Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0482/16
Data do Acordão:10/12/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:INCENTIVOS FISCAIS À INTERIORIDADE
Sumário:I - O art. 39.º-B, aditado ao EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), instituiu um regime de benefícios fiscais à interioridade para as «empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior».
II - Nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 – diploma por que visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais» – devia ser aprovada uma portaria, da competência conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, destinada a estabelecer as disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação do regime da interioridade, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa (n.º 1) e, até lá, mantém-se em vigor a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro (n.º 2).
III - Sendo certo que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola [art. 2.º, alínea a)], a mesma, nessa parte, não pode considerar-se aplicável por remissão do referido art. 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, na medida em que essa aplicação implicaria a revogação ou, pelo menos, a suspensão do art. 39.º-B do EBF.
IV - A interpretação contrária implicaria, não só a ilegalidade da referida portaria, que, como regulamento de execução que é, não pode conter qualquer norma contra ou praeter legem, sob pena de nulidade, como inclusive implicaria a inconstitucionalidade do referido art. 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, quer por violação do n.º 5 do art. 112.º, quer por violação dos arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, todos da CRP.
Nº Convencional:JSTA000P20969
Nº do Documento:SA2201610120482
Data de Entrada:04/14/2016
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………….., LDA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (TAF de Beja) datada de 26 de 23 Abril de 2015, que julgou improcedente a Impugnação Judicial, deduzida contra a liquidação adicional de IRC de 2007 e 2008.

Alegou, tendo concluído como se segue:
a) A Recorrente que exerce desde há largos anos a atividade de agricultura e produção animal achando-se integrada no CAE 001500;
b) E que tem a sua sede da sua atividade na morada identificada nos autos, sita no concelho de Santiago do Cacém;
c) É juridicamente claro que o benefício fiscal em causa é especificamente regulado pelos três normativos identificados, o artigo 39.°-B (depois, 43°) do EBF, o Decreto-Lei n.° 55/2008, de 26 de Março e a Portaria n.° 1467-A/2001, de 31 de Dezembro;
d) E bem assim que o Decreto-Lei n.° 55/2008 regula, no seu artigo 6°, a delimitação das áreas beneficiárias, sendo que a lei opta por um duplo critério que é o de que para os anos de 2007 e 2008 vale o disposto no n.° 1 e, para os anos seguintes vale o disposto no n.° 2;
e) Mais se deu como provado na Sentença recorrida que a Portaria 1467-A/2001 considera áreas beneficiárias abrangidas no Alentejo litoral “os concelhos de Alcácer do Sal; Grândola; Odemira; Santiago do Cacém e Sines.”
f) Estando, por isso inequivocamente reunido o pressuposto “áreas beneficiárias” previsto no artigo 39.°-B do EBF;
g) Dá ainda a Sentença recorrida como provado que a determinação das áreas abrangidas se faz por remissão expressa para a Portaria 1467-A/20021 e não para a Portaria 170/2002, de 28 de Fevereiro, decidindo o Tribunal a quo corretamente no sentido de que dúvidas não restam quanto à integração da sociedade Recorrente no âmbito territorial de alcance dos benefícios fiscais de que se vem tratando (fls. 14 da Sentença recorrida);
h) Matéria relativamente à qual não veio a administração fiscal contestar, por não haver interposto recurso, devendo nesta parte o decido considerar-se desde já consolidado;
i) Erra, todavia a Sentença recorrida ao concluir e decidir no sentido da exclusão da Recorrente do direito ao benefício em virtude de deter como “atividade explorativa a agricultura”;
j) Precisamente porque, a atividade económica agrícola consta expressamente do teor literal do n.° 1 do artigo 39.°-B do EBF e, nessa medida, integra o conjunto das atividades económicas beneficiárias;
k) Pelo que a referida Sentença incorre em erro sobre conteúdo do direito aplicável, em clara violação do elemento literal dessa norma, mas também dos seus elementos, sistemático e lógico da interpretação da lei;
l) Assim como incorre em erro sobre o direito aplicável ao pretender retirar da LOE/2007, do Decreto-Lei nº 55/2008 e da Portaria de 2002 a verificação do requisito “atividade económica”, que deles não pode constar.
m) Exatamente porque esse requisito consta expressamente do n.° 1 do artigo 39.°-B do EBF ao referir-se às “atividades económicas de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços”, conforme se pode ler;
n) Facto que torna a Sentença do Tribunal a quo ilegal por erro nos pressupostos de direito e na identificação das normas aplicáveis, gerador de violação de lei imperativa, que a torna censurável, conforme demonstrado.
o) Pelo que, assim também se demonstra que a Recorrente reúne ambos os requisitos legais (“atividade económica” e “área beneficiária” para aceder do benefício fiscal à interioridade), pelo que o ato de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios é passível de censura e carecedor de ser anulado, com todas as legais consequências, conforme requerido.
