VALOR PROBATÓRIO
FUNCIONÁRIO E PROCURADOR DO CLIENTE
REPARTIÇÃO DE RESPONSABILIDADE – ART. 570º DO CC
CONCAUSALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 344.º, N.º2, 376.º, 496.º, 500.º, 566.º, N.º2, 570.º, 571.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 417.º, N.º 2,430.º, 431.º, N.º2, 674.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 31-3-2009, DE 12-10-2010, DE 15-12-2011, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Inscreve-se no âmbito do recurso de revista a apreciação do modo como as instâncias qualificaram a actuação de uma das partes no contexto da inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, nº 2, do CC.

2. A inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, nº 2, do CC, exige uma actuação culposa da parte que tenha determinado a impossibilidade de a contraparte demonstrar os factos que lhe competiam.

3. Tais condições não se verificam numa situação em que a parte, depois de ter sido notificada, procedeu à junção de vastíssima documentação bancária e justificou a não junção de outros documentos com base em razões objectivas ligadas quer ao dilatado período a que respeitam, quer ao facto de terem sido produzidos por outra entidade bancária que foi objecto de fusão concretizada há mais de 20 anos.  

4. Os documentos referentes a depósitos e outras operações bancárias não têm as características da abstracção e da literalidade que envolvem os títulos de crédito, pelo que ao cliente de instituição bancária não pode ser reconhecida pretensão que se baseia em documentos forjados por um funcionário da instituição com o objectivo de iludir o cliente e de ocultar operações que não ficaram reflectidas na contabilidade bancária.

5. Tendo o funcionário da instituição bancária, a coberto de uma procuração subscrita pelo cliente, efectuado operações não autorizadas de levantamento e de transferências de montantes depositados em contas do cliente/procurador, mas tendo também efectuado operações que traduziram a cobertura de responsabilidades assumidas pelo mesmo (v.g. saques de cheques), a quantificação do dano patrimonial sofrido pelo cliente deve ser feita através do diferencial entre as referidas operações.

6. A instituição bancária, atenta a sua qualidade de comitente relativamente ao respectivo funcionário, responde objectivamente pelos danos causados por este na esfera do cliente, responsabilidade que não é afastada pelo facto de aquele também ter agido como procurador do cliente.

7. O facto de o cliente ter constituído seu procurador o referido funcionário bancário, conferindo-lhe poderes para movimentar contas bancárias, não releva para efeitos de aplicação do disposto nos arts. 570º e 571º do CC.

Decisão Texto Integral:

I - AA e BB, intentaram acção declarativa contra Banco CC, SA, agora Banco DD, SA

Pedem a sua condenação a pagar-lhes a quantia de 128.641.178$00 e juros moratórios, e uma indemnização por prejuízos patrimoniais e morais sofridos em consequência da sua conduta, em quantia a liquidar em execução de sentença.

Alegam que o A. efectuou no Banco R. vários depósitos, nomeadamente em diversas contas poupança emigrante e, após sucessivas renovações de depósitos a prazo, com sucessivas alterações da taxa de juros, a totalidade do dinheiro depositado e respectivos juros ascendia, em 31-3-99, a PTE 128.641.178$00.

No dia 10-2-99 foi comunicado ao A., pelo gerente da agência de Santo Tirso do Banco, que a conta à ordem dos AA. se encontrava a descoberto, tendo os AA. solicitado a entrega da totalidade das quantias depositadas e respectivos juros, o que lhes foi negado, com a informação de que não eram titulares de quaisquer depósitos.

Por força da referida situação, vários cheques por si emitidos foram devolvidos pelo Banco R., por falta de provisão, tendo os AA. sido incluídos na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, encontrando, por isso, os AA. dificuldades quase intransponíveis para a obtenção de crédito, o que impediu a conclusão do prédio que o A. construiu, no âmbito da sua actividade de construtor civil, impedindo ainda o início da já planeada construção de novo prédio.

Em consequência da descrita situação, necessitaram de recorrer ao auxílio monetário de familiares, passando a conviver com o descrédito e a incerteza relativamente ao futuro, tendo-lhes tal situação provocado abalo de ordem moral e psicológica.

O R. contestou impugnando a factualidade alegada pelos AA. e alegou que os depósitos a prazo que estes tinham foram englobados num só, que totalizava, em 12-5-93, PTE 20.480.385$00, tendo depois sofrido variadíssimas liquidações parcelares, pelo que, em 30-9-95, tinham apenas um saldo de PTE 2.804.997$30, saldo que acabou por ser liquidado em 20-4-96.

Mais alegou que, em 16-7-93, os AA. constituíram, no Banco R., o depósito a prazo n° …36, no valor de PTE 308.374$00, o qual foi também liquidado em 14-9-93, não tendo os AA. constituído qualquer outro depósito a prazo que se possa considerar englobado nos depósitos a que se referem os docs. n°s 1 a 5 juntos com a petição, os quais são falsos e nunca foram enviados aos AA. pela agência de Santo Tirso do R., nem por um seu departamento, secção, agência ou serviço.

