Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0345/14 |
Data do Acordão: | 04/08/2015 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVERSÃO FUNDAMENTAÇÃO ÓNUS DE PROVA |
Sumário: | I - Deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível. II - A responsabilidade do gerente que se manteve na gerência da sociedade executada, conforme decorre do documento do registo comercial que instruiu o procedimento para reversão da execução fiscal e no qual se apoia o despacho de reversão, não pode deixar de ser aquela a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e que encontra expressão na afirmação feita nesse despacho de que «o sócio-gerente acima identificado exerceu de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA dos anos de 2001 a 2004 conforme certidão da narrativa da Conservatória do Registo Comercial [...]», pelo que, não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão se encontra fundamentado de direito, apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do art. 24.º da LGT em que se apoia. |
Nº Convencional: | JSTA000P18795 |
Nº do Documento: | SA2201504080345 |
Data de Entrada: | 03/20/2014 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1560/06.8BEVIS 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, com fundamento na falta de prova da culpa do responsável subsidiário, julgou procedente a oposição deduzida por A………….. (a seguir Executado por reversão, Oponente ou Recorrido) à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), reverteu contra ele. 1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.): «a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente e provada a oposição em epígrafe, respeitante a IVA e IRC, por falta de prova da culpa do oponente – ónus que, segundo a apreciação realizada pelo Mmo Juiz do Tribunal “a quo”, incumbia à Administração Fiscal nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT; b) Entende, todavia, a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida cometeu erro de julgamento de direito ao considerar que, não constando do despacho de reversão a concreta alínea da norma jurídica que sustenta a reversão, a subsumiu à alínea a) do art. 24.º da LGT; c) Na situação dos autos, embora efectivamente não conste do despacho de reversão [ponto i) da factualidade considerada provada] em que alínea do n.º 1 do art. 24.º da LGT se suportou a reversão, do mesmo consta que: “O sócio-gerente acima identificado exerceu, de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA de 2001, conforme certidão narrativa da Conservatória do Registo Comercial de Viseu, fls. 130-132”; c) Referência evidente à alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT – considerando a alusão ao exercício das funções de gerência no período a que as dívidas respeitam, articulado com o facto de não ter ocorrido qualquer alteração na gerência da devedora originária – de salientar que o oponente não questiona, nos presentes autos, o exercício das funções de gerência que o órgão de execução fiscal lhe imputa no despacho de reversão; e) Ora reportando-se o órgão de execução fiscal ao exercício das funções de gerência do oponente no período a que as dívidas respeitam, articulado com o facto de não ter ocorrido qualquer alteração na gerência da devedora originária, é manifesto que tal significa que o exercício da gerência abrangeu os períodos em que se inscreveram os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (nos termos do art. 24.º n.º 1 al. b) da LGT); f) Não fazendo qualquer sentido a interpretação sufragada pelo Mmo Juiz [do Tribunal] “a quo” ao subsumir tal factualidade na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, o que evidencia o erro de julgamento da douta decisão recorrida, pois que em lado algum do despacho de reversão consta que o oponente apenas foi gerente da devedora originária aquando do facto constitutivo e já não aquando do prazo legal de pagamento – para tal seria necessário a cessação das funções de gerência que nem o órgão de execução fiscal lhe imputa nem o oponente o invoca; g) Imputando o órgão de execução fiscal a gerência no período a que respeitam as dívidas e inexistindo qualquer cessação das funções de gerência, conforme resulta da certidão da conservatória que instruiu o procedimento de reversão – facto não contestado pelo oponente – inexiste fundamento legal para o enquadrar tal situação na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, neste sentido vide Acórdão do STA de 14-02-2013, recurso 0642/12; h) Nem para o efeito se invoque que o oponente subsumiu tal factualidade na alínea a) do art. 24.º da LGT, pois o quadro jurídico que sustentou a reversão era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, considerando que o oponente sabia – nem sequer questionou – que era o gerente da devedora originária aquando do pagamento das dívidas exequendas e não apenas na data do facto constitutivo; i) Tendo conhecimento de tal facto – de ser gerente aquando do pagamento das dívidas exequendas, já que não podia deixar de saber que havia exercido, de forma ininterrupta, a gerência da sociedade – e reportando-se o órgão de execução fiscal ao exercício das funções de gerência “no período a que as dívidas respeitam”, de conformidade com o registo comercial que instruiu o procedimento de reversão, o oponente ficou em condições/tinha obrigação de saber o quadro jurídico considerado – o regime previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e não o da alínea a) do mencionado normativo. j) Isto é, o oponente sabendo que era o gerente da devedora originária aquando do pagamento das dívidas em execução (aliás, circunstância reforçada no despacho de reversão, como atrás se fez referência) estava em condições de subsumir tal factualidade na alínea b) e não na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT – anote-se que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, art. 6.