Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
263/19.8YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: COVID-19
CONTAGEM DE PRAZOS
SUSPENSÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
LEI ESPECIAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ACORDÃO FUNDAMENTO
FOTOCÓPIA
ÓNUS JURÍDICO
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos termos do nº 5, alínea d) do art. 6º-B da Lei nº 4-B/2021 de 01.02.2021, não estão abrangidos pelo regime de suspensão de prazos processuais fixado no nº 1, entre outros actos, os requerimentos de interposição de recurso;

II - Nos recursos em que se invoca conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente tem o ónus de juntar com o requerimento de interposição do recurso, cópia do acórdão fundamento, sob pena de rejeição (art. 637º, nº 2 do CPC);

III – Se não cumpriu esse ónus e é notificado para o fazer, o prazo para juntar o acórdão não se encontra abrangido pela regra da suspensão de prazos fixada no nº 1 do art. 6º da Lei nº 4-B/2021, devendo antes aplicar-se o regime previsto no nº 5 alínea d), para a interposição dos recursos.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça



Sociedade Agrícola e Comercial do Varosa, S.A., veio, invocando o disposto nos artigos 38º e 39º do Código da Propriedade Industrial (CPI), interpor recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo da marca nº 597221 VINHA DA PAÚLA, para individuar ‘vinho branco; vinho de uvas; vinho espumante de frutos; vinho espumante de uvas; vinho tinto; vinhos alcoólicos; vinhos de mesa; vinhos espumantes’ na classe 33, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que recuse o mencionado registo.

Alegou, em síntese, existir identidade entre os produtos assinalados pela referida marca e os produtos visados, na mesma classe, pela marca nacional nº 249755 MURGANHEIRA, prioritariamente registada pela recorrente, pelo que deveria o respectivo registo ter sido recusado, dada a semelhança entre o sinal registando e o prioritário, notório e de prestígio, assim se consubstanciando imitação de marca.

O Réu contestou e pediu a improcedência da acção, alegando não existir qualquer risco de confusão entre as marcas.

Foi proferida sentença que negou provimento ao recurso e, em consequência, manteve a decisão do INPI de 16.05.2019, publicado no BPI de 2205.2019, que concedeu o registo da marca nacional nº 613175 MURGAS.

Inconformada, a Recorrente interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 19.05.2020, a Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa, revogou a sentença que substituiu por outra que negou o registo da marca nacional nº 13175 MURGAS.


Desta decisão interpôs recurso de revista o apelado AA visando a revogação da mesma, para ficar a subsistir a sentença da 1ª instância.

Disse que interpunha o recurso nos termos do art. 671º, nº 1 do CPC; caso assim não se entenda, o recurso “deve ser admitido nos termos do art. 629º, nº 2, alínea c) do CPC, porquanto o acórdão recorrido está em directa oposição com o Acórdão do STJ de 26.11.2009, proferido no P.08B3671, “no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

O Recorrente finaliza a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) Em 31.10.2018, o aqui Recorrente solicitou junto do INPI o registo de marca nacional nº 613175 MURGAS para assinalar “vinho branco: vinho de uvas; espumante de frutos; vinho espumante de uvas; vinho tinto; vinhos alcoólicos; vinhos de mesa; vinho s espumantes”, na classe 33 da Classificação de Nice.

B) Em 17.01.2019, a aqui Recorrida apresentou reclamação junto do INPI contra o aludido pedido de marca nº 613175 do Recorrente, invocando designadamente imitação da sua marca nº 249755 MURGANHEIRA, bem como concorrência desleal e pedido o indeferimento do registo da marca do aqui Recorrente.

C) Em 22.03.2019, o aqui Recorrente contestou junto do INPI a reclamação da Recorrida e esta a Por decisão de 16.05.2019, publicada no BPI de 22.05.2019, o INPI indeferiu a reclamação da aqui Recorrida e concedeu o registo da marca nº 613175 MURGAS, nos termos solicitados pelo Recorrente.

E) A Recorrida interpôs recurso da decisão do INPI para o Tribunal da Propriedade Industrial e mais uma vez foi negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão do INPI de 16.05.2019, que concedeu o registo da marca nacional nº 613175 MURGAS.

F) Entretanto, a marca MURGAS já se encontra a ser comercializada, tendo já o Recorrente investido significativas quantias monetárias no negócio.

