Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1537/18.0T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PERDA DE CHANCE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRESUNÇÃO
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
CONFISSÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
CUSTAS
Data do Acordão: 11/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Ao Supremo Tribunal de Justiça compete, no âmbito da revista, decidir as questões nela suscitadas relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art.º 662.º do CPC.

II. Mas está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação ou fez uso de presunções legais, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC.

III. Inexiste incumprimento dos deveres previstos no art.º 662.º do CPC, quando os mesmos se mostram observados, nomeadamente quando o facto provado resulta de confissão ficta.

IV. Os danos não patrimoniais, como a vergonha da mandante causada pela penhora, decorrentes do incumprimento de deveres pelo mandatário forense incumbido de fazer reverter execuções fiscais, são objectivamente graves, merecedores da tutela do direito, pelo que são indemnizáveis.

V. O critério principal norteador da responsabilidade pelas custas processuais é o princípio da causalidade, de acordo com o disposto no art.º 527.º do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:



I. Relatório


AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BB, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 37.043,49 € (trinta e sete mil e quarenta e três euros e quarenta e nove cêntimos).

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:

Contratou a ré para que contestasse uma decisão das Finanças de reverter contra si execuções fiscais pendentes contra uma sociedade de que a autora era gerente registada, mas da qual estava afastada há mais de 15 anos, sendo que a ré, actuando com falta do zelo que lhe era exigido, deduziu apenas uma oposição que veio a ser arquivada, por preterição de formalidades processuais, a qual não suspenderia a execução. Tendo decorrido o prazo da oposição à execução fiscal e ficando vedada a apresentação de outra oposição, foi penhorado o seu património e o dos seus familiares, no valor global de 17.043,49 €, que corresponde ao valor da oportunidade perdida, o que lhe causou angústia, desilusão e vexame, de, pelo menos, 20.000,00 €.


A ré contestou, por impugnação e excepção, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe 1.868,50 € de despesas e honorários.

Alegou, em síntese, que a oposição por si apresentada estava em condições de ser apreciada e de ter êxito e foi apresentada em tempo; fez o que devia fazer no processo e foi a autora e a sua prima que, ao intrometerem-se, impediram a ré de defender a autora de forma adequada, tanto mais que a autora veio a acordar com os serviços das finanças o pagamento sem o fazer sequer a título de garantia ou caução até decisão sobre a oposição.


A autora replicou, em extenso articulado, sem interesse.


As partes foram convidadas a informar se existia alguma apólice em vigor que incluísse a situação dos autos, tendo, na sequência desse convite, a ré requerido a intervenção da seguradora XL Insurance Company, SE, a qual foi admitida e apresentou contestação, onde excepcionou a inclusão do sinistro participado no âmbito do contrato de seguro e impugnou os factos alegados pugnando pela sua absolvição.

           

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foi rejeitada a reconvenção, foi verificada a irregularidade parcial da réplica, foi julgada procedente a excepção peremptória de inclusão no âmbito do contrato de seguro, sendo a seguradora interveniente absolvida do pedido, tendo ainda sido fixado o objecto do processo e enunciados os temas de prova, sem reclamações.

           

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar a ré a pagar à autora as quantias de 11.930,44 €, a título de indemnização pelo dano da perda de chance e de 5.000,01 €, a título de indemnização por dano não patrimonial, absolvendo-a do resto do pedido.


Interposto recurso de apelação pela , o Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu acórdão, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, diminuindo a indemnização por danos patrimoniais para o valor de 668,49€, e absolvendo a ré do demais pedido.

Custas, na vertente de custas de parte, quer na acção e quer no recurso, por ambas as partes, na proporção do decaimento.”


Não conformada, agora, a autora interpôs recurso de revista e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes conclusões:

“A. O douto Acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, porquanto alterou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância sobre a matéria de facto sem que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impusessem decisão diversa;

B. O douto Acórdão recorrido violou também o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, porquanto, em face da dúvida quanto à propriedade do dinheiro utilizado no pagamento da dívida exequenda em processos de execução fiscal em que a A. foi executada, e na falta de quaisquer meios de prova que indiciem a identificação do proprietário dessa quantia, não cumpriu o dever de ordenar a produção de novos meios de prova, mesmo oficiosamente;

C. O douto Acórdão recorrido violou ainda o disposto no na alínea c) do n.º 2 do artigo

662.º do CPC, porquanto, tendo reputado obscura a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre pontos determinados da matéria de facto, não cumpriu o dever de a anular, mesmo oficiosamente;

D. O douto Acórdão recorrido violou, por fim, o disposto no na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, porquanto, considerando que não foi devidamente fundamentada a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre a propriedade do dinheiro utilizado no pagamento da dívida exequenda em processos de execução fiscal em que a A. foi executada, facto essencial para o julgamento da causa, não cumpriu o dever de determinar que este a fundamentasse.

E. As violações do disposto no artigo 662.º do CPC constituem violações à lei do processo para efeitos de fundamentação do recurso de revista, à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

F. Os erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa contidos no douto Acórdão recorrido são sindicáveis, podendo fundamentar a presente revista, e estando por isso excluídos da limitação imposta pelo n.º 3 do artigo 374.º do CPC, porquanto in casu não só o Tribunal da Relação alterou a decisão da matéria de facto, quanto à determinação e quantificação do dano indemnizável, num sentido que não é justificável por nenhum dos factos assentes, como também nenhuma prova produzida no processo é passível de fundamentar a decisão que a final proferiu.

G. Os erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa contidos no douto Acórdão recorrido são sindicáveis, podendo fundamentar a presente revista, e estando por isso excluídos da limitação imposta pelo n.º 3 do artigo 374.º do CPC, ainda porque o Tribunal da Relação deu como assentes, com base em presunções judiciais, factos insuscetíveis de demonstração por apelo a regras de experiência, ainda que conjugadas com quaisquer outros meios de prova.

H. Quer no plano teórico, quer in casu, o dano vergonha merece tutela do direito e deve ser valorado no âmbito da peticionada condenação da R. em indemnização por danos não patrimoniais, revogando-se em consonância o Acórdão recorrido.

I. A condenação da recorrente nas custas processuais na proporção do decaimento viola gravemente o principio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2ª parte e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa), porquanto, reconhecendo todos os fundamentos da ação da recorrente, acaba por sobre ela fazer recair sobre ela 98% do custo da atividade jurisdicional e o dever de suportar um encargo de montante superior ao da indemnização que lhe é arbitrada.

Termos em que deve o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente por provado e em consequência:

a) ser a Decisão recorrida revogada e substituída por outra que julgando procedente a ação da A. ora recorrente, condene a recorrida no pagamento à A. da indemnização peticionada, condenando ainda a recorrida na totalidade das custas processuais; ou

b) ser a Decisão recorrida revogada, ordenando-se a baixa dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para que dê cumprimento ao disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 662.º do Código de Processo Civil, como é de Direito e de JUSTIÇA.”


Não foram apresentadas contra-alegações.


O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.


Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:

1. Se houve violação do disposto no art.º 662.º do CPC, por:

a) Uso indevido de presunção judicial na fixação do valor indemnizável;

b) E violação do dever de produção de novos meios de prova;

c) De anulação da sentença;

d) Ou de fundamentação quanto à propriedade do dinheiro.

2. Se há erro na aplicação do direito ao desconsiderar os danos não patrimoniais;

3. E se há erro na condenação em custas.


II. Fundamentação


1. De facto

No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos (dispondo-os segundo uma ordem cronológica, assinalando com a letra “c” os provenientes da contestação e completando aqueles que tinham dado documentos como reproduzidos, indicando-se aqui a negrito os que foram alterados na sequência da impugnação da decisão de facto):

1. Em Agosto de 2014, a autora recebeu uma notificação da equipa de investigação criminal da Direcção de Finanças ... da Autoridade Tributária e Aduaneira (= ATA), na qualidade de representante legal da Tias Catering, Lda., [daqui para a frente será referida apenas como ‘sociedade’ - TRL] para proceder ao pagamento de 9988,55€ de imposto IVA, do período de 2013 e da coima de 3262,65€, no valor global de 13.251,20€.