Os AA. replicaram.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que: condenou o R. a pagar aos AA. a quantia de € 97.793,40, a título de compensação por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a citação, à taxa legal, sendo a mesma, até 30-4-03, de 7%, e, a partir de 1-5-03, de 4%, até integral pagamento e condenou ainda o R. no pagamento de uma quantia a liquidar relativamente a danos não patrimoniais, com juros de mora desde a citação, à taxa legal, sendo a mesma, até 30-4-03, de 7%, e, a partir de 1-5-03, de 4%.

Ambas as partes recorreram, mas a Relação confirmou a sentença.

Na presente acção que foi instaurada muito antes do início de vigência do NCPC, ambas as partes interpuseram recurso de revista (a que não é aplicável a restrição decorrente da dupla conforme prevista no art. 671º, nº 3, do NCPC), suscitando-se as seguintes questões essenciais:


a) Quanto ao recurso de revista interposto pelos AA.:

- Deveria ter operado a inversão do ónus da prova, pelo facto de o R. não ter procedido à junção de 325 documentos que constavam dos seus registos?

- O valor da indemnização deve corresponder ao valor constantes dos extractos bancários que, embora falsificados, lhe foram fornecidos pelo Banco R.?

- O valor da indemnização deve corresponder ao montante efectivamente subtraído pelo funcionário do R.?

- Devem ser ponderados na indemnização os juros correspondentes a depósitos a prazo que se teriam vencido se os depósitos mesmos não tivessem sido movimentados pelo funcionário do R.?


b) Quanto ao recurso de revista interposto pelo R.:

- A causa adequada dos prejuízos sofridos pelos AA. foi a falsificação de documentos efectuada pelo funcionário do Banco R. ou, ao invés, decorre do facto de os AA. lhe terem passado uma procuração com poderes para movimentar as contas?

- O ilícito praticado pelo funcionário do Banco R. integra-se na relação de comissão ou inscreve-se na relação de mandato que fora estabelecida com os AA.?

- Deve ser ponderada a culpa dos próprios AA. relativamente ao que sucedeu, pelo facto de terem subscrito uma procuração a favor do funcionário?

- Deve ser arbitrada alguma indemnização por danos não patrimoniais?

- Os AA. devem ser condenados como litigantes de má fé?


Cumpre decidir.


II - Factos provados:

1. No dia 9-8-78, os AA. declararam constituir seu procurador EE, nomeadamente para em nome deles levantar e depositar dinheiros em Bancos e CAIXA FF, contrair empréstimos junto do Banco CC até à quantia de PTE 370.000$00, hipotecando a favor do mesmo banco e como garantia do mesmo empréstimo quaisquer bens desses outorgantes, tudo conforme procuração junta a fls. 35 e 36, de que os serviços da agência de Santo Tirso do Banco R. tinham conhecimento.

2. Desde 1979, ano em que emigrou para França, que o A. marido é cliente do Banco R.

3. Nele tendo efectuado inúmeros depósitos, ao longo dos anos, primeiro sozinho e, depois, em conjunto com a sua mulher, nomeadamente em diversas contas poupança emigrante.

4. Os depósitos referidos em 3. foram constituídos, pelo menos em parte, com economias dos AA.

5. Os AA. depositavam confiança na agência da cidade de Santo Tirso do Banco R. a quem confiaram, ao longo da sua vida, as suas economias, nos seus gerentes e funcionários, em especial no já mencionado EE, seu primo e conterrâneo, fazendo absoluta fé na palavra deste.

6. No dia 3-8-81, os AA. declararam constituir seu procurador EE, nomeadamente para em nome deles comprar, pelo preço e condições que entender, quaisquer bens, e para no Banco CC contrair um empréstimo ao abrigo do "Sistema de Poupança-Crédito" até ao montante de PTE 750.000$00, para a construção de uma moradia ou prédio urbano a implantar no terreno deles, receber a quantia mutuada e dela os confessar devedores e, em segurança do mesmo empréstimo, constituir a favor do referido banco hipoteca sobre quaisquer bens que lhes pertençam e para no mesmo banco movimentar o montante do aludido empréstimo ou quaisquer outras quantias ali depositadas necessárias ao fim do mandato, podendo assinar os competentes recibos ou cheques, requerendo, praticando e assinando tudo o que para o efeito seja preciso, tudo conforme doc. de fls. 591 e 592, de que os serviços da agência de Santo Tirso do Banco R. tinham conhecimento.

7. No dia 8-11-84, os AA. declararam constituir seu procurador EE, nomeadamente para em nome deles comprar, pelo preço e condições que entender, através do sistema "Poupança-Crédito", tudo o que necessário seja à construção de uma moradia destinada a habitação própria, sita em …, Santo Tirso, e ainda para no Banco CC contrair um empréstimo até ao montante de um PTE 1.000.000$00, receber a quantia mutuada e dela os confessar devedores, e, em segurança do mesmo empréstimo, constituir a favor do referido banco hipoteca sobre a referida moradia e terreno, requerendo e praticando tudo o mais necessário à execução do mandato, e para no mesmo banco movimentar o montante do aludido empréstimo ou quaisquer outras quantias ali depositadas ou necessárias ao fim deste mandato, podendo assinar os competentes recibos ou cheques, requerendo, praticando e assinando tudo o que necessário seja aos indicados fins, tudo conforme doc. de fls. 593 e 594, de que os serviços da agência de Santo Tirso do Banco R. tinham conhecimento.

