Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01153/11
Data do Acordão:02/23/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
INTERPRETAÇÃO DE DECISÃO JURÍDICA
SENTENÇA
Sumário:I – A sentença constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do Código Civil­, as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1º, daquele código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação
II – O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
III – Apesar deste Supremo Tribunal Administrativo ter vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica, não é de ponderar a possibilidade de interpretar como de anulação da liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda o pedido de que seja declarada a nulidade do despacho de reversão, tanto mais quanto na petição inicial não foi invocada qualquer invalidade daquele acto de liquidação que pudesse constituir causa de pedir válida em processo de impugnação judicial, mas antes fundamentos próprios de oposição à execução fiscal.
IV – Nunca poderia sindicar-se a decisão do tribunal a quo à luz de uma causa de pedir – a preterição do dever de audiência prévia à liquidação – que, embora em abstracto seja ajustada ao processo de impugnação judicial, não é do conhecimento oficioso e apenas foi invocada nas alegações de recurso.
Nº Convencional:JSTA00067435
Nº do Documento:SA22012022301153
Data de Entrada:12/20/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC96 ART193 N2 C ART198 N2 N4
CPPTRIB99 ART99 D ART203 N1
CCIV66 ART236 ART295
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1053/10 DE 2011/02/24 IN AP - DR DE 2011/08/11 PAG308; AC STA PROC446/11 DE 2011/08/24; AC STA PROC358/11 DE 2011/07/13; AC STA PROC705/11 DE 2011/10/19; AC STA PROC681/11 DE 2011/11/10
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VII PAG91 PAG92 PAG361 PAG362
ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VII 3ED PAG288 PAG289
RODRIGUES BASTOS NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VI 3ED PAG262
ANTUNES VARELA IN RLJ ANO100 PAG378
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A…… (adiante Impugnante ou Recorrente) apresentou no Serviço de Finanças de Paredes uma petição na qual, invocando o art. 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), disse que «vem intentar IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra o despacho de reversão» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.) pelo qual o Chefe daquele serviço ordenou a prossecução contra ela da execução fiscal que foi instaurada contra uma sociedade para cobrança de diversas dívidas provenientes de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e formulou o pedido de que o despacho de reversão seja declarado «NULO POR PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS».
Para tanto, em síntese, alegou que se verifica

- a nulidade da citação;
- o incumprimento do dever de audiência prévia ao despacho de reversão;
- a falta dos pressupostos para a sua responsabilização a título subsidiário pelas dívidas exequendas, designadamente a culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas;
- a falta de verificação dos pressupostos para a reversão, designadamente a não comprovação da insuficiência do património da originária devedora;
- a falta de fundamentação do despacho de reversão.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel decidiu nos seguintes termos: «julga-se provada a excepção dilatória de erro na forma do processo com a consequente absolvição da instância e a improcedência da Impugnação Judicial» (É manifesto o lapso: tendo-se concluído, como se concluiu na sentença, pela verificação da nulidade por erro na forma do processo a consequência, em face da impossibilidade de aproveitar o processo para prosseguir sob a forma processual adequada, só poderia ser a da anulação total do processo, que constitui excepção dilatória e, por isso, obsta ao conhecimento do mérito, como aliás aí se reconheceu, pelo que nunca poderia decidir-se pela improcedência da impugnação.).
Considerou, em resumo e se bem interpretamos a sentença (Interpretação que se revelou tarefa particularmente árdua, uma vez que, salvo o devido respeito, o discurso argumentativo parece não obedecer a uma qualquer lógica, chegando a afirmar-se existir ineptidão da petição inicial para depois se concluir pela verificação do erro na forma do processo, com a consequente ponderação da possibilidade de convolação para o meio processual adequado.), que

- a invocada nulidade da citação não é fundamento nem de impugnação judicial nem de oposição à execução fiscal, antes devendo ser invocada mediante requerimento endereçado ao chefe do órgão de execução fiscal, com possibilidade de reclamação de eventual decisão desfavorável para o juiz do tribunal tributário ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT;
- as ilegalidade imputadas ao despacho de reversão, quer por incumprimento das formalidades de audiência prévia e fundamentação, quer por não verificação dos pressupostos para a reversão, quer por não demonstração dos requisitos da responsabilidade subsidiária, deviam todas elas ser invocadas em processo de oposição à execução fiscal e não em processo de impugnação judicial;
- que o pedido formulado – de anulação do despacho de reversão – é adequado ao processo de oposição à execução fiscal, mas que não é possível aproveitar o processado para fazê-lo seguir sob esta forma processual uma vez que à data em que a petição inicial deu entrada já estava caducado o direito de deduzir oposição à execução fiscal.

