Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0345/14
Data do Acordão:04/08/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.
II - A responsabilidade do gerente que se manteve na gerência da sociedade executada, conforme decorre do documento do registo comercial que instruiu o procedimento para reversão da execução fiscal e no qual se apoia o despacho de reversão, não pode deixar de ser aquela a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e que encontra expressão na afirmação feita nesse despacho de que «o sócio-gerente acima identificado exerceu de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA dos anos de 2001 a 2004 conforme certidão da narrativa da Conservatória do Registo Comercial [...]», pelo que, não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão se encontra fundamentado de direito, apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do art. 24.º da LGT em que se apoia.
Nº Convencional:JSTA000P18795
Nº do Documento:SA2201504080345
Data de Entrada:03/20/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1560/06.8BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, com fundamento na falta de prova da culpa do responsável subsidiário, julgou procedente a oposição deduzida por A………….. (a seguir Executado por reversão, Oponente ou Recorrido) à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), reverteu contra ele.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente e provada a oposição em epígrafe, respeitante a IVA e IRC, por falta de prova da culpa do oponente – ónus que, segundo a apreciação realizada pelo Mmo Juiz do Tribunal “a quo”, incumbia à Administração Fiscal nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT;

b) Entende, todavia, a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida cometeu erro de julgamento de direito ao considerar que, não constando do despacho de reversão a concreta alínea da norma jurídica que sustenta a reversão, a subsumiu à alínea a) do art. 24.º da LGT;

c) Na situação dos autos, embora efectivamente não conste do despacho de reversão [ponto i) da factualidade considerada provada] em que alínea do n.º 1 do art. 24.º da LGT se suportou a reversão, do mesmo consta que: “O sócio-gerente acima identificado exerceu, de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA de 2001, conforme certidão narrativa da Conservatória do Registo Comercial de Viseu, fls. 130-132”;

c) Referência evidente à alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT – considerando a alusão ao exercício das funções de gerência no período a que as dívidas respeitam, articulado com o facto de não ter ocorrido qualquer alteração na gerência da devedora originária – de salientar que o oponente não questiona, nos presentes autos, o exercício das funções de gerência que o órgão de execução fiscal lhe imputa no despacho de reversão;

e) Ora reportando-se o órgão de execução fiscal ao exercício das funções de gerência do oponente no período a que as dívidas respeitam, articulado com o facto de não ter ocorrido qualquer alteração na gerência da devedora originária, é manifesto que tal significa que o exercício da gerência abrangeu os períodos em que se inscreveram os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (nos termos do art. 24.º n.º 1 al. b) da LGT);

f) Não fazendo qualquer sentido a interpretação sufragada pelo Mmo Juiz [do Tribunal] “a quo” ao subsumir tal factualidade na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, o que evidencia o erro de julgamento da douta decisão recorrida, pois que em lado algum do despacho de reversão consta que o oponente apenas foi gerente da devedora originária aquando do facto constitutivo e já não aquando do prazo legal de pagamento – para tal seria necessário a cessação das funções de gerência que nem o órgão de execução fiscal lhe imputa nem o oponente o invoca;

g) Imputando o órgão de execução fiscal a gerência no período a que respeitam as dívidas e inexistindo qualquer cessação das funções de gerência, conforme resulta da certidão da conservatória que instruiu o procedimento de reversão – facto não contestado pelo oponente – inexiste fundamento legal para o enquadrar tal situação na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, neste sentido vide Acórdão do STA de 14-02-2013, recurso 0642/12;

h) Nem para o efeito se invoque que o oponente subsumiu tal factualidade na alínea a) do art. 24.º da LGT, pois o quadro jurídico que sustentou a reversão era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, considerando que o oponente sabia – nem sequer questionou – que era o gerente da devedora originária aquando do pagamento das dívidas exequendas e não apenas na data do facto constitutivo;

i) Tendo conhecimento de tal facto – de ser gerente aquando do pagamento das dívidas exequendas, já que não podia deixar de saber que havia exercido, de forma ininterrupta, a gerência da sociedade – e reportando-se o órgão de execução fiscal ao exercício das funções de gerência “no período a que as dívidas respeitam”, de conformidade com o registo comercial que instruiu o procedimento de reversão, o oponente ficou em condições/tinha obrigação de saber o quadro jurídico considerado – o regime previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e não o da alínea a) do mencionado normativo.

