Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0332/13.8BEFUN
Data do Acordão:02/02/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
PRAZO
Sumário:O prazo para interposição de recurso de revista, consagrado no art. 285.º do CPPT, não foi suspenso pelo disposto no art. 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
Nº Convencional:JSTA000P28922
Nº do Documento:SA2202202020332/13
Data de Entrada:06/21/2021
Recorrente:A..............., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Reclamação para a conferência da decisão singular que não admitiu, por intempestividade, o recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 332/13.8BEFUN
Recorrente: “A……………, Lda.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 28 de Janeiro de 2021 – e para notificação do qual lhe foi remetida notificação electrónica em 29 de Janeiro de 2021 – apresentou no processo, em 10 de Maio de 2021, um requerimento endereçado aos «Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Sul», pelo qual diz que «vem designadamente ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 2, 282.º e 285.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e dos artigos 139.º, n.º 5, 671.º, e ss., do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT, interpor o presente RECURSO para a Secção de Contencioso Tributário, do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, o qual é de Revista». Com o requerimento apresentou a motivação do recurso e diversos documentos.

1.2 À data em que o requerimento de interposição do recurso foi apresentado já os autos estavam no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, cujo Juiz logo salientou que, «atento o regime consagrado na alínea d) do n.º 5 do art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, preceito aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro […], quando os presentes autos baixaram a este Tribunal Administrativo e Fiscal, a 23 de Março de 2021, o acórdão já se encontrava transitado em julgado». No entanto, porque entendeu que não competia àquele Tribunal emitir pronúncia sobre a admissibilidade do recurso de revista interposto, ordenou que os autos fossem remetidos ao Tribunal Central Administrativo Sul «para os fins tidos por convenientes».

1.3 A Juíza Desembargadora que foi a relatora no Tribunal Central Administrativo Sul proferiu então despacho nos seguintes termos:

«Admito o recurso de revista interposto, nos termos do art. 285.º do CPPT, por o recorrente ter legitimidade, e o recurso ser tempestivo, o qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cf. artigo 676.º, n.º 1, art. 675.º, n.º 1, todos do CPC, aplicável, ex vi, art. 281.º do CPPT).
Subam os autos ao STA (n.º 5, do art. 282.º do CPPT)».

1.4 Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da intempestividade do recurso, porque na data em que foi apresentado o respectivo requerimento de interposição estava há muito precludido o prazo de 30 dias para recorrer, fixado pelo art. 282.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.5 Notificadas a Recorrente e a Recorrida para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da tempestividade do recurso, ambas o vierem fazer: a Fazenda Pública corroborando a posição da Procuradora-Geral-Adjunta e a Recorrente sustentando que o recurso foi interposto em tempo.
Em síntese, a Recorrente alegou que, por força do disposto no n.º 1 do art. 6.º-B, n.º 1, artigo aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 Fevereiro, e que estabeleceu «a suspensão geral de todas as diligências e de todos os prazos para a prática de actos processuais, onde se inclui o prazo de interposição do recurso da ora Recorrente», o prazo para interposição do recurso se deve ter como suspenso entre 29 de Janeiro de 2021 (data em que foi notificada do acórdão) e 6 de Abril de 2021 (data em que a referida suspensão cessou, com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril de 2021).
Considerou, pois, que, por força dessa suspensão o prazo de 30 dias para recorrer só terminou em 5 de Maio de 2021, podendo ainda o recurso ser interposto até ao 3.º dia útil seguinte, ou seja, até 10 de Maio de 2021, desde que paga a multa devida nos termos do disposto no n.º 5 do art. 139.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente.
Assim, porque o recurso foi interposto no dia 10 de Maio de 2021 e a Recorrente pagou a multa devida, concluiu que nada obsta a que o recurso seja considerado tempestivo.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o processo foi apresentado ao relator da formação do n.º 6 do art. 285.º do CPPT, que, ao abrigo dos poderes concedidos pelo art. 652.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, e tendo presente que o despacho dito em 1.3 não é vinculativo para o tribunal ad quem, como resulta expressamente do disposto no n.º 5 do art. 641.º do CPC, decidiu no sentido da não admissão do recurso por intempestividade.