G) Ora, desde que a marca lhe fora concedida, “MURGAS” implantou para a comercialização do vinho, estratégias de comunicação, divulgação e comercialização dos seus produtos, bem como se vinculou a uma rede de distribuidores e de revendedores.

H) E obviamente, não nos esqueçamos da produção de vinho – uva, vinificação, destilação, conservação, embalagens e colocação - já engarrafado, pronto a ser comercializado (ora, litros de vinho, milhares de garrafas, logos, entre outros).

I)   Não conformada, a aqui Recorrida interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que “sem necessidade de grandes cogitações” decide conceder provimento ao recurso interposto e consequentemente, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que nega o registo da marca nacional nº 613175 MURGAS.

J) A discussão em causa nos presentes autos é idêntica à dos autos do recurso atrás referido, tendo nele sido feita uma interpretação da lei num sentido que entra em contradição com o da sentença proferida.

K) O que está em causa nos presentes autos é a capacidade distintiva dos elementos comuns das marcas sob comparação e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca – a semelhança fonética e sonora – e o impacto de tais semelhanças na aferição do risco de confusão entre as marcas.

L) Da sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual bem como do despacho de concessão emitido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, ficou entendido que não se encontra qualquer semelhança fonética entre os sinais da marca registada MURGAS e da marca prioritária MURGANHEIRA, não induzindo o consumidor em erro ou confusão e à impossibilidade da prática de actos de concorrência desleal.

M) Entende ainda o aqui Recorrente que se verifica no acórdão recorrido, uma errada interpretação da lei substantiva e consequentemente uma errada determinação da norma aplicada (art. 674.º, 1, alínea a) do CPC).

N) A decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância vem acompanhar e fortalecer a fundamentação do despacho de concessão emitido pelo INPI.

O) Da matéria de facto dada como provada, assenta que as “diferenças gráficas, fonéticas e conceituais, tornam distinguíveis os sinais em questão, os quais não se confundem quando analisados no conjunto dos elementos que os compõem, em particular pela distinta extensão, sonoridade e grafismo”.

P. Mais resulta que não se verifica (…) semelhança susceptível de induzir em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação, de modo que só com exame atento ou confronto aquele as possa distinguir, como exigido pelo citado art. 238º do CPI para que possa falar-se de imitaçã o.

Q) Sobre a insusceptibilidade de compreender um risco de confusão entre as empresas, conclui a dita “não existindo semelhança susceptível de consumidor ou de associação de marcas prioritárias, tão pouco se constata possibilidade de confusão com empresa, estabelecimento ou produtos de recorrente, bastante conhecida no mercado de vinhos e em particular de espumantes, ou outra subsumível ao conceito de concorrência desleal, igualmente invocado mas não demonstrado.

S) A citada sentença completa ainda afirmando que, “Perante vinhos do Recorrido assinalados MURGAS, o consumidor médio deste tipo de produtos, cada vez mais sensível à origem e características do que consome, não irá facilmente pensar tratar-se de vinhos da recorrida assinalado MURGANHEIRA, nem associa-los à mesma origem comercial, atentas as mencionadas diferenças e não obstante a identidade dos produtos.”

T) E mais, “não se tratando de marca, igual ou semelhante à marca prioritária da recorrente, ou respectiva reprodução ou tradução, não é de aplicação a disposição que prevê a recusa do registo de marcas que apresentem essa relação de proximidade com marcas de prestígio (...)sendo certo que tão pouco se demonstra o prestígio da marca prioritária”.

U) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa reconheceu “semelhança fonética e sonora entre as marcas em presença”, havendo deste modo “susceptibilidade de confusão entre elas” concluindo pela aplicação do artigo nº 238.º do CPI.

V) Relativamente à verificação do 3º requisito do artigo 238º nº 1 do CPI, quanto à semelhança gráfica, figurativa e fonética das marcas, o acórdão do Tribunal da Relação considerou que o mesmo se encontrava preenchido, afirmando que, “sem grandes não teremos dificuldades em afirmar que existe semelhança fonética e sonora entre as marcas em presença. Não vamos aqui repetir as sílabas, os acentos tónicos, as percentagens de semelhança, tudo argumentos mecanicamente válidos.”

