Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0442/15 |
Data do Acordão: | 05/11/2016 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | LIQUIDAÇÃO OFICIOSA FALTA DECLARAÇÃO CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO |
Sumário: | I - O IRC prevê que, em face do incumprimento pelo sujeito passivo da obrigação de apresentar declaração de rendimentos e nela proceder à autoliquidação do imposto, a AT proceda à liquidação oficiosa com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada [art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redacção aplicável, a que hoje corresponde o art. 90.º, n.º 1, alínea b)]. II - O prazo fixado para essa liquidação oficiosa é meramente ordenador e dirigido aos serviços da AT, destinando-se a prevenir a eventual caducidade do direito de liquidar; não constitui um prazo de caducidade, como resulta da possibilidade, consignada no n.º 10 do referido art. 83.º do CIRC [hoje, no n.º 12 do art. 90.º], de a AT corrigir essa liquidação dentro do prazo normal de caducidade (art. 45.º da LGT), cobrando ou anulando então as diferenças apuradas. III - Assim, o excesso do prazo fixado para a referida liquidação oficiosa, desde que se mostre respeitado o prazo da caducidade fixado no art. 45.º da LGT, não releva na legalidade desse acto. |
Nº Convencional: | JSTA00069697 |
Nº do Documento: | SA2201605110442 |
Data de Entrada: | 04/14/2015 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A............, LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICINAL |
Objecto: | SENT TAF PORTO |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. |
Legislação Nacional: | CIRC01 ART83 N1 B ART93. LGT98 ART45 N1. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC0955/09 DE 2009/12/16.; AC STA PROC01842/13 DE 2014/06/18. |
Referência a Doutrina: | DUARTE MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC 2007 PÁGS208-209. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 172/08.6BEPRT
1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgando procedente a impugnação judicial aí deduzida pela sociedade denominada “A…………, Lda.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrida), anulou, com fundamento em caducidade do direito de liquidar, as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) efectuadas oficiosamente pela Administração tributária (AT) relativamente aos anos de 2002 e 2003. 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.): «A. A douta sentença concedeu provimento à impugnação judicial, anulando as liquidações (oficiosas) de IRC e juros compensatórios dos exercícios de 2002 e 2003, no valor, respectivamente, de € 15.804,87 e € 15.808,26, por ter concluído que tendo as liquidações sido efectuadas nos termos do art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC, as mesmas tinham que ser efectuadas até 30 de Novembro do ano seguinte a que se refere o imposto pelo que, tinham que ser feitas até 30 de Novembro de 2003 e 30 de Novembro de 2004, respectivamente. B. Conjugando esta norma com o disposto no art. 45.º da LGT, que refere que o prazo geral de caducidade de 4 anos cede face a previsão de distinto prazo especial de caducidade, e considerando que o prazo estabelecido no art. 83.º, n.º 1, al. b) é um prazo de caducidade especial, tendo as liquidações sido efectuadas em 07/07/2005 e 22/07/2005, respectivamente, as mesmas vieram a ser emitidas para além do prazo de caducidade. C. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de procedência da presente impugnação, invocando que o prazo estabelecido no art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC (actual art. 90.º do CIRC), é um prazo de caducidade previsto em lei especial pelo que o prazo geral de quatro anos previsto no art. 45.º da LGT cede perante este prazo especial. D. A questão essencial a dirimir no presente recurso prende-se com a qualificação a dar ao prazo estabelecido no art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC: é este um prazo de caducidade, como se defende na douta sentença recorrida, ou é este um prazo meramente ordenador, disciplinar? E. No caso concreto, o impugnante não procedeu à entrega das declarações de rendimentos a que se refere o art. 112.º do CIRC. Perante esta falta, a Administração Fiscal procedeu à emissão das correspectivas liquidações (oficiosas) nos termos do art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC, não o tendo feito, contudo, até ao dia 30 de Novembro do ano seguinte a que respeita o imposto, ou seja, até 30 de Novembro de 2003 e 2004, mas em 07 e 22 de Julho de 2005, respectivamente. F. O Tribunal a quo entendeu que o prazo previsto na norma acima referida é um prazo de caducidade, fundamentando a sua decisão recorrendo ao conteúdo do art. 45.