Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0442/15
Data do Acordão:05/11/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
FALTA
DECLARAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O IRC prevê que, em face do incumprimento pelo sujeito passivo da obrigação de apresentar declaração de rendimentos e nela proceder à autoliquidação do imposto, a AT proceda à liquidação oficiosa com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada [art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redacção aplicável, a que hoje corresponde o art. 90.º, n.º 1, alínea b)].
II - O prazo fixado para essa liquidação oficiosa é meramente ordenador e dirigido aos serviços da AT, destinando-se a prevenir a eventual caducidade do direito de liquidar; não constitui um prazo de caducidade, como resulta da possibilidade, consignada no n.º 10 do referido art. 83.º do CIRC [hoje, no n.º 12 do art. 90.º], de a AT corrigir essa liquidação dentro do prazo normal de caducidade (art. 45.º da LGT), cobrando ou anulando então as diferenças apuradas.
III - Assim, o excesso do prazo fixado para a referida liquidação oficiosa, desde que se mostre respeitado o prazo da caducidade fixado no art. 45.º da LGT, não releva na legalidade desse acto.
Nº Convencional:JSTA00069697
Nº do Documento:SA2201605110442
Data de Entrada:04/14/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICINAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC01 ART83 N1 B ART93.
LGT98 ART45 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0955/09 DE 2009/12/16.; AC STA PROC01842/13 DE 2014/06/18.
Referência a Doutrina:DUARTE MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC 2007 PÁGS208-209.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 172/08.6BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgando procedente a impugnação judicial aí deduzida pela sociedade denominada “A…………, Lda.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrida), anulou, com fundamento em caducidade do direito de liquidar, as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) efectuadas oficiosamente pela Administração tributária (AT) relativamente aos anos de 2002 e 2003.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A. A douta sentença concedeu provimento à impugnação judicial, anulando as liquidações (oficiosas) de IRC e juros compensatórios dos exercícios de 2002 e 2003, no valor, respectivamente, de € 15.804,87 e € 15.808,26, por ter concluído que tendo as liquidações sido efectuadas nos termos do art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC, as mesmas tinham que ser efectuadas até 30 de Novembro do ano seguinte a que se refere o imposto pelo que, tinham que ser feitas até 30 de Novembro de 2003 e 30 de Novembro de 2004, respectivamente.

B. Conjugando esta norma com o disposto no art. 45.º da LGT, que refere que o prazo geral de caducidade de 4 anos cede face a previsão de distinto prazo especial de caducidade, e considerando que o prazo estabelecido no art. 83.º, n.º 1, al. b) é um prazo de caducidade especial, tendo as liquidações sido efectuadas em 07/07/2005 e 22/07/2005, respectivamente, as mesmas vieram a ser emitidas para além do prazo de caducidade.

C. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de procedência da presente impugnação, invocando que o prazo estabelecido no art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC (actual art. 90.º do CIRC), é um prazo de caducidade previsto em lei especial pelo que o prazo geral de quatro anos previsto no art. 45.º da LGT cede perante este prazo especial.

D. A questão essencial a dirimir no presente recurso prende-se com a qualificação a dar ao prazo estabelecido no art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC: é este um prazo de caducidade, como se defende na douta sentença recorrida, ou é este um prazo meramente ordenador, disciplinar?

E. No caso concreto, o impugnante não procedeu à entrega das declarações de rendimentos a que se refere o art. 112.º do CIRC. Perante esta falta, a Administração Fiscal procedeu à emissão das correspectivas liquidações (oficiosas) nos termos do art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC, não o tendo feito, contudo, até ao dia 30 de Novembro do ano seguinte a que respeita o imposto, ou seja, até 30 de Novembro de 2003 e 2004, mas em 07 e 22 de Julho de 2005, respectivamente.