p) Finalmente, dizendo a definição das atividades abrangidas pelo benefício respeito a uma matéria que está inequivocamente sujeita a reserva de lei formal, como é o caso do âmbito da incidência material dos benefícios fiscais, por força do disposto no artigo 103.° n.° 2 da CRP, a sentença recorrida que busque encontrar em ato meramente regulamentar (regulamento administrativo) a regulação dessa matéria viola os princípios da legalidade fiscal e da reserva (absoluta e formal) de lei, e ainda o disposto nos arts.° 112.° e 165º da CRP.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, se requer que seja dado pleno provimento ao presente recurso, por verificados os vícios invocados da decisão de que se recorre;
E que, em vista do teor e alcance das normas legais aplicáveis aos benefícios fiscais à interioridade, criado através do aditamento de um artigo 39.°-B do EBF, seja ordenada a revogação da referida sentença neste respeito, e proferida uma decisão que, atendendo ao disposto no n.° 1 do referido preceito, declare que a atividade económica agrícola constitui uma atividade beneficiária, nos termos previstos no artigo 39.°-B do EBF, determinando-se a anulação dos atos de liquidação sindicados (imposto e juros compensatórios), com todas as legais consequências e bem assim ordenada a restituição do IRC pago e respetivos juros, acrescidos do pagamento de juros indemnizatórios a favor da Recorrente e da indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia, pois só assim se fará a costumada justiça.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela procedência do recurso, devendo no seu entendimento, ser proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
-declaração de procedência da impugnação judicial;
-anulação das liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios;
-atribuição à recorrente de juros indemnizatórios por prestação de garantia indevida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante exerce a atividade de “agricultura e produção animal combinadas”, correspondente ao CAE 01500 (cfr. fls. 27 dos autos);
B) A Impugnante tem sede sita na ............., …………, freguesia de ………., concelho de Santiago do Cacém, distrito de Setúbal (cfr. fls. 28 a 31 dos autos);
C) Em cumprimento das ordens de serviço nºs OI201101604 e OI201101605, foi realizada uma ação de inspeção à Impugnante para análise do cumprimento parcial das obrigações ficais em sede de IRC, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008 (cfr. fls. 32 e 33 dos autos e fls. 43 a 46 do processo administrativo tributário apenso);
D) Em 28-11-2011, foi elaborado o relatório de inspecção tributária, de cujas conclusões se extrai o seguinte:
«(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE TÉCNICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III - IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS (IRC)
As declarações de rendimentos (IRC) entregues pelo sujeito passivo nos exercícios de 2007 e 2008, evidenciam como regime de tributação dos rendimentos — Geral e Redução de Taxa — campos 1 e 5 do Quadro 4 da folha de rosto das Modelos 22 — IRC.
No quadro 08 das mesmas declarações foi assinalado o campo 245 — Benefícios relativos à interioridade (art° 43.° do E.B.F.) anterior artº 39º do E.B.F., tudo conforme anexo 1.
De acordo com os dados constantes das n/aplicações informáticas da DGCI, a actividade do sujeito passivo é a de “AGRICULTURA E PRODUÇÃO ANIMAL”, com o CAE 001500 (anexo 2).
A Portaria 170/2002 de 28 de Fevereiro, refere no seu n.º 2 que “Podem beneficiar dos incentivos mencionados no número anterior todas as actividades económicas, com excepção:
a) Agricultura e pesca, identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas — CAE, revista pelo Decreto- Lei n-° 183/93 de 14 de Maio, ...” conforme anexo 3
O CAE 001500 é o constante do DL 381/2007 de 14/11 que estabelece a classificação portuguesa de actividades económicas ver. 3, conforme anexo 4.
Dado que o benefício fiscal de interioridade, previsto no artigo 43.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não contempla a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo por força do disposto no n.° 2 da portaria 170/2002, de 28 de Fevereiro, proceder-se-á ao correcto enquadramento da tributação dos rendimentos do sujeito passivo, ou seja tributação segundo as regras do Regime Geral e às taxas previstas no n.° 1 do art 80.º do CIRC (artigo à data dos factos) -25% conforme quadro abaixo elaborado
Descritivo
2007
2008
Matéria Colectável Declarada
127.780,80€
58.840,56€
Taxa declarada (2)
20%
15%
Colecta declarada (3)=(1)x(2)
25.556,16€
8.826,08€
Taxa corrigida (4)
25%
25%
Colecta corrigida (5) = (1) x (4)
31.945,20€
14.710,14€
Imposto em Falta (6)=(5)-(3)
6.389,04€
5.884,06€
(…)» (cfr. fls. 45 e 46 do processo administrativo tributário apenso);
E) Em 28-11-2011, foi lavrado parecer sobre o relatório de inspecção tributária melhor identificado na alínea que antecede, de cujo teor resulta:
«1.) Confirmo as conclusões exaradas no relatório conclusões em anexo.