j) Isto é, o oponente sabendo que era o gerente da devedora originária aquando do pagamento das dívidas em execução (aliás, circunstância reforçada no despacho de reversão, como atrás se fez referência) estava em condições de subsumir tal factualidade na alínea b) e não na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT – anote-se que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, art. 6.º do Código Civil.

k) Ao subsumir a reversão realizada nos autos na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT – com as legais consequências ao nível do ónus da prova na insuficiência patrimonial da devedora originária – incorreu, pois, a douta sentença recorrida em erro de julgamento de direito, fundamento do presente recurso.

Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências».

1.3 O Recorrido não contra alegou.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e «substituída por acórdão declaratório da improcedência da oposição à execução», nos seguintes termos:

«1. O despacho de reversão proferido em 21 Julho 2006 indica, designadamente, o art. 24.º LGT como fundamento normativo da responsabilidade subsidiária do revertido pelas dívidas em cobrança no período da sua gerência de facto e de direito (probatório al. I), fls. 107).
A imprecisão na indicação do fundamento normativo da reversão não atinge a validade do acto administrativo porque:
a) foi irrelevante para o exercício do direito de defesa;
b) o oponente não suscitou a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão.

2. Num quadro fáctico em que a gerência foi exercida pelo oponente, sem interrupção, desde a constituição da sociedade, devedora originária, o inciso no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança deve ser interpretado com o sentido de que o exercício da gerência abrangeu os períodos em que se inscreveram os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (art. 24.º n.º 1 al. b) LGT; probatório al. L); no sentido propugnado cf. acórdão STA-SCT 14.02.2013 processo n.º 642/12).
Não tendo o oponente provado que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas nos prazos legais (como lhe incumbia segundo as regras de repartição do ónus da prova), deve suportar a consequência jurídica do incumprimento desse ónus, traduzida na sua responsabilidade subsidiária por aquele pagamento».

1.5 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu fez correcto julgamento quando, com a argumentação de que «em face do teor do despacho de reversão, em que se concluiu pela responsabilização do ora Oponente por ter exercido a gerência “no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança”, deve entender-se, [...] que foi feito um juízo de subsunção da factualidade apurada [...] na previsão legal da norma constante da alínea a) do artigo 24.º [...]» e que, por isso, «competia à AT demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada era imputável, a título de culpa, ao aqui Oponente», concluiu pela procedência da oposição porque no despacho de reversão «nada foi alegado quanto à existência de culpa por parte do Oponente».


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deu como provados os seguintes factos:

«A) Contra a sociedade B……….., LDA., foi instaurado no Serviço de Finanças de Viseu-1 a execução fiscal n.º 2720200501020331 e apensos para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 2001 e IVA dos anos de 2001, 2002 e 2004, no montante global de € 47.961,76 – cfr. fls. 21 e ss. dos autos.

B) Em 20.09.2004, foi lavrado auto de penhora de bens da referida Sociedade, descritos no anexo de fls. 30 e ss. dos autos e cujo teor se da aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 28/29 dos autos.

C) Em 27.10.2005, o encarregado da venda veio aos autos de execução fiscal comunicar que “após várias diligências encetadas com vista à venda dos bens constantes do auto de penhora discriminativo dos bens penhorados à executada em referência, fui informado pelo sócio gerente da executada, Sr. A………… da inexistência dos mesmos” – cfr. fls. 40 dos autos.

D) Por ofício datado de 25.11.2005 o Chefe de Finanças participou a situação ocorrida ao Ministério Público, para efeitos de procedimento criminal – cfr. fls. 41 dos autos.

E) Por despacho de 29.03.2006, o Ministério Público considerou que os elementos probatórios eram insuficientes para acusar o arguido, aqui Oponente, pelo crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sobre o poder público, decidindo pelo arquivamento dos autos – cfr. fls. 42/43 dos autos.