1.3 A Impugnante interpôs recurso da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«CONCLUSÕES
· A ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO EXEQUENDA DEVERÁ, PORÉM, SER OBJECTO DE IMPUGNAÇÃO OU RECURSO CONTRA O ACTO DE LIQUIDAÇÃO
· ASSEGURANDO A LEI MEIO JUDICIAL DE IMPUGNAÇÃO OU RECURSO CONTRA O ACTO DE LIQUIDAÇÃO, A ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA, NÃO CONSTITUI FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
· A NULIDADE DA CITAÇÃO NÃO PODE CONSTITUIR FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
· É JURISPRUDÊNCIA QUASE UNÂNIME NO SENTIDO DE QUE A NULIDADE DA CITAÇÃO NÃO É FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO, SOLUÇÃO QUE SE RETIRA DO ART. 204º Nº 1 DO CPPT, NORMATIVO ONDE SE ENCONTRAM ENUMERADOS DE UMA FORMA TAXATIVA OS FUNDAMENTOS QUE PODEM SERVIR DE BASE PARA A OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
· A ILEGALIDADE EM CONCRETO DA LIQUIDAÇÃO SÓ PODE SER APRECIADA EM PROCESSO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL QUANDO NÃO EXISTAM OUTROS MEIOS PROCESSUAIS DE QUE [SIC] O CONTRIBUINTE POSSA USAR (Nº 1 ALÍNEA H) DO ARTIGO 204º DO CPPT)
· ESTANDO PERANTE INVOCAÇÃO DE ILEGALIDADE EM CONCRETO DA DÍVIDA EXEQUENDA, TER-SE-Á QUE DISCUTIR EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, E NÃO PERANTE O FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO REFERIDO NA ALÍNEA B) DO Nº 1 DO ARTIGO 204º DO CPPT

NESTES TERMOS, NOS DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO POR PROCEDENTE E A DOUTA SENTENÇA REVOGADA».

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, indicando como competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi enviado a pedido da Recorrente.

1.7 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, que não emitiu parecer.

1.8 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.9 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar que se verifica erro na forma do processo.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Pese embora a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não tenha efectuado o julgamento da matéria de facto de forma destacada, o que se compreende em face do sentido da decisão proferida – verificação do erro na forma do processo e insusceptibilidade de aproveitamento do processo para prosseguir sob a forma processual adequada, com a consequente anulação de todo o processado –, descortinamos na sentença dois factos relevantes quer para a decisão recorrida quer para a reapreciação do julgamento, maxime no que concerne à impossibilidade de convolação, e que ora reproduzimos:

«A Impugnante [foi] citada como Executada revertida em 17 de Setembro de 2009»;

«a impugnação judicial foi deduzida em 10 de Dezembro de 2009»