1.7 A Recorrente reclamou dessa decisão para a conferência, ao abrigo do disposto nos arts. 679.º e 652.º, n.º 3, do CPC, pedindo que recaia acórdão sobre a decisão do Relator.

1.8 Cumpre, pois, submeter o acaso à conferência.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir, há que ter presente o circunstancialismo processual descrito em 1.1 a 1.6.

2.2 DE DIREITO

Está em causa saber se o recurso pode, ou não, considerar-se tempestivo.
Ficou dito na decisão ora reclamada:

«2.2.1 Não se suscitando dúvidas quanto ao prazo para recorrer e às datas em que a Recorrente foi notificada do acórdão e em que apresentou o recurso – sendo que entre estas duas datas decorreram bem mais de 30 dias –, a resposta à questão passa por indagar se, como sustenta a Recorrente, o prazo para recurso esteve suspenso entre a data em que a Recorrente foi notificada do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e 6 de Abril por força do disposto no art. 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e revogado pelo art. 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril de 2021. Só se assim for, se poderá concluir pela tempestividade. Vejamos:
Diz o referido art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, nos segmentos que ora nos interessa considerar, designadamente nos seus n.ºs 1 (o único que a Recorrente relevou) e 5, alíneas a) e d):
«1- São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
[…]
5- O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de actos presenciais;
[...]
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão» (sublinhados meus).
O art. 4.º da mesma Lei dispôs que esta norma produzia efeitos a 22 de Janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e actos processuais entretanto realizados e praticados.
Consta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 70/XIV ( Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=45671.
O texto final (Decreto N.º 106/XIV) que foi aprovado pode ser consultado em
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BID=22579.), que esteve na origem do disposto no referido artigo 6.º-B: «[…] suspende-se o cômputo do prazo dos processos e procedimentos não urgentes, garantindo-se, todavia, a tramitação daqueles que se apresentam como indispensáveis e estabelecendo-se uma série de excepções que permitem mitigar os efeitos genéricos da suspensão. Por outro lado, considerando que os tribunais e a Administração Pública contam já com uma importante experiência na tramitação de processos e procedimentos em formato electrónico, bem como na realização de diligências através de meios de comunicação à distância, importa também consagrar a possibilidade de tramitação de um conjunto de processos e procedimentos naquelas condições» (sublinhados meus).
Da leitura da alínea a) do n.º 5 do art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, resulta que a suspensão, a partir do dia 22 de Janeiro de 2021, dos prazos para a prática de actos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos que corram termos nos tribunais judiciais, designadamente os prazos para a interposição de recursos, não se aplicou à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes.
A referência genérica à tramitação dos processos nos tribunais superiores, sem qualquer distinção ou excepção, abrange os actos dos juízes, da secretaria ou das partes, pelo que, todos os prazos dos processos a correr termos no Tribunal Central Administrativo Sul – como o era o prazo para interposição do presente recurso (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT, conjugado com o art. 282.º, n.º 2, do mesmo Código) –, desde que não exigissem a prática de actos presenciais, não foram suspensos pelo aditamento efectuado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
E bem se compreende porquê: sendo possível o desenvolvimento da tramitação na fase de recurso, por parte de todos os intervenientes, através da utilização de meios electrónicos, as razões que justificaram a suspensão dos prazos processuais determinada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, não exigiram que essa suspensão abrangesse a tramitação dos processos nos tribunais superiores, designadamente o acto de interposição de recursos de decisões neles proferidas.
Em resumo, nos termos da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, para além do mais, aditando-lhe o art. 6.º-B, resulta que o legislador, nesse momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da actuação ocorrida na primeira fase daquele combate: enquanto na primeira fase, suspendeu os prazos, nesse momento determinou que nos tribunais superiores os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de actos presenciais, bem como determinou que devia ser proferida a decisão final nos processos e, nesse caso, os prazos de interposição de recurso não se suspendiam
Assim, concluo que o prazo para interposição de recurso de revista, consagrado no art. 285.º do CPPT, não foi suspenso pelo disposto no art. 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, pelo que o presente recurso é extemporâneo (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 22 de Abril de 2021 proferido no processo com o n.º 263/19.8YHLSB.L1.S1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/a19d12a7fd30029f802586d800496710;
- de 25 de Maio de 2021, proferido no processo com o n.º 11888/15.0T8LRS.L1-A.S1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/7919ee67d438b533802586e60037d4e0;
- de 17 de Junho de 2021, proferido no processo com o n.º 26302/02.3TVLSB.L1-A.S1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/1f1a69e217ee5baf802586fd0054aa27;
- de 8 de Setembro de 2021, proferido no processo com o n.º 5407/16.9T8ALM.L1.S1-A, disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/473209c19c9ed6778025874b003cc7f4.).