8. Em 5-2-92, na sequência de negociações havidas entre o A. marido e o funcionário da agência de Santo Tirso do Banco R., EE, os AA., pretendendo englobar os depósitos a prazo de que eram titulares e se encontravam dispersos por diversos depósitos autónomos, com montantes, taxas de juros e datas de vencimento diversos, procederam a um 1º englobamento que deu origem ao depósito a prazo n° …28, de PTE 9.500.000$00, que englobou os depósitos anteriores n°s …18, …16, …13, e …15, e parte do saldo da conta à ordem no montante de PTE 2.806$40.

9. Em 10-4-92, procederam a um 2º englobamento que deu origem ao depósito poupança emigrante n° 30…23, de PTE 6.625.529$40, que englobou os depósitos anteriores n°s 22…15, 21…16 e 19…17, e parte do saldo da conta à ordem no montante de PTE 3.297$60.

10. E em 8-5-92 procederam a um 3º englobamento que deu origem ao depósito poupança emigrante n° 37…26, de PTE 17.800.000$00, que englobou os depósitos anteriores n°s 14…23 no montante de PTE 4.310.115$80, 30…23 e PTE 7.000.000$00 do depósito n° 10…28.

11. Este depósito (n° 37…26) foi liquidado e com os fundos resultantes da liquidação, incluindo os respectivos juros líquidos do período de 8-5-92 a 8-5-93, foi constituído o depósito poupança emigrante n° 47…34, pelo montante de PTE 20.480.385$70, tudo tendo ocorrido no dia 12-5-93.

12. Assim sendo, o saldo dos AA. em depósitos a prazo totalizava, em 12-5-93, o montante de PTE 20.480.385$70, tendo sido efectuada (pelo EE, com menção de "P.P.", ou seja, “por procuração”) uma liquidação parcial de 1.700.000$00, desse depósito, em 15-5-93, com data-valor de 9-5-93.

13. A partir dessa data (12-5-93), este depósito de PTE 20.480.385$00 sofreu liquidações parcelares (efectuadas por EE, com menção de "P.P.", ou seja, “por procuração”), pelo que, em 30-9-95, tinha apenas um saldo de PTE 2.800.000$00.

14. Este saldo (PTE 2.800.000$00) nunca foi aglutinado em qualquer outro depósito a prazo, designadamente com qualquer um dos depósitos que vêm referidos nos docs. n°s 1 a 5 juntos à p.i., sendo certo que este mesmo saldo acabou por ser liquidado (através de sucessivas liquidações parcelares efectuadas por EE, com menção de "P.P.", ou seja, “por procuração”) em 24-1-96.

15. Entretanto, em 16-7-93, os AA. constituíram ainda, no Banco R., o depósito a prazo n° 67…36, no valor de PTE 308.374$00, que, na sequência de, em 17-8-93, terem sido capitalizados juros no montante de PTE 2.767$70, passou a ter o valor de 311.141$70, tendo sido totalmente liquidado em 14-9-93.

16. Os AA. não constituíram qualquer outro depósito a prazo que se possa considerar englobado nos depósitos a que se referem os docs. n°s 1 a 5 da petição inicial.

17. EE foi nomeado sub-gerente da agência do Banco R. em Santo Tirso em data não apurada de 1996.

18. EE, funcionário da agência de Santo Tirso do Banco R., onde era procurador dos AA., nos termos da procuração de fls. 622 e segs., por forma a encobrir a actuação infra descrita em 28., elaborou na íntegra os documentos (que fez chegar ao A. marido), sem correspondência na realidade, abaixo referidos em 19., 20, 21. e 23. e o de fls. 620 dos autos (original da cópia junta como doc. nº 1 da p.i. a fls. 10), este dirigido ao A. marido e dele constando “RECONVERSÃO DE DEPÓSITOS A PRAZO POUPANÇA EMIGRANTE”, dando conta de “Depósito a efectuar em 30-9-95” no montante de “PTE 87.760.000$00, correspondente à soma de montantes ali indicados referentes a dois depósitos e juros.”

19. Em 17-11-95, pelo EE foi elaborado na íntegra o documento, sem correspondência na realidade, de fls. 616 (original da cópia junta como doc. n° 2 da p.i., a fls. 11), onde consta a constituição, conforme instruções do A. e por débito da conta de depósitos à ordem n° 00…09, titulada pelos AA., de depósito do tipo "residentes", com data de constituição de 20-11-95 e vencimento a 21-11-96, na importância de PTE 87.760.000$00, com a taxa de juro de 8%, renovável automaticamente, na ausência de aviso em contrário até à data de vencimento.

20. Posteriormente, pelo EE foi elaborado na íntegra o documento, sem correspondência na realidade, de fls. 619 (original da cópia junta como doc. nº 3 da p.i., a fls. 12), dirigido ao A. marido, onde consta que:

Serve a presente para apresentar a V. Exª as n/condições para a renovação da aplicação financeira de PTE 87.760.000$00 e cujo vencimento ocorreu em 30-9-95”, sendo referido o “Capital anterior” de “PTE 87.760.000$00”, “juros de 547 dias à taxa de 12,75” de “PTE 16.768.772$00” e “Depósito a efectuar em 31-3-97” de “PTE 104.530.000$00”.