º, n.º 1 da LGT, que dispunha, à data dos factos: “O direito de liquidar os tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. G. Face a esta disposição, entendeu o Tribunal a quo que o prazo previsto no art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC é um prazo de caducidade especial e, portanto, cede ao prazo geral de caducidade estabelecido no n.º 1 do art. 45.º da LGT, porque se enquadra na parte “quando a lei não fixar outro”. H. A mesma questão foi já abordada pelo STA, nos Doutos Acórdãos de 16-12-2009, proferida no processo n.º 0955/09, e de 18/06/2014, processo 1842/13, que responderam à questão de se saber se o prazo contido na norma aqui em apreciação – al. b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC, seria um prazo peremptório ou um prazo meramente ordenador: I. Com a devida vénia, passamos a transcrever parte do primeiro Acórdão citado, que entendemos ser bastante claro e elucidativo, no sentido de esclarecer e suprimir qualquer dúvida à volta da questão, Acórdão que a Fazenda Pública adere e subscreve na íntegra, para todos os efeitos legais: “Afigura-se-nos evidente que estamos perante um prazo meramente ordenador. Na verdade, os prazos de caducidade são os estabelecidos pela LGT – art. 45.º. J. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que considere legal a liquidação efectuada e julgue improcedente a presente impugnação judicial. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências». 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos: «[…] FUNDAMENTAÇÃO 1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos. 1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, na medida em que, tendo as liquidações sob impugnação sido efectuadas para além do termo do prazo previsto, à data, no art. 83.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC (CIRC), na consideração de que esse prazo é de caducidade, julgou caducado o direito de liquidação. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «1. A aqui Impugnante A……….., Lda., NIPC ………, não apresentou a declaração Modelo 22 de IRC, com referência ao exercício do ano de 2002 (cfr. Informação de fls. 13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067). 2. Verificada tal situação foi efectuada pela Direcção de Serviços do IRC da Direcção-Geral de Impostos a liquidação oficiosa n.º 8310066538 de 07/07/2005 (cuja Demonstração de Liquidação foi junta sob Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos), de que resultou o montante a pagar de 15.804,87 €, sendo 15.497,47 € de imposto e 307,40 € de juros compensatórios, cuja data limite de pagamento era 24/08/2005 (cfr. Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos, fls. 10-15 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/ Reclamação Graciosa). 3. Aquela Liquidação Oficiosa (Demonstração de liquidação) foi notificada à sociedade Impugnante por correio registado em 26/07/2005 (cfr. Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos, fls. 10-15 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa). 4. A sociedade aqui Impugnante deduziu Reclamação Graciosa daquela liquidação em 22/11/2005 (cfr. fls. 11 e fls. 7 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa). 5. Por despacho de 03/10/2006 (constante de fls. 36 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067) foi indeferida aquela Reclamação Graciosa, pelos fundamentos vertidos no respectivo projecto de decisão, do que a sociedade Impugnante foi notificada em 13/10/2006 (cfr. fls. 31-36 e fls. 37-39 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067). 6. Tendo a aqui Impugnante interposto Recurso Hierárquico foi o mesmo indeferido por despacho de 06/08/2007 (constante de fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067/Recurso Hierárquico) o que lhe foi notificado em 18/10/2007 (cfr. fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n° 3387200594002067/Recurso Hierárquico). 7. A aqui Impugnante A…………, Lda., NIPC ………, não apresentou a declaração Modelo 22 de IRC, com referência ao exercício do ano de 2003 (cfr. Informação de fls. 14 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172). 8. Verificada tal situação foi efectuada pela Direcção de Serviços do IRC da Direcção-Geral de Impostos a liquidação oficiosa n.º 8310104125 de 22/07/2005 (cuja Demonstração de Liquidação foi junta sob Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos), de que resultou o montante a pagar de 15.808,26 €, sendo 15.497,47€ de imposto e 310,79 € de juros compensatórios, cuja data limite de pagamento era 31/08/2005 (cfr. Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos, fls. 8-13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172 e Informação de fls. 14 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa). 9. Aquela Liquidação Oficiosa (Demonstração de liquidação) foi notificada à sociedade Impugnante por correio registado em 03/08/2005 (cfr. Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos, fls. 8-13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172 e Informação de fls. 14 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa). 10. A sociedade aqui Impugnante deduziu Reclamação Graciosa daquela liquidação em 30/11/2005 (cfr. fls. 2 ss. e Informação de fls. 13 ss. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172). 11. Por despacho de 03/10/2006 (constante de fls. 21 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172) foi indeferida aquela Reclamação Graciosa, pelos fundamentos vertidos no respectivo projecto de decisão, do que a sociedade Impugnante foi notificada em 13/10/2006 (cfr. fls. 16-21 e fls. 22-24 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172). 12. Tendo a aqui Impugnante interposto Recurso Hierárquico foi o mesmo indeferido por despacho de 06/08/2007 (constante de fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172/Recurso Hierárquico) o que lhe foi notificado em 18/10/2007 (cfr. fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172/Recurso Hierárquico). 13. A Petição Inicial do presente Processo de Impugnação foi remetida a este Tribunal por correio registado em 16/01/2008 (cfr. fls. 1 e 13 dos autos). 14. A liquidação oficiosa n.º 8310066538 de 07/07/2005, referente ao exercício de 2002, foi efectuada com base na matéria colectável de 46.962,05 € por ser a correspondente à matéria colectável da Impugnante no exercício de 2001, nos termos do artigo 83.º n.º 1 alínea b) do CIRC (cfr. Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos, fls. 10-15 e fls. 21 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa). 15. A liquidação oficiosa n.º 8310104125 de 22/07/2005, referente ao exercício de 2003, foi efectuada com base na matéria colectável de 46.962,05 € por ser a correspondente à matéria colectável da Impugnante no exercício de 2001, nos termos do artigo 83.º n.º 1 alínea b) do CIRC (cfr. Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos, fls. 8-13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172, Informação de fls. 14 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa e ainda fls. 21 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067). 16. A sociedade A…………, Lda., NIPC ………, aqui Impugnante, integra o Agrupamento Complementar de empresas designado B…………, ACE, NIPC ………, tendo aquela matéria colectável de 46.962,05 € da sociedade aqui Impugnante (A…………, Lda.) do exercício de 2001 decorrido da imputação a esta sociedade (enquanto sociedade agrupada) da matéria colectável que foi fixada ao identificado Agrupamento Complementar de Empresas em sede de procedimento de inspecção por recurso a métodos indirectos (nos termos do respectivo Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e n.º 3387200594002272/Recurso Hierárquico) (cfr. Doc. n.º 3 junto com a Petição Inicial, a fls. 12 dos autos e fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e n.º 3387200594002272/Recurso Hierárquico)». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Porque a sociedade denominada “A…………, Lda.” não apresentou as declarações de rendimentos respeitantes aos exercícios de 2002 e 2003, a AT procedeu à liquidação oficiosa do IRC respeitante a esses anos, com base no rendimento colectável apurado relativamente ao ano de 2001 e ao abrigo do disposto no art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que, na redacção em vigor à data (Que era a do Decreto-lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2006). Após a republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, passou a corresponder-lhe o art. 90.º, n.º 1, alínea b), mantendo-se esta numeração actualmente, pois não foi alterada pela republicação do Código operada pela Lei n.º 2/2014 de 16 de Janeiro.), dispunha: 2.2.2 DA NATUREZA DO PRAZO PARA A AT EFECTUAR A LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IRC NA FALTA DE APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS As liquidações de IRC impugnadas nos presentes autos foram efectuadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC, uma vez que a ora Recorrida não entregou as declarações de rendimentos dos anos de 2002 e 2003. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí, após fixação da pertinente matéria de facto, serem conhecidas as questões que foram dadas como prejudicadas. Sem custas. * Lisboa, 11 de Maio de 2016. – Francisco Rothes(relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves. |