º do Código Civil. k) Ao subsumir a reversão realizada nos autos na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT – com as legais consequências ao nível do ónus da prova na insuficiência patrimonial da devedora originária – incorreu, pois, a douta sentença recorrida em erro de julgamento de direito, fundamento do presente recurso. Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências». 1.3 O Recorrido não contra alegou. 1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e «substituída por acórdão declaratório da improcedência da oposição à execução», nos seguintes termos: «1. O despacho de reversão proferido em 21 Julho 2006 indica, designadamente, o art. 24.º LGT como fundamento normativo da responsabilidade subsidiária do revertido pelas dívidas em cobrança no período da sua gerência de facto e de direito (probatório al. I), fls. 107). 2. Num quadro fáctico em que a gerência foi exercida pelo oponente, sem interrupção, desde a constituição da sociedade, devedora originária, o inciso no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança deve ser interpretado com o sentido de que o exercício da gerência abrangeu os períodos em que se inscreveram os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (art. 24.º n.º 1 al. b) LGT; probatório al. L); no sentido propugnado cf. acórdão STA-SCT 14.02.2013 processo n.º 642/12). 1.5 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos. 1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu fez correcto julgamento quando, com a argumentação de que «em face do teor do despacho de reversão, em que se concluiu pela responsabilização do ora Oponente por ter exercido a gerência “no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança”, deve entender-se, [...] que foi feito um juízo de subsunção da factualidade apurada [...] na previsão legal da norma constante da alínea a) do artigo 24.º [...]» e que, por isso, «competia à AT demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada era imputável, a título de culpa, ao aqui Oponente», concluiu pela procedência da oposição porque no despacho de reversão «nada foi alegado quanto à existência de culpa por parte do Oponente». * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deu como provados os seguintes factos: «A) Contra a sociedade B……….., LDA., foi instaurado no Serviço de Finanças de Viseu-1 a execução fiscal n.º 2720200501020331 e apensos para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 2001 e IVA dos anos de 2001, 2002 e 2004, no montante global de € 47.961,76 – cfr. fls. 21 e ss. dos autos. B) Em 20.09.2004, foi lavrado auto de penhora de bens da referida Sociedade, descritos no anexo de fls. 30 e ss. dos autos e cujo teor se da aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 28/29 dos autos. C) Em 27.10.2005, o encarregado da venda veio aos autos de execução fiscal comunicar que “após várias diligências encetadas com vista à venda dos bens constantes do auto de penhora discriminativo dos bens penhorados à executada em referência, fui informado pelo sócio gerente da executada, Sr. A………… da inexistência dos mesmos” – cfr. fls. 40 dos autos. D) Por ofício datado de 25.11.2005 o Chefe de Finanças participou a situação ocorrida ao Ministério Público, para efeitos de procedimento criminal – cfr. fls. 41 dos autos. E) Por despacho de 29.03.2006, o Ministério Público considerou que os elementos probatórios eram insuficientes para acusar o arguido, aqui Oponente, pelo crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sobre o poder público, decidindo pelo arquivamento dos autos – cfr. fls. 42/43 dos autos. F) Na fundamentação do despacho referido na alínea anterior escreveu-se o seguinte: “Ouvido o encarregado de venda, o mesmo disse que contactou o fiel depositário, o qual referiu não possuir tais bens, visto que, na altura em que indicou os mesmos às Finanças já não os possuía, tendo feito tal indicação para assim poder negociar com as Finanças, para efectuar o pagamento da dívida em prestações. G) Em 19.06.2006, foi lavrado projecto de reversão da execução fiscal contra o ora Oponente – cfr. fls. 44 e ss. dos autos. H) Por requerimento apresentado em 03.07.2006, subscrito pessoalmente pelo aqui Oponente, este veio exercer o direito de audição, pugnando pela suspensão do procedimento de reversão, até liquidação do activo da sociedade devedora do crédito à executada principal – cfr. fls. 48 e ss. dos autos. I) Em 21.07.2006, foi proferido despacho de reversão, do qual se extrai o seguinte: «Através da análise do presente processo, constata-se a insuficiência/inexistência de bens, pertencentes à originária devedora, B…………, Lda., NIPC ……………., com sede na Rua …………., …………, ………. 