F) Na fundamentação do despacho referido na alínea anterior escreveu-se o seguinte:

Ouvido o encarregado de venda, o mesmo disse que contactou o fiel depositário, o qual referiu não possuir tais bens, visto que, na altura em que indicou os mesmos às Finanças já não os possuía, tendo feito tal indicação para assim poder negociar com as Finanças, para efectuar o pagamento da dívida em prestações.
Inquirido o escrivão do Serviço de Finanças que elaborou o Auto de Penhora em causa, referiu que a relação de bens fls. 8-11, anexa ao Auto de penhora, foi elaborada pelo representante legal da executada. Afirmou que ele não conferiu os bens com as ditas Relações, dado o grande número dos mesmos. Que esteve na sede da executada, onde viu diversos bens, nomeadamente alguns constantes do Auto”.

G) Em 19.06.2006, foi lavrado projecto de reversão da execução fiscal contra o ora Oponente – cfr. fls. 44 e ss. dos autos.

H) Por requerimento apresentado em 03.07.2006, subscrito pessoalmente pelo aqui Oponente, este veio exercer o direito de audição, pugnando pela suspensão do procedimento de reversão, até liquidação do activo da sociedade devedora do crédito à executada principal – cfr. fls. 48 e ss. dos autos.

I) Em 21.07.2006, foi proferido despacho de reversão, do qual se extrai o seguinte:

«Através da análise do presente processo, constata-se a insuficiência/inexistência de bens, pertencentes à originária devedora, B…………, Lda., NIPC ……………., com sede na Rua …………., …………, ………. 3500-……… Viseu, que garantem o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Assim, em 2006/06/19, foi proferido despacho para reversão da presente execução contra o seguinte sócio-gerente:
- A…………., NIF …………, divorciado e residente na Rua ……….., ….., ……… 3500-……… Viseu, como sendo subsidiário responsável por toda a dívida exequenda, que está na origem da instauração do presente procedimento executivo.
Notificado para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 23.º e 26.º da L.G.T. (Lei Geral Tributária), o sócio-gerente supra mencionado veio exercer, por escrito, o seu direito de audição, pelo que importa agora apreciar tudo o que foi alegado pelo mesmo.

PONTO 1 DA PETIÇÃO: alega que a reversão das dívidas fiscais contra os gerentes só pode ocorrer depois de comprovada a insuficiência de bens da devedora originária.
. Ora, foi com base nesse pressuposto, isto é, de inexistência/insuficiência de bens da devedora originária, a executada “B…………”, que foi elaborado o despacho para reversão do sócio-gerente A………….., cfr. Artigos 23 e 24 da L.G.T e Art. 153, n.º 2 do C.P.P.T. (Código de Procedimento e de Processo Tributário).
. Com efeito, e após averiguações diversas no âmbito do presente processo de execução fiscal, concluiu-se pela inexistência de bens da executada originária “B…………., Lda.” para fazer face ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, isto porque, conforme informação prestada a fls. 141, sobre as cinco viaturas ligeiras de mercadorias existentes em nome da devedora originário, existe reserva de propriedade, cfr. fls. 135 a 140, bem como informação prestada pelo sócio-gerente, a fls. 80.
. Mais acresce que, embora tenha sido efectuada penhora em 20 de Setembro de 2004 sobre diversos bens da devedora originária, cfr. fls. 26 a 31, a mesma se mostrou infrutífera, em virtude desses bens terem sido vendidos pela executada originária, tendo em conta a informação prestada pelo sócio-gerente ao negociador particular, cfr. fls. 96 e 98.
. Assim e sendo desconhecida a existência de quaisquer outros bens em nome da devedora originária, seguiu-se os termos previstos nos já citados Artigos 23 e 24 da L.G.T. e 153, nº 2 do C.P.P.T.

