Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0694/16.5BEBJA
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TAXA SIRCA
INCONSTITUCIONALIDADE
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Como é jurisprudência do Plenário do Tribunal Constitucional, a norma extraída do n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 38/2012, de 16 de Fevereiro, na medida em que impõe aos estabelecimentos de abate a cobrança de uma taxa para efeitos de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (SIRCA), enferma de inconstitucionalidade por violação do art. 13.º da CRP.
II - Nos termos da alínea d) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, são devidos juros indemnizatórios «em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução» e, de acordo com o art. 3.º da referida Lei n.º 9/2019, «A redacção da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de Janeiro de 2011».
Nº Convencional:JSTA000P26007
Nº do Documento:SA2202006030694/16
Data de Entrada:09/13/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 694/16.5BEBJA

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada contra as autoliquidações da taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações (SIRCA), referentes aos meses de Janeiro de 2012 a Setembro de 2013, anulou esses actos e condenou a restituir os montantes pagos acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento «até à data da restituição e no máximo até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado».

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que sintetizou em conclusões do seguinte teor:

«A- Os subprodutos animais, nomeadamente cadáveres inteiros ou partes de animais ou produtos de origem animal, não destinados ao consumo humano são uma fonte potencial de riscos para a saúde pública e animal e para o ambiente, sendo gerados principalmente durante o abate de animais para consumo humano, na produção de géneros alimentícios de origem animal, na eliminação de animais mortos e na aplicação de medidas de controlo de doenças.

B- O Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro (adiante DL 244/2003), estabeleceu o regime a que ficavam obrigadas as entidades geradoras de subprodutos animais, de acordo com o disposto no Regulamento (CE) n.º 1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, e suas alterações, relativamente à sua recolha, transporte, armazenagem, manuseamento, transformação e utilização ou eliminação, bem como as regras de financiamento do sistema de recolha de animais mortos na exploração (SIRCA).

C- Além disso, o DL 244/2003 atribuiu ao agora Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P.) a missão de assegurar a recolha, transporte e destruição dos cadáveres dos bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos mortos na exploração, tendo ainda estabelecido taxas de igual valor para todas as espécies de animais, como forma de financiamento do SIRCA.

D- Foi, pois, neste contexto que o Decreto-Lei n.º 244/2003 instituiu um encargo, ao qual se deu a designação de taxa, a cobrar aos apresentantes de animais para abate, através dos estabelecimentos de abate que eram também, nos termos do mesmo diploma, os responsáveis pela entrega do produto da taxas cobradas junto do INGA e a quem era imputável, em caso de incumprimento dessa obrigação, a prática de uma contra-ordenação, punível com coima [cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do DL 244/2003].

E- O Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, definiu as regras de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (SIRCA), sistema criado ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, ao qual são também aplicáveis as normas constantes do Regulamento (CE) n.º 1069/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro.

F- Com o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, pretendeu-se, assim, ajustar o regime de financiamento do SIRCA, criando condições para introduzir a adequada proporcionalidade, em particular na vertente da cobertura de custos, bem como uma maior equidade em termos de repartição dos mesmos em função da espécie de animal em presença, e ainda uma maior eficácia e celeridade nos procedimentos inerentes ao mecanismo de cobrança das taxas.

G- Nos termos do citado decreto-lei, para efeitos de financiamento do SIRCA, é cobrada uma taxa aos estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos, produzidos no território continental e apresentados para abate.

H- Nesta medida, a alteração preconizada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 07/02, tornou coerente o espírito da anterior lei, já que passou a considerar que o devedor da taxa coincide com aquele a quem já era imputada a falta de pagamento junto do organismo competente, o que antes não acontecia.

I- Na sentença proferida e ora sob recurso, o douto Tribunal “a quo” entende que “Taxa SIRCA” é ilegal por violar o art. 4.º, n.º 2 da LGT já que com o exercício dessa actividade o Estado não presta em concreto um serviço público à Impugnante, esta não utiliza qualquer bem do domínio público ou o Estado remove qualquer obstáculo jurídico ao comportamento da mesma.

J- Entendimento que reputamos de errado, porquanto, como consta do Acórdão 663/15, da 2.ª Secção de Contencioso Tributário desse Supremo Tribunal, sendo a Lei Geral Tributária uma lei comum e não uma lei de valor reforçado, a existir contradição entre a norma do n.º 2 do artigo 4.º da LGT e o n.º 1 do artigo 1.º do DL 19/2011, não é esta de molde a suportar a julgada ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei, porquanto tal vício só ocorre entre actos normativos de diferente valor hierárquico,

K- Nem sequer estamos perante um imposto, não se verificando igualmente a aventada inconstitucionalidade da taxa SIRCA, por violação da reserva de competências da Assembleia da República, nem sequer por violação do princípio da igualdade.