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Como resulta do que deixámos já exposto em 1.1, A……, na sequência da citação como responsável subsidiária para os termos de uma execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que reverteu contra ela, veio apresentar uma petição, dizendo que vinha, ao abrigo do art. 99.º CPPT, deduzir impugnação judicial contra o despacho de reversão e pedindo a anulação (Na verdade, pede que o despacho seja declarado nulo, mas os vícios que lhe assacou nunca poderiam determinar senão a anulação do mesmo.) deste despacho.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deixou a petição inicial passar a fase liminar e, já em sede de sentença, julgou verificada a nulidade por erro na forma do processo. Tendo ponderado a possibilidade de convolar a petição inicial para o meio processual adequado, que considerou ser a oposição à execução fiscal, entendeu que na data em que aquele articulado foi apresentado estava já findo o prazo para a Executada por reversão se opor. Por isso, em face da impossibilidade de sanação da nulidade, decidiu absolver a Fazenda Pública da instância.
É esta a interpretação que fazemos da sentença recorrida, sabido que é, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, que também a sentença constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do Código Civil­, as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1º, daquele código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação (Neste sentido, entre outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 24 de Fevereiro de 2011, da Secção do Contencioso Tributário, proferido no processo n.° 1053/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 308 a 312, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f730a5f7bcf14c3c8025784800549ad6?OpenDocument;
- de 24 de Agosto de 2011, proferido no processo com o n.º 446/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/74819ee643a485c3802578fc00332f94?OpenDocument.).
É certo que na sentença também encontramos algumas referências à ineptidão da petição inicial por cumulação ilegal de pedidos, parecendo que nela se terá também entendido ter sido formulado um pedido de nulidade da citação, bem como nela também se discorreu sobre a impossibilidade da nulidade da citação constituir fundamento de oposição à execução fiscal, numa amálgama argumentativa em que se torna difícil descortinar um fio condutor (Note-se que só a contradição entre os fundamentos e a decisão, e não a contradição entre os vários fundamentos jurídicos, constitui nulidade da sentença, nos termos do art. 125.º do CPPT. Neste sentido e com indicação de jurisprudência, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 ao art. 125.º, pág. 361/362.). Na verdade, é inequívoco que foi formulado um só e único pedido, qual seja o de “declaração de nulidade do despacho de reversão”, o que afasta a eventualidade da ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos, que, ademais, sempre teriam de ser substancialmente incompatíveis (cfr. art. 193.º, n.º 2, alínea c), do CPC). Por outro lado, não sendo a forma processual escolhida a oposição à execução fiscal, mal se compreende que se tenha equacionado a invocada nulidade da citação enquanto fundamento de oposição.
A Impugnante parece também ter interpretado a sentença nos termos que deixámos expostos, pois dela veio interpor recurso manifestando como fundamento da sua discordância que a impugnação judicial é a forma processual adequada, quer à invocada nulidade da citação, quer à discussão da legalidade em concreto das liquidações que estão na origem das dívidas exequendas, sendo que, se bem alcançamos o sentido da motivação do recurso, alega ter sido este um dos fundamentos que invocou na petição inicial.
Assim, como deixámos dito em 1.8, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificada a nulidade por erro na forma do processo.