PONTO 2 e 3 DA PETIÇÃO: alega que a executada originária é detentora de um crédito elevado sobre a Firma “C…………….., Lda.”, crédito esse penhorável.
. Conforme averiguações, a firma “C…………., Lda.”, encontra-se falida, com sentença decretada em 17 de Março de 2005, pelo que, não lhe é possível proceder ao pagamento das dívidas nomeadamente satisfazer o crédito que a firma “B………..”, aqui devedora originária, diz deter sobre ela.
. Acresce que, em virtude da tempo já decorrido desde a sentença que decretou a falência, somos forçados a concluir que a aqui devedora originária não satisfará o seu crédito em tempo útil, pelo que os presentes autos de execução fiscal devem prosseguir, por reversão, contra o sócio-gerente da mesma, a fim de se poder satisfazer a dívida exequenda.

PONTO 4 DA PETIÇÃO: alega que existem bens arrestados e penhorados à executada, apreendidos no Processo de Insolvência que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.
. Não indica que bens são esses, nem se os mesmos são suficientes para satisfazer a dívida exequenda.

Deste modo, face aos documentos constantes do processo, concluímos que:
O sócio-gerente acima identificado exerceu, de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA de 2001, conforme certidão narrativa da Conservatória do Registo Comercial de Viseu, fls. 130- 132.
Assim, constatada a insuficiência/inexistência de bens da originária devedora e tendo como fundamento legal o disposto no Art. 23 da LGT e Art. 153, nº 2, alínea a), do C.P.P.T.,


ORDENO A REVERSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL,

contra o subsidiário responsável A…………. (acima melhor identificado), relativamente às dividas acima descritas, no valor global de € 47.961,76 e acrescido, e que está na base da instauração do processo de execução fiscal n.º 22720200301015788 e apensos»

(cfr. fls. 66 e ss. dos autos).

J) Em 03.08.2006, o Oponente foi citado para a execução, através de carta registada, com aviso de recepção – cfr. fls. 69 e 70 dos autos.

L) O Oponente consta no registo comercial como gerente da sociedade executada desde a sua constituição, levada a registo em 05.06.1995 – cfr. fls. 15 e ss. dos autos».

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrido veio deduzir oposição a uma execução fiscal que instaurada contra um sociedade para cobrança de dívidas provenientes de IVA dos anos de 2001, 2002 e 2004 e de IRC do ano de 2001, reverteu contra ele por ter sido considerado pelo órgão da execução fiscal como responsável subsidiário.
A sentença recorrida julgou a oposição procedente. Em síntese, considerou que, atento o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), e face ao teor do despacho de reversão – em que se concluiu pela responsabilização do oponente por ter exercido a gerência «no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança» –, deve entender-se que foi feito um juízo de subsunção da factualidade apurada na previsão legal da norma constante da alínea a) do citado art. 24.º da LGT, pelo que competia à AT demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada era imputável, a título de culpa, ao Oponente.
Ora, prosseguiu a sentença, no despacho de reversão nada foi alegado quanto à existência de culpa por parte do Oponente, sendo que apesar de a Fazenda Pública alegar que o mesmo, na fase da penhora dos bens da sociedade devedora originária, assumiu a responsabilidade pela dita insuficiência de bens, tal entendimento não pode ser acolhido: por um lado, porque o alegado comportamento culposo, constituindo um pressuposto da reversão, devia ter sido explicitado no despacho de reversão; por outro lado, porque a matéria de facto apurada [cfr. alíneas B) a F)] não permite concluir que o oponente dissipou bens da devedora originária ou que “confessou” ser responsável, a título de culpa, pela insuficiência de bens da devedora originária. Concluiu que não estão reunidos todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária previstos no art. 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT.
A Fazenda Pública não se conforma com a sentença, imputando-lhe erro de julgamento por violação do disposto no art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, pois entende que a situação dos autos também se subsume à previsão desta alínea.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu fez correcto julgamento ao, considerando que «em face do teor do despacho de reversão, em que se concluiu pela responsabilização do ora Oponente por ter exercido a gerência “no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança”, deve entender-se, [...] que foi feito um juízo de subsunção da factualidade apurada [...] na previsão legal da norma constante da alínea a) do artigo 24.º [...]» e que, por isso, «competia à AT demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada era imputável, a título de culpa, ao aqui Oponente», ter concluído pela procedência da oposição porque no despacho de reversão «nada foi alegado quanto à existência de culpa por parte do Oponente».
Ou seja, a questão a decidir é a de saber se à responsabilidade do gerente pelas dívidas exequendas – que reverteram contra o ora Recorrido –, provenientes de IVA dos anos de 2001, 2002 e 2004 e de IRC do ano de 2001, se aplica o regime da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, ou se, pelo contrário, se aplica o regime da alínea b) do mesmo normativo.