W) Ora, o tribunal limita-se a afirmar que existe essa indubitável semelhança, sem qualquer   fundamento ou justificação, descartando mesmo a análise do conteúdo que preenche o requisito em apreço!

X) E atente-se, ainda, na ligeireza e desconsideração do argumento! Afirmar perentoriamente que “sem necessidade de grandes cogitações”, existe semelhança fonética e sonora entre as marcas, é o mesmo que ridicularizar a conclusão expressa de várias pessoas que precederam esta apreciação, designadamente todos os intervenientes/julgadores anteriores, quer do INPI, quer do Tribunal especializado de Primeira Instância, cuja opinião é assim destruída, sem fundamento.

Y) Ou seja, o Ilustre Desembargador Relator pura, simples e injustificadamente desqualifica   as apreciações técnicas e jurídicas prévias de vários intervenientes, comprovadament e conhecedores da matéria e que lidam com este tipo de situações diariamente, para dizer que não precisa de “cogitar”!

Z) Não se pode opinar sobre estas matérias e concluir sem fundamentar que todos os anteriores intervenientes são, no mínimo, fracos pensadores.

AA) Ainda sobre o preenchimento do 3º requisito do artigo 238 n.º 1, o acórdão vem defender que existe possibilidade de confusão entre as marcas, considerando que “Murgas surge como que o diminutivo de Murganheira. Note-se, não é diminutivo. É apreensível como diminutivo. Como refere a recorrente na conclusão “K” “Independentemente de ser um diminutivo carinhoso ou outra coisa qualquer podemos admitir que quem se refira a um vinho Murganheira possa dizer que comprou um "Murgas" (…)”.

BB) Com o devido respeito, não faz qualquer sentido a defesa desta tese, até porque é duma cristalina evidencia que não existe a prática, entre consumidores de vinho, de se referirem aos mesmos através de “diminutivos” ou “alcunhas” como se de nomes de pessoas se tratasse!

CC) Mais uma vez, com o devido respeito, o acórdão do TRL não sustenta nem fundamenta, a decisão de aplicação do artigo 238º do CPI.

DD) Quando essa mesma fundamentação foi concretizada pelo INPI e pelo Tribunal da 1ª Instância face à análise das diferenças gráficas, fonéticas conceituais, quesito este que terá de estar preenchido (cumulativamente com outros dois), para se poder falar de imitação.

EE)Conforme já explanado e conforme decisões favoráveis ao aqui Recorrente, as marcas em causa não são susceptíveis de confusão fácil, pois são visual e foneticamente totalmente distintas.

FF) Também são inconfundíveis, dada a sua acentuadíssima e prevalecente componente figurativa mas mesmo que esta fosse meramente nominativa, as palavras MURGAS e MURGANHEIRA, apreciadas na globalidade, são suficientemente distintas e podem coexistir, registral e comercialmente, sem que dessa coexistência ocorra qualquer imitação ou concorrência desleal por parte do aqui Recorrente, não obstante a coincidência existente nas raízes destas palavras.

GG) As marcas devem ser comparadas no seu conjunto de acordo com a pacífica da doutrina e da jurisprudência, pelo que é perfeitamente aceitável a existência de elementos comuns entre marcas de diferentes entidades/sociedades, para a mesma classe de serviços, desde que daí não resulte risco de confusão no mercado” – cfr. Acórdão do STJ, com o nº de processo 02A3030

HH) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 3534/2008-7 de 13-01-2009, refere que “O risco de confusão depende de vários factores, nomeadamente do tipo de consumidores (…) Os consumidores a considerar são, em primeiro lugar, aqueles a quem os produtos ou serviços assinalados se destinam. Depois, de entre estes, ao consumidor médio, nem particularmente atento, nem particularmente distraído. O consumidor que releva no contexto do direito das marcas, é, pois, uma figura flexível e variável”.

II) Ora, no caso concreto, o consumidor de vinhos é um consumidor particularmente atento e informado, que sabe bem o que procura quando compra vinho, não sendo provável nem expectável que confunda duas marcas tão diferentes, e ainda para mais em regiões demarcadamente diferentes do nosso País.

JJ) Nestes termos, requer-se que seja reconhecida a não verificação do requisito legal de imitação previsto no art. 238º, nº. 1, al. c), do CPI e, em consequência, confirmada a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, devendo a marca MURGAS ser devidamente reconhecida e concedida.

