Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0423/17
Data do Acordão:05/10/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
VALOR DA CAUSA
DECLARAÇÃO IMPLÍCITA
Sumário:I - Sendo certo que a indicação do valor da causa na petição inicial é uma exigência legal que se impõe também ao oponente, nos termos do disposto no 552.º, n.º 1, alínea f), do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, a mesma deve considerar-se satisfeita se, não obstante a declaração do valor não se efectuar pelo modo tradicional, for perceptível, em face do teor da petição inicial – cuja interpretação está sujeita às regras do CC, designadamente as que decorrem dos arts. 217.º e 295.º do CC –, qual o valor que o oponente pretendeu atribuir à oposição.
II - Nesse caso, não se justifica a extinção da instância ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 303.º do CPC, ainda que o oponente nada diga na sequência da notificação que lhe foi efectuada para indicar o valor da causa, sob aquela cominação.
Nº Convencional:JSTA00070167
Nº do Documento:SA2201705100423
Data de Entrada:04/03/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CONST05ART20 ART268 N4.
ETAF02 ART6 N1.
LGT98 ART105.
CPPTRIB99 ART6 N1 ART97 N1 O ART97-A N1 E ART166 N1 ART186 N1 ART206 ART280 N4.
CPTA02 ART7.
CPC13 ART296 N1 ART303 N3 ART304 N1 ART305 N3 ART306 N1 ART307 N1 ART552 N1 F.
CCIV66 ART217 ART236 N1 ART238 N1ART295.
RCP ART11.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0431/16 DE 2016/04/27.; AC STA PROC01508/14 DE 2015/12/16.; AC STA PROC032/13 DE 2014/01/08.; AC STA PROC0154/13 DE 2013/05/15.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG541.
MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1979 PAG387.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão que julgou extinta a instância no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 2247/16.9BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A………… (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, com fundamento na falta de indicação do valor da acção, mesmo após notificação para o efeito, julgou extinta a instância no processo de oposição por aquele deduzida a uma execução fiscal em que figura como executado por reversão.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1- Por douta sentença de 20/10/16, foi ordenada a extinção da execução, porque “o Oponente não procedeu à indicação do valor da causa nem sequer da forma de a determinar” (sublinhado nosso) - cfr. fls. dos autos.

2- Todavia, o montante da causa, foi, ab initio, identificado pelo opoente: € 28.797,69, a quantia exequenda.

3- “Exigir que, neste caso, se identifique novamente a cifra é impor um rigorismo formulário inadmissível, pois tal declaração é de todo redundante e, portanto, desnecessária” - cfr. acórdão do STA de 18/02/2009, processo n.º 01061/08, in www.dgsi.pt/jsta.

4- Acresce que o valor da oposição é sempre o da execução a que respeita, salvo se tiver sido realmente indicado valor diverso - cfr. artigo 304.º, n.º 1 e 307.º, n.º 1 do CPC, ex vi o disposto no artigo 2.º, al. e) do CPPT.

5- Ou seja, se o opoente não indicar expressamente o valor, entende-se que aceita o valor da execução (art. 316.º, n.º 1 do CPC) - cfr. Acórdão do TRP, processo n.º 0730569, in www.dgsi.pt/trp.

6- Assim não decidindo, na hipótese de não se ter tratado, como estamos em crer, de desconsideração de elementos constante da petição – a saber, a expressa referência à oposição do exigido montante de € 28.797,69 – a douta sentença violou o disposto nos artigos 292.º, 296.º, n.º 3, 304.º, n.º 1 e 307.º, n.º 1, todos do CPC, ex vi o disposto no artigo 2.º, al. e) do CPPT.

7- Devendo, consequentemente, ser substituída por outra que admitindo a oposição, ordene a sua normal tramitação.