L- Ademais, determinou a douta sentença a condenação da AT, além da devolução da taxa SIRCA liquidada e paga, ao pagamento de juros indemnizatórios, condenação que não se pode manter, por esta sim, constituir uma flagrante ilegalidade, por falta de suporte legal, porquanto, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”,

M- Ou ainda, nos termos do n.º 2, “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”, o que, não obstante o devido respeito pelo Tribunal “a quo” não é manifestamente o caso.
Com efeito, tanto a AT, como qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, privada ou integrante da Administração Pública, estão sujeitos ao princípio da legalidade, significando tal, que não se podem abster, seja por qual a razão, a dar integral cumprimento ao determinado nas normas legais, não se podendo abster de as cumprir em função de qualquer juízo de ilegalidade ou mesmo inconstitucionalidade, enquanto estas se mantiverem vigentes,

N- Logo, ao dar integral cumprimento ao determinado no DL 19/2011, não está a AT a cometer qualquer ilegalidade, antes pelo contrário está a dar cumprimento ao determinado na norma legal, nem sequer se verificando qualquer erro imputável aos serviços,

Termos em que, deve a douta sentença ora sob recurso ser revogada, ou, o que só por mero dever de patrocínio se considera, não obtendo provimento tal pretensão, deve ser revogada a condenação em juros indemnizatórios, porquanto, na liquidação da Taxa SIRCA não se verificaram quaisquer erros imputáveis aos serviços, decorrendo tal, do integral cumprimento das normas legais vigentes».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença, se bem que com diversa fundamentação. Isto, com os seguintes fundamentos: «[…]

Da leitura da PI resulta que a recorrida sustenta que as autoliquidações violam o artigo 4.º/2 da LGT, pois que a alegada TAXA SIRCA, estatuída no artigo 2.º/1 do DL 19/2011, é um verdadeiro imposto e não uma taxa e, como tal, devem ser anuladas por erro sobre os pressupostos de direito, e que o artigo 2.º/1 do DL é organicamente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP, inconstitucionalidade essa que, também, determina a ilegalidade das autoliquidações sindicadas.
A decisão recorrida ao considerar que o artigo 2.º/1 viola o disposto no artigo 4.º/2 da LGT, ao definir o tributo em causa como uma taxa, quando na realidade é um imposto, e ao julgar que as autoliquidações sindicadas sofrem de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito incorre em evidente erro de julgamento.
De facto, os tribunais não podem deixar de aplicar uma norma por entenderem que viola o conceito jurídico de taxa (acórdão do STA, de 17/02/2016-P. 0663/15, disponível em www.dgsi.pt).
Ao sustentar que a TAXA SIRCA, prevista no artigo 2.º/1 do DL 19/2011, é um imposto e não uma taxa, tal como esta vem definida no artigo 4.º/2 da LGT, o tribunal recorrido só poderia recusar a aplicação de tal normativo se o julgasse em desconformidade com a CRP (artigo 204.º da CRP).
Aliás, a sentença recorrida, para a hipótese de não se relevar o anterior fundamento de anulação das autoliquidações, acabou por sustentar a desaplicação da norma do artigo 2.º/1 do DL, por ser, alegadamente, organicamente inconstitucional.
Vejamos.
O STA, de forma reiterada tem vindo a sustentar que a TAXA SIRCA, tal como configurada no artigo 2.º do DL 19/2011, de 07/02, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência, recusando, assim, a sua aplicação (Entre outros, acórdãos de 03/05/2017-P. 0834/16, de 25/10/2017-P. 0659/17, de 08/11/2017-P. 0829/17 e de 20/03/2019-P. 0558/15.0BEMDL 0176/18, acessíveis em www.dgsi.pt).
Esta inconstitucionalidade veio a ser declarada pelo Tribunal Constitucional (acórdãos 344/19-PLENÁRIO; 995/19; 364/19, 540/19; 541/19; 574/19 e 621/19, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Em concordância com a citada jurisprudência, cujo discurso fundamentador se subscreve, o tributo em causa, uma contribuição financeira, tal como configurada pelo DL 19/2011, é inconstitucional, pois que configura o estabelecimento de abate como seu contribuinte directo, não sendo esta entidade o presumível beneficiário do serviço que a taxa visa financiar.
De facto, o beneficiário do serviço que a contribuição visa financiar é, antes, o titular da exploração dona dos animais abatidos nas condições previstas no mencionado DL.
Assim sendo, o legislador não delimitou a base de incidência subjectiva da contribuição prevista no artigo 2.º/1 do DL 19/2011, de 7 de Fevereiro em função dos custos e benefícios provocados e aproveitados pelo sujeito passivo, criando antes uma situação de discriminação lesiva do princípio da igualdade tributária, consagrada no artigo 13.º da CRP”- do acórdão 344/19 do Tribunal Constitucional.
As sindicadas autoliquidações não podem, pois, deixar de ser anuladas, pois que a TAXA SIRCA, tal como ela é configurada pelo DL 19/2011, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade tributária.

DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

À data da prolação da sentença recorrida (01/05/2018) não eram devidos juros indemnizatórios.
De facto, nos termos do estatuído no artigo 43.º/1 da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
São, pois, requisitos do direito a juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT:
1. Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
2. Que ele seja imputável aos serviços;
3. Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4. Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Como é sabido, nos termos do disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve actuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, salvo se o TC já tiver declarado a sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral (artigo 282.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º/1 da CRP), quando a inconstitucionalidade for flagrante ou manifesta, o que não acontece no caso em apreciação (CRP, anotada e comentada, 4.ª edição revista, II volume, página 800, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira)
Assim sendo, a AT não poderia deixar de proceder às liquidações sindicadas e anuladas, por via da sua inconstitucionalidade (Neste sentido, entre outros, acórdão do STA, de 05/04/2017-P. 0399/15, disponível em www.dgsi.pt).
Sucede que, entretanto, a Lei 9/2019, de 01/02, em vigor a 02/02/2009, por via do seu artigo 2.º aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios, “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respectiva devolução”.
Nos termos do artigo 3.º da citada Lei 9/2019, a redacção da alínea d) do artigo 43.º da LGT aplica-se às decisões judicias de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 01/01/2011.
Na situação em análise serão, pois, devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º/2/ d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no artigo 61.º/5 do CPPT».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) A sociedade Impugnante, no exercício da sua actividade de estabelecimento industrial de abate de animais procedeu às seguintes autoliquidações da Taxa SIRCA:
- declaração mensal da Taxa SIRCA, referente ao mês de Setembro de 2013, no valor de 10.784,24 €, autoliquidado e declarado em 30/11/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Agosto de 2013, no valor de 10.951,08 €, autoliquidado e declarado em 31/10/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Julho de 2013 no valor de 10.648,32 €, autoliquidado, declarado e pago em 30/09/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Junho de 2013 no valor de 8.813,95 €, autoliquidado e declarado em 31/08/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Maio de 2013 no valor de 8.745,93 €, autoliquidado e declarado em 31/07/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Abril de 2013 no valor de 9.790,35 €, autoliquidado e declarado em 30/06/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Março de 2013 no valor de 14.876,65 €, autoliquidado e declarado em 31/05/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Fevereiro de 2013 no valor de 11.993,90 €, autoliquidado e declarado em 30/04/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Janeiro de 2013 no valor de 15.211,72 €, autoliquidado e declarado em 31/03/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Dezembro de 2012 no valor de 15.848,79 €, autoliquidado e declarado em 28/02/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Novembro de 2012 no valor de 15.210,02 €, autoliquidado e declarado em 31/01/2013;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Outubro de 2012 no valor de 18.371,39 €, autoliquidado e declarado em 31/12/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Setembro de 2012 no valor de 15.668,39 €, autoliquidado e declarado em 30/11/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Agosto de 2012 no valor de 20.593,02 €, autoliquidado e declarado em 31/10/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Julho de 2012 no valor de 20.202,85 €, autoliquidado e declarado em 30/09/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Junho de 2012 no valor de 17.041,33 €, autoliquidado e declarado em 31/07/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Maio de 2012 no valor de 17.041,33 €, autoliquidado e declarado em 31/07/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Abril de 2012 no valor de 17.063,12 €, autoliquidado e declarado em 30/06/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Março de 2012 no valor de 21.741,85 €, autoliquidado e declarado em 31/05/2012;
- plano de pagamento prestacional à DGAV das Taxas SIRCA referentes ao período entre o mês de Março de 2012 e Outubro de 2014;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Fevereiro de 2012 no valor de 15.656,27 €, autoliquidado e declarado em 30/04/2012;
- declaração mensal da Taxa SIRCA referente ao mês de Janeiro de 2012 no valor de 17.657,71 €, autoliquidado e declarado em 31/03/2012;

