Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1934/16.6T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: CONDENAÇÃO EM CUSTAS
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
SUCUMBÊNCIA
PARTE VENCIDA
REFORMA DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDO O REQUERIMENTO DE REFORMA QUANTO A CUSTAS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : A regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção.
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I - AA e mulher BB; CC e mulher DD; e EE e mulher FF, intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:

- “Marsh Go - Comércio, Serviços e Gestão, S.A.”; e

- GG e mulher HH.

A chamada (no âmbito da intervenção acessória) “AXA PORTUGAL -COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” (que alterou a sua designação para “AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”) aderiu, no que concerne ao objecto do litígio, à defesa aduzida pela sua segurada, co-ré “Marsh Go”.

Foi proferida sentença em 14/06/2018, com o seguinte dispositivo:

“1. Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente, a presente acção e, em consequência, decide-se condenar solidariamente os réus a pagar aos AA a quantia que se vier a liquidar ulteriormente, a título de indemnização por danos patrimoniais, melhor descritos em 1.14., 1.15. e 1.16. dos factos provados, que demandam a reparação descrita em 1.20. dos mesmos factos, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento; e bem assim as quantias de €2.000 (dois mil euros) aos 1ºs AA, de €1.000,00 aos 2ºs AA e €2.000,00 aos 3ºs AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento.

2. Mais se decide condenar a 1ª Ré Marsh Go como litigante de má-fé em multa que se fixa em 5 (cinco) Uc’s.

3. Custas a cargo de AA e Rés, na proporção do decaimento, relativamente à parte líquida da condenação; e provisoriamente em parte iguais por AA e RR relativamente à parte ilíquida da condenação”.

Os réus recorreram, pedindo a 1ª ré Marsh Go – Comércio, Serviços e Gestão, SA que aquela decisão seja revogada e substituída por outra que a absolva do pagamento de qualquer indemnização aos autores, e a absolva igualmente da litigância de má fé.   

Os 2ºs réus GG e mulher HH pedem a revogação da mesma sentença e a sua substituição por outra que os absolva da obrigação de repararem os danos verificados nas moradias dos autores. Caso assim se não entenda pedem que sejam reduzidas as indemnizações relativas aos danos não patrimoniais.

Por acórdão da Relação de 17.10.2019, foi julgado:

“1 - procedente o recurso de apelação dos apelantes/réus, consequentemente revogando a decisão impugnada, no que lhes respeita, absolvendo-os dos pedidos formulados pelos apelados/autores;

2 - parcialmente procedente o recurso de apelação da apelante/ré, e consequentemente, decidiu:

- revogar a decisão impugnada no segmento da condenação como litigante de má fé;

- confirmar a mesma decisão nos demais segmentos condenatórios,  referidos sob o n.º 1 do dispositivo, e em toda a restante parte do seu conteúdo. 

Os apelados/autores suportarão as custas da apelação dos apelantes/réus, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário a quem foi concedido, não cabendo igualmente aos segundos suportar as custas da acção, atenta a sua absolvição dos pedidos. 

A apelante/ré suportará as custas da sua apelação, na proporção de 4/5 (quatro quintos) do que for devido”.  

Não se conformando com o acórdão da Relação, dele recorreram os autores e a ré Marsh Go - Comércio, Serviços e Gestão, S.A.

Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2020, foi proferida a seguinte decisão:

Atento o exposto, concede-se provimento à revista interposta pelos autores e pela primeira ré, fazendo valer o ponto nº I do segmento decisório da sentença da primeira instância.

Custas da revista pelos segundos réus”.


**

Os autores, notificados daquele acórdão do Supremo que concedeu provimento à revista por eles pedida, vêm requerer a reforma do mesmo quanto a custas.

Em síntese, alegaram que foi decidido que as “custas da revista” ficavam a cargo dos 2ºs RR, sem que se decidisse a responsabilidade por custas da acção.

Se ficássemos com a decisão tal qual está teria de ser feito um cálculo quanto às custas do recurso de revista – a cargo dos 2ºs réus - mas, quanto às demais custas, porque não havia decisão nesse sentido, ficaria a valer o decidido no acórdão da Relação de Guimarães que, face à decisão que tomou, decidiu que os autores/apelados suportarão as custas da apelação dos apelantes/réus (os 2ºs RR); que a 2ª ré Marsh Go suportará os custos da apelação, na proporção de 4/5 do que for devido e que, “não cabendo igualmente aos segundos suportar as custas da acção, atenta a sua absolvição dos pedidos”.

Ora, certamente, não se pretende que, em termos de custas, acabe por ficar a valer uma decisão que foi totalmente revogada e pela qual os 2ºs RR acabam condenados em primeira instância e nesta revista, mas, quanto a custas, fiquem eles só responsáveis pelas da revista, mas quanto à acção, delas saíssem absolvidos e até pudessem requerer custas de parte de todo o demais processado.