8- Reitera-se, “esta cominação imediata – de extinção da instância – deve entender-se ser de aplicar apenas àqueles casos em que nenhuma referência expressa é feita ao valor da causa no final da petição inicial ou nenhuma outra seja contida naquela peça, da qual se possa inferir o valor da causa” - cfr. Acórdão do TCAS de 24/06/2008, processo n.º 02425/08, in www.dgsi.pt/jtca-

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por não provado e, consequentemente, a douta sentença proferida pelo tribunal a quo substituída por outra que receba a oposição deduzida por A………… à execução do valor de € 28.797,69, prosseguindo a sua normal tramitação».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Procurador-Geral Adjunto, que emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, com a seguinte fundamentação:

«[…] Nos termos do disposto no artigo 552.º/1/f) do CPC, ex vi do artigo 2.º/e) e 206.º do CPPT, deve o oponente indicar o valor da causa.
A necessidade de indicação do valor causa decorre do facto de ser a partir desse valor que se determina a eventual obrigatoriedade de constituição de advogado (artigo 6.º/1 do CPPT) e a recorribilidade da decisão a proferir pelo tribunal.
A indicação do valor deverá decorrer, em princípio, de uma declaração explícita, como decorre do disposto no artigo 552.º/1/f) do CPC.
Todavia, se da petição de oposição constar declaração da qual se possa deduzir, com toda a probabilidade, o valor que o oponente atribui à acção parece que nada obsta a que ele seja considerado, atento o disposto nos artigos 217.º/1 e 295.º do CC (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, III volume, página 541, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Até porque, em última instância, é ao juiz que incumbe fixar o valor da causa, nos termos do disposto no artigo 306.º/1 do CPC.
O recorrente, enquanto revertido na execução fiscal, logo no intróito da sua petição de oposição refere, expressamente, que “...notificado da decisão de reversão da execução para pagamento do valor de € 28.797,69 (vinte e oito mil setecentos e noventa e sete euros e sessenta e nove cêntimos), devidos pela sociedade B…………, Lda. (“B…………”), referente IRC do ano de 2012, VEM DEDUZIR OPOSIÇÃO…”.
Ora, dessa declaração, a nosso ver, resulta, com toda a probabilidade, que o oponente atribui à oposição o valor de € 28.797,69, valor esse que aliás, está em absoluta consonância com o critério do normativo do artigo 97.º-A/1/e) do CPPT.
Portanto, não obstante o recorrente ter sido notificado para indicar, expressamente, o valor da causa, sob pena da extinção da instância, nos termos do estatuído no artigo 305.º/3 do CPC, sem que o tenha feito, e constando da petição de oposição declaração da qual se pode concluir, com toda a probabilidade, que atribui à oposição o valor de € 28.797,69 e atento o princípio pro actione, inexiste fundamento legal para extinguir a instância, como, erradamente, a nosso ver, decidiu o tribunal recorrido.
A decisão recorrida merece censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a decisão recorrida, baixando os autos à 1.ª instância para seu normal prosseguimento se a tal nada mais obstar».

1.5 Com dispensa de vistos, cumpre apreciar e decidir se o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa fez correcto julgamento quando julgou extinta a instância com fundamento em falta de indicação do valor da oposição, mesmo após notificação para o efeito e com aquela cominação.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Apesar de não ter apreciado o mérito da causa (A declaração de extinção da instância constitui decisão de forma, e não de mérito.) e, por isso, não ter efectuado o julgamento da matéria de facto de modo autónomo, a decisão recorrida deixou registado o circunstancialismo factual relevante. A decisão é do seguinte teor:

«A………… […] vem deduzir oposição à execução fiscal n.º 1520201301163795, que o Serviço de Finanças de Loures 1 instaurou contra a sociedade B…………, Lda., e contra si reverteu, para cobrança coerciva de dívida daquela sociedade relativa a IRC do exercício de 2012.
Em fase liminar, tendo-se verificado que o Oponente, na sua petição inicial, não procedeu à indicação do valor que atribui à causa, pelo despacho de fls. 124-125 (numeração do SITAF, tal como nas posteriores referências sem menção de origem) foi determinada a notificação do Oponente para, no prazo de 10 (dez) dias, indicar o valor do processo, advertindo-o que, nos termos do disposto no artigo 305.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), a falta de indicação do valor determinaria a extinção da instância.
Tendo o Oponente sido notificado do referido despacho, por ofício datado de 23.09.2016 (cfr. fls. 126), o mesmo não procedeu no prazo fixado, e até à presente data, à indicação do valor da causa.