2. Em 15/09/2014, a autora subscreveu procuração forense a favor da ré.

3. Em 22/10/2014, a autora comunicou à gerência da sociedade que: “Serve a presente para informar que irei proceder ao registo na competente conservatória da minha renúncia à gerência já efectuada à data da cedência das minhas quotas. Mais informo que desconheço e não assumo qualquer responsabilidade por qualquer acto de gestão na sociedade desde 1998, data em que deixei efectivamente de ter acesso a informação e documentos e praticar qualquer acto de gestão efectiva. Pelo supra exposto, aceitem a presente carta como confirmação da minha renúncia à gerência da sociedade.

4. Em 15/12/2014, foi averbada pela ap.187 a renúncia à gerência da autora na sociedade.

5. Em 09/01/2015, a ré comunicou ao inquérito 274/14... que: “(…) vem aos presentes autos prestar informação que cedeu a quota de que era titular na sociedade no ano de 1998. A partir da data da cedência da sua quota a autora renunciou a todo e qualquer acto de gerência na referida sociedade, que certamente por lapso não procedeu ao respectivo registo, situação entretanto já regularizada, conforme documentos que se juntam (…) Efectivamente, a autora tem residência e trabalho na ..., local onde efectivamente foi notificada, há mais de 10 anos, Para tanto, junta cópia da sua autorização de trabalho no período em causa nos presentes autos. Junta: 3 documentos e procuração”.

6. Em 14/05/2015, o Ministério Público determinou o arquivamento do inquérito 274/14..., nos termos do art. 277/1 do CPP, na parte referente à autora, por considerar que: “(…) Instruídos os autos, não foi possível recolher indícios suficientes do efectivo exercício de funções de gerência por parte da [autora], no período temporal a que se reportam os autos. Aliás, tudo leva a concluir que esta era mera sócia “gerente” de direito e não de facto. (…).A ré, apesar de ter procuração da autora a seu favor junta ao processo-crime, não foi notificada desta decisão de arquivamento.

7. Em 25/08/2015, a autora foi citada pela ATA, na qualidade de responsável subsidiária, pela decisão de reversão contra ela das dívidas tituladas nos processos de execução fiscal n.ºs ...3133, ...7214, ...3944 e ...0688 movidos contra a sociedade NIPC 503161101, com sede na Quinta das Tias, Azeitão, referentes a quantias relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Procedendo à transcrição daquilo que importa do que consta dos documentos de citação, acrescentou:

Nas folhas 1 a 4:

ATA, Justiça Tributária, Serviço de Finanças ... 2. – [3530]

Citação (reversão).

A cópia do título executivo constitui anexo desta citação [desta consta: (…) certifica os elementos infra descritos, nos termos dos artigos 88, 162 e 163, todos do CPPT e ainda dos demais normativos aplicáveis, para fins de instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívida certa, líquida e exigível, e do seu acrescido, de que é devedora a (sociedade) executada]

Identificação [autora]

Processo ...3133

Pelo presente fica citada de que é executada por reversão nos termos do art. 160 do CPPT, na qualidade de responsável subsidiário para, no prazo de 30 dias a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 1616,87€ [IVA do 1.º trimestre de 2013] de que era devedora a executada infra indicada [sociedade], ficando ciente de que nos termos do art. 23/5 da LGT, se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.

Mais fica citado de que, no mesmo prazo, poderá requerer o pagamento em prestações […] e ou dação em pagamento […], ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no art.204 do CPPT.

Informa-se ainda que, nos termos do art.22/4 da LGT, a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial, com base nos fundamentos previstos no art. 99 do CPPT, e os prazos estabelecidos nos artigos 70 e 102 do CPPT.

[…]

Evolução processual por falta de pagamento

Decorrido o prazo de 30 dias a contar desta citação sem que tenha sido efectuado o pagamento da dívida exequenda, para além de perder o benefício da dispensa do pagamento de juros de mora e custas, e sem que exista motivo para suspender a execução, nos termos do art. 169 do CPPT, a mesma prosseguirá a tramitação legal, designadamente para efeitos da penhora de bens e demais diligências prescritas no CPPT.

Fundamentos da reversão:

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23/2 da LGT):

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerça, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24/1-b da LGT].

l) [sic] insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23/1 a 3 e 7 da LGT e 153/1-2-b do CPPT), decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à informação empresarial simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo tribunal.

As 5 e 6 folhas são iguais às folhas 1 e 3 com a diferença de que o processo é identificado com o n.º ...3944, o valor é de 883,84€, de IVA do 1º semestre de 2014.

A 7 folha é igual à 1 com a diferença de que o processo é identificado com o n.º ...0688 e o valor é de 925,52€.

A 8 folha é igual à 1 com a diferença de que o processo é identificado com o n.º ...7214 e o valor é de 1284€.

c29. Em 31/08/2015, a autora comunicou à ré que os pais tinham recebido cartas registadas em seu nome, provenientes da ATA, e que gostaria de saber se estão relacionados com o processo da sociedade.

c30. Em 01/09/2015, a ré comunicou à autora que iria à Repartição de Finanças tentar saber o teor das notificações enviadas.

c31. Em 14/09/2015, a ré comunicou à autora que o instrutor do inquérito crime não enviou qualquer comunicação para a autora.

c32. Em 14/09/2015, a autora enviou à ré cópia das cartas recebidas pelos seus pais, que consistiam na citação da autora no âmbito dos processos de reversão fiscal.

8. Em 22/09/2015, a autora subscreveu procuração forense a favor da ré.

9. Em 24/09/2015, a autora procedeu à transferência bancária de 686€ para a ré, relativa à provisão por conta da taxa de justiça e honorários.

c33. Em 09/10/2015 foi emitido o DUC … 315 do IGEF, IP, com a descrição de ‘complemento de taxa de justiça/outras taxas de justiça’, no valor de 306€, o qual foi pago por multibanco no dia 12/10/2015 [no DUC ainda consta – tipo de pré-pagamento: autoliquidações diversas; tipo de acção: - ; valor da autoliquidação: valor integral da tabela - TRL]

10. Em 13/10/2015, a ré remeteu do seu endereço ...@sapo.pt para o endereço electrónico do Serviço de Finanças ... 2, com conhecimento para ...@adv.oa.pt, mensagem de correio electrónico com indicação dos processos de execução em que foi decidida a reversão contra a autora, dirigida a Juiz de Direito, com vista à dedução de “oposição judicial nos termos e para os efeitos do art. 204, alínea b do CPPT”, e finalizando a mensagem com “Junta: 5 documentos, procuração. DUC e protesta juntar um documento. A Advogada [ré] Ced. …” [a oposição constava do corpo do e-mail com o seguinte conteúdo:

Questão prévia

Até à data da citação dos autos acima e à margem indicados a executada não foi notificada de qualquer divida ou projecto de reversão contra si, o que conduz a uma nulidade insanável que desde já se invoca.

Da oposição judicial:

1.º É verdade que a ora executada, [autora] foi sócia da sociedade, mas

2.º cedeu a quota de que era titular na sociedade no ano de 1998, cfr doc.1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

3.º A partir da data da cedência da sua quota a [autora] renunciou a todo e qualquer acto de gerência na referida sociedade, que, certamente por lapso não procedeu ao respectivo registo, situação entretanto já regularizada conforme documentos 2, 3 e 3 que se juntam e se dão por reproduzidos para os devidos efeitos.