2.) Critério de Selecção: Art-° 43º do E.B.F. — benefícios fiscais à interioridade, conjugado com a Portaria 170/2002 de 28 de fevereiro.
3.) Exercícios objecto de análise: 2007 e 2008
4.) Irregularidades detectadas/Proposta de correcção
Da análise efectuada às DRMod.22 dos exercícios de 2007 e 2008 verificou-se que os lucros tributáveis declarados foram tributados à taxa reduzida de 20% e 15% respectivamente, tendo sido invocado o art°43.° do EBF.
Porém, de acordo com o disposto no nº 2 da Portaria 170/2002 e face à actividade desenvolvida “Agricultura e Produção Animal Combinadas” a que corresponde o CAE 01500 a sociedade não pode beneficiar da redução da taxa prevista no n.° 1 al a) do artº 43.° do E.B.F. (anterior artº 39.° do EBF), pelo que se propõe a tributação dos rendimentos segundo as regras do Regime Geral e à taxa de 25%, prevista no art° 80.º do CIRC (artigo à data dos factos).
5.) A situação descrita traduz-se numa alteração ao nível da colecta de IRC da seguinte forma:
Exercício de 2007
Colecta declarada €25.556,16
Colecta corrigida €31.945,20
Exercício de 2008
Colecta declarada € 8.826,08
Colecta corrigida €14.710,14
6.) Foi o s.p. notificado para no prazo de 10 dias, querendo, exercer o direito de audição previsto no artº 60° da LGT e art° 60° do RCPIT Decorrido o prazo o mesmo não foi exercido.
(...)»
(cfr. fls. 28 e 29 do processo administrativo tributário);
F) Em 28-11-2011, a Chefe de Divisão de Inspeção Tributária II lavrou despacho de concordância com os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório da ação inspetiva e parecer identificados nas alíneas que antecedem (cfr. fls. 28 do processo administrativo tributário);
G) Em 28-11-2011, o Diretor de Finanças Adjunto, por delegação, proferiu despacho de concordância com o teor do relatório de inspeção tributária e pareceres do Chefe de Equipa e do Chefe de Divisão (cfr. fls. 28 do processo administrativo tributário apenso);
H) Por nota de compensação n.º 2011 00007337887, foi comunicada à Impugnante a nota de liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos de 2007, de que resulta o valor a pagar de € 7.940,52 (cfr. fls. 34 dos autos);
I) Por nota de demonstração de acerto de contas com o nº 2011 00001791854, comunicou-se à Impugnante que o montante a pagar, referente a liquidação adicional de IRC de 2007 e respetivos juros compensatórios, ascende a € 7.301,62 (cfr. fls. 36 dos autos);
J) Por nota de compensação n.º 2011 00007363337, foi comunicada à Impugnante a nota de liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos de 2008, de que resulta o valor a disponibilizar de € 5.754,37 (cfr. fls. 37 dos autos);
K) Por nota de demonstração de acerto de contas com o nº 2011 00001809621, comunicou-se à Impugnante que o montante a pagar, referente a liquidação adicional de IRC de 2008 e respetivos juros compensatórios, ascende a € 6.411,52 (cfr. fls. 39 dos autos);
L) A Sociedade Impugnante prestou as garantias bancárias n.º 3896, no valor de € 9.481,03 e n.º 3897, no valor de € 3897 (cfr. fls. 40 a 43 dos autos);
M) A Impugnante tomou conhecimento do benefício fiscal na sequência de informação prestada, verbalmente e de modo informal, por um funcionário do Serviço de Finanças de Santiago de Cacém à sua Técnica Oficial de Contas (depoimento da testemunha ………………).
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A questão colocada nestes autos - saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou correctamente ao considerar legal a actuação da AT, que corrigiu as liquidações de IRC dos anos de 2007 e 2008 por considerar que a sociedade, contrariamente ao entendimento que perfilhou nas declarações de rendimentos que apresentou relativamente a esses anos, não estava abrangida pelo benefício fiscal à interioridade, o que passa por indagar se o facto de a sociedade exercer a actividade agrícola a afastava da possibilidade de usufruir da redução de taxa prevista no art. 39.º-B do EBF, na redacção em vigor à data - já foi resolvida por este Supremo Tribunal, por referência à mesma sociedade impugnante e aos exercícios fiscais de 2007 e 2008, no sentido de se considerar ilegal o acto praticado pela Administração Tributária.
Como as circunstâncias de facto e a legislação aplicável às mesmas são idênticas, mais não nos resta agora do que repetir aquilo que este colectivo já anteriormente disse nos acórdãos datados de 09/09/2015 e de 18/05/2016, respectivamente, recursos n.ºs. 0115/15, 0493/16 e 0494/16.