*
Nos termos do artigo 305.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.
A indicação do valor do processo, embora não venha indicada no artigo 206.º do CPPT como requisito da petição de oposição, é imposta, como requisito da petição inicial, pelo artigo 552.º, n.º 1, alínea 1), do CPC, aplicável subsidiariamente, por força do disposto no artigo 2.º, alínea e), daquele primeiro Código.
A indicação do valor nos processos de oposição releva, não só para efeito de custas, como para efeitos de determinar a exigência ou não de constituição de advogado, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do CPPT, para além de ser decisivo para efeitos de determinar a recorribilidade das decisões dos tribunais tributários, em função da sua alçada.
Sendo necessária a indicação do valor na petição, ela deve ser feita por uma declaração explícita nesse sentido, como decorre do próprio texto daquela alínea 1) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC em que se refere que o autor deve “declarar o valor da causa” (cfr., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, volume III, p. 541).
Como se conclui no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24.06.2008, processo n.º 02425/08:
“A exigência de indicação do valor, sob cominação de efeito desfavorável, é, claramente, um ónus imposto à parte. Essa indicação tem de ser expressa, não meramente dedutível ou inferida. (...)
Muito mais no actual sistema de autoliquidação de taxa de justiça inicial, em que incumbe à secretaria aferir do seu acerto, para o que serve e se compreende, uma inequívoca indicação”.
Não havendo na petição de oposição a declaração do valor que o Oponente lhe atribui, a petição deve ser recusada, nos termos do artigo 558.º, alínea e), e do referido artigo 552.º, n.º 1, alínea f), do CPC (cfr., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, volume II, p. 211).
No caso dos autos, não ocorreu a recusa da petição inicial.
Porém, determina o artigo 305.º, n.º 3, do CPC, aplicável ao abrigo a alínea e) do artigo 2.º do CPPT, que “[q]uando a petição inicial não contenha a indicação do valor e, apesar disso, haja sido recebida, deve o autor ser convidado, logo que a falta seja notada e sob a cominação de a instância se extinguir, a declarar o valor”. Assim, logo que a falta seja notada, deverá o autor (aqui oponente) ser convidado a declarar o valor, sob a referida cominação (no sentido de que, se a falta de indicação do valor só for notada após o recebimento da petição, deverá fazer-se aplicação do preceituado no actual artigo 305.º, n.ºs 3 e 4, do CPC/2013, anterior artigo 314.º, n.ºs 3 e 4, do CPC/1961, ao abrigo a alínea e) do artigo 2.º do CPPT, veja-se Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág. 211).
Nestes termos, foi ordenado nos presentes autos a notificação do Oponente para, em 10 (dez) dias, vir aos autos declarar o valor da causa, sob a cominação de a instância se extinguir, tendo o mesmo, como supra já se mencionou, sido notificado desse despacho através do oficio datado de 23.09.2016.
Ora, devendo considerar-se o Oponente validamente notificado em 26.09.2016 (ou seja, no terceiro dia posterior ao do registo) para indicar o valor que atribui à presente causa, decorrido o prazo concedido para o efeito, e até à presente data, o Oponente não procedeu à indicação do valor da causa nem sequer da forma de o determinar.
Pelo exposto, não tendo o Oponente procedido à indicação do valor da causa, face ao estatuído no mencionado artigo 305.º, n.º 3, do CPC (cfr. também artigos 278.º, alínea e) e 576.º, n.º 2, do mesmo diploma legal), tal omissão tem como consequência a extinção da instância.
Face ao decidido, cabe ao Oponente a responsabilidade pelas custas do processo – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
*
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se extinta a instância.
Custas a cargo do Oponente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário».