2.2.2 DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO

A sentença decidiu no sentido da verificação do erro na forma do processo que, como é sabido, se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
No caso sub judice, o pedido formulado em juízo foi de anulação do despacho por que a execução fiscal reverteu contra a impetrante, pelo que o meio processual adequado seria a oposição à execução fiscal, como bem decidiu a sentença recorrida. De igual modo, bem andou a sentença ao considerar inviável a sanação da nulidade por erro na forma do processo, uma vez que na data em que a petição inicial deu entrada em juízo estava já precludido o prazo para deduzir oposição (A doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que, para efectuar a convolação, é necessário que seja viável o prosseguimento do processo na forma processual adequada, designadamente que a petição inicial tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual. Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume II, anotação 10 d) ao art. 98.º, págs. 91/92.), como decorre inequivocamente dos factos referidos em 2.1 do disposto no art. 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.
Aliás, a Recorrente parece não discordar directamente dessa decisão (ou sequer da impossibilidade de sanação da nulidade por erro na forma do processo). A discordância da Recorrente é na parte em que a sentença, indagando se os fundamentos invocados na petição inicial eram próprios da oposição à execução fiscal, a fim de indagar da possibilidade de fazer prosseguir a acção sob essa forma processual, concluiu que sim, que os fundamentos invocados, com excepção da nulidade da citação, eram todos eles e em exclusivo fundamentos de oposição. Conclusão que está de acordo com a jurisprudência assente por este Supremo Tribunal Administrativo, de que a legalidade do despacho de reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários deve ser discutida em juízo em sede de oposição à execução fiscal, e não de impugnação judicial (Vide, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Julho de 2011, proferido no processo com o n.º 358/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fb3259b7cbaae3ce802578da003a7426?OpenDocument;
- de 19 de Outubro de 2011, proferido no processo com o n.º 705/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2fee22e92a06220880257935002f7df5?OpenDocument;
- de 10/11/2011, proferido no processo com o n.º 681/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d1a730642f5e5544802579510053d871?OpenDocument.).
É quanto a este ponto que a Recorrente discorda da sentença, sustentando que também aduziu fundamentos próprios da impugnação judicial, quais sejam a nulidade da citação e a falta de notificação da sociedade originária devedora para o exercício do direito de audiência prévia à liquidação. Note-se que, embora nas conclusões apenas seja feita uma referência genérica à «ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO EXEQUENDA», lida a motivação do recurso podemos verificar que a ilegalidade a que a Recorrente se reporta é a decorrente da violação do princípio de audiência prévia porque a sociedade originária devedora «não terá sido ouvida no procedimento administrativo que conduziu à prolação das liquidações exequendas, em sede de audiência prévia» (cfr. itens 22., 23. e 24. das alegações). É certo que, nos itens 28. a 33. das alegações encontramos também uma alusão à caducidade do direito de liquidação que, em abstracto, pode também constituir fundamento de impugnação judicial. No entanto, naqueles itens não encontramos a imputação de qualquer vício ou erro de julgamento à sentença, nem sequer, verdadeiramente, aí se assaca às liquidações qualquer invalidade decorrente da caducidade do direito à liquidação; como resulta da leitura daqueles itens, a Recorrente aí se limitou a aduzir considerandos genéricos em torno do instituto da caducidade do direito à liquidação, sem nunca, directa ou indirectamente, imputar às liquidações o vício decorrente da sua realização para além do termo do prazo da caducidade ou outro qualquer vício relacionada com a caducidade.
Ou seja, a Recorrente entende que invocou na petição inicial causas de pedir próprias do processo de impugnação judicial.
É certo que o pedido formulado naquela peça processual não é, manifestamente, adequado ao processo de impugnação judicial. Mas, este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas se possa intuir qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica (Justificando esse entendimento, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação ... ao art. ... .º, pág. ). O que, no caso sub judice significa que, ainda que não tenha sido formulado expressamente o pedido de anulação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas, não seria de excluir liminarmente a possibilidade de se interpretar o pedido nesse sentido, caso se pudesse concluir que as causas de pedir invocadas são típicas do processo de impugnação judicial.
Mas não é isso que sucede.
Desde logo porque, com excepção da invocada nulidade da citação, as causas de pedir invocadas na petição inicial são exclusivamente próprias do processo de oposição à execução fiscal, a saber: o incumprimento do dever de audiência prévia ao despacho de reversão; a falta dos pressupostos para a sua responsabilização a título subsidiário pelas dívidas exequendas, designadamente a culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas; a falta de verificação dos pressupostos para a reversão, designadamente a não comprovação da insuficiência do património da originária devedora e a falta de fundamentação do despacho de reversão.
Na petição inicial não foi invocada qualquer invalidade dos actos de liquidação que pudesse constituir causa de pedir válida em processo de impugnação judicial. Ao contrário do que parece entender a Recorrente, a nulidade da citação (no caso, por falta de observância das respectivas formalidades) nunca pode constituir fundamento de impugnação judicial, como decorre da simples leitura do art. 99.º do CPPT. Poderá, isso sim, ser arguida na própria execução fiscal e dentro do prazo que tenha sido assinalado para a oposição, sendo que apenas será atendida se puder prejudicar a defesa do citado (cfr. art. 198.º, n.º 2 e 4, do Código de Processo Civil).
Por outro lado, sendo certo que a ilegalidade decorrente da falta de audiência da sociedade originária devedora no âmbito do procedimento que conduziu às liquidações constitui fundamento válido de impugnação judicial (cfr. art. 99.º, alínea d), do CPPT), este fundamento só foi invocado pela primeira vez em sede de recurso. Ora, como é sabido, o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso.
Porque a ora Recorrente não invocou oportunamente o referido vício de forma por falta de audiência prévia da sociedade originária devedora no procedimento que conduziu às liquidações que estão na origem das dívidas exequendas, de modo a permitir que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre o mesmo, e porque não se trata de questão de conhecimento oficioso, não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo dele conhecer.
Assim, porque não foi invocada oportunamente, ou seja, na petição inicial, causa de pedir que possa constituir fundamento válido de impugnação judicial, nunca o pedido aí formulado poderia ser interpretado como sendo de anulação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas.
Por tudo o que ficou dito, o recurso não pode proceder, sendo de manter a sentença recorrida com a presente fundamentação.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A sentença constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do Código Civil­, as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1º, daquele código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação.
II - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
III - Apesar deste Supremo Tribunal Administrativo ter vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica, não é de ponderar a possibilidade de interpretar como de anulação da liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda o pedido de que seja declarada a nulidade do despacho de reversão, tanto mais quanto na petição inicial não foi invocada qualquer invalidade daquele acto de liquidação que pudesse constituir causa de pedir válida em processo de impugnação judicial, mas antes fundamentos próprios de oposição à execução fiscal.
IV - Nunca poderia sindicar-se a decisão do tribunal a quo à luz de uma causa de pedir – a preterição do dever de audiência prévia à liquidação – que, embora em abstracto seja ajustada ao processo de impugnação judicial, não é do conhecimento oficioso e apenas foi invocada nas alegações de recurso.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, mantendo a decisão com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.