4.º Efectivamente a [autora] tem residência e trabalha na …. há mais de 10 anos, cfr doc.5 cópia da sua autorização de trabalho para o período em causa nos presentes autos.

5.º Entretanto, foi a executada notificada pela Direcção de Finanças ..., no âmbito do processo 274/…, onde resultaram provados os supra referidos referentes à executada, à sua situação laboral e à inexistência de todo e qualquer acto de gestão no que concerne à sociedade, conforme certidão já solicitada e que protesta juntar.

6.º Nos períodos indicados nos autos a executada nunca teve conhecimento […ou?] acesso aos documentos contabilísticos, nem participou em qualquer assembleia ou decisão que respeita à sua referida sociedade comercial.

7.º Assim, o património da sociedade não foi dissipado por culpa da executada que não tem qualquer culpa pelo não pagamento fiscal das dívidas.

8.º A responsabilização subsidiaria da executada pelas dividas da sociedade, sociedade de responsabilidade limitada assenta na presunção de tendo sido designada gerente, segundo o pacto social o é também de facto, mas

9.º Esta presunção está ilidida, pela demonstração acima referida, pelo que nos termos da lei vigente à data a executada é parte ilegítima das presentes execuções.

10.º Importa ter presente que, conforme jurisprudência, as normas base nas quais se determina a responsabilidade subsidiaria dos gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estejam em vigor no momento em que se verificaram os pressupostos de tal responsabilidade, pelo que.

11.º Entretanto, em todos os regimes legais a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes. Logo

12.º Conforme o supra referido, a executada não tem qualquer responsabilidade sobre as dívidas em causa nos presentes autos.

13.º Nestes termos e nos demais de direito, estamos perante uma situação de ilegitimidade da pessoa citada por não ter sido durante o período que respeite a divida exequenda os bens que a originaram [sic], pelo que se requer seja declarada finda as instâncias executivas por inexistência de responsabilidade

PROVA

A – 5 documentos.

B – Testemunhal

1. CC […]

2. DD […]

Junta: 5 documentos, procuração, DUC e protesta juntar um documento.

[Esta transcrição foi feita pelo TRL].

11. Em 13/10/2015, pelas 22h12, do mesmo endereço de correio electrónico ...@sapo.pt, dirigido ao endereço ...@at.gov.pt, a ré enviou mensagem de correio electrónico ao Serviço de Finanças 2, com o seguinte teor: “(…) Vem requerer a V.Exa se digne ordenar juntar os documentos que por lapso não foram enviados no documento anterior. Pede deferimento [ré].”

12. Em 20/10/2015, o Serviço de Finanças 2 remeteu à ré mensagem de correio electrónico com o título “Re: oposição judicial” comunicando que: “Solicito que informe porque até à presente data não deu entrada neste serviço a petição e “5 documentos, procuração, DUC e protesta juntar um documento”, a que alude no e-mail que nos remeteu.

13. Em 20/10/2015, a ré remeteu ao Serviço de Finanças 2 mensagem de correio electrónico, respondendo: “(…) Os documentos foram enviados com o 2.º e-mail enviado nesse mesmo dia. Mais informo que procedi no dia de hoje ao envio via correio registado do original da oposição e documentos. O documento que protestei juntar ainda não me foi enviado pelo tribunal.

c34. Em 31/03/2016, a autora solicitou à ré informação como deveria proceder para não constar na lista de devedores tributários, enviando impressão da lista de processos relativos ao seu contribuinte [neste e-mail a autora envia à ré a lista dos processos revertidos, que é uma impressão do portal das finanças: No doc.24 da ré [e-mail da autora de 31/03/2016] estão discriminados os 5 processos revertidos: …83133: 1946,05€; …67214: …1528,40€; …05485: 11.463,49€; …83944: 1026,89€; e …20688: 1070,84€ - TRL]

c35. Em 01/04/2016, a autora comunicou por correio electrónico à ré que: “A minha gestora de conta do Millennium ligou-me há minutos para informar que tinha recebido um pedido de penhora da minha conta bancária. (…) P.f. contacte-me para me explicar o que se pode fazer para parar este processo de imediato.”

c36. Em 01/04/2016, a ré comunicou à autora por sistema de conversação à distância que: “Já consultei o processo e não recebi qualquer notificação de ordem de penhora contra a AA. Irei 2.ª feira a ... e irei elaborar uma exposição para o banco com os documentos comprovativos. De qualquer forma tem de ser o serviço de finanças a cancelar essa ordem de penhora, o que irei obter 2.ª feira. Ainda tentei ligar para ... mas já ninguém atendeu.” [trata-se de uma troca de sms, sendo que, antes do da ré, transcrito acima, consta outro, também da ré: irei verificar em 15m - TRL].

14. Em 13/04/2016, EE [irmã da autora – acrescento do TRL, para melhor compreensão], recebeu três comunicações da Caixa Geral de Depósitos, informando da penhora de saldos bancários no valor de 1277€, 5000€ e 10.080€, no valor global de 16.357€, à ordem dos processos de execução fiscal onde a autora era executada.

15. O saldo das contas bancárias penhoradas, onde a autora era co-titular, pertencia na sua totalidade aos pais da autora.

16. Na sequência da penhora das contas dos seus pais, a autora solicitou à ré esclarecimentos sobre as penhoras, a qual agendou uma reunião.

c37. Em 21/04/2016, a autora reencaminhou à ré, ofício da Caixa Geral de Depósitos, SA, dando conta da penhora efectuada pela ATA na conta dos pais.

17. Em 27/04/2016, a autora reuniu-se com a ré no Hotel ... em ..., a qual a informou que tinha apresentado a oposição e entregou cópia das mensagens de correio electrónico que tinha enviado ao Serviço de Finanças de ... 2 e de outra mensagem enviada no próprio dia da reunião ao referido serviço.

18. Na mesma data, a ré entregou à autora, cópia de registo postal [este registo, na lógica da ré, diz respeito à carta referida em 13\ - TRL], com a referência …949PT, dirigida à Direcção de Finanças ..., R. ..., .... Nesse registo encontra-se aposto o carimbo dos correios e, debaixo da impressão da palavra aceitante, uma rubrica.

19. A referência constante do registo postal não indicou objecto encontrado [ou melhor, indicou: “estado: objecto não encontrado” TRL]

20. Em 27/04/2016, a ré enviou mensagem de correio electrónico ao Serviço de Finanças de ... 2, sob o assunto ‘oposição judicial’ onde comunicou: “Na sequência do e-mail que recebi desse serviço a 20/10/2015, ao qual respondi no próprio dia, sem qualquer resposta posterior, é com surpresa que tomo conhecimento do teor da notificação à M/constituinte com a informação de que não foi intentada qualquer oposição. Na verdade, foi apresentada oposição com indicação de testemunhas (…). Pelo supra exposto, venho requerer a V.Exa se digne ordenar de imediato a suspensão das penhoras ordenadas contra a M/Constituinte.”

c38. Em 03/05/2016, a autora comunicou à ré, por correio electrónico que: “(…) Não consigo entender nem aceitar que a/o chefe de repartição das finanças dê várias ordens de execução em simultâneo (ordenados e contas bancárias). (…) Como lhe disse no meu e-mail anterior estou disponível para pagar de imediato, da minha conta à ordem, o valor em dívida e pedir o reembolso posteriormente. (…).”

c39. Em 06/05/2016, pelas 10h43, a ré comunicou à autora, por correio electrónico que: “Conforme expliquei anteriormente, todas as ordens de penhora foram realizadas em simultâneo, tendo o serviço de finanças ficado a aguardar o envio das comunicações das diversas entidades sobre os resultados obtidos, para de imediato procederem a novas notificações com a indicação do levantamento das penhoras.”