2.2.2 DO DESPACHO DE REVERSÃO – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO – DISTRIBUIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA

A questão a dirimir foi recentemente decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Foi-o mediante acórdão de 12 de Fevereiro de 2015, proferido por esta Secção de Contencioso Tributário no processo 1860/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1ed890f0ea15026f80257df60050b644?OpenDocument.), em recurso também interposto pela Fazenda Pública no âmbito de uma oposição deduzida pelo mesmo Executado por reversão a uma outra execução fiscal e em que a situação é em tudo idêntica à dos presentes autos.
Assim, porque concordamos plenamente com a fundamentação que nesse acórdão foi expendida, vamos limitar-nos a remeter para o mesmo; passamos a citar, permitindo-nos apenas introduzir as alterações requeridas pelas circunstâncias do caso sub judice:

«[…] Sob a epígrafe «Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis Técnicos» o n.º 1 do art. 24.º da LGT dispõe o seguinte:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.»

Da leitura do preceito resulta, assim, que, enquanto na al. a) não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando, por isso, a cargo da Fazenda Pública, o ónus de provar que tenha sido por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias, já na al. b) se onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento [(Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se porque o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento; assim, só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário [alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT]. Já no caso da alínea b) da mesma norma legal, porque o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que não tem culpa pela insuficiência do património da originária devedora para pagamento dessas dívidas.)].