Contra alegou a Recorrida Sociedade Agrícola e Comercial do Varosa SA, pugnando pela improcedência do recurso.


*


Neste Tribunal, o Relator notificou o Recorrente para juntar aos autos cópia do acórdão fundamento, nos termos exigidos pelo nº 2 do art. 637º, o que não fez no prazo de que dispunha.


Seguidamente, o Relator proferiu despacho do seguinte teor:

“AA interpôs recurso de revista do acórdão da Relação de Lisboa que revogou a decisão da 1ª instância, dizendo que o fazia nos termos do art. 45º, nº 3 do CPI e, caso assim se não entenda, nos termos da alínea c) do nº 2 do art. 629º do CPC, invocando a oposição do acórdão recorrido com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2009, proferido no P. 08B3671.

O acórdão recorrido incidiu sobre sentença de 1ª instância que manteve a decisão do INPI que concedeu o registo da marca nacional nº 613175 MURGAS.

O art. 45º, nº 3 do CPI diz que “do acórdão da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível”.

Os casos em que o recurso é sempre admissível são os previstos no nº 2 do art. 629º, designadamente quando ocorre contradição jurisprudencial do acórdão recorrido com outro da Relação, “no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito” (alínea d)).      

A Recorrente indicou como acórdão fundamento um acórdão do Supremo, sem que tenha juntado cópia do mesmo, como exigido pelo nº 2 do art. 637º do CPC.

Notificado para juntar cópia de um acórdão fundamento, ilustrativo da alegada contradição jurisprudencial, nada disse.

Assim, e como a decisão recorrida não admite recurso de revista “normal”, e o Recorrente não deu cumprimento ao ónus do nº 2 do art. 637º do CPC ao Recorrente, para a admissibilidade do recurso nos termos do art. 629º/2, d) do CPC, não admito o recurso.

Custas pelo Recorrente.”


*


O Recorrente reclama para a conferência nos termos do art. 652º, nº 3 do CPC, finalizando a reclamação com as seguintes conclusões: 

A. Devido à situação epidemiológica provocada pela Pandemia Covid-19 foi estabelecido um regime excepcional de suspensão de prazos processuais e procedimentais, através da Lei n.º 4-B/2021 de 1 de Fevereiro de 2021.

B. Nos termos do art. 6º-B, nº 1 da Lei n.º 4-B/2021 de 1 de Fevereiro de 2021 foram suspensas “todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.”

C. Dispõe ainda o n.º 5 do artigo 6.º-B que “o disposto no n.º 1 do artigo 6.º não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;”

D. Ao interpretar a presente Lei, entende o Recorrente que o prazo de resposta à referida notificação se encontrava suspenso! Analisando as duas normas, podemos facilmente verificar que embora os processos judiciais não urgentes se encontrem suspensos para a prática dos actos pelos agentes judiciários/intervenientes processuais que ao Tribunal recorrem, o mesmo não se verifica para as secretarias judiciais e para os Tribunais Superiores, que estão legalmente legitimados a tramitar os processos.

E. Dispõe ainda a al. d) do n.º 5 do art. 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021 que o disposto no n.º desse mesmo artigo não obsta “A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.”

F. Ora, no presente caso o Recorrente foi notificado, já no âmbito de aplicação da Lei n.º 4-B/2021, do despacho com a referência ..., que lhe ordenava a prática de uma diligência, conferindo prazo para o efeito nos termos legais.

G. Em consequência dessa mesma notificação e por aplicação do disposto na al. d) do n.º 5 do art. 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, está suspenso o prazo judicial em curso para a prática da diligência consubstanciada no acto de junção do documento ordenado no despacho.

H. Tendo o Recorrente sido notificado do douto despacho com a referência n.º ..., mediante o qual foi decidido por este Tribunal a inadmissibilidade de recurso de revista devido à não junção da cópia do acórdão de fundamento, ou seja, do não cumprimento do despacho cujo prazo está suspenso como indicado, a Decisão Singular proferida encontra-se ferida de nulidade nos termos dos arts.195º e 199º do Código de Processo Civil, por consubstanciar a prática de um acto que a lei não admite em consequência do incumprimento do prazo de suspensão em curso relativamente ao despacho proferido com a referência …., uma vez que, o aqui Recorrente ainda estava (e está) em tempo, para juntar cópia do Acórdão de fundamente, o que desde já se requer.