Terminam, referindo que “ para que as partes possam retirar todas as consequências da decisão que decidiu definitivamente a acção e se respeite o disposto na lei quanto a custas, designadamente o artº 527 nº 1 e 2 do C.P.C. deverá esse Supremo Tribunal pronunciar-se, não só quanto às custas da revista, mas também decidir de forma definitiva quanto às responsabilidades das partes pelas custas relativamente a toda a acção, ainda que se possa faze-lo de forma parcelar, designadamente mantendo a decisão de que as custas da revista são da responsabilidade dos 2º RR, e as demais são no sentido que VV.Exas entendam por bem fixar, designadamente a suportar pela 1ª e 2ºs RR, solidariamente”.

Notificados os réus e a interveniente AGEAS, Portugal, Companhia de Seguros, SA, não responderam ao requerimento.

II. Cumpre decidir.

Segundo o disposto no nº 1 do artigo 616º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigos 685º e 666 nº 1, “a parte pode requerer no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa (…)”.

O artigo 527º do Código de Processo Civil estabelece a regra geral em matéria de custas e preceitua o seguinte:

1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.

O Código de Processo Civil manteve, em matéria de custas, o princípio da causalidade: paga as custas a parte que lhes deu causa, isto é, que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada.

No processo nem sempre há, porém, parte vencida, e, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, passando a reger o princípio subsidiário do proveito processual, em razão do qual pagará as custas do processo quem dele beneficiou. Será o caso, por exemplo, do inventário, da acção de divisão de coisa comum e do divórcio por mútuo consentimento.

No que ao caso concreto diz respeito, é óbvio que estamos perante a aplicação do princípio da causalidade, ou seja, as custas são da responsabilidade da parte que lhes deu causa.

Para efeitos do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria – artigo 1º nº 2.

No acórdão do STJ de 30/04/2020, quer os autores, quer a ré Marsh Go, obtiveram ganho de causa, fazendo valer o ponto nº 1 do segmento decisório da sentença da primeira instância.

Os autores, porque o Supremo concluiu, ao contrário da Relação, que “no caso em apreço, a 1ª ré (empreiteira) e os 2ºs réus (donos da obra) respondem solidariamente perante os autores pela satisfação da obrigação de indemnizar, nos termos do nº 1 do artigo 497º do Código Civil, segundo o qual “ Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade”.

A ré Marsh Go, empreiteira da obra, porque o Supremo não fez recair toda a responsabilidade apenas na 1ª ré, mas também, como já se disse, solidariamente, nos 2ºs réus, donos da obra.

Por conseguinte, os segundos réus GG e mulher HH serão responsáveis pelas custas da revista, nos termos do disposto no nº 1, primeira parte do artigo 527º do Código de Processo Civil.

Vejamos agora a responsabilidade das demais custas.

No acórdão da Relação de 17/10/2019, por força do decidido no acórdão do Supremo, os mesmos 2ºs réus, donos da obra, pleitearam sem fundamento, pois careceram de razão no pedido formulado e, pelos motivos acima assinalados, serão responsáveis pelas custas da apelação, excluindo os autores dessa responsabilidade.

Na sentença da primeira instância de 14/06/2018, o acórdão do Supremo fez valer o ponto nº 1 do segmento decisório da sentença, ou seja, a condenação solidária dos réus a pagar aos autores as quantias ali previstas, a título de danos patrimoniais enão patrimoniais.

No ponto nº 1 do segmento decisório da sentença da 1ª instância constam duas condenações que o acórdão do Supremo confirmou; a primeira, refere-se ao pagamento da indemnização por danos patrimoniais, a liquidar ulteriormente; a segunda diz respeito ao pagamento da indemnização por danos não patrimoniais.

No nº 3 daquele segmento consta o seguinte, quanto à condenação em custas:

“3. Custas a cargo de AA e Rés, na proporção do decaimento, relativamente à parte líquida da condenação; e provisoriamente em parte iguais por AA e RR relativamente à parte ilíquida da condenação”.

Foi sempre este o sentido da jurisprudência a este respeito e nenhum reparo há a fazer a este nº 3.

Assim, no acórdão da Relação do Porto de 29.07.1982[1] foi decidido que:

“ Sendo a ré condenada no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença, as custas deverão ser pagas, provisoriamente, por ela e pelo autor, em partes iguais, fazendo-se o rateio respectivo, de acordo com a sucumbência, na execução de sentença”.

SUMÁRIO

A regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção.

III – Atento o exposto, julga-se procedente o requerimento dos autores de reforma quanto a custas, passando a valer sobre a matéria o que se deixou dito nos pontos I e II.

Lisboa, 10 de Setembro de 2020.

Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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[1] In CJ IV/82. Pág. 227