F. O Tribunal a quo entendeu que o prazo previsto na norma acima referida é um prazo de caducidade, fundamentando a sua decisão recorrendo ao conteúdo do art. 45.º, n.º 1 da LGT, que dispunha, à data dos factos: “O direito de liquidar os tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

G. Face a esta disposição, entendeu o Tribunal a quo que o prazo previsto no art. 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC é um prazo de caducidade especial e, portanto, cede ao prazo geral de caducidade estabelecido no n.º 1 do art. 45.º da LGT, porque se enquadra na parte “quando a lei não fixar outro”.

H. A mesma questão foi já abordada pelo STA, nos Doutos Acórdãos de 16-12-2009, proferida no processo n.º 0955/09, e de 18/06/2014, processo 1842/13, que responderam à questão de se saber se o prazo contido na norma aqui em apreciação – al. b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC, seria um prazo peremptório ou um prazo meramente ordenador:

I. Com a devida vénia, passamos a transcrever parte do primeiro Acórdão citado, que entendemos ser bastante claro e elucidativo, no sentido de esclarecer e suprimir qualquer dúvida à volta da questão, Acórdão que a Fazenda Pública adere e subscreve na íntegra, para todos os efeitos legais:

“Afigura-se-nos evidente que estamos perante um prazo meramente ordenador. Na verdade, os prazos de caducidade são os estabelecidos pela LGT – art. 45.º.
No caso, o que a lei pretende é disciplinar a acção interna da administração fiscal, estabelecendo prazos de actuação para liquidação do imposto.
E, assim, as consequências da sua inobservância não são a ilegalidade da liquidação, mas eventualmente a responsabilidade disciplinar dos funcionários e, mesmo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado, demonstrados que sejam, pelo contribuinte, prejuízos inerentes, nos termos do art. 22.º da Constituição, para o que, como é sabido, nem sequer é necessária uma imputação individual, bastando a existência da chamada culpa funcional dos serviços, como este STA tem vindo uniformemente a entender.
Nem se compreenderia a fixação de um prazo de caducidade tão curto e exíguo: se tivesse sido esse o escopo legal, o legislador tê-lo-ia dito expressamente como fez, por exemplo, a propósito da inspecção.
Temos, pois, que a ultrapassagem do referido prazo representa mera inobservância de prazos ordenadores, indicativos ou disciplinares, destinados a balizar ou regular a tramitação procedimental da liquidação do imposto, não gerando assim qualquer ilegalidade susceptível de a afectar, nem sendo, consequentemente, fonte de qualquer invalidade do acto, maxime de caducidade do exercício do direito à mesma liquidação” (sublinhado nosso).

J. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que considere legal a liquidação efectuada e julgue improcedente a presente impugnação judicial.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