[…] No caso, a sentença recorrida considerou que «em face do teor do despacho de reversão, em que se concluiu pela responsabilização do ora Oponente por ter exercido a gerência “no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança”, deve entender-se, (...) que foi feito um juízo de subsunção da factualidade apurada – (...) – na previsão legal da norma constante da alínea a) do artigo 24.º (…)» e que, deste modo, «competia à AT demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada era imputável, a título de culpa, ao aqui Oponente», constatando-se do despacho de reversão «que nada foi alegado quanto à existência de culpa por parte do Oponente».
Todavia, como aponta o MP, não se afigura que a matéria de facto julgada provada conduza ao entendimento de que no despacho de reversão se contém um juízo de subsunção da factualidade apurada na previsão legal da norma constante da al. a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.
Em relação à fundamentação de direito, a jurisprudência do STA (cfr., entre outros, o acórdão de 27/5/2003, proc. n.º 1835/02) [ (Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Julho de 2004 (http://dre.pt/pdfgratisac/2003/32122.pdf), págs. 4491 a 4497, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/98dc0a592220229980256d400038858a?OpenDocument.)] tem vindo a considerar que tal fundamentação se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível, impondo-se a verificação de duas condições: que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto e que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.
Ora, no caso vertente, os elementos constantes dos autos e a materialidade vertida no probatório da sentença permitem concluir que estas condições se encontram reunidas.
Com efeito, constando do despacho que «o sócio-gerente acima identificado exerceu, de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA – 2001 a 2004 – conforme certidão do narrativa da Conservatória do Registo Comercial de Viseu, fls. 130-132» então, como a recorrente refere (Conclusão e) do recurso) «reportando-se o órgão da execução fiscal ao exercício das funções de gerência no período a que as dívidas respeitam, articulado com o facto de não ter ocorrido qualquer alteração na gerência da devedora originária, é manifesto que tal significa que o exercício da gerência abrangeu os períodos em que se inscreveram os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (nos termos do art. 24.º n.º 1 al. b) da LGT)” – cfr. o ponto I) e a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Viseu para a qual se remete (junta a fls. 15 e segs).»
Não subsistindo, pois, qualquer dúvida de que o oponente exerceu a gerência da executada nos dois momentos a que se referem as als. a) e b) do n.º 1, do art. 24.º, da LGT, o que como salienta a recorrente, aquele não questionou. Daí que, terminando o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas de IVA e IRC exequendas no período do exercício da gerência do oponente, ora recorrido, incidia sobre este o ónus da prova de que a falta de pagamento dessas dívidas não lhe era imputável (e daí que não seja, no caso, aplicável a jurisprudência do ac. do STA, de 17/4/2013, proc. n.º 01191/12, citado na sentença recorrida).
Aliás, em situação e termos semelhantes, também no acórdão desta Secção do STA, de 14/2/2013, no proc. n.º 0642/12 [(Public. no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 784 a 790, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b7ee0a8b285f0fe980257b260051525a?OpenDocument.)], se decidiu que deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível, sendo que a responsabilidade dos gerentes que se mantiveram na gerência da sociedade executada desde o seu início e até à sua extinção, conforme decorre do documento do registo comercial que instruiu o procedimento para reversão da execução fiscal e no qual se apoia o despacho de reversão, não pode deixar de ser aquela a que se refere a al. b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e que encontra expressão na afirmação feita nesse despacho de que “foram gerentes no período a que as dívidas respeitam”; mais se tendo concluído no citado aresto que, não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão se encontra fundamentado de direito apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do artigo 24.º da LGT em que se apoia e fundamenta.
Em suma, retornando ao caso dos autos, apesar de não constar do despacho de reversão em que alínea do n.º 1 do art. 24.º da LGT se suportou a reversão, a circunstância de dele constar que o questionado sócio-gerente exerceu, de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dividas ali identificadas e em cobrança, tudo conforme certidão narrativa da respectiva CRComercial, há-de concluir-se que tal indicação, articulada com o facto de não ter ocorrido qualquer alteração na gerência da devedora originária (sendo que o oponente não questiona o exercício das funções de gerência que o OEF lhe imputa no despacho de reversão e sendo que, por outro lado, como a própria sentença reconhece, o oponente também alega nunca ter praticado actos com vista a evitar a cobrança de impostos devidos ao Estado) significa que o exercício da gerência abrangeu os períodos em que se inscreveram os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT) e que, assim, impendia sobre o oponente o ónus da prova de que a falta de pagamento dessas dívidas não lhe era imputável.
Procedem, portanto, as Conclusões do recurso, não podendo manter-se a sentença no que respeita à procedência deste vício do acto de reversão».

Por estas razões, que subscrevemos na íntegra, também o presente recurso será provido e, em consequência, a sentença será revogada. Perante a revogação da sentença recorrida – na qual se exarou que, face à solução do pleito, «resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na petição inicial» (crê-se que a sentença se reporte à questão da alegada divergência acerca do valor certificado das dívidas de IVA, de acordo com a alegação dos itens 15.º a 17.º da petição inicial) e não podendo este Supremo Tribunal Administrativo conhecer da mencionada questão porquanto, além do mais, tal implicaria apreciação de matéria de facto, o que não cabe a este Tribunal de revista (A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos recursos interpostos directamente das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância, apenas tem competência para conhecer de matéria de direito (cfr. arts. 12.º, n.º 5, 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT).), impõe-se que os autos baixem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para conhecimento desse invocado fundamento da oposição, se a tanto outras razões não obstarem.

2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do acórdão citado:

I - Deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.
II - A responsabilidade do gerente que se manteve na gerência da sociedade executada, conforme decorre do documento do registo comercial que instruiu o procedimento para reversão da execução fiscal e no qual se apoia o despacho de reversão, não pode deixar de ser aquela a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e que encontra expressão na afirmação feita nesse despacho de que «o sócio-gerente acima identificado exerceu de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA dos anos de 2001 a 2004 conforme certidão da narrativa da Conservatória do Registo Comercial [...]», pelo que, não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão se encontra fundamentado de direito, apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do art. 24.º da LGT em que se apoia.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no que respeita ao fundamento agora julgado improcedente e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí serem conhecidos os demais fundamentos que a sentença considerou prejudicados.

Custas pelo Oponente, mas apenas em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso.


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Lisboa, 8 de Abril de 2015. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.