Assim, escreveu-se no acórdão proferido no recurso n.º 0494/16:
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
A sociedade ora Recorrente, com referência aos exercícios dos anos de 2007 e 2008, apresentou as declarações de rendimentos para efeitos de IRC (mod. 22), assinalando que beneficiava do regime de tributação de rendimentos com redução de taxa, ao abrigo do disposto no art. 39.º-B do EBF, em vigor à data (O art. 39.º-A do EBF foi aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), e vigorou até à republicação do Estatuto pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, ocasião em que passou a corresponder-lhe o art. 43.º.), e procedendo à autoliquidação do imposto nesse pressuposto.
A AT, na sequência de uma inspecção e entendendo que a sociedade não podia beneficiar dessa redução da taxa de imposto, procedeu à correspondente correcção, de que resultaram as liquidações adicionais de IRC para os anos de 2007 e 2008. A seu ver, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, exclui da possibilidade de usufruir do benefício fiscal à interioridade algumas actividades, entre as quais as previstas na alínea a) do seu art. 2.º: «Agricultura e pesca identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação das Actividades Económicas – CAE, revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio». Assim, porque aquela sociedade tem como actividade a agricultura, concluiu que a mesma não reúne um dos requisitos para beneficiar da redução da taxa do IRC, devendo ser-lhe aplicada a taxa geral.
A sociedade impugnou judicialmente essas liquidações, sustentando que, contrariamente ao que entendeu a AT, não é aplicável à situação sub judice o disposto na Portaria n.º 170/2002, que, na sua óptica, não pode ser invocada para a determinação das actividades beneficiárias.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, após uma exaustiva análise da evolução legislativa em matéria de benefícios fiscais à interioridade e complexa tarefa hermenêutica, concluiu que «a única interpretação possível e conforme ao bloco de legalidade aplicável será a de considerar a actividade desenvolvida pela Impugnante como excluída dos benefícios fiscais à interioridade».
A Impugnante insurge-se contra a sentença e reitera o entendimento sustentado na petição inicial, de que não pode aplicar-se à situação a Portaria n.º 170/2002 no segmento em que exclui do âmbito do benefício a actividade agrícola.
Assim, a questão que se coloca é apenas a de saber se, como alega a Recorrente, as liquidações adicionais impugnadas enfermam do vício de violação de lei na medida em que têm por fundamento que nos anos em causa a Portaria n.º 170/2002 obstava a que aquela beneficiasse do regime legal de incentivos fiscais à interioridade, designadamente a redução da taxa de IRC, em razão da actividade desenvolvida.
A questão já se colocou a este Supremo Tribunal, que a decidiu pelo acórdão proferido em 9 de Setembro de 2015, no processo n.º 115/15 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0ee844239f2c573c80257ebd003cc174.). Porque não vislumbramos nova argumentação que nos faça inflectir a posição então assumida, seguiremos o exposto no referido aresto.
2.2.2 O REGIME DOS BENEFÍCIOS FISCAIS À INTERIORIDADE
Impõe-se uma tentativa de acompanhar a evolução legislativa no que se refere aos incentivos fiscais à interioridade e respectiva sucessão de regimes no tempo, como, aliás, também considerou a Juíza do Tribunal a quo, que a essa tarefa dedicou boa parte da fundamentação de direito que expendeu na sentença.
A Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, veio estabelecer «medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior», incidindo «sobre a criação de infra-estruturas, o investimento em actividades produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens» (cfr. art. 1.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente). Entre estes incentivos, contava-se uma redução da taxa de IRC (cfr. art. 7.º).
No n.º 1 do art. 2.º daquela Lei, estabelecia-se que «as áreas do interior beneficiárias das medidas de discriminação positiva, adiante designadas «áreas beneficiárias», são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais» e no n.º 2 do mesmo artigo que competia ao Governo «regular por decreto-lei a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior». Este n.º 2 do art. 2.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, veio a conhecer nova redacção, dada pelo art. 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2001), do seguinte teor: «Compete aos Ministros do Planeamento e das Finanças regular por portaria, no prazo de 60 dias, os critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior».
A prevista portaria veio a ser publicada, sob n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro, nela se referindo expressamente que, ao abrigo do n.º 2 do art. 2.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, acima citado, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, se identificavam as áreas territoriais que beneficiam para efeitos do disposto na Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro.
Por outro lado, o art. 13.º daquela Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro dispunha: «Compete ao Governo aprovar por decreto-lei as normas regulamentares necessárias à boa execução da presente lei».
O referido diploma regulamentar veio a ser aprovado através do Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro.
No Preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 310/2001, depois de se referir que os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade criadas pela Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, «por serem susceptíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia», logo se esclarecia que «[n]o passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis», motivo por que se encontravam «reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei».
Neste mesmo Decreto-Lei n.º 310/2001, no seu art. 6.º, sob a epígrafe «Disposições comunitárias» consagrou-se o seguinte: «As disposições que se revelem necessárias para assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do Planeamento e do Trabalho e da Solidariedade».
Esta portaria veio a ser publicada, sob o n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, cujo objecto, tal como definido pelo seu art. 1.º é: «fixar as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos previstos na Portaria n.º 56/2002, de 14 de Janeiro, e nos artigos 7.º a 11.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro».
No art. 2.º dispõe a mesma Portaria: «Podem beneficiar dos incentivos mencionados no número anterior todas as actividades económicas, com excepção das seguintes: a) Agricultura e pesca, identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE, revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio; b) […]».
Ulteriormente, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), através do seu art. 83.º, n.º 1, veio aditar ao Estatuto dos Benefícios Fiscais um novo preceito, o art. 39.º-B, pelo qual foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Dispunha o n.º 1 desse art. 39.º-B: «Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes: a) É reduzida a 20% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias; […]» (Mais tarde, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008), alterou a redacção desta alínea a), passando a redução da taxa do imposto de 20% para 15%.).
No n.º 7 do referido art. 39.º-B do EBF dizia-se: «A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças».
Em 26 de Março de 2008 foi publicado o Decreto-Lei n.º 55/2008, que revogou o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro (art. 9.º) e que produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2007 (art. 10.º), em cujo Preâmbulo ficou dito: «Com o aditamento do artigo 39.º-B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo sido substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Encontram-se, pois, reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Nestes termos, disciplinam-se neste decreto-lei as condições de acesso das entidades beneficiárias, as entidades responsáveis pela concessão dos incentivos, as obrigações a que ficam sujeitas as entidades beneficiárias, bem como as consequências em caso de incumprimento».
No art. 6.º do referido Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, ficou dito:
«1- Para efeitos da aplicação das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões que sofrem de problemas de interioridade, definidas no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são consideradas como áreas territoriais beneficiárias para os factos verificados em 2007 e 2008, aquelas que são identificadas na Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro.
2 - Para os anos subsequentes, compete ao Ministro das Finanças, em conjunto com os membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e o ordenamento regional, regular por portaria as áreas territoriais beneficiárias, as quais serão identificadas com base nos indicadores definidos no presente decreto-lei, construídos com os últimos dados estatísticos disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística».
Por seu turno, diz o art. 8.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Disposições comunitárias»:
«1- As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.
2- Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior».
Ou seja, resulta do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que, à face da letra da lei, ambas as Portarias – a n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro e a n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro – continuaram a ser subsidiariamente aplicáveis em matéria respeitante ao regime fiscal da interioridade, previsto, à data, no art. 39.º-B do EBF: a primeira, para os anos de 2007 e 2008, ex vi do n.º 1 do art. 6.º daquele diploma legal e relativamente às áreas territoriais beneficiárias; a segunda, enquanto não for publicada a portaria a que alude o n.º 1 do art. 8.º do mesmo diploma legal, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo e, designadamente, no que respeita à aplicação dos benefícios às actividades económicas beneficiárias.
2.2.3 O CASO SUB JUDICE
In casu não se questiona que a sociedade ora Recorrente nos exercícios em causa – os dos anos de 2007 e 2008 – exercia a sua actividade numa área territorial beneficiária para os efeitos previstos no art. 39.º-B do EBF, na redacção anterior à republicação do Estatuto pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, e no art. 43.º, após essa republicação.
Na verdade, como decorre do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, as áreas beneficiárias, no que aos anos de 2007 e 2008 se refere, são as identificadas na Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro, de acordo com o disposto no n.º 1 daquele artigo.
Assim, não se suscitam dúvidas de que, naquele período, a ora Recorrente, que tinha a sua sede no concelho de Santiago de Cacém, cumpria com o requisito de âmbito territorial a que o regime fiscal da interioridade sujeitava os respectivos benefícios, uma vez que a Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro, considera áreas beneficiárias abrangidas no Alentejo litoral os concelhos de “Alcácer do Sal; Grândola; Odemira; Santiago do Cacém; Sines”.
Aliás, nesse segmento, a sentença, que reconheceu a verificação desse requisito, transitou em julgado.
O dissídio verifica-se apenas relativamente a saber se a actividade económica exercida pela ora Recorrente pode ou não considerar-se beneficiária.
A sentença entendeu que não, pois entende que à situação é aplicável, por força do disposto no art. 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, que exclui a agricultura das actividades susceptíveis de beneficiar do benefício fiscal à interioridade.