21. EE elaborou na íntegra os documentos, sem correspondência na realidade:

- de fls. 618 (original da cópia junta como doc. nº 4 da p.i., a fls. 13), dirigido ao A. marido, onde consta, como “assunto”, “CONTRATO DE APLICAÇÃO FINANCEIRA EM DEPÓSITOS A PRAZO POUPANÇA EMIGRANTE”, sendo ali referido que “Temos o prazer de informar V. Exª que foi aprovada superiormente a seguinte aplicação”, sendo referida uma “Aplicação anterior” de PTE 104.530.000$00, “Juros até 30-9-97” de PTE 6.718.558$00 e “Valor da aplicação financeira em 30-9-97 renovável à taxa autorizada de 9%” no montante de “PTE 111.250.000$00”.

- de fls. 617 (original da cópia junta como doc. nº 5 da p.i., a fls. 14, dirigido aos AA.), onde consta, como “assunto”, “CONTRATO DE APLICAÇÃO FINANCEIRA EM DEPÓSITOS A PRAZO POUPANÇA EMIGRANTE”, sendo ali referido que:

De acordo com conversações havidas vimos informar V. Exªs. Que efectuamos a seguinte aplicação financeira:

Aplicação financeira efectuada em 1-10-97 incluindo os juros vencidos até 30-9-97 e de acordo com a N/carta de contrato anterior”, com o valor ali indicado de “PTE 111.250.000$00”, mais constando do documento que “esta aplicação será válida até 31-3-98 e renderá juros à taxa contratada pela n/ carta anterior”, e bem assim que “em 31-3-98 serão negociadas novas condições a acordar previamente com V. Exªs.

22. O EE elaborou na íntegra os aludidos documentos, sem correspondência na realidade, de forma a convencer os AA. ser vontade do Banco R. efectivar as renovações reflectidas nos documentos referidos em 19., 20. e 21.

23. Com data de 3-3-99, pelo EE foi elaborado na íntegra o documento, sem correspondência na realidade, de fls. 52, supostamente dirigido à "Direcção Regional Póvoa de Varzim" do Banco R. e destinado a fazer crer ao A. marido ser este titular de depósitos a prazo nos montantes nele referidos, onde consta que:

"Serve a presente para solicitar a V. Exªs a necessária autorização para a emissão de declarações comprovativas das aplicações do n/cliente em epígrafe pelos valores seguidamente descriminados", sendo a seguir referida "aplicação de PTE 120.500.000$00 c/juros contados de 30-6-98 a 28-2-99 pelo novo valor de PTE 128.641.178$00 c/vencimento para 31-3-99 data em que será liquidado", e "aplicação de PTE 50.000.000.00 c/juros contados de 1-8-98 a 28-2-99 pelo novo valor de PTE 52.613.698$00 c/vencimento para 31-3-99 data em que será liquidado para pagamento do empréstimo hipotecário de PTE 50.000.000$00".

24. Os AA., por escritura pública outorgada em 11-2-99, constituíram a favor do Banco R. uma hipoteca sobre 3 imóveis melhor descritos na escritura pública com cópia consta de fls. 5341 a 5345, para garantia do pagamento:

a) De todas as obrigações assumidas e a assumir, resultantes de todos os tipos de operações bancárias de crédito, em que eles segundos outorgantes sejam ou venham a ser intervenientes de algum modo e qualquer título perante o Banco, designadamente empréstimos, abertura de crédito, descontos, descobertos em conta ou outras operações da mesma natureza, tudo até ao limite de capital de sessenta milhões de escudos;

b) Dos juros remuneratórios à taxa de 13,55% ao ano, elevável, em caso de mora e a título de cláusula penal em mais 4 pontos percentuais ao ano ou outra ou outras que venham a ser praticadas pelo Banco;

c) Das despesas extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e procuradores, que o Banco haja de fazer para manter, assegurar ou haver o seu crédito e o cumprimento das cláusulas desta escritura, fixando-se aquelas despesas, exclusivamente para efeitos de registo predial em PTE 2.400.000$00.

25. Essa constituição da hipoteca pelos AA. ocorreu após a liquidação do Depósito a Prazo de PTE 50.000.000$00 aludida em 26. que se encontrava a garantir um empréstimo de igual montante que havia sido concedido pelo Banco réu aos autores.

26. O procurador constituído na procuração aludida em 1., EE, procedeu à movimentação das contas dos AA. a coberto daquela (mencionando "PP", ou seja, por procuração, nos movimentos efectuados) e valendo-se da circunstância de ser funcionário bancário na agência de Santo Tirso do Banco R. (utilizando as instalações e os meios, designadamente informáticos, deste), daquelas levantando, até 2-3-99, contrariamente ao que fora incumbido e estava autorizado, um montante total de pelo menos PTE 78.062.100$00 (€ 389.372,11), que fez seus, sendo 48.170.000$00 resultantes da liquidação, pelo mesmo EE, de depósito a prazo de 50.000.000$00 que caucionava empréstimo de igual montante concedido aos AA. pelo Banco R., tendo o mesmo EE depositado naquelas um montante total de pelo menos PTE 58.456.283$00 (€ 291.578,71).