I) E mais. No próprio Recurso apresentado, o Recorrente indicou especificamente o acórdão de fundamento – “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º SJ200911260036717, proferido no âmbito do processo 08B3671, com data de 26.11.2009, o qual se encontra publicado na base de dados do ITIJ.” . Basta introduzir o número numa base de dados disponível para todas as pessoas para verificar e validar o teor do documento em causa.

J. Com base no princípio pro actione que, privilegia a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se traduza na fórmula in dubio pro habilitate instantiae, não se vislumbram razões que, num juízo de ponderação dos interesses em presença, não justifiquem a errada interpretação feita pelo ora Recorrente e que não lhe seja dado provimento ao que agora pede, como bem nesse sentido decidiu o Tribunal Administrativo Fiscal de Coimbra, em 11.01.2019 no Processo nº 00378/17.7BECBR-A, relatado por Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão que “As normas processuais que consagram os ónus e os pressupostos processuais devem ser interpretadas da forma mais favorável ao exercício do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva consagrada no artº 268º/4 da CRP, o que impõe a recusa de interpretações meramente formais, privilegiando-se, assim, a prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma (princípios anti-formalista e pro-actione). Daí que a regra seja hoje a da sanação, sempre que possível, dos vícios meramente formais.”

K. O que por si só também consubstancia a violação do disposto no art. 202º da CRP, na medida em que esta formalidade que a Decisão Singular preteriu, implica a denegação da justiça.

L. Termos em que, se requer a V.Exas., revoguem a decisão singular proferida, por nula e violadora do Princípio de Acesso aos Tribunais, e ordene a sua substituição por outro que aprecie da admissibilidade da revista excepcional, analisandoosrestantesrequisitos e, caso os considere reunidos, profira acórdão que proceda à apreciação das questões suscitadas pela recorrente nas suas alegações de recurso.


Pelo exposto, deverá a decisão singular ser revogada por nulidade nos termos invocados, na medida em que viola o disposto no art. 195º e 199º do CPC por não respeitar o disposto na Lei n.º 4-B/2021 (Regime de suspensão dos prazos processuais), e nessa sequência impedindo a prática do acto de junção do acórdão fundamento em cumprimento do prazo legalmente em curso para o efeito, bem como ao abrigo do princípio do pro actione e do pro favoratite instancie, venha a ser proferido acórdão em conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º 4 do CPC que, decidindo a invocada nulidade ordene que se conheça da admissibilidade do recurso apresentado e subsequente objeto do mesmo.”


Não foi apresentada resposta.


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Cumpre decidir em conferência.

Liminarmente, importa lembrar que o despacho reclamado não indeferiu a admissão de uma “revista excepcional”, ao contrário do que o Reclamante refere na conclusão L).

É indiscutível em face da redação dos arts. 671º, nºs 1 e 3 e 672º, que a chamada “revista excepcional” está prevista para as situações de dupla conforme, nos termos em que é delimitada pelo nº 3 do art. 671º, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição. (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pag. 378).  

No caso, a 1ª instância e a Relação decidiram em sentidos divergentes: a sentença negou provimento ao recurso interposto pela Autora da decisão do INPI, por entender que não existe risco de confusão entre as marcas em confronto; esta sentença foi revogada pela Relação que deu provimento ao recurso interposto pela Autora “Sociedade Agrícola e Comercial Varosa Lda”. 

Assim, e como estamos perante decisões contraditórias das instâncias, do acórdão da Relação nunca caberia recurso de revista excepcional.

Como se trata de recurso interposto de acórdão da Relação proferido sobre uma sentença que apreciou uma decisão do INPI, do qual em princípio não cabe recurso de revista, “sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível” (art. 45º, nº 3 do CPI), o Apelado, vencido na Relação, poderia recorrer para o Supremo ao abrigo do nº 2 do art. 629º do CPC.

E foi esta a via que seguiu, tendo alegado que o acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do Supremo de 26.11.2009 (P.08B3671), pelo que se verifica o fundamento da alínea d), contradição jurisprudencial.

Ora, decorre do nº 2 do art. 637º do CPC, quando o recurso “se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido o recorrente junta obrigatoriamente (com a alegação do recurso), sob pena de imediato rejeição cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.”