A Recorrente sustenta que não pode aplicar-se à situação a Portaria n.º 170/2002 na parte em que exclui a agricultura do âmbito do referido regime fiscal. Se bem interpretamos a motivação do recurso e respectivas conclusões, maxime as vertidas sob os n.ºs i) a o), entende que, prevendo expressamente o n.º 1 do art. 39.º-B do EBF as actividades beneficiárias – e, entre elas, a actividade agrícola –, não há que convocar a Portaria n.º 170/2002 para aferir se a actividade agrícola é ou não actividade beneficiária para efeitos de aplicação do regime fiscal à interioridade.
Afigure-se-nos que a Recorrente tem razão. Vejamos:
É inequívoco que o art. 39.º-B do EBF, aditado pelo art. 83.º, n.º 1, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), previa a concessão de benefícios fiscais relativos à interioridade, designadamente, «[à]s empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola».
Ou seja, o referido artigo previa (como, depois, o art. 43.º do mesmo Estatuto) que os benefícios fiscais à interioridade se aplicam, entre outros, ao sector da agricultura.
É certo que, como deixámos já dito, o n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que veio estabelecer as normas de execução daquele art. 39.º-B do EBF, remetia, até ser aprovada a portaria conjunta por membro do Governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, cujo art. 2.º, alínea a), como deixámos já dito, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola.
Mas, será que do confronto entre o art. 39.º-B do EBF e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro resulta que o benefício fiscal à interioridade não é aplicável à actividade agrícola, como considerou a AT com o beneplácito da sentença recorrida? Dito de outro modo, será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efectuada ex vi do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, tem a virtualidade de derrogar o art. 39.º-B do EBF, designadamente excluindo a actividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício? A nosso ver, não.
Desde logo, porque assim o não permite a hierarquia das normas. Vejamos:
Na verdade, a referida portaria constitui um regulamento, ou seja, citando o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 1100/11 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 662 a 672, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc5328f21fd98fb6802579c30059534e.), «uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2.ª Edição, pág. 248)».
A referida portaria, quanto à relação com a lei e às suas funções, integra os regulamentos complementares ou de execução («Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções […], os regulamentos podem ser de execução, complementares ou independentes. Os regulamentos de execução executam a lei; os regulamentos complementares desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira exequibilidade; os regulamentos independentes contêm disciplinas materialmente inovatórias» (MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2007, pág. 246).), que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1548/13 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3156 a 3162, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b977d4ce1df1371f80257d690031b143.) «consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo…são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.
Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento.”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».
Constituindo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, um regulamento (normas emanadas do exercício da função administrativa), importa ter presente que fica sujeita ao princípio da legalidade administrativa nas suas duas vertentes (Seguimos aqui de perto o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com o n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004, no Diário da República de 14 de Agosto de 2004 (https://dre.pt/application/file/716772), págs. 12589 a 12600, também disponível em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/33aaeac315ebfe1d80256e21003d5f11.): o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os actos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses actos têm de se fundar em leis (Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, págs. 131 e 132, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 922 e 923).
Assim, um regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, pág. 200. No mesmo sentido, também FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, volume II, Almedina, 2001, pág. 160, onde afirma que «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos “secundum legem”, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (ob. cit., pág. 160)).
Concluímos, pois, que a referida portaria não pode contradizer o disposto no art. 39.º-B do EBF, na redacção em vigor à data dos factos, sob pena de nulidade (Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. e vol. cit., que, a págs. 256/257, afirmam: «Os regulamentos que violem a lei ordinária têm também como único desvalor admissível a nulidade. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até à sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação. Ou seja, o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto».).
E nem se diga que essa contradição foi querida pelo legislador, na medida em que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, resulta do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, diploma este através do qual – como deixámos já dito e é referido no respectivo Preâmbulo – visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais».
Desde logo, porque não é isso que resulta do teor do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, que diz apenas que «[à]s medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior», depois de, no n.º 1 do mesmo artigo referir que «[a]s disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social».
Ou seja, a nosso ver, o que resulta da letra da lei é que, em ordem a assegurar o respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa – que poderão ser considerados como auxílios de estado (Sobre a temática dos auxílios de Estado e com numerosas referências doutrinais, vide o primeiro de muitos acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 29/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 1654 a 1671, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4e814ebe3e52143980257b65003c2170. –, será aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social e que, até que essa portaria seja aprovada, serão aplicáveis àqueles incentivos as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.
Mas que decisão da Comissão Europeia é essa a que se refere o n.º 1 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março?
A nosso ver, não será outra senão aquela a que se refere o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro (que, como deixámos já dito, veio regulamentar a Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro). Conforme já referimos, no preâmbulo daquele diploma, depois de se referir que os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade criadas pela Lei n.º 171/99, «por serem susceptíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia», logo se esclarecia que «[n]o passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis», motivo por que se encontravam «reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei».