3500-……… Viseu, que garantem o pagamento da dívida exequenda e acrescido. ▪ PONTO 1 DA PETIÇÃO: alega que a reversão das dívidas fiscais contra os gerentes só pode ocorrer depois de comprovada a insuficiência de bens da devedora originária. ▪ PONTO 2 e 3 DA PETIÇÃO: alega que a executada originária é detentora de um crédito elevado sobre a Firma “C…………….., Lda.”, crédito esse penhorável. ▪ PONTO 4 DA PETIÇÃO: alega que existem bens arrestados e penhorados à executada, apreendidos no Processo de Insolvência que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu. Deste modo, face aos documentos constantes do processo, concluímos que: ORDENO A REVERSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL, contra o subsidiário responsável A…………. (acima melhor identificado), relativamente às dividas acima descritas, no valor global de € 47.961,76 e acrescido, e que está na base da instauração do processo de execução fiscal n.º 22720200301015788 e apensos» (cfr. fls. 66 e ss. dos autos). J) Em 03.08.2006, o Oponente foi citado para a execução, através de carta registada, com aviso de recepção – cfr. fls. 69 e 70 dos autos. L) O Oponente consta no registo comercial como gerente da sociedade executada desde a sua constituição, levada a registo em 05.06.1995 – cfr. fls. 15 e ss. dos autos». 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR O ora Recorrido veio deduzir oposição a uma execução fiscal que instaurada contra um sociedade para cobrança de dívidas provenientes de IVA dos anos de 2001, 2002 e 2004 e de IRC do ano de 2001, reverteu contra ele por ter sido considerado pelo órgão da execução fiscal como responsável subsidiário. 2.2.2 DO DESPACHO DE REVERSÃO – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO – DISTRIBUIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA A questão a dirimir foi recentemente decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo. Foi-o mediante acórdão de 12 de Fevereiro de 2015, proferido por esta Secção de Contencioso Tributário no processo 1860/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em «[…] Sob a epígrafe «Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis Técnicos» o n.º 1 do art. 24.º da LGT dispõe o seguinte: «1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: Da leitura do preceito resulta, assim, que, enquanto na al. a) não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando, por isso, a cargo da Fazenda Pública, o ónus de provar que tenha sido por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias, já na al. b) se onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento [(Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se porque o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento; assim, só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário [alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT]. Já no caso da alínea b) da mesma norma legal, porque o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que não tem culpa pela insuficiência do património da originária devedora para pagamento dessas dívidas.)]. […] No caso, a sentença recorrida considerou que «em face do teor do despacho de reversão, em que se concluiu pela responsabilização do ora Oponente por ter exercido a gerência “no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança”, deve entender-se, (...) que foi feito um juízo de subsunção da factualidade apurada – (...) – na previsão legal da norma constante da alínea a) do artigo 24.º (…)» e que, deste modo, «competia à AT demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada era imputável, a título de culpa, ao aqui Oponente», constatando-se do despacho de reversão «que nada foi alegado quanto à existência de culpa por parte do Oponente». Por estas razões, que subscrevemos na íntegra, também o presente recurso será provido e, em consequência, a sentença será revogada. Perante a revogação da sentença recorrida – na qual se exarou que, face à solução do pleito, «resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na petição inicial» (crê-se que a sentença se reporte à questão da alegada divergência acerca do valor certificado das dívidas de IVA, de acordo com a alegação dos itens 15.º a 17.º da petição inicial) e não podendo este Supremo Tribunal Administrativo conhecer da mencionada questão porquanto, além do mais, tal implicaria apreciação de matéria de facto, o que não cabe a este Tribunal de revista (A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos recursos interpostos directamente das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância, apenas tem competência para conhecer de matéria de direito (cfr. arts. 12.º, n.º 5, 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT).), impõe-se que os autos baixem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para conhecimento desse invocado fundamento da oposição, se a tanto outras razões não obstarem. 2.2.3 CONCLUSÕES * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no que respeita ao fundamento agora julgado improcedente e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí serem conhecidos os demais fundamentos que a sentença considerou prejudicados. Custas pelo Oponente, mas apenas em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso. * Lisboa, 8 de Abril de 2015. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves. |