«[…] FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: natureza do prazo para liquidação de IRC, em caso de falta de apresentação da declaração pelo sujeito passivo (art. 83.º n.º 1 al. b) CIRC; art. 90.º n.º 1 al. b) CIRC, após renumeração operada pelo art. 7.º n.º 1 DL n.º 159/2009,13 julho)
1. A questão foi analisada nos acórdãos STA-SCT 16.12.2009 processo n.º 955/09 e 18.06.2014 processo n.º 1842/13 com fundamentação cuja convincência merece a adesão do Ministério Público.
Acolhendo a doutrina dos acórdãos o sentido do parecer emitido pelo signatário naqueles processos, procede-se à transcrição do sumário do segundo aresto citado:
I- Tendo a liquidação resultado da aplicação de métodos indirectos de determinação da matéria colectável nos termos do disposto nos artigos 87.º e 88.º da LGT e 51.º do CIRC, o único prazo de caducidade do direito à liquidação é o que decorre do disposto no art. 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária – 4 anos.
II- A liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte a que respeita. Porém, sendo excedido este prazo – art 90.º, n.º 1, b), do actual Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas –, de natureza meramente disciplinar ou ordenador do funcionamento dos serviços da Administração Tributária, nenhuma repercussão desse excesso pode ser retirada para a legalidade, eficácia ou perfeição do acto de liquidação que venha a ocorrer em momento posterior.
Considerações complementares
1.ª A natureza meramente disciplinar ou ordenadora dos prazos estabelecidos no art. 83.º n.º 1 al. b) CIRC (actual art. 90.º n.º 1 al. b) CIRC) para a liquidação oficiosa está inculcada na ausência de previsão de sanção para o incumprimento pela administração tributária;
2.ª O prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto está expressamente consagrado no art. 93.º CIRC, actual art. 101.º CIRC (por remissão para os arts. 45.º e 46.º LGT);
3. A norma constante do art. 83.º n.º 1 al. b) CIRC (actual art. 90.º n.º 1 al. b) CIRC) limita-se a estabelecer um procedimento e forma de liquidação (como consta da epígrafe do artigo), definindo critérios para a quantificação da matéria colectável na ausência de declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo
2. Apreciação do caso concreto
Da aplicação da doutrina do acórdão ao caso concreto resulta a observância do prazo legal de caducidade de 4 anos para a realização das liquidações impugnadas, em consequência de:
a) início dos prazos de caducidade em 1 Janeiro 2003 – IRC exercício do ano 2003; em 1 Janeiro – exercício do ano 2004 (art. 45.º n.º 4 LGT);
b) notificação das liquidações ao sujeito passivo em 26.07.2005 e 3.08.2005 (probatório n.º 2, 3, 8, 9)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
- declaração de inexistência de caducidade do prazo de liquidação do imposto:
- devolução do processo ao tribunal recorrido para conhecimento da questão prejudicada pela solução da questão apreciada».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, na medida em que, tendo as liquidações sob impugnação sido efectuadas para além do termo do prazo previsto, à data, no art. 83.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC (CIRC), na consideração de que esse prazo é de caducidade, julgou caducado o direito de liquidação.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1. A aqui Impugnante A……….., Lda., NIPC ………, não apresentou a declaração Modelo 22 de IRC, com referência ao exercício do ano de 2002 (cfr. Informação de fls. 13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067).

2. Verificada tal situação foi efectuada pela Direcção de Serviços do IRC da Direcção-Geral de Impostos a liquidação oficiosa n.º 8310066538 de 07/07/2005 (cuja Demonstração de Liquidação foi junta sob Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos), de que resultou o montante a pagar de 15.804,87 €, sendo 15.497,47 € de imposto e 307,40 € de juros compensatórios, cuja data limite de pagamento era 24/08/2005 (cfr. Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos, fls. 10-15 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/ Reclamação Graciosa).

3. Aquela Liquidação Oficiosa (Demonstração de liquidação) foi notificada à sociedade Impugnante por correio registado em 26/07/2005 (cfr. Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos, fls. 10-15 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa).

4. A sociedade aqui Impugnante deduziu Reclamação Graciosa daquela liquidação em 22/11/2005 (cfr. fls. 11 e fls. 7 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa).

5. Por despacho de 03/10/2006 (constante de fls. 36 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067) foi indeferida aquela Reclamação Graciosa, pelos fundamentos vertidos no respectivo projecto de decisão, do que a sociedade Impugnante foi notificada em 13/10/2006 (cfr. fls. 31-36 e fls. 37-39 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067).

6. Tendo a aqui Impugnante interposto Recurso Hierárquico foi o mesmo indeferido por despacho de 06/08/2007 (constante de fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067/Recurso Hierárquico) o que lhe foi notificado em 18/10/2007 (cfr. fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n° 3387200594002067/Recurso Hierárquico).

7. A aqui Impugnante A…………, Lda., NIPC ………, não apresentou a declaração Modelo 22 de IRC, com referência ao exercício do ano de 2003 (cfr. Informação de fls. 14 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172).