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A………… deduziu oposição a uma execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ele. Apresentou a petição inicial em cujo intróito deixou dito que, «notificado da decisão de reversão da execução para pagamento do valor de € 28.797,69 (vinte e oito mil setecentos e noventa e sete euros e sessenta e nove cêntimos), devidos pela B…………, Lda. […] referente a IRC do ano de 2012».
Após ter notificado o Oponente para «indicar o valor do processo, sob pena de extinção da instância (artigo 305.º, n.º 3, e 552.º, n.º 1, al. f), do CPC)», na ausência de resposta a essa notificação, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa julgou extinta a instância por falta de indicação do valor da causa nem da forma de o determinar, nos termos que acima deixámos transcritos.
Inconformado com essa decisão, o Oponente dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo. Invoca, em síntese, que logo na epígrafe da petição inicial deixou dito que vinha opor-se à execução fiscal contra ele revertida para pagamento da dívida de € 28.797,69, motivo por que deve considerar-se satisfeita a exigência legal de indicação do valor; em todo o caso, na falta de indicação de outro valor, sempre haveria de ter em conta que o valor a considerar seria o da execução, como decorre do disposto nos arts. 304.º, n.º 1, e 307.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT); não podia, pois, cominar-se a falta de indicação do valor com a extinção da instância.
A questão a dirimir é, pois, a de saber se a decisão recorrida fez correcto julgamento ao julgar extinta a instância por falta de indicação do valor da causa, o que passa por indagar se falta essa indicação e se, a verificar-se essa omissão, a mesma tem como consequência a extinção da instância ou se, como sustenta o Recorrente, deverá considerar-se como valor da oposição o valor da execução fiscal.

2.2.2 DA INDICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA – SUAS ESPECIFICIDADES NO CASO DA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL

É certo que o art. 296.º, n.º 1, do CPC, dispõe que «a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido». Também não se questiona a aplicação subsidiária dessa norma ao processo de oposição à execução fiscal, por força da norma remissiva da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Essa regra que impõe a atribuição de valor à causa, sem prejuízo da faculdade que assiste à contraparte de impugnar o valor oferecido (cfr. art. 305.º, n.º 1, do CPC) e ao juiz de o sindicar e de fixar ele o valor da causa (cfr. art. 306.º, n.º 1, do CPC), releva para vários efeitos, designadamente, para apurar da exigência ou não da constituição de advogado (cfr. art. 6.º, n.º 1, do CPPT), para efeitos de custas (que, de acordo com o art. 11.º do Regulamento das Custas Processuais, variam em função do valor do processo) e para efeitos de determinar a recorribilidade das decisões judiciais proferidas (cfr. art. 280.º, n.º 4, do CPPT, art. 105.º da Lei Geral Tributária e art. 6.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
No que respeita à oposição à execução fiscal, a indicação do valor da causa, pese embora não conste dos requisitos da petição inicial enumerados no art. 206.º do CPPT, nem por isso deve deixar de ser considerada como uma exigência a respeitar, imposta pelo art. 552.º, n.º 1, alínea f), do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT; assim, se o oponente não indicar o valor da causa, deve a secretaria recusar a petição, nos termos do art. 558.º, alínea e), do CPC e, se não tiver recusado, deve o juiz convidá-lo a declarar o valor, sob a cominação de a instância se extinguir, de acordo com o disposto n.º 3 do art. 303.º do CPC, sempre ao abrigo da referida alínea e) do art. 2.º do CPPT (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 7 ao art. 206.º, pág. 541.).
De tudo isso bem deu conta o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa.
Não significa isto, no entanto, que possamos concordar com a decisão.
Desde logo, note-se que, ao contrário do que afirma o Recorrente, não é aplicável à oposição à execução fiscal a regra do n.º 1 do art. 307.º do CPC, de que «[s]e a parte que deduzir qualquer incidente não indicar o respectivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa». Isto porque a oposição à execução fiscal não tem a natureza de incidente (cfr. arts. 166.º, n.º 1, e 186.º, n.º 1, do CPPT), antes se configurando como um processo autónomo relativamente à execução [cfr. art. 97.º, n.º 1, alínea o) do CPPT], pese embora dependente desta, relativamente à qual funciona como uma contestação (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ibidem, na nota de rodapé com o n.º 1. ).
Em todo o caso, não concordamos com a decisão recorrida que, salvo o devido respeito, subscreve uma posição estritamente formal, que olvida que na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do Código Civil («Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente».) (CC), os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC («A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».), o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado (Por outro lado, vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais – denominado do mínimo de correspondência verbal –, de que «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238.º, n.º 1 do CC).), bem como que a declaração pode deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, nos termos do disposto no art. 217.º, também do CC («1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz».). Para além disso, não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios da lei processual e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva [cfr. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)] ( Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 154/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9fd626d6071eab7780257b7f0054b163;
- de 8 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 32/13,disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/05f925c2f9dbfb7e80257c62005ae50a;
- de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 1508/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3ae0c6a1a8e08d4380257f32004f8db4;
- de 27 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 431/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1aa45cb220ac208a80257fa7003c01f9.).
Há ainda que ter presente que a nossa lei adjectiva procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão nas diversas leis processuais, que afastam o rigor formalista na interpretação das peças processuais (Cf. art. 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».).
Tendo presente o que vimos de dizer, somo levados a concluir que a referência que é feita pelo ora Recorrente no intróito da petição inicial, de que a oposição é deduzida na sequência da notificação, após a execução fiscal ter revertido contra ele, «para pagamento do valor de € 28.797,69 (vinte e oito mil setecentos e noventa e sete euros e sessenta e nove cêntimos)», pode e deve ser interpretada no sentido de que é esse o valor que o Oponente pretende declarar à causa, o valor da dívida que está a ser exigida ao Oponente. Aliás, em regra, o valor da oposição será o da dívida exequenda, a menos que o oponente restrinja o objecto da oposição a parte daquela [cfr. art. 97.º-A, n.º 1, alínea e), do CPPT].
É certo que a praxis do foro é a de que a indicação do valor da causa surja destacadamente na parte final do articulado, antecedida da fórmula valor da causa ou, simplesmente, valor. Mas nada na lei impõe esse modo de indicação do valor da causa, que pode ser feita por qualquer outro modo. O que importa é que se perceba qual o valor que o oponente pretende atribuir à causa.
Aliás, JORGE LOPES DE SOUSA, na anotação ao art. 206.º do CPPT expressamente citada na decisão recorrida (Ver nota 3.), depois de referir que «[s]endo necessária a indicação do valor ela deve ser feita por uma declaração explícita nesse sentido, como decorre do próprio texto daquela alínea f) do n.º 1 do art. 467.º [a que, hoje, corresponde a alínea f) do n.º 1 do art. 552.º] do CPC em que se refere que o autor deve «declarar o valor da causa»», logo adverte: «No entanto, se houver afirmações de que se deduza, com toda a probabilidade qual o valor que o oponente atribui a oposição, não haverá obstáculo a que ele seja considerado, em conformidade com o genericamente preceituado nos arts. 217.º, n.º 1, e 295.º do CC». Ou seja, embora a declaração deva ser explícita, há que verificar se pode considerar-se haver declaração implícita.
Assim, porque a petição inicial deve ser interpretada no sentido de que o Oponente – de modo atípico, é certo – indicou o valor da causa, assim dando cumprimento à obrigação que sobre ele impendia, o recurso merece provimento, pelo que a decisão recorrida será revogada e o processo regressará à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem os autos, se a tal nada mais obstar. Neste sentido também se pronunciou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Sendo certo que a indicação do valor da causa na petição inicial é uma exigência legal que se impõe também ao oponente, nos termos do disposto no 552.º, n.º 1, alínea f), do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, a mesma deve considerar-se satisfeita se, não obstante a declaração do valor não se efectuar pelo modo tradicional, for perceptível, em face do teor da petição inicial – cuja interpretação está sujeita às regras do CC, designadamente as que decorrem dos arts. 217.º e 295.º do CC –, qual o valor que o oponente pretendeu atribuir à oposição.
II - Nesse caso, não se justifica a extinção da instância ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 303.º do CPC, ainda que o oponente nada diga na sequência da notificação que lhe foi efectuada para indicar o valor da causa, sob aquela cominação.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí prosseguirem se a tal nada mais obstar.

Sem custas.


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Lisboa, 10 de Maio de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.