Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11888/15.0T8LRS.L1-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REJEIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
COVID-19
JUSTO IMPEDIMENTO
CONTAGEM DE PRAZOS
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 05/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONFIRMADO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O recebimento do recurso depende, para além dos requisitos formais do próprio requerimento de interposição, da verificação dos seguintes pressupostos: admissibilidade ou cabimento do recurso (cf. artigos 629.º e 630.º do Código de Processo Civil); legitimidade do recorrente (artigo 631.º do Código de Processo Civil, que, no seu n.º 1, prevê que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”) e prazo de interposição (artigo 638.º do Código de Processo Civil), que é, em geral, de 30 dias, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º (cf. n.º 1 do artigo 638.º do Código de Processo Civil).

II. No caso presente, o recurso foi extemporâneo, dado que foi interposto para além do prazo de 30 dias consignado no artigo 638.º do Código de Processo Civil.

III. Nos termos da Lei n.4-B/2021, de 1 de fevereiro, que veio alterar a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditando a esta última Lei, entre outros, o artigo 6.º-B, resulta com clareza que o legislador, neste momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da atuação ocorrida na primeira fase. Enquanto na primeira fase, suspendeu os prazos, neste momento de combate à pandemia decidiu que nos tribunais superiores os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de atos presenciais e, nesse caso, determinou que se procedesse nos termos da alínea c) do citado n.º 5. Determinou ainda que devia ser proferida a decisão final nos processos e, nesse caso, os prazos de interposição de recurso não se suspendiam.

IV. Ocorrendo justo impedimento para interpor recurso no prazo legal, a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva com o oferecimento imediato da respetiva prova e a prática, em simultâneo, do ato em falta e não em sede de reclamação contra o despacho de não recebimento do recurso.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório


1. AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Liberty – Seguros, S.A..

2. O Tribunal de 1.ª instância veio a julgar improcedente o pedido formulado pelos Autores.

3. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação.

4. O Tribunal da Relação …….. veio a julgar a apelação improcedente.

5. Os Autores não se conformaram com a decisão do Tribunal da Relação ……… e interpôs recurso de revista.

6. Por despacho do Senhor Juiz Desembargador Relator, o recurso não foi admitido, por “extemporaneidade do mesmo (cf. Art.º 638.º CPC)”.

7. Inconformados com o assim decidido, os Autores apresentaram reclamação do despacho que não admitiu o recurso por si interposto.

8. A Ré veio responder, concluindo pela manutenção do decidido.

9. O Relator indeferiu a reclamação.

10. Inconformados, os Autores vieram reclamar para a conferência, sem acrescentar novos argumentos.

11. Notificada, a Ré não se pronunciou.

12. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto da reclamação

Conforme deflui da análise da reclamação apresentada, a questão a decidir consiste em saber se o recurso de revista deve ser admitido.


III. Fundamentação

1. Factualismo processual relevante

1.1. Para decisão do objeto da presente reclamação, releva o factualismo antes referido no precedente Relatório, para o qual se remete.


2. Apreciação

Na decisão do Relator, com o que se concorda, afirmou-se que:

O recebimento do recurso depende, para além dos requisitos formais do próprio requerimento de interposição, da verificação dos seguintes pressupostos: admissibilidade ou cabimento do recurso (cf. artigos 629.º e 630.º do Código de Processo Civil); legitimidade do recorrente (artigo 631.º do Código de Processo Civil, que, no seu n.º1, prevê que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”) e prazo de interposição (artigo 638.º do Código de Processo Civil), que é, em geral, de 30 dias, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º2 do artigo 644.º e no artigo 677.º (cf. n.º1 do artigo 638.º do Código de Processo Civil).

No caso presente, o recurso de revista não foi admitido, por o Senhor Juiz Desembargador Relator ter entendido que o recurso era extemporâneo, dado que foi interposto para além do prazo de 30 dias consignado no artigo 638.º do Código de Processo Civil.

Os Reclamantes impugnam tal decisão, com dois fundamentos: a suspensão do prazo por força do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro e a ocorrência do justo impedimento.


Vejamos.

Quanto à suspensão do prazo.

A Lei n.4-B/2021, de 1 de fevereiro veio alterar a Lei n.º1-A/2020, de 19 de março, aditando a esta última Lei, entre outros, o artigo 6.º-B.

E esta disposição legal prescreve:

1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processo e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

 5 – O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

(…)

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.


Ora, destas disposições legais resulta com clareza que o legislador, neste momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da atuação ocorrida na primeira fase.

Enquanto na primeira fase, compreensivelmente, suspendeu os prazos, neste momento de combate à pandemia decidiu utilizar as possibilidades existentes e suspender os prazos com exceções que são claras.

Assim, nos tribunais superiores determinou que os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de atos presenciais e, nesse caso, determinou que se procedesse nos termos da alínea c) do citado n.º 5.

Determinou ainda, o que é compreensível dado que não estava em causa a presença física dos intervenientes, que devia ser proferida a decisão final nos processos e, nesse caso, os prazos de interposição de recurso não se suspendiam.

É, assim, manifesto que proferido o Acórdão pelo Tribunal da Relação ……. e notificado, as partes que pretendessem impugnar tal decisão devia interpor o competente recurso no prazo consignado no artigo 638.º do Código de Processo Civil, isto é, no prazo de 30 dias, dado que não ocorria a suspensão de qualquer prazo.


No caso presente, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……. foi notificado às partes a 18/12/2020.

O prazo de 30 dias terminou no dia 2 de fevereiro de 2021 (último dia para interpor recurso sem multa). Com o pagamento de multa, nos termos do disposto o no artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o prazo terminou em 5 de fevereiro de 2021.

Os Reclamantes interpuseram recurso a 26 de fevereiro de 2021, isto é, a interposição do recurso não poderia deixar de ser considerada como extemporânea, como decidiu o Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação ………. .

Os Reclamantes invocam o justo impedimento, dado que o seu ilustre mandatário esteve doente, impossibilitado de praticar o ato antes da data em que o fez.

Ora, o justo impedimento mostra-se previsto no artigo 140.º do Código de Processo Civil.

Assim, considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato (n.º 1).

A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou (n.º 2).

É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo (n.º 3).

Assim, a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva com o oferecimento imediato da respetiva prova e a prática, em simultâneo, do ato em falta.

Ora, no caso presente, quando interpuseram o recurso de revista e apresentaram as suas alegações de recurso, os Reclamantes não invocaram o justo impedimento para a prática do ato no prazo legal, só o tendo feito aquando da apresentação da presente reclamação.

Deste modo, é manifestamente extemporânea a invocação do justo impedimento pois o mesmo deveria ser invocado quando veio praticar o ato depois de decorrido o prazo legal de interposição do recurso; o facto de, como ora o refere, não ter invocado o justo impedimento por considerar que os prazos judiciais estavam suspensos, não releva para a situação presente, porquanto, diligentemente, deveria prever essa situação (ou que fosse possível essa interpretação do citado artigo 6.º-B pelo Tribunal da Relação …….).

Assim, não merece qualquer censura a decisão proferida pelo Juiz Desembargador Relator do Tribunal de ………. a não admitir a interposição do recurso de revista.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em indeferir a presente reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.            

Custas pelos Reclamantes.


Lisboa, 25 de maio de 2021   


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Fátima Gomes

Fernando Samões

Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Fátima Gomes e Fernando Samões.