8. Verificada tal situação foi efectuada pela Direcção de Serviços do IRC da Direcção-Geral de Impostos a liquidação oficiosa n.º 8310104125 de 22/07/2005 (cuja Demonstração de Liquidação foi junta sob Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos), de que resultou o montante a pagar de 15.808,26 €, sendo 15.497,47€ de imposto e 310,79 € de juros compensatórios, cuja data limite de pagamento era 31/08/2005 (cfr. Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos, fls. 8-13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172 e Informação de fls. 14 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa).

9. Aquela Liquidação Oficiosa (Demonstração de liquidação) foi notificada à sociedade Impugnante por correio registado em 03/08/2005 (cfr. Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos, fls. 8-13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172 e Informação de fls. 14 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa).

10. A sociedade aqui Impugnante deduziu Reclamação Graciosa daquela liquidação em 30/11/2005 (cfr. fls. 2 ss. e Informação de fls. 13 ss. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172).

11. Por despacho de 03/10/2006 (constante de fls. 21 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172) foi indeferida aquela Reclamação Graciosa, pelos fundamentos vertidos no respectivo projecto de decisão, do que a sociedade Impugnante foi notificada em 13/10/2006 (cfr. fls. 16-21 e fls. 22-24 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172).

12. Tendo a aqui Impugnante interposto Recurso Hierárquico foi o mesmo indeferido por despacho de 06/08/2007 (constante de fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172/Recurso Hierárquico) o que lhe foi notificado em 18/10/2007 (cfr. fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172/Recurso Hierárquico).

13. A Petição Inicial do presente Processo de Impugnação foi remetida a este Tribunal por correio registado em 16/01/2008 (cfr. fls. 1 e 13 dos autos).

14. A liquidação oficiosa n.º 8310066538 de 07/07/2005, referente ao exercício de 2002, foi efectuada com base na matéria colectável de 46.962,05 € por ser a correspondente à matéria colectável da Impugnante no exercício de 2001, nos termos do artigo 83.º n.º 1 alínea b) do CIRC (cfr. Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, a fls. 9 dos autos, fls. 10-15 e fls. 21 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e Informação de fls. 13 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa).

15. A liquidação oficiosa n.º 8310104125 de 22/07/2005, referente ao exercício de 2003, foi efectuada com base na matéria colectável de 46.962,05 € por ser a correspondente à matéria colectável da Impugnante no exercício de 2001, nos termos do artigo 83.º n.º 1 alínea b) do CIRC (cfr. Doc. n.º 2 com a Petição Inicial, a fls. 10 dos autos, fls. 8-13 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002172, Informação de fls. 14 ss. do mesmo PA/Reclamação Graciosa e ainda fls. 21 do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067).