Ou seja, o Estado Português, porque os incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior constantes da Lei n.º 171/99 podiam ser considerados auxílios estatais (com finalidade regional), susceptíveis, pois, de contender com a política de concorrência prosseguida pela União Europeia [cfr. art. 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao então vigente art. 87.º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE)], procedeu à notificação da Comissão Europeia do respectivo projecto, nos termos do art. 88.º do TCE – hoje, corresponde-lhe o art. 108.º (Cujo n.º 3 dispõe: «Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final».) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) – (Segundo o estatuído no art. 108.º do TFUE (anterior art. 88.º do TCE) é da competência exclusiva da Comissão Europeia o exame permanente dos regimes de auxílios de Estado, em cooperação com os Estados-Membros, «com vista a impedir a entrada em vigor de ajudas contrárias ao Tratado, como se conclui do Acórdão Lorenz« (cfr. JOÃO NOGUEIRA DE ALMEIDA, A Restituição das Ajudas de Estado concedidas em Violação do Direito Comunitário, Coimbra, 1994, pág. 58 e segs.). Para tanto, é estabelecido um sistema de controlo prévio dos auxílios novos, previsto no n.º 3 do mesmo preceito e no art. 2.º do Regulamento do processo [Regulamento (CE) N.º 659/1999 do Conselho de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do art. 93.º do TCE], segundo o qual a Comissão deve ser informada, em devido tempo, dos projectos de auxílio, antes da sua execução.
«A fase preliminar do processo de controlo dos auxílios novos inicia-se, assim, com a notificação do projecto de auxílio, devendo os Estados […] utilizar, para o efeito, formulários recomendados pela Comissão. A obrigação de notificar previamente os projectos de auxílio é uma obrigação incondicional dos Estados relativos a auxílios novos, incluindo a modificação dos existentes […]» (cfr. ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, Auxílios de Estado e Fiscalidade, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 271).).
A essa notificação respondeu a Comissão em 19 de Setembro de 2001, informando «o Governo português de que, após ter examinado o regime em questão face às Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE C 74 do 10.3.1998) e das Orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE C 334 do 12.12.1995), decidiu, nos termos do artigo 87.º do Tratado e do artigo 61.º do Acordo EEE, não levantar objecções à sua execução, já que os auxílios acima referidos satisfazem as condições estabelecidas para poderem ser considerados compatíveis com o mercado comum ao abrigo das derrogações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 87.º do Tratado e nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 61.º do Acordo EEE» (A decisão da comissão europeia pode ser consultada em http://ec.europa.eu/competition/state_aid/cases/136246/136246_1153928_19_2.pdf.).
Mas, não podemos deixar de ter presentes duas circunstâncias relacionadas com essa notificação prévia e a respectiva pronúncia por parte da Comissão: por um lado, que o Estado Português, na consulta que efectuou à Comissão, logo deixou de fora a agricultura (bem como a pesca e a indústria carbonífera), o que, aliás, a Comissão deixou registado (No ponto II da decisão, ficou dito: «A Comissão regista o facto de o regime em questão visar estimular o desenvolvimento regional através da concessão de auxílios à realização de projectos de investimento e acções susceptíveis de contribuir para a criação de emprego e para a modernização e dinamização das empresas localizadas nas regiões menos desenvolvidas do interior de Portugal. A este título, beneficia de um orçamento anual de 10000 milhões de escudos (+/ - 50 milhões de euros) e será aplicável até ao final de 2003, fora dos sectores da agricultura e da pesca, bem como da indústria carbonífera»».); por outro lado, que os benefícios em sede de IRC ao abrigo do regime em análise também não foram aqui considerados, como a Comissão também deixou registado (Como ficou dito na referida decisão, na nota de rodapé com o n.º 1: «Nos termos do dispositivo projectado pelas autoridades portuguesas, algumas destas empresas [localizadas nas áreas elegíveis] poderão beneficiar igualmente de uma redução das taxas do imposto sobre o rendimento (a taxa normal do imposto seria fixada em 25%, em vez dos actuais 32%, enquanto a taxa reduzida de imposto, aplicável às empresas cujo rendimento anual não excede 150000 euros, seria fixada em 15%, em vez dos actuais 20%). Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».).
Ou seja, a referida notificação do Estado Português à Comissão para efeitos de averiguar da compatibilidade dos auxílios em causa com o TCE e a decisão desta não se referem à agricultura – porque o próprio Estado Português a excluiu do âmbito do regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior –, nem se referem ao IRC, porque, como a decisão da Comissão refere expressamente, «Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».
Não será, pois, no respeito pela decisão da Comissão que poderá encontrar-se a justificação para afastar a aplicação dos incentivos em causa à agricultura e sustentar a exclusão desta actividade do âmbito daquela aplicação, nos termos da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, e até que seja aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social.