c42. Também em 06/05/2016, pelas 11h43, a autora comunicou a ré, por correio electrónico que: “Na sequência do que acordei telefonicamente, este foi o e-mail que a Chefe de Finanças Adjunta enviou para a ... a confirmar que os meus processos se estavam a regularizar não havendo a necessidade de penhorar o salário (porque vão receber através da penhora da minha conta do Millennium).

c40. Em 06/05/2016, pelas 17h16, a autora comunicou à ré, por correio electrónico que: “Acabei de falar com a minha gestora de conta que me informou que irá proceder HOJE (dentro de 1h) ao pagamento da penhora conforme instruções recebidas. A razão por que pedi ao Millennium para aguardar mais 1h foi na esperança que a BB me contacte a informar que entregou nas finanças prova dos documentos requeridos (comprovativo dos correios ou documentos anexos à oposição). Na eventualidade da BB não me contactar, o máximo que consegui fazer foi acordar que o valor sairia da minha conta à ordem para não impactar o meu depósito a prazo. Esta possibilidade também me tinha sido confirmada pela Chefe de Finanças Adjunta, no telefonema de ontem. (…).”

c41. Em 06/05/2016, pelas 17h45, a ré comunicou à autora, por correio electrónico que: “Mesmo querendo impedir essa transferência, devo informar que não tenho legitimidade para o fazer, nem os documentos que possamos apresentar da oposição serão suficientes. (…). Teremos de apresentar o pedido de reembolso das quantias no próprio processo. Mais informo que na próxima semana terei um julgamento de manhã em ... mas quando terminar irei a ...”.

c43. Em 17/05/2016, a ré comunicou à autora, por correio electrónico que: “(…) conforme falámos pessoalmente, não deveria ter pago até porque, na minha óptica, no caso em apreço, existem elementos que após confirmação serão suficientes para ilidir a presunção de que é responsável subsidiária por esta dívidas, designadamente com as declarações a prestar pelo Sr. Inspector tributário, o Sr. CC e o Administrador da Insolvência nomeado. (…).”

c44. Em 17/05/2016, a ré por correio electrónico comunicou a FF [prima da autora – como se esclarece mais tarde em C51: TRL], que: “(…) Enquanto, se aguardava (e se aguarda) a notificação à AA de extinção do procedimento criminal na qualidade de representante legal da sociedade, em Setembro de 2015, a AA veio a ser notificada enquanto executada por reversão de 5 processos executivos. Devo informar que a AA não foi notificada para se pronunciar quanto à reversão. Apresentada a oposição, fui notificada via e-mail no dia 20/10/2015 para saber sobre os documentos, ao qual respondi no próprio dia sobre meio como tinham sido enviados – (Podes ver que o DUC tem a data de pagamento de 12/10/2015) e de que ainda me faltava o documento do processo crime. Não voltei a ter notícias do processo até à penhora de bens da AA, quando a necessidade de uma solução rápida surgiu. (…).

c45. Em 18/05/2016, a prima FF comunicou à autora, por correio electrónico que: “(…) Relativamente a esta queria perguntar-te o seguinte: 1. A oposição foi apenas enviada no texto do e-mail ou foi também apresentado um requerimento formal e assinado? Confesso que desconheço os termos da forma de apresentação de oposições fiscais. 2. Das finanças disseram-me que tu tinhas dito que tinhas enviado tudo por correio, por ser necessário os documentos originais. Enviaste? É que das finanças dizem-me que tu foste notificada para apresentar os originais e que ainda estão à espera que nós demonstremos que foi tudo enviado em tempo. Da documentação que me enviaste eu não consigo demonstrar ou comprovar a data da sua apresentação em papel nas finanças. (…).”

c46. Em 18/05/2016, a ré solicitou por correio electrónico ao inquérito n.º 274/...que: “A M/Constituinte [autora] tem estado a ser notificada de inúmeras execuções referentes à sociedade. Atendendo a que no âmbito do processo em epígrafe em que foi instrutor se verificou a ausência de uma gerência efectiva há mais de 10 anos na referida sociedade, em que por mero lapso não tinha sido registada a renúncia à gerência, venho solicitar cópia do despacho/relatório final. Mais requer o agendamento e dia e hora para reunião.”

c47. Em 23/05/2016, a ré solicitou por correio electrónico ao administrador de insolvência da sociedade cópia do relatório da insolvência a que alude o art.155 CIRE, o qual foi remetido.

21. Em 25/05/2016, a ré enviou mensagem de correio electrónico ao Serviço de Finanças de ... 2, onde deduziu reclamação às penhoras efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal que corriam termos contra a autora n.ºs ...3133, ...7214, ...3944, ...0688,  ….5485 e juntou procuração.

c48. Em 25/05/2016, pelas 15h, a ré enviou para conhecimento à autora e à prima FF, o teor da reclamação apresentada no serviço de finanças.

c49. Em 25/05/2016, a autora comunicou à ré, com conhecimento para a prima FF, por intermédio de correio electrónico que: “Agradeço o envio de todos os e-mails e documentação, mas agradecia que me desse os seguintes esclarecimentos: 1. Esta reclamação que foi apresentada pode determinar a extinção dos processos de execução fiscal? Uma vez que das finanças disseram que não tinham recebido a oposição, esta reclamação, enviada por e-mail, pode ser considerada e avaliada? 2. Neste e-mail a BB diz que foi apresentada oposição. A BB chegou a ir às finanças apresentar a documentação? 3. Tem alguma estimativa sobre o tempo a que demora resolver tudo? (…).”

c50. Em 27/05/2016, a autora comunicou por correio electrónico à ré que: “(…) Quanto aos processos executivos fiscais pendentes, vou pedir-lhe que aguarde notícias minhas, no máximo em 8 dias. Preciso de terminar as várias diligências em curso. Mais informo que, conforme o solicitado, irei elaborar o relatório das diligências realizadas. (…).”

22. Em 30/05/2016, o Serviço de Finanças 2, comunicou à ré, que: “Para esclarecimento do e-mail remetido a este serviço [o e-mail do ponto 21\ - TRL], fica informada que o mesmo não é meio próprio para apresentar reclamações, pelo que o mesmo foi arquivado, e que a petição que deveria ter sido entregue ou remetida, e não deu entrada neste serviço não seria aceite porque:

A petição a apresentar “reclamação” não deverá como indica referir “… vem nos termos da lei em vigor aos presentes autos deduzir reclamação” cabe ao reclamante ou seu representante e não ao serviço optar pela forma de defesa que pretende e indicar objectivamente com base em que legislação é apresentada, para além de que deverá ser apresentada uma por cada processo, visto os mesmos não se encontrarem apensos. Dependendo das reclamações a apresentar poderá ter que enviar cópia das guias de pagamento das custas devidas.” [o TRL aditou a parte sublinhada]

c51. Em 06/06/2016, a prima da autora, FF, comunicou à ré, por correio electrónico que: “Tens novidades? A minha prima disse que ias desenvolver umas diligências e que davas notícias em 8 dias. Podes fazer o ponto da situação, por favor? Reenvia-me o registo postal também, que eu não recebi. (…).