16. A sociedade A…………, Lda., NIPC ………, aqui Impugnante, integra o Agrupamento Complementar de empresas designado B…………, ACE, NIPC ………, tendo aquela matéria colectável de 46.962,05 € da sociedade aqui Impugnante (A…………, Lda.) do exercício de 2001 decorrido da imputação a esta sociedade (enquanto sociedade agrupada) da matéria colectável que foi fixada ao identificado Agrupamento Complementar de Empresas em sede de procedimento de inspecção por recurso a métodos indirectos (nos termos do respectivo Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e n.º 3387200594002272/Recurso Hierárquico) (cfr. Doc. n.º 3 junto com a Petição Inicial, a fls. 12 dos autos e fls. do Processo Administrativo/Reclamação Graciosa n.º 3387200594002067 e n.º 3387200594002272/Recurso Hierárquico)».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Porque a sociedade denominada “A…………, Lda.” não apresentou as declarações de rendimentos respeitantes aos exercícios de 2002 e 2003, a AT procedeu à liquidação oficiosa do IRC respeitante a esses anos, com base no rendimento colectável apurado relativamente ao ano de 2001 e ao abrigo do disposto no art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que, na redacção em vigor à data (Que era a do Decreto-lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2006). Após a republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, passou a corresponder-lhe o art. 90.º, n.º 1, alínea b), mantendo-se esta numeração actualmente, pois não foi alterada pela republicação do Código operada pela Lei n.º 2/2014 de 16 de Janeiro.), dispunha:
«1. A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes: […] b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada; […]».
A referida sociedade, após ver indeferido o recurso hierárquico que interpôs do indeferimento da reclamação graciosa que deduziu das referidas liquidações, apresentou impugnação judicial com diversos fundamentos, entre os quais, em primeiro lugar, a caducidade do direito à liquidação. Sustentou a Impugnante que as liquidações, porque efectuadas ao abrigo do disposto no art. 83.º do CIRC, só poderiam ter sido efectuadas até 30 de Novembro de 2003, a respeitante ao ano de 2002, e até 30 de Novembro de 2004, a respeitante ao ano de 2003; porque o foram depois dessa data, verifica-se a caducidade do direito de liquidação.
A sentença anuiu à tese da Impugnante, no entendimento de que o prazo fixado na referida alínea b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC constitui um prazo de caducidade, especial, em face do que deve ceder o prazo geral fixado pelo art. 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT). Assim, considerando verificada a ilegalidade das liquidações por terem sido praticadas para além do termo do prazo de caducidade do direito de liquidar, anulou aqueles actos tributários.
Em consequência desse julgamento, entendeu ficar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na petição inicial.
A Fazenda Pública, louvando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal (Referimo-nos aos seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 955/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2074 a 2075, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/91c8deccf7a226e4802576a10051dd49;
- de 18 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 1842/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2311 a 2314, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5a2ab0ba4773f86f80257d02003c9545.), que citou, insurge-se contra o entendimento perfilhado na sentença relativamente à caducidade do direito de liquidar: a seu ver o prazo fixado na alínea b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC não é um prazo de caducidade, mas tão-só um prazo ordenador ou disciplinador do procedimento de liquidação, motivo por que o facto de ser excedido não tem repercussão alguma sobre o direito de liquidar, que não está sujeito senão ao prazo geral de caducidade.
Assim, como resulta do que deixámos dito, a questão a apreciar e decidir prende-se com a natureza do prazo previsto no art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na versão em vigor à data [a que hoje corresponde o art. 90.º, n.º 1, alínea b)]: prazo de caducidade ou mero prazo ordenador?

2.2.2 DA NATUREZA DO PRAZO PARA A AT EFECTUAR A LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IRC NA FALTA DE APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS

As liquidações de IRC impugnadas nos presentes autos foram efectuadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC, uma vez que a ora Recorrida não entregou as declarações de rendimentos dos anos de 2002 e 2003.
Tenha-se presente que, sob a epígrafe «Competência para a liquidação» o art. 82.º do CIRC (a que hoje corresponde o art. 89.º) estipulava que a liquidação do imposto fosse efectuada pelo próprio contribuinte (autoliquidação), com base nas declarações (periódica de rendimentos ou de substituição) por ele apresentadas ou, nos restantes casos, pela Direcção-Geral dos Impostos.
Por outro lado, o art. 83.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código (a que hoje corresponde igual número e alínea do art. 90.º), sob a epígrafe «Procedimento e forma de liquidação», previa que a liquidação, quando efectuada pelo contribuinte, tivesse por base a matéria colectável por ele declarada (Em consonância com a presunção de veracidade da declaração acolhida pelo n.º 1 do art. 75.º da LGT.).
Obviamente, a falta de apresentação da declaração de rendimentos não poderia ter como consequência que deixasse de se efectuar a liquidação do imposto. Assim, atento o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC (hoje, art. 90.º), caso não seja apresentada a declaração, a AT, oficiosamente, efectuará a liquidação até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita (ou, quando o período de tributação não coincida com o ano civil, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração), tendo por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada – mas nunca dela podendo resultar imposto inferior ao que resultaria caso fosse aplicável o regime simplificado – [alínea b)] ou, na falta de tais dados, os elementos de que disponha [alínea c)].
Esta liquidação efectuada pela AT, como é bom de ver, é uma liquidação provisória, na medida em que, como decorre do n.º 10 do art. 83.º do CIRC (hoje, n.º 12 do art. 90.º), até ao termo do prazo legal de caducidade (fixado pelo art. 45.º da LGT e pelo art. 93.º, hoje 101.º, do CIRC), a AT pode sempre proceder às correcções que se mostrem necessárias, liquidando adicionalmente ou anulando, em conformidade com as diferenças consideradas.
Quanto à natureza desta liquidação oficiosa, permitimo-nos aqui citar RUI DUARTE MORAIS: «Pensamos que o seu sentido mais não é do que prevenir uma eventual caducidade do direito à (a qualquer) liquidação.
O montante assim fixado será, necessariamente, provisório (como de resto é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correcção posterior pela administração tributária). Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível do contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado de um exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio), significaria abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo.
A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação “provisória”, o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efectuar uma acção inspectiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação actual» (Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, págs. 208/209.).
De tudo o que vimos de dizer, resulta manifesto que o prazo previsto para a liquidação oficiosa de IRC no caso de falta de apresentação pelo contribuinte da declaração de rendimentos não é um prazo de caducidade. É, isso sim, um prazo meramente dirigido aos serviços da AT, impondo-lhes um prazo curto para a liquidação oficiosa, em ordem a prevenir a caducidade do direito de liquidar (que fica sujeita ao prazo normal).
Mas, como resulta do que deixámos já dito, a AT não só pode, como deve, diligenciar, designadamente através de acção inspectiva, no sentido de apurar qual a matéria tributável do período em causa (o valor real ou presumido dos rendimentos sujeitos a tributação), de modo a, dentro do prazo da caducidade do direito de liquidar, proceder às correcções que se mostrem pertinentes e à consequente liquidação adicional ou anulação da liquidação oficiosa (consoante seja positiva ou negativa a diferença entre o montante de imposto liquidado oficiosamente nos referidos termos e o que venha a mostrar-se devido).
Concluímos, pois, que a sentença andou mal quando considerou que as liquidações impugnadas, porque efectuadas para além do prazo fixado na alínea b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC, enfermavam de violação de lei por caducidade do direito de liquidar, não atentando que este prazo não é outro que não o prazo geral da caducidade previsto no art. 45.º da LGT que, no caso, se mostra respeitado. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal Administrativo, como resulta dos acórdãos citados pela Recorrente e pelo Procurador-Geral Adjunto.
Assim, a sentença será revogada e os autos deverão regressar à 1.ª instância, a fim de aí e após fixação da matéria de facto pertinente, serem conhecidos os fundamentos de impugnação judicial que a sentença considerou prejudicados.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O IRC prevê que, em face do incumprimento pelo sujeito passivo da obrigação de apresentar declaração de rendimentos e nela proceder à autoliquidação do imposto, a AT proceda à liquidação oficiosa com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada [art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redacção aplicável, a que hoje corresponde o art. 90.º, n.º 1, alínea b)].
II - O prazo fixado para essa liquidação oficiosa é meramente ordenador e dirigido aos serviços da AT, destinando-se a prevenir a eventual caducidade do direito de liquidar; não constitui um prazo de caducidade, como resulta da possibilidade, consignada no n.º 10 do referido art. 83.º do CIRC [hoje, no n.º 12 do art. 90.º], de a AT corrigir essa liquidação dentro do prazo normal de caducidade (art. 45.º da LGT), cobrando ou anulando então as diferenças apuradas.
III - Assim, o excesso do prazo fixado para a referida liquidação oficiosa, desde que se mostre respeitado o prazo da caducidade fixado no art. 45.º da LGT, não releva na legalidade desse acto.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí, após fixação da pertinente matéria de facto, serem conhecidas as questões que foram dadas como prejudicadas.

Sem custas.

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Lisboa, 11 de Maio de 2016. – Francisco Rothes(relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.