Aliás, no art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 não se diz – contrariamente ao que parecem sustentar a AT, na fundamentação das liquidações adicionais impugnadas, e o Representante da Fazenda Pública – que as medidas de incentivo, até à aprovação da referida portaria conjunta, só serão aplicáveis às actividades previstas no art. 2.º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, ou seja, que estão excepcionadas dos benefícios a actividade da agricultura, nos termos da alínea a) desse preceito.
Mas, se assim fosse (ou seja, se da remissão efectuada pelo art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 para a Portaria n.º 170/2002 resultasse excluída a agricultura do âmbito de aplicação do regime o benefício fiscal à interioridade fixado pelo art. 39.º-B do EBF, na referida redacção), sempre teríamos de concluir pela sua inconstitucionalidade, também invocada pela Recorrente [cfr. conclusão p)], atento o disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, preceito que estipula: «Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».
Dito de outro modo, não podia o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, conferir à Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, a virtualidade – que a hierarquia das normas lhe não confere – de revogar ou, pelo menos, de suspender a aplicação do art. 39.º-B do EBF, que foi aditado ao EBF pelo art. 83.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. E, se a conferisse (pressuposto que, a nosso ver e como deixámos já dito, não se verifica), então haveríamos de concluir pela sua inconstitucionalidade, por violação do referido n.º 5 do art. 112.º da CRP.
Mas, sempre nesse pressuposto (que, reiteramos, a nosso ver se não verifica), não seria essa a única inconstitucionalidade a inquinar a norma legal (art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008), pois não podemos esquecer que nos encontramos em sede de benefícios fiscais, que constituem matéria sujeita à reserva de lei [arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP], e, por isso, não pode ser alterada por decreto-lei, a menos que este seja precedido de autorização legislativa.
Em conclusão, as regras previstas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro apenas poderão ser aplicáveis se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade, ou estaremos perante uma situação de inconstitucionalidade, quer por violação do disposto no n.º 5 do art. 112.º da CRP, quer por violação do disposto nos arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental (Neste sentido, vide a decisão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD de 4 de Julho de 2014, proferida no processo n.º 273/2013-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_irc=1&s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=interioridade&s_artigos=&s_texto=&id=557, que seguimos.).
Por tudo quanto deixámos dito, entendemos que as liquidações adicionais – que a AT estribou no entendimento de que de «os benefícios fiscais à interioridade, previstos no art. 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais [rectius, no art. 39.º-B, na redacção que vigorou até à republicação do Estatuto pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, e no art. 43.º do mesmo EBF, após essa republicação] não contemplam a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo por força do disposto no n.º 2 da Portaria n.º 170/2002 de 28 de Fevereiro» (cfr. factos provados sob os n.ºs 6 a 8), não podem manter-se com essa fundamentação, que foi a única utilizada pela AT.
E porque no domínio do contencioso de mera legalidade, em que se integra a impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados (Neste sentido, entre outros, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 874/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2008 (http://dre.pt/pdfgratisac/2007/32240.pdf), págs. 1818 a 1822, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0afc57c5f9094163802573ca0057a626 OpenDocument;
- de 2 de Março de 2011, proferido no processo n.º 49/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 327 a 332, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/247bcd945cbdcc068025784e0050fa15?OpenDocument.
Sustentando a mesma tese, vide também, entre muitos outros e com numerosa indicação de jurisprudência e doutrina, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 371/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 13 de Fevereiro de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32130.pdf), págs. 1793 a 1805, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34ec720a1ff520008025790600465893?OpenDocument.
Na doutrina, vide:
- MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, pág. 479, que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, pág. 1329, onde que diz que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, pág. 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».), não pode o tribunal, perante a constatação da ilegalidade do fundamento que suportou o acto impugnado, apreciar se aquela actuação poderia basear-se em quaisquer outros fundamentos.
Por tudo o que ficou dito, o recurso merece provimento. A sentença recorrida será, pois, revogada e, na procedência da impugnação judicial, serão anuladas as liquidações adicionais impugnadas, tudo como decidiremos a final.

Toda esta argumentação vale na exacta medida para o caso dos autos, uma vez que, como anteriormente dissemos, tanto os períodos do imposto como o circunstancialismo fáctico coincide em ambos os quatro processos, mais não restando, por essa razão, do que também agora revogar a sentença recorrida e conceder provimento a esta impugnação.

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando a impugnação judicial procedente, em anular as liquidações adicionais impugnadas e condenar a AT na indemnização devida pela prestação da garantia, a liquidar em execução de sentença.
Custas pela Recorrida, mas apenas em 1.ª instância, uma vez que não contra-alegou o recurso.
D.n.
Lisboa, 12 de Outubro de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.