2.2.2 Sem prejuízo do que ficou dito, porque a Recorrente, na resposta ao parecer da Procuradora-Geral-Adjunta também alegou que o seu Mandatário esteve doente, com início em 9 de Fevereiro de 2021, o que o teria impedido de «reunir, estudar e elaborar o recurso, quando […] se encontrava a padecer desta terrível doença», impõe-se ainda referir que a referida alegação não é suficiente para integrar o justo impedimento previsto no art. 140.º do CPC, que, aliás, a Recorrente nunca invocou.
Em todo o caso, sempre diremos que a prática do acto para além do termo do prazo ao abrigo do justo impedimento sempre exigiria que se pudesse «reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou» (cf. n.º 2 do art. 140.º do CPC). Ou seja, a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito preclusivo do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva, bem como tem de ser oferecida logo a respectiva prova e tem de ser praticado o acto em falta. No entanto, apesar de o documento apresentado pelo Recorrente para confirmar a doença do Mandatário, que está datado de 23 de Fevereiro de 2021, já referir que o doente teve alta médica, o requerimento de interposição do recurso só foi apresentado em 10 de Maio de 2021».

2.2.3 O teor do despacho do Relator, acima reproduzido nos pontos 2.2.1 e 2.2.2, não nos merece censura, pelo que será confirmado.
Uma nota final apenas para afastar a invocada violação dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança, que a Recorrente faz decorrer de uma pretensa aplicação retroactiva do disposto no art. 6.º-B, n.º 5, alínea d), aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
Salvo o devido respeito, não há que ponderar a verificação de qualquer efeito retroactivo na aplicação da norma, uma vez que a Recorrente se deve considerar notificada da sentença recorrida em 1 de Fevereiro de 2021 – a comunicação electrónica para notificação foi efectuada em 29 de Janeiro de 2021 (fls. 524 do processo electrónico) e há que aplicar-lhe o disposto no art. 248.º do CPC («Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja».), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, bem como no n.º 1 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro («1- As notificações por transmissão electrónica de dados aos mandatários e representantes em juízo são realizadas através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais administrativos e fiscais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta na área reservada do referido sistema disponibilizada em https://www.taf.mj.pt».) – e foi nesse dia que a Lei n.º 4-B/2021 foi publicada.

Salientamos ainda que a opção legislativa de que a suspensão dos prazos em consequência da situação de pandemia não abrangesse a tramitação dos processos nos tribunais superiores, designadamente o acto de interposição de recursos não constitui uma restrição injustificada ao desproporcionada ao exercício do direito ao recurso e que tal opção, bem explícita na lei, não contende com qualquer legítima expectativa das partes, de que os prazos em causa fossem ou se mantivessem suspensos.

2.2.4 Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

O prazo para interposição de recurso de revista, consagrado no art. 285.º do CPPT, não foi suspenso pelo disposto no art. 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

3. DECISÃO

Em face do exposto, a formação a que alude o n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em conferência, acorda em manter a decisão de não admitir o recurso por intempestividade.

Custas pela Recorrente.

Notifique e, após o trânsito, devolva ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal.


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Lisboa, 2 de Fevereiro de 2022. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.