24. Em 07/06/2016, a autora foi notificada do acto de aplicação de depósitos de penhora, originados pela penhora de saldos bancários, no pagamento da dívida de execução fiscal realizado em 13/05/2016 no valor de 17.043,49€ [é um documento, n.º 23 da autora, das finanças, de 31/05/2016, com a demonstração da aplicação de crédito [do total de depósito de penhora, com data valor de 13/05/2016 e 17.043,49€], composto por uma tabela com seis colunas ditas de origem, período, data valor, descrição, montante inicial e montante aplicado; os processos que são mencionados nos movimentos são os …83133, …67214, …20688, …05485, …83944; certidões de dívidas: 1616,87€, 1284€, 1178,92€, 9988,55€, 883,84€; os movimentos incluem dívida, juros de mora, taxas de justiça, outros encargos, num total de dívidas: 17.277,21€, onde foram aplicados os tais 17.043,49€; e a seguir diz-se: “fica por este meio notificado de que, cumprido o disposto nos artigos 261 e 262 do CPPT, se procedeu à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal em conformidade com a presente demonstração; no caso de existir remanescente da importância penhorada, será restituído ao executado, excepto quando subsistam quaisquer dívidas tributárias de que o executado seja devedor à FN, circunstância em que se procederá de acordo com o disposto no art. 81 do CPPT ou à penhora dessa importância, verificados os pressupostos legais: deste acto de aplicação poderá, querendo, apresentar reclamação no órgão de execução fiscal, dirigida ao tribunal tributário de 1.ª instância e no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso de recepção, de conformidade com o previsto nos arts. 276 e 277 do CPPT; no documento a seguir, das finanças, que é uma demonstração de acerto de contas, de 31/05/2016, constam dois movimentos, um de depósito de penhora na data de 13/05/2016, no valor de 17.043.49€ e outro de aplicação de tal valor em dívidas execução fiscal, na data de 31/05/2016 [esta parte da transcrição foi feita pelo TRL].

23. Em 16/06/2016, a ré enviou ao Serviço de Finanças ... 2, requerimento expondo e requerendo: “1. A executada, por meio de correio electrónico, apresentou, em tempo, a sua oposição judicial no âmbito dos processos supra referidos; […] 5. Com surpresa, a ora signatária recebeu por parte desses serviços a comunicação via electrónica de que o envio de articulados por via electrónica não era o adequado pelo que iriam arquivar o articulado em causa. 6.???? 7. A signatária desconhece e não aceita, até porque se trata de uma violação da lei vigente, cfr acórdão do Tribunal Central Administrativo, que se junta em anexo. 8. Mais, a verdade é que até à presente data a mandatária não foi notificada de qualquer despacho para efeitos de exercer os direitos de defesa da s/constituinte (…).”

c53. Em 30/06/2016, a autora comunicou por correio electrónico à ré que: “Recebi o seu sms em resposta ao meu e-mail sobre as novas cartas das finanças. Entretanto consultei a informação disponível nos CTT e verifico que as cartas foram dadas como entregues a 7 e 9 de Junho pelo que o prazo de 10 dias está largamente ultrapassado. Assim sendo, não vale a pena a BB apresentar oposição. (…).

c52. Em 07/06/2016, a ré comunicou à prima FF, por correio electrónico que: “(…) nos processos fiscais aguardo um despacho que espero que venha a ser definitivo e com a consequente devolução do dinheiro da tua prima; (…), mas peço-te que terminem os contactos telefónicos com as finanças porque já “tive” problemas que podem prejudicar o meu trabalho no âmbito dos processos ainda em curso. Finalmente, estou na posse de todos os documentos necessários para a garantia dos direitos da tua prima.”

25. Em 06/07/2016, a autora deslocou-se ao Serviço de Finanças de ... 2 onde requereu certidão dos requerimentos apresentados pela ré no âmbito do processo de execução fiscal, a qual foi emitida em 02/08/2016 [o requerimento é formulado nestes termos: certidão dos requerimentos apresentados pela sua mandatário nos processos de execução fiscal …2330 e outros e do e-mail de resposta; na certidão o Sr. funcionário escreve: certifico […] junta cópias dos requerimentos apresentados e das respostas que ficam a constituir as fls. 3 a 17 desta certidão; mais informo nos requerimentos apresentados pela mandatária não é mencionado o processo executivo …2330 referido no pedido de certidão – [esta parte entre parenteses rectos foi acrescentada pelo TRL, com base no teor da certidão em causa].

26. Em 02/08/2016, o Serviço de Finanças ... 2 em resposta ao requerimento aludido em 23, expediu ofício à ré, onde lhe comunicou que:

Assunto: reclamação

Vem BB, mandatária da [autora], apresentar exposição da resposta enviada por e-mail sobre documentos enviados a esse serviço.

Vem a Srª Mandatária alegar que apresentou via correio electrónico oposição judicial dos processos e que posteriormente enviou via correio a oposição.

Analisados os documentos anteriormente enviado a este serviço, verifica-se que:

Em 13/10/2015, foi recepcionado neste serviço um e-mail enviado por ...@sapo.pt, cujo teor era o próprio requerimento de oposição em nome [da autora], o mesmo não se encontrava assinado, apenas menciona o nome de “A advogada BB”, não junta procuração nem junta comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.

Em 20/10/2015, através de e-mail dirigido [à ré], foi solicitado por parte deste serviço informação do motivo de até àquela data a petição inicial e 5 documentos e procuração e DUC que protestava juntar.

Até à presente data não foi recepcionada neste serviço qualquer documento enviado via CTT, referente ao aperfeiçoamento da oposição apresentada via e-mail, nem os documentos que protestava remeter, pelo que foi arquivado o requerimento de oposição.

Foi recebido e-mail em 25/05/2016, a “deduzir reclamação”, dos processos referidos.

Em 30/05/2016, às 11:30, foi respondido pela mesma forma à Srª mandatária que não era o meio próprio, não era indicado qual o meio de defesa e a legislação de suporte da mesma, e de que os processos eram autónomos pelo que deveria ser apresentada uma petição por cada um.

Mais se solicitava que fosse enviada cópia das guias de pagamento da taxa de justiça, se fosse o caso.

No mesmo dia 30, vem a Sr.ª Mandatária “deduzir reclamação”, mas desta vez via correio registado, registo esse efectuado em ... pelas 15.45:57 do dia referido.

Assim no que respeita à presente reclamação, o Serviço não indicou que não era aceite o documento recepcionado via e-mail, antes solicitou o aperfeiçoamento do mesmo, visto não ser mencionado qual o artigo do CPPT, em que se insere a reclamação o que não foi feito até à presente data.”

[as partes sublinhadas foram acrescentadas pel TRL de modo a fazer uma transcrição mais completa deste ofício do SF]

27. Em 02/09/2016, a autora por intermédio de carta postal comunicou à ré que: “(…) A manter-se a situação actual – nos termos que resultam da resposta do Serviço de Finanças de ... 2, de 02/08/2016 relativa à reclamação por si apresentada a 30/05/2016 – afigura-se que se encontra precludido o meu direito de deduzir oposição às penhoras, não estando ao meu alcance contrariar este efeito. (…) (…) Fundando-se essa perda de chance no modo como a Sr.ª Dr.ª exerceu o patrocínio, afigura-se que incorre em responsabilidade contratual e no dever de reparar os danos e de ressarcir os prejuízos que sofri e estou ainda a suportar. (….). Não quero, contudo, iniciar qualquer instância com esse fim sem antes lhe dar a possibilidade de fazer aquilo que lhe incumbe, ao abrigo do mandato que lhe conferi e que ainda subsiste, para minimizar esses danos e prejuízos.

28. A autora ficou com vergonha de os saldos das contas bancárias dos seus pais terem sido penhorados e de o seu vencimento ter recebido ordem de penhora.

c54. Em 12/12/2016, a ré comunicou ao Serviço de Finanças ... 2, por fax que: “1. No que concerne à executada [autora] estamos perante uma situação de injustiça grave e notória – n.º 4 art. 78 da LGT – claramente lesiva dos seus direitos mediante o pedido de pagamento de um imposto que não é de todo devido pela autora, conforme decorre da documentação já junta e do conhecimento da ATA nos termos apresentados. 2. Pelo exposto, renova-se o pedido de devolução imediata das quantias penhoradas. 3. Mais se informa que a autora passou a ser representada pelo Sr. Dr. GG (…).

c55. Em 29/09/2017, a ré comunicou à autora, por carta que: “Na sequência da carta ora recebida cumpre-me esclarece que não posso aceitar qualquer referência de falta de zelo ou negligência no exercício do mandato que me foi conferido por V.Ex, até porque sempre diligenciei no sentido da defesa dos seus direitos e garantias. (…).