27. O procurador constituído na procuração aludida em 1., EE, emitiu os docs. de fls. 616 a 620 (com cópias a fls. 10 a 14) utilizando as instalações e os meios, designadamente informáticos, do Banco R.

28. O Banco R. enviou ao A. marido os extractos constantes dos autos e mencionados no relatório pericial de fls. 5003 e segs., relativos às contas de depósitos à ordem, tituladas pelos AA., com os n°s 068/08.0…1.8, 068/08.0…0.9 e 068/08/0…9.7, que o A. recebeu.

29. No dia 10-2-99, foi comunicado ao A. marido, pelo gerente da agência de Santo Tirso do Banco R., GG, que a conta à ordem dos AA. no Banco R. se encontrava a descoberto e no final de Março de 1999, na agência de Santo Tirso do Banco R. foi dito aos AA. que não eram titulares de quaisquer depósitos.

30. No final do mês de Março, os AA. solicitaram, na agência de Santo Tirso do Banco R., a entrega da totalidade das supra referidas quantias depositadas e respectivos juros.

31. Vários cheques emitidos pelos AA. foram devolvidos pelo Banco R., por falta de provisão, e os AA. foram incluídos na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, comunicada pelo Banco de Portugal a todas as instituições de crédito.

32. O A. marido é empresário em nome individual, dedicando-se, por conta própria, à actividade de construtor civil.

33. No âmbito da sua actividade de construtor civil, o A. marido procedeu à construção, na freguesia da sua residência, de um prédio para habitação e comércio, compreendendo 20 apartamentos, 6 lojas comerciais e garagens.

34. Os AA. exploram também um estabelecimento de café, vizinho da sua habitação.

35. Os AA. são pessoas com capacidade de trabalho, sendo resultado do seu trabalho, pelo menos em parte, os montantes depositados nas contas de que eram titulares.

36. O A. é pessoa digna, que sempre, ao longo da sua vida, fez questão de honrar os seus compromissos.

37. Os AA. passaram a conviver com a incerteza relativamente ao futuro quando, até às comunicações a que se alude em 29., viviam na convicção de estarem precavidos quanto a qualquer contrariedade ou instabilidade de ordem económica.

38. A situação exposta nas comunicações referidas no ponto anterior provocou abalo de ordem psicológica nos AA., transtornando a maneira de o A. marido encarar o trabalho e o futuro dos AA., que ficaram desgostosos e desanimados.

39. O supra referido EE foi condenado, no processo comum colectivo n° 1167/99.4TASTS, do 1° Juízo Criminal deste Tribunal, por decisão transitada em julgado em 22-4-09, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de pagamento ao ofendido (o ora A.), no prazo de dois anos, da quantia de que indevidamente se apropriou e que ainda não estiver paga, acrescida de juros de mora desde a data do trânsito em julgado, pelos fundamentos de facto e de direito constantes das decisões que integram as certidões de fls. 5533 e segs. e 5553 e segs.


III – Decidindo:

1. Quanto ao recurso de revista interposto pelos AA:

1.1. As instâncias deveriam ter operado a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, nº 2, do CC, pelo facto de o R. não ter procedido à junção de 325 documentos?

Com vista a uma resposta afirmativa à questão enunciada, os AA. alegam que o Banco R. foi notificado para juntar documentos que constam dos seus arquivos, mas não procedeu à junção de 325 desses documentos com relevo para o apuramento dos montantes que foram depositados pelos AA., falha que se teria revelado essencial para a elaboração do relatório pericial e para a demonstração de factos relevantes.

A questão suscitada inscreve-se nos limites do recurso de revista. Com efeito, ainda que a intervenção do Supremo em sede de delimitação da matéria de facto provada e não provada dependa da verificação de alguma das situações previstas no art. 674º, nº 3, do CPC, não está em causa qualquer “erro de apreciação de provas”, antes uma alegada violação de norma de direito probatório material que, na perspectiva dos AA., se mostrou decisiva para o apuramento da matéria de facto.

A falta de colaboração das partes tendo em vista a descoberta da verdade pode determinar consequências de ordem diversa, nos termos do art. 417º, nº 2, do CPC, norma para onde explicitamente remete o art. 430º sobre a não junção de documentos na posse da parte contrária.

Segundo aquele preceito, a recusa de colaboração é susceptível de ser livremente apreciada na generalidade dos casos, ressalvando-se, contudo, dessa livre apreciação as situações que se reconduzam à inversão do ónus da prova que acaba por se impor às partes e também aos Tribunais.

Deste modo, tal como é viável a interferência do Supremo Tribunal de Justiça na matéria de facto cuja fixação esteja associada a alguma ofensa a disposição expressa de lei que exija determinado meio de prova ou que fixe a força valor probatória de algum meio, também deve admitir-se que, no âmbito do recurso de revista, possa ser sindicado pelo Supremo o modo como as instâncias interpretaram e aplicaram uma norma de direito probatório material, como a do art. 344º, nº 2, do CC, na medida em que, sendo acolhida a pretensão dos recorrentes, tal se possa traduzir na modificação do juízo probatório subjacente à decisão da matéria de facto provada e não provada.