B) A sociedade Impugnante procedeu às autoliquidações em cumprimento das instruções recebidas a partir da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária;

C) A sociedade Impugnante deu entrada à petição inicial que deu origem aos presentes autos em 12/10/2016».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrida veio impugnar judicialmente as autoliquidações da denominada taxa SIRCA com fundamento i) na violação do art. 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) e ii) na inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 19/2011, na medida em que considera que a mesma é um imposto ou um tributo equivalente, sujeito ao princípio da legalidade e à reserva de lei formal e, por isso, que a criação da mesma viola os arts. 103.º e 165.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou ilegais as liquidações impugnadas, quer porque as mesmas «violam o art. 4.º, n.º 2, da LGT», quer porque é «inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.º da Constituição), a taxa “SIRCA” tal como configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, na medida em que configura o “estabelecimento de abate” como contribuinte directo do tributo, quando o presumível beneficiário do serviço que esta se destina a financiar é, não ele, mas o titular da exploração»,
Assim, concluiu pela procedência de «ambos os fundamentos da impugnação» e, consequentemente, anulou os actos impugnados.
Mais condenou a Fazenda Pública a restituir à Impugnante os montantes pagos, acrescidos de juros indemnizatórios «até à data da restituição e no máximo até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado».
A Fazenda Pública discordou e recorreu da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo.
Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, a Recorrente entende que a sentença errou nos seguintes segmentos:
i) quando entendeu «que “Taxa SIRCA” é ilegal por violar o art. 4.º, n.º 2 da LGT já que com o exercício dessa actividade o Estado não presta em concreto um serviço público à Impugnante, esta não utiliza qualquer bem do domínio público ou o Estado remove qualquer obstáculo jurídico ao comportamento da mesma», uma vez que «como consta do Acórdão 663/15, da 2.ª Secção de Contencioso Tributário desse Supremo Tribunal, sendo a Lei Geral Tributária uma lei comum e não uma lei de valor reforçado, a existir contradição entre a norma do n.º 2 do artigo 4.º da LGT e o n.º 1 do artigo 1.º do DL 19/2011, não é esta de molde a suportar a julgada ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei, porquanto tal vício só ocorre entre actos normativos de diferente valor hierárquico»;
ii) quando se pronunciou pela inconstitucionalidade da taxa SIRCA, pois «[n]em sequer estamos perante um imposto, não se verificando igualmente a aventada inconstitucionalidade da taxa SIRCA, por violação da reserva de competências da Assembleia da República, nem sequer por violação do princípio da igualdade»;
iii) quando a condenou em juros indemnizatórios, pois «ao dar integral cumprimento ao determinado no DL 19/2011, não está a AT a cometer qualquer ilegalidade, antes pelo contrário está a dar cumprimento ao determinado na norma legal, nem sequer se verificando qualquer erro imputável aos serviços», tanto mais que a AT, que esta sujeita ao princípio da legalidade, não se pode recusar a «dar integral cumprimento ao determinado nas normas legais, não se podendo abster de as cumprir em função de qualquer juízo de ilegalidade ou mesmo inconstitucionalidade, enquanto estas se mantiverem vigentes».
As questões que cumpre apreciar e decidir são, pois, as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento nos referidos pontos.
Como resulta do que decidiremos adiante, por força da resposta a dar à questão da constitucionalidade da taxa SIRCA, tal como configurada pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, ficará prejudicado o conhecimento da 1.ª questão que enunciámos, ou seja, a da ilegalidade das liquidações por violação do disposto no art. 4.º, n.º 2, da LGT. Isto, sem prejuízo de se reconhecer que, como este Supremo Tribunal tem dito já por várias vezes (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 31 de Março de 2016, proferido no processo n.º 628/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b596f08054d5626b80257f8d0039f009;
- de 18 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 102/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7b052d7faf06b06b80257fb900517e86;
- de 15 de Março de 2017, proferido no processo com o n.º 262/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/83bb4be6f03d328a802580e6004ab2dd.) e salientou o Procurador-Geral-Adjunto no parecer acima transcrito, porque a LGT não constitui uma lei de valor reforçado, mas uma lei ordinária comum, não pode a antinomia entre o disposto no seu art. 4.º, n.º 2 e o disposto no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, constituir motivo válido e suficiente para fundamentar a julgada ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei, impondo-se, para eventual desaplicação desse art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 19/2011, apreciar e decidir a colocada questão da sua inconstitucionalidade.