2. De direito

2.1. Da violação do disposto no art.º 662.º do CPC

Ao Supremo Tribunal de Justiça compete, no âmbito da revista, decidir as questões nela suscitadas relacionadas com o “modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 662.º”[3].

Vejamos, pois, se ocorrem, no caso, as anomalias apontadas pela recorrente.

2.1.1. Uso indevido de presunção judicial

A recorrente invocou o indevido uso da presunção que diz ter sido extraída relativamente à propriedade do dinheiro usado para pagamento da dívida fiscal, na medida em que a Relação fixou a indemnização no montante de 668,49 €, por considerar que só este lhe pertencia, não o fazendo quanto aos restantes 16.375,00 €, quando não havia prova de que pertenciam aos seus pais.

Como é sabido, temos vindo a entender[4] e assim tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, “as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no art.º 349.º do Código Civil.

A presunção traduz-se, pois, e concretiza-se “num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência”[5], sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º do Cód. Civil).

Tem-se admitido, ainda que com alguma controvérsia, que o STJ só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação “se este uso ofender norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados”[6].

Em sede de revista é, assim, sindicável o uso de presunções judiciais quando a lei o não admita ou quando, admitindo-o, tal uso ocorra fora do condicionalismo legal previsto no art.º 349.º do Código Civil, que exige a prova de um facto de base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto essencial presumido.

O erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade, como tem sido entendido pela jurisprudência constante do nosso Tribunal. Para tanto, importa que da decisão de facto ou porventura da respectiva motivação constem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal recorrido “tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.º do CC e 607.º, n.º 4, do CPC, de forma a se poder, desse modo, aferir da ocorrência da sobredita ilogicidade. Mas está vedado ao tribunal de revista a indagação do erro intrínseco à própria apreciação crítica das provas produzidas em regime de prova livre”.[7]

No caso sub judice, não se divisa qualquer juízo presuntivo formado, em sede probatória, pelo Tribunal da Relação com apelo às regras da experiência quanto à propriedade da quantia de 16.375,00 €. Muito menos que seja caso de manifesta ilogicidade.

Do acórdão recorrido não resulta que tivessem sido utilizadas as aludidas presunções para dar como provado que aquele montante pertencia aos pais da autora/recorrente, muito menos a esta. A única referência à presunção legal do art.º 1268.º, n.º 1, do Código Civil foi feita relativamente à quantia de 668,49 €, para reconhecer a propriedade desse valor à autora, por ser a correspondente à diferença entre o valor pago pela dívida fiscal e a quantia pertencente aos pais da autora, de 16.375,00 €.

Na verdade, fez-se constar do acórdão:

… dos factos provados o que resulta é que dos valores penhorados 16.375€ eram dos pais da autora – factos 14\ e 15\ -, e só a diferença até aos 17.043,49€, isto é, 668,49€, é que é da autora (sabe-se que a dívida foi paga com dinheiros penhorados à autora; provou-se que uma parte não era dela; logo, o resto, já que foi penhorado na sua posse, pode-se presumir que era dela: art. 1268/1 do CC; terá saído de uma conta à ordem da autora no Millenium).


Ou seja, apenas uma pequena parte do prejuízo patrimonial (668,69€) causado indirectamente com o incumprimento contratual é que se verificou na esfera da autora; o resto (16.375€), verificou-se no património dos seus pais.”

Quanto à quantia de 16.375,00 €, a propriedade foi dada como provada e consta, desde logo, da factualidade provada sob o n.º 15, onde se lê, relembre-se, que “O saldo das contas bancárias penhoradas, onde a autora era co-titular, pertencia na sua totalidade aos pais da autora.”

Também no n.º 28 da factualiade provada se refere que a “A autora ficou com vergonha de os saldos das contas bancárias dos seus pais terem sido penhorados…”.

Toda esta factualidade foi alegada pela autora na petição inicial, nomeadamente:

42.º

“E a A. foi apanhada desprevenida pelas referidas penhoras, ainda para mais sobre saldos de contas bancárias cujo saldo era totalmente pertencente aos pais da A. e nas quais esta figurava como titular apenas por precaução.”

93.º

“Vergonha por ver penhoradas as contas bancárias cujo saldo era integralmente pertencente aos seus pais e por ver também penhorado o seu vencimento, quando nada o fazia prever, tendo em conta a despreocupação que lhe foi transmitida pela R. a esse respeito.”

Aliás, na resposta à apelação da ré, a propósito da impugnação, por esta, da matéria provada sob o n.º 15, a autora sustentou que o argumento utilizado era contrariado a fls. 14 da sentença e pelo depoimento da testemunha EE, irmã da autora, que afirmou expressamente que o dinheiro depositado naquela conta pertencia aos pais de ambas. (realces a negrito da nossa autoria)

Por isso, não se compreende a posição contrária que agora assumiu em sede de recurso de revista, em manifesta oposição ao que anteriormente havia alegado e sustentado no mesmo processo.

Aqueles factos provados resultaram, segundo a respectiva motivação, do acordo das partes, por falta de impugnação, e do teor do doc. 28, de fls.122v, junto com a contestação.

Ora, é na falta de prova que a recorrente fundamenta a ilogicidade.

Porém, nem se verifica a alegada falta de prova, nem a alegação é suceptível de basear qualquer presunção, visto que a propriedade do dinheiro por parte dos pais da autora resultou provada, por confissão e meio de prova que não pode ser reapreciado por este Tribunal, por se tratar de prova produzida em regime de prova livre, pelo que nos está vedada a indagação de eventual erro intrínseco à sua apreciação.

Improcede, assim, sem mais considerações, esta questão.


2.1.2. Do dever de produção de novos meios de prova


A recorrente sustenta que a Relação violou o dever de produção de novos meios de prova, previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. b), do CPC.

Este preceito dispõe:

A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, “ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova”.

Prescreve-se, aqui, a faculdade de a Relação, “mesmo oficiosamente”, ordenar a produção de novos meios de prova, em caso de “dúvida fundada sobre a prova realizada”.

Trata-se de um poder/dever atribuído à Relação que “esta usará de acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares”[8].

No presente caso, a Relação não teve quaisquer dúvidas acerca da propriedade da quantia de 16.375,00 €, em face da prova produzida e da confissão decorrente da inobservância do ónus de impugnação pela ré, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, do CPC.

Por isso, não se lhe impunha a realização de diligências probatórias suplementares, pela simples razão de que inexistia dúvida fundada sobre a prova realizada.


Improcede, pois, esta questão.


2.1.3. Do dever de anulação


A recorrente defende que a Relação violou o disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC, porquanto, tendo reputado obscura a decisão da 1.ª instância sobre pontos determinados da matéria de facto, não a anulou.

A patologia apontada à sentença não se verifica, nem ela foi reconhecida pela Relação.

De resto, esta supriu a deficiência da propriedade do questionado dinheiro a partir dos elementos constantes do processo, nomeadamente através do efeito da ficta confessio, considerando admitidos por acordo os factos alegados nos articulados, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, do CPC.

Por isso, não se justificava, muito menos se impunha, a pretendida anulação do julgamento, a qual “deve ser sempre uma medida de último recurso apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada”[9].

Não sendo este o caso, é manifesta a improcedência desta questão.


2.1.4. Do dever de fundamentação


A recorrente sustenta, ainda, que a Relação violou o disposto na alínea d) do n.º 2 do citado art.º 662.º, porquanto, considerando que não foi devidamente fundamentada a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a propriedade do dinheiro utilizado no pagamento da dívida fiscal exequenda em que a autora era executada, não cumpriu o dever de determinar que ele a fundamentasse.

É sabido que o dever de fundamentação, agora introduzido na sentença, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, impõe ao juiz o dever de justificar os motivos da sua decisão, “declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, n.º 5) deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos”.[10]

No âmbito do recurso de apelação com impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação “atua como tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de 1.ª instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou de alteração da decisão recorrida”[11].

    No caso sub judice, a recorrente invocou a violação do disposto na alínea d) do n.º 2 do mencionado art.º 662.º, pelas razões supra indicadas, pretendendo que fosse determinado que o tribunal da 1.ª instância fundamentasse a sua decisão sobre a propriedade do dinheiro utilizado no pagamento das dívidas fiscais.

     Porém, afigura-se-nos que não lhe assiste razão.

    Comecemos por relembrar aqui como o Tribunal da Relação fundamentou a resposta à matéria que foi submetida à sua apreciação no âmbito da impugnação da matéria de facto feita na apelação sobre a propriedade do dinheiro, constante do facto provado sob o n.º 15:

     “A ré não impugnou este facto instrumental, o facto não está em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, não se trata de facto que não possa ser confessado, nem de facto que só possa ser provado por escrito, e a ré não diz ter sido produzido prova contra ele (o que podia ter feito: art. 574/2 do CPC). Assim, sendo, o facto deve manter-se como provado.”

Por sua vez, o Tribunal da 1.ª instância tinha fundamentado assim a mesma matéria:

O facto 15) alegado nos art. 42.º e 93.º da Pi foi dado como provado em face do acordo das partes em articulado (art. 49.º CT) e do teor do Doc.28 (fls.122-v) que aqui se dá por reproduzido.

Ambos os Tribunais responderam da mesma forma à matéria do facto 15, onde consta a propriedade do dinheiro, e a respectiva motivação não se mostra divergente, sendo que a Relação, em face dos mesmos elementos, podia fazer um juízo valorativo diferente e alterar a decisão recorrida, mas não fez.

Por isso, não se vislumbra qualquer necessidade de maior fundamentação.

   Acresce que este Supremo Tribunal não pode sindicar a matéria de facto.

Com efeito, como é por todos sabido, de acordo com o disposto no art.º 682.º, n.º 2, do CPC, no recurso de revista, o STJ não pode alterar a decisão quanto à matéria de facto proferida pelo Tribunal recorrido, salvo no âmbito previsto no n.º 3 do artigo 674.º do mesmo diploma, isto é, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Ao STJ, como tribunal de revista, compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias (n.º 1 do art.º 674.º do CPC), sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o STJ, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

Assim, a intervenção do STJ na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos art.ºs 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 3, ambos do CPC, pelo que é definitivo o juízo formulado pelo tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do mesmo Código, sobre a prova sujeita a livre apreciação, como são os depoimentos de testemunhas, os documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais[12].            

Não se tratando de nenhum caso de intervenção (excepcional), susceptível de ser incluído no âmbito previsto no n.º 3 do art.º 674.º do CPC, não pode ser alterada, aqui e agora, a decisão quanto à matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação, que sobre a mesma decidiu em definitivo.

E também não é caso de suprimento de qualquer anomalia, como se disse supra.


Improcedem, deste modo, todas as questões suscitadas relativamente à matéria de facto.


2.2. Dos danos não patrimoniais


A recorrente sustenta que a vergonha por que passou, tal como foi dada como provada, merece a tutela do direito, devendo basear a “peticionada condenação da R. em indemnização por danos não patrimoniais”.

No acórdão recorrido, foi negada a indemnização por danos não patrimoniais, porque «não estavam “inseridos no quadro contratual” “bens de natureza não patrimonial”, nem a falta de cumprimento da obrigação pela ré tem a ver com a violação de bens com essa natureza, nem se verificaram circunstâncias especiais que acompanhassem a violação do contrato. E o facto, 28\, de a autora ter ficado com vergonha de os saldos das contas bancárias dos seus pais terem sido penhorados e de o seu vencimento ter recebido ordem de penhora, não tem, sequer, manifestamente a gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.»

Com o devido respeito, discordamos desta apreciação.

O art.º 496.º do C. Civil dispõe no seu n.º 1:

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Ao estabelecer esta cláusula geral, o legislador optou por “não circunscrever o direito a compensação por dano não patrimonial a hipóteses legalmente expressas”, deixando ao intérprete/aplicador do direito a tarefa de, em cada momento histórico, apreciar quais os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, “vedando, ao mesmo tempo, a indemnização por danos considerados triviais ou insignificantes”. Trata-se de uma solução que contém novidade, modernidade e adequação.

Apesar da sua localização sistemática, é aplicável, para além da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, também na responsabilidade civil extracontratual pelo risco e por facto lícito e, ainda, mais recentemente, segundo larga maioria, à responsabilidade civil contratual.

Com efeito, “nos dias de hoje, a doutrina e jurisprudência dominantes acolhem um princípio favorável à compensação do dano não patrimonial na responsabilidade contratual, a aplicar com certa prudência e segundo uma específica valoração do dano contratual: dever ser balizado por critérios de adequação e previsibilidade do dano para o devedor …; justifica-se, em especial, quando se verifique a violação de deveres de proteção e cuidado para com a pessoa da outra parte e quando a prestação devida tenha por objeto a satisfação de interesses de índole não patrimonial, desde que o filtro da gravidade do dano o legitime …, ou no âmbito do incumprimento no âmbito de relações contratuais duradouras que impliquem uma particular confiança entre as partes, como sucede nos contratos de trabalho, de arrendamento e de seguro…, ou quando se verifique uma conexão entre o vínculo obrigacional e os danos, que pode resultar da vontade das partes, explícita ou implícita…”[13].

Sobre o problema específico da ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade no âmbito da responsabilidade civil do mandatário forense, o acórdão proferido pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ, de 5/7/2021, processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, no âmbito do acórdão uniformizador de jurisprudência[14], ainda não publicado, fez constar da sua fundamentação, além do mais, que “ao lado dum dano patrimonial da perda de chance processual, pode existir um dano não patrimonial decorrente da ansiedade que o incumprimento dos deveres pelo mandatário possa ter causado”.

Deste modo, afigura-se-nos incorrecto fazer depender do “quadro contratual” a atribuição, no caso, de compensação por danos não patrimoniais, como fez o acórdão recorrido, não obstante ter admitido a compensação por tais danos na responsabilidade contratual em termos gerais.

Além de estar demonstrado o incumprimento dos deveres pela ré/mandatária, que não está aqui em causa, também está provado que esse incumprimento causou à autora ansiedade e vergonha, como resulta da troca de correspondência entre as partes, sobretudo das insistências da autora para ver solucionada a questão do pagamento da dívida fiscal, e da factualidade expressamente provada no n.º 28, onde consta que “a autora ficou com vergonha de os saldos das contas bancárias dos seus pais terem sido penhorados e de o seu vencimento ter recebido ordem de penhora”.

Estes danos são objectivamente graves, atento o circunstancialismo do caso, estando longe de poderem ser considerados meros incómodos ou simples contrariedades. A autora viveu momentos de ansiedade com o atraso na resolução do problema que confiou à ré e sentiu-se envergonhada com a penhora das contas dos seus pais, bem como com a ordem de penhora do seu vencimento.

Essa vergonha decorreu, sem dúvida, da conduta da ré que não evitou, em tempo, que a penhora ocorresse, contribuindo para a ofensa do direito ao bom nome e reputação da autora, tutelado pelos art.ºs 70.º, n.º 1 e 484.º, ambos do Código Civil e art.º 26.º, n.º 1, da CRP.

Assim, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, tais danos merecem a tutela do direito.

Relativamente ao montante compensatório, não pode ser superior ao fixado pela 1.ª instância, como parece pretender a recorrente, visto que não recorreu da sentença e os efeitos desse julgado não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (art.º 635.º, n.º 5, do CPC).

Acresce que o valor foi fixado com recurso à equidade, como manda o n.º 4 do art.º 496.º do Código Civil, assente numa ponderação casuística dos factos provados, à luz das regras da experiência comum, pelo que não caberia ao STJ a determinação exacta do valor pecuniário por não se tratar, em rigor, de uma questão de direito.

Deste modo, há que manter o montante da compensação pelos danos não patrimoniais fixado na sentença, que foi de 5.000,01 €, a que acresce o valor do dano patrimonial de 668,49 €, fixado no acórdão recorrido, nesta parte não questionado na revista, devendo, consequentemente, a ré pagar à autora a quantia total de 5.668,50 €, mantendo-se a absolvição na parte restante.


2.3. Do erro quanto a custas da apelação

Por último, invoca a recorrente que a decisão recorrida, ao condená-la nas custas de parte na proporção de 98% “beneficia injusta e desproporcionadamente a recorrida, isentando-a do custo da actividade jurisdicional que intencionalmente causou”, sendo o valor daquelas superior ao valor da indemnização em que foi condenada, pelo que viola o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça (artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 2.ª parte e 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

Liminarmente, importa notar, tal como feito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2021[15], reproduzido no nosso acórdão de 21/9/2021, processo n.º 1480/18.3T8LSB-A.L1.S1[16], transcrevendo aqui o seguinte sumártio: “I - A decisão de condenação em custas de acordo com os critérios de causalidade/vencimento e proveito/decaimento na acção previstos no art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC é complemento e parte integrante do dispositivo relativo ao julgamento da acção (art. 607.º, n.º 6, do CPC) e assume autonomia material quando decide a questão da responsabilidade pelas custas processuais (…) Por isso, a “decisão condenatória” em sede de pagamento de custas a que se refere o art. 527.º, n.º 1, recai igualmente no conceito amplo de «mérito da causa», uma vez que é parte integrante, ainda que independente, da decisão material final que coloca termo ao litígio. II - O recurso de revista de acórdão da Relação que aprecie tal decisão proferida pela 1.ª instância é admissível para apreciação por parte do STJ se e na medida em que a enquadremos no art. 671.º, n.º 1, do CPC, que permite a revista para as decisões materialmente finais da Relação que conheçam do mérito da causa ou que coloquem termo ao processo em sede processual, desde que preenchido o pressuposto geral de recorribilidade contemplado no art. 629.º, n.º 1, do CPC.”

Nesta linha, a questão levantada no ajuizado segmento recursório, por respeitar ao mérito da causa, mostra-se impugnável em sede de revista, no âmbito do disposto no número 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, considerando que se verificam igualmente os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição, isto é, o valor da causa e a sucumbência (artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

O art.º 527º do Código de Processo Civil estabelece a regra geral em matéria de custas preceituando:

1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.”

A lei erige como critério principal norteador do estabelecimento da responsabilidade por custas o princípio da causalidade. Na síntese do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.09.2020[17]: “paga as custas a parte que lhes deu causa, isto é, que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma atividade injustificada.”

No acórdão recorrido, foi decidido quanto a custas:

Custas, na vertente de custas de parte, quer na acção e quer no recurso, por ambas as partes, na proporção do decaimento.”

As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. art.º 3.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).

Logo, não está correcta a condenação apenas na “vertente de custas de parte”.

A condenação em custas, quer da acção quer dos recursos, será determinada, como manda o art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, em razão do princípio da causalidade, abrangendo todas as custas processuais e tendo em conta o aqui decidido.

Assim sendo, falta o pressuposto do raciocínio da recorrente para a invocação da inconstitucionalidade, não se vislumbrando qualquer violação do direito a um processo equitativo, do princípio da igualdade, nem do princípio da proporcionalidade, nem a violação das normas constitucionais por si indicadas.

Destarte, sem mais considerações, procede apenas em parte e nos termos referidos esta questão.


Sumário:

1. Ao Supremo Tribunal de Justiça compete, no âmbito da revista, decidir as questões nela suscitadas relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art.º 662.º do CPC.

2. Mas está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação ou fez uso de presunções legais, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC.

3. Inexiste incumprimento dos deveres previstos no art.º 662.º do CPC, quando os mesmos se mostram observados, nomeadamente quando o facto provado resulta de confissão ficta.

4. Os danos não patrimoniais, como a vergonha da mandante causada pela penhora, decorrentes do incumprimento de deveres pelo mandatário forense incumbido de fazer reverter execuções fiscais, são objectivamente graves, merecedores da tutela do direito, pelo que são indemnizáveis.

5. O critério principal norteador da responsabilidade pelas custas processuais é o princípio da causalidade, de acordo com o disposto no art.º 527.º do CPC.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte referente aos danos não patrimoniais, repristinando os da sentença, no montante de 5.000,01 €, e às custas, as quais passam a ser como segue:

 Custas da acção e dos recursos pela autora e pela ré, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).



*



Lisboa, 16 de Novembro de 2021


Fernando Augusto Samões (Relator)


Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)


António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

___________

[1] Do Tribunal Judicial da Comarca ...– Juízo Local Cível  ... - Juiz ....
[2] Relator: Conselheiro Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro António Magalhães
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, pág. 312.
[4] Cfr. nosso acórdão, por mim relatado, de 3 de Novembro de 2020, revista n.º 2490/18.6T8PNF.P2.S1, que aqui vamos seguir e reproduzir nesta parte.
[5] Cfr. acórdãos do STJ de 11/4/2019 - processo n.º 8531/14.9T8LSB.L1.S1, de 19/1/2017 – proc. n.º 841/12.6TBMGR.C1.S1 e de 29/9/2016  - processo n.º 286/10.2TBLSB.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e na doutrina, sobre a noção de prova por presunção, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 214, e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, págs. 500 e 501.
[6] Cfr. citado acórdão do STJ de 29/9/2019 e o acórdão de 25/11/2014, processo n.º 6629/04. 0TBBRG.G1.S1, também disponível em www.dgsi.pt, entre outros.
[7] Cfr. citado acórdão do STJ de 29/9/2019.
[8] Conselheiro Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, pág. 296.
[9] Conselheiro Abrantes Geraldes, oba citada, pág. 308.
[10] Idem, pág. 309.
[11] Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 310 e 311.
[12] Cfr. Acórdão do STJ de 26/11/2019, Revista n.º 18079/16.1TBLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; nesta matéria, citando-se apenas as decisões mais recentes, vejam-se os Acórdãos do STJ de 4/2/2020, Revista n.º 3932/17.3T8BRG.G1.S1; de 5/2/2020, Revista n.º 13097/17.5T8LSB.L1.S1; de 11/2/2020, Revista n.º 5941/17.3T8CBR.C1.S1 e de 15/1/2020, Revista n.º 1350/14.4TBBRR.L2.S1, todos publicados em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ. Neste sentido, e para maiores desenvolvimentos, vide ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2018, págs. 397 e segs..
[13] Gabriela Páris Fernandes, em anotação ao art.º 496.º, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, págs. 356-358, onde são feitas várias citações de doutrina e jurisprudência, que aqui se omitiram, para os quais se remete.
[14] Com a seguinte uniformização: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
[15] Processo número 17908/16.4T8LSB-C.L1-A.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9ad1376ad86b71080258669005326a4?OpenDocument.
[16] Disponível em www.dgsi.pt.
[17] Processo número 1934/16.6T8VCT.G1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/593729dc48fbf4c2802586250037eecf?OpenDocument.