Todavia, apesar da admissibilidade, em abstracto, da questão, o seu mérito não deve ser reconhecido in casu, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende aquele mecanismo probatório, dependente da verificação de um comportamento culposo da contraparte que tivesse determinado a impossibilidade de a parte onerada demonstrar os factos que eram relevantes para a acção ou para a defesa.

Os AA. não identificam com precisão os factos que alegadamente deveriam considerar-se provados em decorrência da pretendida inversão do ónus de prova, sendo manifestamente insuficiente a invocação de uma alegada falta de colaboração do R.

De todo o modo, malgrado as dificuldades reveladas pelo R. de aceder a elementos documentais muito distanciados no tempo e que foram emitidos ainda pelo Banco CC, antes de esta instituição bancária ter sido integrada, por via de fusão bancária, no Banco R., este cooperou com o Tribunal de 1ª instância e com os peritos tendo em vista a clarificação dos acontecimentos que geraram os danos que os AA. vieram invocar, não se revelando a existência de algum comportamento culposo da sua parte.

A situação dos autos não encontra paralelo com a que, por exemplo, foi objecto de apreciação no Ac. do STJ, de 31-3-09 (www.dgsi.pt), relativamente a um cheque que a entidade bancária destruiu, ignorando o pedido que fora formulado pelo lesado no sentido da sua manutenção, o que se reveliu determinante para a inviabilização da submissão do cheque a um exame pericial.

Acresce que as dificuldades que rodeiam litígios, como o presente, cujo resultado depende do apuramento de factos distanciados no tempo não afectam apenas a posição dos AA. no que concerne aos depósitos que alegadamente teriam sido efectuados e para cuja prova seriam determinantes alguns documentos arquivados pelo R. Também o R., conquanto seja depositário da documentação, acaba por se defrontar com semelhantes dificuldades relativamente ao exercício do seu direito de defesa, tendo em conta a elevadíssima massa documental que sustenta a infinidade de operações bancárias, o relacionamento mantido com a sua rede de clientes e os problemas que decorrem da gestão dessa massa documental. Circunstâncias que no caso concretamente se mostram ainda agravadas pelo facto de os documentos a que os AA. aludem terem sido emitidos quando ainda estava em actividade o Banco CC, entretanto integrado, por via de fusão, no Banco R., tornando ainda mais compreensíveis as dificuldades que foram relatadas pelo R. no que concerne à localização e envio de toda a documentação relacionada com os factos controvertidos.

Enfim, no contexto invocado pelo R. para a falta de junção de todos os demais documentos que porventura poderiam relevar para a decisão da causa, podemos afirmar que o R. fez a demonstração prevista no art. 431º, nº 2, do CPC, impedindo a aplicação da sanção civil prevista no art. 344º, nº 2, do CC.

Ademais, a par da ausência de demonstração de um comportamento culposo da parte do R. para se eximir ao dever de colaboração traduzido na junção exaustiva de toda a documentação (em papel ou microfilmada) que teoricamente poderia importar à decisão da matéria em litígio, não pode dar-se como devidamente preenchido o outro requisito legal respeitante aos efeitos produzidos no exercício do ónus probatório que recaía sobre o A.

Conquanto a junção de outros documentos pudesse clarificar algumas dúvidas com que os peritos e o tribunal de 1ª instância se defrontaram no que concerne ao apuramento de todas as operações bancárias conexas com os AA., enquanto clientes do Banco R., não há razões suficientes para concluir que a falta de junção de alguns documentos tenha sido a causa da impossibilidade ou sequer da dificuldade de prova de alguns dos factos que àqueles interessavam.

A extensão e a densidade do relatório pericial de fls. 5003 e segs. e do complemento de fls. 5196 e segs., assim como o número de diligências que anteriormente foram feitas no sentido de identificar a documentação relevante para o apuramento dos factos controvertidos revelam que não existe base legal para penalizar o R. com uma medida tão drástica quanto a inversão do ónus de prova.

Por conseguinte, sendo verdade que nem todos os factos que os AA. alegaram foram considerados provados, não emerge dos autos um circunstancialismo suficientemente claro (actuação maliciosa ou inércia da parte do Banco R.) que seja susceptível de determinar a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, nº 2, do CC, nada havendo a censurar à opção das instâncias quando procederam à livre apreciação dos meios de prova (neste sentido e em face de uma situação semelhante cfr. o Ac. do STJ, de 12-10-10, www.dgsi.pt).


1.2. O valor da indemnização deve corresponder ao valor constantes dos extractos bancários que, embora falsificados, lhe foram fornecidos pelo Banco R. ou, ao menos, ao montante efectivamente subtraído pelo funcionário do R.?

Consideram os AA. que lhes deveria ter sido reconhecido o direito a haverem do R. o valor dos quantitativos titulados pelos diversos documentos que lhes foram entregues e que eram representativos de depósitos existentes no Banco R.

Tal questão surge por oposição à decisão que quantificou o prejuízo patrimonial dos AA. mediante a dedução aos montantes de que o funcionário do R. se apropriou dos valores que pelo mesmo foram utilizados no interesse dos mesmos AA., para cobrir algumas responsabilidades que estes haviam assumido perante terceiros.