2.2.2 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA TAXA SIRCA NA PREVISÃO DO DECRETO-LEI N.º 19/2011

O Supremo Tribunal Administrativo, de modo uniforme e reiterado tem decidido que a denominada taxa SIRCA, tal como estava configurada no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Maio de 2017, proferido no processo com o n.º 834/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9e1f6469acdee2748025811d00343b5e;
- de 25 de Outubro de 2017, proferido no processo com o n.º 659/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e772fbab773845e3802581c6004aa35c;
- de 8 de Novembro de 2017, proferido no processo com o n.º 829/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cbbe569316a2b84c802581d8004b9aa7;
- de 8 de Novembro de 2017, proferido no processo com o n.º 1134/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/302e10f33e7e8198802581d700452e61;
- de 20 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 558/15.0BEMDL (176/18) , disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3380128630073692802583c5005ae812.).
Também o Tribunal Constitucional, pelo acórdão n.º 344/2019, do Plenário, proferido em 4 de Junho de 2019, no processo com o n.º 673/17, decidiu: «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 38/2012, de 16 de Fevereiro, na medida em que impõe aos estabelecimentos de abate a cobrança de uma taxa para efeitos de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (SIRCA)» (() Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190344.html.), decisão a que se seguiram outras no mesmo sentido (() Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 363/2019, de 19 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 995/17, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190363.html;
- n.º 364/2019, de 19 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 66/18, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190364.html;
- n.º 540/2019, de 16 de Outubro de 2019, proferido no processo com o n.º 518/17, disponível em
http;://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190540.html
- n.º 541/2019, de 16 de Outubro de 2019, proferido no processo com o n.º 32/18, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190541.html;
- n.º 574/2019, de 17 de Outubro de 2019, proferido no processo com o n.º 807/18, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190574.html;
- n.º 621/2019, de 23 de Outubro de 2019, proferido no processo com o n.º 593/2017, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190621.html.).
Assim, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que é o tribunal a quem compete a última palavra na decisão das questões de constitucionalidade de normas, não merece censura a sentença na parte em que decidiu pela inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, na medida em que impõe aos estabelecimentos de abate a cobrança de uma taxa para efeitos de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (SIRCA).

2.2.3 DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A questão a dirimir seria a de saber se a anulação da liquidação baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele acto tributário implica a existência de «erro imputável aos serviços» de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, a determinar o direito a juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT.
A questão, que suscitou controvérsia está, hoje, legislativamente resolvida pela introdução no n.º 3 daquele artigo – «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias» – de uma alínea d), com o seguinte teor: «Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução».
É certo que a introdução desta alínea no n.º 3 do art. 43.º da LGT foi efectuada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, ou seja, ulteriormente à prolação da sentença recorrida. No entanto, nos termos do art. 1.º da referida Lei, a mesma «altera a Lei Geral Tributária, clarificando, com natureza retroactiva, o dever das entidades públicas de pagar juros indemnizatórios pelo pagamento de prestações tributárias que sejam indevidos por a sua cobrança se ter fundado em normas declaradas judicialmente como inconstitucionais ou ilegais» e, de acordo com o art. 3.º, «A redacção da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de Janeiro de 2011».
Ou seja, a Lei n.º 9/2019 determina, com natureza retroactiva, o dever das entidades públicas, designadamente a AT, de pagar juros indemnizatórios em caso de pagamento indevido de prestações tributárias fundado em normas declaradas judicialmente como inconstitucionais ou ilegais, acrescentando a alínea d) ao n.º 3 do art. 43.º da LGT; e mais, a mesma Lei determina que esta nova alínea se aplica também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrega em vigor (2 de Fevereiro de 2019, de acordo com o respectivo art. 4.º), sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de Janeiro de 2011.
Em face dos preceitos legais transcritos, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios; e, por força do efeito retroactivo conferido àquela alteração legislativa, impõe-se manter o decidido na sentença quanto a juros indemnizatórios.

2.2.4 CONCLUSÕES

Em face do exposto, será negado provimento ao recurso e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Como é jurisprudência do Plenário do Tribunal Constitucional, a norma extraída do n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 38/2012, de 16 de Fevereiro, na medida em que impõe aos estabelecimentos de abate a cobrança de uma taxa para efeitos de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (SIRCA), enferma de inconstitucionalidade por violação do art. 13.º da CRP.

II - Nos termos da alínea d) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, são devidos juros indemnizatórios «em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução» e, de acordo com o art. 3.º da referida Lei n.º 9/2019, «A redacção da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de Janeiro de 2011».


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


*
Lisboa, 3 de Junho de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Joaquim Condesso – Nuno Bastos.