Não basta identificar o acórdão alegadamente em contradição. O recorrente tem o ónus de juntar cópia do mesmo com as alegações do recurso, como inequivocamente resulta da lei.

Como o Recorrente não cumpriu esse ónus, foi expressamente notificado para o fazer, sem que o tenha feito no prazo legal de que dispunha. Em consequência, o relator proferiu despacho de rejeição do recurso.


Desta decisão o Recorrente reclama para a conferência, alegando que os prazos processuais se encontravam suspensos, devido à situação pandémica, nos termos do art. 6º-B da Lei nº 4-B/2021, de 01.02.2021.


É nosso entendimento que não lhe assiste razão. Vejamos porquê.

O nº 1 do art. 6º-B da Lei nº 4-B/2021, de 01.02.2021, com efeitos a partir de 22.01.2021 (art. 4º), declarou “suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devem ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que correm termos nos tribunais judiciais (…), sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

5 – O disposto no nº 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos

b) não urgentes, sem prejuízo do cumprimento, do disposto na alínea c), quando estiver em causa a realização de actos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) (…);

d) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no nº1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimentos da retificação ou reforma da decisão.”

Em face das disposições citadas, conclui-se que a partir de 22.01.2021, e durante a vigência da medida excepcional de suspensão não se iniciam nem correm os prazos processuais em processos pendentes nos órgãos e entidades referidos no nº 1, independentemente da sua duração, com excepção dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.        


A não suspensão dos prazos “para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão”, tanto vale para os tenham por objecto decisões finais anteriores a 22.01.2021, como as proferidas depois desta data, por ser a mesma a razão de ser da lei: atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos previstos no nº 1 do art. 6-B.

O regime aplicável à interposição de recursos, cujo prazo não se encontra suspenso, é igualmente de aplicar ao prazo concedido ao recorrente para dar cumprimento ao ónus imposto pelo nº 2 do art. 637º, quando não o fez no momento próprio, que é o da interposição do recurso.

Com efeito, se não estão suspensos os prazos de interposição de recurso, para todos os recursos, incluindo aqueles em que se invoca um conflito jurisprudencial, em que sobre o recorrente recai o ónus de apresentar o acórdão fundamento, seria um contra senso considerar abrangido pelo regime da suspensão de prazos a situação em que o recorrente, por ter omitido a prática de um acto que deveria ter cumprido com a interposição do recurso, é convidado a suprir tal falta.

É dizer que, se os prazos de interposição de recurso não estão suspensos, constituindo uma das excepções à regra da suspensão dos prazos processuais (art.6º-B, nº 1 e nº 5 d) da Lei nº 4-B/2021), também não está suspenso o prazo concedido ao recorrente para suprir a omissão em que incorreu ao interpor o recurso.

Não tem assim razão o Reclamante quando defende que o prazo para juntar aos autos o acórdão fundamento estava suspenso, pelo que não o tendo feito no prazo legal de 10 dias extinguiu-se o direito de o praticar (arts. 139º, nº 3 e 149º do CPC).


Do exposto, podem extrair-se as seguintes conclusões:

I - Nos termos do nº 5, alínea d) do art. 6º-B da Lei nº 4-B/2021 de 01.02.2021, não estão abrangidos pelo regime de suspensão de prazos processuais fixado no nº 1, entre outros actos, os requerimentos de interposição de recurso;

II - Nos recursos em que se invoca conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente tem o ónus de juntar com o requerimento de interposição do recurso, cópia do acórdão fundamento, sob pena de rejeição (art. 637º, nº 2 do CPC);

III – Se não cumpriu esse ónus e é notificado para o fazer, o prazo para juntar o acórdão não se encontra abrangido pela regra da suspensão de prazos fixada no nº 1 do art. 6º da Lei nº 4-B/2021, devendo antes aplicar-se o regime previsto no nº 5 alínea d), para a interposição dos recursos.


Decisão

Nestes termos, em conferência, julga-se improcedente a reclamação e confirma-se o despacho do relator.

Custas pelo Reclamante.


O presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mºs Adjuntos, Conselheiros Manuel Capelo e Tibério Silva que não assinam por a sessão ter decorrido em videoconferência.


Lisboa, 22.04.2021


Ferreira Lopes (relator)