Ora, não poderia ser de outra forma, sob pena de os AA. extraírem um proveito injustificado em prejuízo do R.

A indemnização decorrente da responsabilidade civil é determinada pelo critério da diferença entre a situação actual e a que existiria se não tivesse sido praticado o ilícito (art. 566º, nº 2, do CC).

O funcionário do R. que os AA. designaram como seu procurador prejudicou, sem dúvida, os seus interesses patrimoniais, efeito que pretendeu ocultar ou cuja detecção pretendeu dificultar mediante a falsificação de documentação aparentemente emanada da instituição bancária para demonstrar a constituição ou a existência de depósitos bancários titulados pelos AA.

Todavia, a par desse facto, não pode olvidar-se que na prolongada actuação do mesmo funcionário não ocorreram apenas operações a débito nas contas dos AA. (levantamentos e transferências), mas também operações a crédito que serviram para solver responsabilidades que estes assumiram.

Deste modo, o montante do dano deve ponderar todas as referidas operações, nos termos que resultam da matéria de facto apurada, não podendo exceder o saldo negativo entre as saídas indevidas de numerário e as operações creditadas a favor dos AA.

Não é legítimo aos AA. invocarem em seu benefício os documentos que alegadamente titulariam depósitos constituídos em seu nome mas que, como se provou, mais não eram do que instrumentos forjados e que se destinaram a iludir a sua atenção e a evitar a detecção das irregularidades por parte dos serviços do R. Sendo tais documentos falsos, não podem obviamente servir para sustentar um direito dos AA. sobre os montantes neles inscritos, o qual será definido em função do saldo que realmente foi gerado entre as entradas e saídas de dinheiro por referência às diversas contas bancárias de que os AA. eram titulares.

Os documentos que genuinamente titulam depósitos bancários têm seguramente um valor probatório reforçado. E na medida em que revelem factos representativos de um direito de crédito, terão o valor probatório pleno que emerge do art. 376º do CC.

Porém, para além de não estarem sujeitos aos princípios da abstracção, da autonomia e da literalidade que caracterizam os títulos de crédito, a sua exibição não impede a instituição bancária de demonstrar a falta de correspondência com a realidade pelos meios necessários a contrariar tal prova documental.

Ora, se nem sequer os documentos legitimamente gerados pela instituição bancária estão livres de discussão quanto à sua correspondência com a realidade, por maioria de razão devem ser susceptíveis de questionamento documentos exibidos pelos AA. mas que, como foi demonstrado, foram forjados por um funcionário do Banco R., sem qualquer conexão real com a contabilidade.

Pelos mesmos motivos deve ser recusada a pretensão de condenação do Banco R. no pagamento do montante correspondente aos depósitos que, de acordo com a matéria de facto, foram efectuados na sua conta, não podendo de modo algum deixar de ser feita a dedução dos montantes que foram saindo das contas bancárias para pagamento de responsabilidades que efectivamente foram assumidas pelos AA.

Ou seja, o valor do dano patrimonial deve ser determinado em função do encontro de contas entre os montantes que efectivamente foram entregues pelos AA. ao Banco R. (ainda que através do funcionário que praticou os ilícitos) e os montantes correspondentes a responsabilidades que realmente também foram assumidas pelos AA. (ainda que também através do mesmo funcionário e seu procurador).


1.3. Devem ser ponderados na indemnização os juros a prazo que se teriam vencido se os mesmos não tivessem sido movimentados pelo funcionário do R.?

Os AA. sustentam esta pretensão complementar em documentação forjada, sem efectiva conexão com a matéria de facto provada.

Os AA. foram titulares de contas de depósitos a prazo, mas também se provou que concederam a uma terceira pessoa - funcionário da R. - uma procuração que lhe permitia fazer levantamentos ou transferências.

Tais actos foram praticados e ainda que nem todos eles tenham sido legítimos, a matéria de facto não permite confirmar que tenham existido outros prejuízos para além daqueles que decorrem do apuramento do saldo positivo entre os valores depositados e os pagamentos e saídas de dinheiros que existiram no interesse legítimo dos AA.

Não pode ignorar-se que, pese embora o facto de o funcionário do R. ter forjado alguns documentos, o mesmo fora constituído procurador dos AA., sendo-lhe concedidos poderes para movimentar as contas a débito e a crédito, o que deu origem a uma imensa série de operações a débito e a crédito, envolvendo na mesma a contratação de empréstimos que foram garantidos por hipoteca e cujas operações foram veiculadas através das diversas contas bancárias dos AA.


2. Quanto ao recurso de revista da R.:

2.1. A causa adequada dos prejuízos sofridos pelos AA. foi a falsificação de documentos efectuada pelo funcionário do Banco R. ou decorre do facto de os AA. lhe terem passado uma procuração com poderes para movimentar as contas? O ilícito praticado pelo funcionário do Banco R. integra-se na relação de comissão ou inscreve-se na relação de mandato que fora estabelecida com os AA.?

Estas questões já foram devidamente resolvidas no acórdão recorrido, cuja fundamentação nos parece irrebatível. Acrescentaremos apenas algumas considerações em reforço do que foi decidido.

Os AA. subscreveram uma procuração a favor do funcionário do Banco R., conferindo-lhes poderes diversos, entre os quais os de movimentar livremente as suas contas bancárias a débito e a crédito.

Todavia, não foi apenas esse elemento que esteve na génese do que sucedeu, ganhando um especialíssimo relevo o facto de o procurador que foi designado pelos AA. ser simultaneamente funcionário (sub-gerente) da agência do Banco R.

Foi este estatuto, associada a uma relação de confiança que se estabeleceu, que justificou da parte dos AA. a concessão de tão latos poderes como aqueles que ficaram inscritos na procuração. Por outro lado, foi a qualidade de funcionário da agência bancária, numa posição de chefia, que não a de mero procurador dos AA., que permitiu ao funcionário do Banco R. agir com a liberdade e a impunidade que a matéria de facto bem revela, permitindo-lhe executar, com a facilidade que os autos revelam, a simulação de depósitos bancários cuja credibilidade era reforçada pela utilização de papel timbrado do Banco R.

Porventura, se o referido funcionário não estivesse munido da referida procuração não poderia, com semelhante facilidade, agir em prejuízo dos AA. ou não poderia ter actuado assim durante um tão prolongado período de tempo. Mas com mais firmeza se pode afirmar também que não fora a especial posição que o mesmo funcionário detinha na agência bancária (sub-gerente), não seria aquela mera qualidade de procurador (terceiro em relação ao Banco) que lhe daria a liberdade e a imunidade de que gozou de forma tão prolongada em prejuízo quer dos AA. quer do Banco R.

Sendo o procurador simultaneamente funcionário do Banco R. e agindo aparentemente como se estivesse a exercer com lisura as funções de sub-gerente da Agência bancária, os AA. não poderão sair prejudicados no confronto com o R. a quem especialmente cabia exercer a vigilância e a fiscalização que impedisse ou limitasse os efeitos de actuações ilícitas do mesmo funcionário na esfera dos clientes, in casu dos AA.

Não existe, pois, motivo algum para exonerar o R. da responsabilidade objectiva que lhe advém da relação de comissão estabelecida com o funcionário que agiu ilicitamente, prejudicando os AA., num quadro aparente de exercício das suas funções, nos termos do art. 500º do CC.

Assim ocorreu também no caso apreciado pelo Ac. do STJ, de 15-12-11 (www.dgsi.pt), em que a instituição financeira foi responsabilizada porque o seu funcionário praticou um crime de burla, agindo aparentemente no desempenho das suas funções.


2.2. Deve ser ponderada a culpa dos próprios AA. relativamente ao que sucedeu?

Também esta questão obteve no acórdão recorrido a adequada resposta que apenas temos que confirmar.

Na verdade, não se mostra provado qualquer facto que permita inferir a existência de um comportamento culposo dos AA. que tenha sido concausal do evento, nos termos e para efeitos do art. 570º do CC.

Os AA. constituíram seu procurador um funcionário da R. com quem, aliás, também tinham relações familiares. Depositaram a sua confiança em alguém que detinha uma posição de especial relevo numa agência bancária, tal como já antes confiavam também nos demais funcionários da mesma agência, não fazendo sentido penalizar os clientes pelo facto de acreditarem – como deve acreditar-se - que os funcionários bancários são pessoas honestas e confiáveis, designadamente para lidarem com operações bancárias e com os interesses monetários dos clientes.

No contexto da presente acção sobressai, por um lado, essa relação de confiança e, por outro, o facto de ser EE que, pela sua qualidade de sub-gerente da Agência, e não de procurador, tinha o domínio da situação a nível interno, permitindo-lhe forjar e manipular a documentação a seu bel prazer sem ser detectado durante um longo período de tempo.

Foi este facto e não o de o referido funcionário ter sido designado procurador dos AA. que lhe permitiu efectuar as operações ilícitas e as manobras de encobrimento com toda a aparência de corresponderem à realidade.

Ademais, a designação do procurador, neste contexto, não apresenta sequer relevo para uma redução ou exclusão da indemnização que, em abstracto, poderia decorrer da conjugação do art. 571º com o art. 570º do CC.


2.3. Deve ser arbitrada alguma indemnização por danos não patrimoniais?

O facto de o Banco R. exercer uma actividade bancária não o exime da responsabilidade solidária com os seus funcionários pelos danos que estes a praticarem no exercício e por causa das suas funções.

Tal acontece obviamente com os danos de natureza patrimonial, mas deve ser extensivo aos danos não patrimoniais, sendo certo que, no caso concreto, os danos que ocorreram na esfera pessoal dos AA. são relevantes nos termos e para efeitos do art. 496º do CC.


2.4. Os AA. devem ser condenados como litigantes de má fé?

Esta questão já recebeu resposta negativa em ambas as instâncias, não havendo motivo para modificar o juízo que foi formulado, pois que não se verificam os pressupostos da condenação pretendida.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedentes ambos os recursos, confirmando-se o acórdão recorrido.

Cada uma das partes suportará as custas da respectiva revista.

Notifique.

Lisboa, 12-5-16


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo