Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01195/12
Data do Acordão:04/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
ISENÇÃO DE SISA
REDUÇÃO DE IMPOSTO
INTERPRETAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI FISCAL
EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
JUROS COMPENSATÓRIOS
CULPA
Sumário:I - De acordo com o decidido pelo acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Janeiro de 2013, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, a aquisição de unidades de alojamento num empreendimento turístico, ainda que integradas no empreendimento em causa e, por isso, afectas à exploração turística, não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
II - A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios nos termos do art. 35.º da LGT depende da existência de culpa (a título de dolo ou negligência), por parte do contribuinte.
III - Quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo.
IV - No entanto, consistindo a culpa na omissão reprovável de um dever de diligência, que tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência de um bonus pater familias, não se pode formular um juízo de censura à actuação do contribuinte que, com base numa interpretação plausível das regras legais aplicáveis e que foi aceite pelo notário que lavrou a escritura de compra e venda de uma unidade de alojamento nos termos referidos em I, considerou que pela aquisição não era devido IMT e havia redução do IS a 1/5, motivo por que não procedeu à respectiva liquidação e pagamento prévios à escritura.
V - Consequentemente, há que considerar como excluída a culpa do contribuinte pelo retardamento das liquidações e, assim, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios.
Nº Convencional:JSTA00068229
Nº do Documento:SA22013042301195
Data de Entrada:11/05/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão: PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL - SELO
Legislação Nacional:DL 423/83 DE 1983/12/05 ART20 N1 N2 ART22 N2
LGT98 ART11 N2
DL 167/97 DE 1997/07/04 ART9
DL 55/2002 DE 2002/03/11 ART9
DL 49399 DE 1969/11/24 ART21 ART22 ART39
DL 328/86 DE 1986
DL 39/2008 DE 2008/03/07 ART5 ART6 ART44 N1 N2 ART45 ART23 ART40 ART52 ART54 ART55 ART44 N4 ART30 N8
L 2073 DE 1954/12/23 ART12 ART13
L 2081 DE 1956/06/04 ART12
EBFISC01 ART2 N1 ART10
CIMSISD91 ART13 N8
CCIV66 ART9 N2
Jurisprudência Nacional: AC STA PROC314/12 DE 2012/09/05; AC TC PROC188/2003 DE 2003/04/08
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES - MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG147.
PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA - NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO CIVIL 6ED VOLI PAG145 CÓDIGO CIVIL ANOTADO 4ED VOLI PAG145 INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG187.
OLIVEIRA ASCENSÃO - O DIREITO INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL 1978 PAG350.
LICINIO MARTINS - O PROCEDIMENTO DE INSTALAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS PAG121.
DULCE LOPES - ASPECTOS JURÍDICOS DA INSTALAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS PAG225/227.
CRISTINA SIZA VIEIRA - PROPRIEDADE PLURAL E GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS PAG172/188.
DULCE LOPES - CONCRETIZAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS LEGISLAÇÃO E APLICAÇÃO PAG152/154 PAG170.
REAVALIAÇÃO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS CADERNOS DE CIÊNCIAS E TÉCNICA FISCAL N188 PAG294.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 409/10.0BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A……, B……, C……. e D……. (a seguir Impugnantes ou Recorridos), na sequência do indeferimento das reclamações graciosas que apresentaram contra as liquidações de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Bens Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo (IS) – Verba 1.1, vieram pedir a anulação desses actos e a restituição dos montantes já pagos de IS, acrescidos de juros compensatórios, sustentando, em síntese, que a aquisição que lhes deu origem beneficia de isenção de IMT e redução de IS por se integrar na previsão do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, aquisição de «fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística».

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgando a impugnação judicial procedente, anulou os actos de liquidação.

1.3 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso que foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou a alegação de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1 – A, aliás, douta sentença recorrida ofendeu por erro de interpretação e aplicação o art. 20.º do Dec. Lei n.º 423/83 de 5 de Dezembro.

2 – Pois, o critério de orientação seguido pelo tribunal a quo para determinar a noção de operação de instalação não espelha com fidelidade e inteireza o pensamento da lei;

a) Na construção do conceito ideado pela lei há-de intervir, para além do elemento interpretativo sistemático, o verbal e o racional;
b) Ora, não se postula necessária a circunstância do funcionamento para que um empreendimento se considere instalado;
c) E, a disposição está redigida em termos de poder eleger-se o sentido que apenas abranja as aquisições cujo objectivo seja criar ou aumentar a capacidade dum empreendimento turístico, sendo ainda o que melhor se ajusta à vontade da lei.

3 – Também, a aquisição em causa não reúne os requisitos necessários para satisfazer o conceito de instalação dum empreendimento turístico;

a) Na verdade, o empreendimento em causa já antes da transmissão cumpria com todas as exigências legais para funcionar;
b) Não sendo afectado pelo obstáculo da instalação por fases.

4 – Mostrando-se incorrecta a orientação seguida pelo tribunal a quo, e, desde que constituiu antecedente lógico da condenação ao pagamento de juros indemnizatórios, há-de entender-se que também esta enferma de erro de julgamento.

Pelo exposto, e, principalmente, pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença recorrida e consequentemente mantidos os actos de liquidação por aquela anulados, e desatendido o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pelos autores […]» (Aqui, e nas transcrições que se seguirão, as partes que no original estavam em itálico surgem em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pelo autor.).

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser provido e a impugnação judicial julgada improcedente.
Após identificar a questão decidenda como sendo a da «interpretação do inciso com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística integrante da previsão da norma constante do art. 20.º n.º 1 DL n.º 423/83,5 dezembro, enquanto pressuposto da isenção de IMT e da redução do Imposto de Selo para um quinto, na aquisição de prédios ou de fracções autónomas», expendeu a seguinte fundamentação:

«1. A norma controvertida deve ser interpretada com um duplo sentido propugnado segundo o qual:

-a aquisição dos prédios ou fracções autónomas deve ser prévia à instalação do empreendimento de utilidade turística;
-a instalação do empreendimento turístico precede necessariamente o seu início de funcionamento.

2. A adesão do Ministério Público a este entendimento ancora-se no argumentário seguinte:

a) o elemento teleológico da concessão do beneficio fiscal, consistente na promoção do investimento dirigido à criação de empreendimentos turísticos novos, à remodelação beneficiação, reequipamento ou aumento substancial da capacidade dos empreendimentos existentes; e não na promoção da aquisição de fracções integradas em empreendimentos já instalados (art. 7.º DL n.º 423/83, 5 dezembro);
b) o DL n.º 167/97, 4 julho considerava instalação de empreendimentos urbanísticos o licenciamento da construção e ou da utilização de edifícios destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos (art. 9.º);
c) o DL n.º 55/2002, 11 março fez recuar a data da instalação ao (início do) processo de licenciamento ou de autorização para a realização de operações urbanísticas relativas à construção e ou utilização de edifícios ou fracções destinadas ao funcionamento daqueles empreendimentos (nova redacção conferida ao art. 9.º DL n.º 167/97, 4 julho);
d) o DL n.º 39/2008, 7 março (novo regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos) revogou os diplomas indicados na alínea precedente sem estabelecer um conceito normativo de instalação de empreendimento turístico;
e) o elemento histórico e o elemento sistemático do diploma apontam inequivocamente no sentido da distinção em progressão cronológica das fases de instalação e de funcionamento;

3. No caso concreto a aquisição em 30 março 2007 da fracção autónoma cuja transmissão foi sujeita à incidência de IMT e Imposto de Selo foi posterior ao início de funcionamento do empreendimento turístico que deve ser situado em 21 novembro 2005 (data da emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal de Loulé (probatório al. F) fls. 98); ou em 7 abril 2006 (data da emissão da licença de utilização turística pela autarquia local, fls. 56; sentença - análise fáctico-jurídica 2.4.3 fls. 108)».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, uma vez que a questão suscitada nos autos tem vindo a colocar-se repetidamente neste Supremo Tribunal Administrativo (E foi já objecto de julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 968/12.).

1.8 A questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a aquisição pelos ora recorridos, efectuada em 2007, de uma fracção autónoma que constitui unidade de alojamento do aldeamento turístico “E…….” e que integra um empreendimento turístico a que foi reconhecido o estatuto de utilidade turística, se destinou ainda à instalação desse empreendimento ou se integra, pelo menos, no processo de concretização dessa instalação, ou se, pelo contrário, o empreendimento já se encontrava instalado à data da aquisição. Dito de outro modo, importa indagar se a primeira aquisição de imóvel integrado em empreendimento a que foi atribuída utilidade turística ainda integra a fase de instalação do empreendimento.
Na eventualidade do recurso ser provido, cumpre ainda conhecer da legalidade da liquidação dos juros compensatórios (questão suscitada na petição e que ficou prejudicada).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«2.1 – Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão, julgo assente a seguinte factualidade:

A) Pelo “Acordo de Cessão da Posição Contratual” foi transmitida aos Impugnantes a posição de promitente-comprador no contrato-promessa de compra e venda da fracção “GE” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 11086, da freguesia de ......, no concelho de Loulé, cfr. contrato de fls. 60 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzido.

B) Os ora Impugnantes adquiriram à “F……., S.A., por escritura pública datada de 30 de Março de 2007, a fracção “GE” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 11086, da freguesia de ........., no concelho de Loulé, cfr. fls. 46 e segs.

C) A fracção acima referida insere-se no aldeamento turístico «E…….», moradia 4, respectiva matriz predial sob o artigo 11086 (MORADIA 140), da freguesia de ….. e concelho de Loulé cfr. fls. 47.

D) Em 30 de Março de 2007, entre os Impugnantes e o G……, S.A. pessoa colectiva n.º ……, foi celebrado o contrato-promessa de exploração turística da fracção Imobiliária a que se refere a alínea B), cfr. contrato de fls. 51 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzido.

E) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006, publicado na 2.ª série do Diário da República em 10 de Outubro do mesmo ano - cfr. cópia do Aviso n.º 3000216660, da Comissão de Utilidade Turística, foi reconhecida a utilidade turística, atribuída a título prévio ao Aldeamento Turístico E……, cfr. fls. 53 da reclamação graciosa 1082201004001257.

F) A Administração Fiscal procedeu a uma acção inspectiva à lmpugnante elaborou o relatório de fls. 43 e segs. da reclamação graciosa 1082201004001257 em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
«I. CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
I - 1. Resumo das correcções resultantes da acção de inspecção Vide mapa resumo na página 1.
I - 2. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
O sujeito passivo, D……. NIF ……., adquiriu a fracção autónoma (114) designada pela letra GE, do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 11086 (MORADIA 166), sito em E……., da freguesia de ……. e concelho de Loulé, beneficiando indevidamente da isenção de IMT, bem como da redução a um quinto do imposto de selo, ao abrigo do art. 20.º do DL 423/83, de 5 de Dezembro.
Face ao exposto, e conforme se encontra demonstrado no Capítulo III, da presente acção resultaram as seguintes correcções:
Matéria Colectável
€ 275.000,00
IMT
€ 17.875,00
Selo
€ 1.760,00

II OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
II - 1. Ordem de serviço e período em que decorreu a acção
A presente acção inspectiva é efectuada em cumprimento da ordem de serviço n.º 01200900727, de 14/04/2009, sendo iniciada em 28/04/2009 e concluída em 29/04/2009.
II - 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo: Código PNAIT 121.21.038 – Diversos (Determinado por despacho do Director de Finanças) – Despacho do Sr. Director de Finanças de 14/04/2009
Âmbito: Parcial (IMT e Imposto de Selo) Incidência temporal: Exercício de 2007
II - 3. Outras situações
Sendo do conhecimento desta Divisão de Inspecção Tributária (DIT III) que o contribuinte D……. NIF ……., em 30/03/2007, celebrou no Cartório Notarial da Lic. H……., a escritura de compra e venda da fracção autónoma (1/4) designada pela letra SE, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 11086 (MORADIA 166), sito no aldeamento E……, freguesia de ……. e concelho de Loulé, para a qual foi reconhecida, indevidamente, pelo notário, a isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas (IMT), ao abrigo do art. 20.º do DL 423/83 de 5 de Dezembro (Utilidade Turística), foi o mesmo notificado para proceder ao respectivo pagamento voluntário de IMT.
Sem que, dentro do prazo fixado (15 dias), tivesse vindo a regularizar a situação tributária, foi emitida a presente ordem de serviço, tendo em vista a respectiva tributação em sede de IMT e Imposto de Selo.

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

1. No decurso da presente acção verificou-se que o contribuinte D……, NIF ……., em 30-03-2007, por escritura pública de compra e venda (Esc.º n.º 1676 (1)) celebrada no Cartório Notarial da Lic. H……, adquiriu a já referida fracção (1/4) (Moradia 166), à empresa F……., SA, NIPC …….;

2. O promotor imobiliário do referido aldeamento foi a sociedade F……., SA, NIPC …….;

3. Foi publicado no Diário da República, 2 série – N.º 195 – 10 de Outubro de 2006, o Aviso da Comissão de Utilidade Turística, com o seguinte teor: “Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006, foi confirmada a utilidade turística, atribuída a titulo prévio, ao aldeamento turístico E……., com emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal em 21 de Novembro de 2005…” (Anexo 1)

4. Nos termos do n.º 1 do art. 11.º do DL 423/83 de 5 de Dezembro, a utilidade turística valerá pelo prazo e nos termos fixados no respectivo despacho de atribuição.

5. Como se pode verificar no despacho de atribuição de utilidade turística ao Aldeamento Turístico E……., nada consta referente à isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas (IMT).

6. A isenção de IMT concedida pelo notário baseou-se no estabelecido no n.º 1 do art. 20.º do DL 423/83. de 5 de Dezembro, o qual refere que: “São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto de selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a titulo prévio”.

7. Da leitura desse dispositivo legal excluem-se os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados que não sejam objecto de remodelação ou ampliação. A intenção em isentar de IMT estas aquisições visam, tão somente, o fomento e melhoria qualitativa de novos empreendimentos.

8. Ora, pelo já mencionado, a isenção de IMT, bem como a redução a um quinto do imposto selo, foi reconhecido indevidamente pelo notário, pelo seguinte:
i) O despacho de atribuição de utilidade turística nada refere quanto à isenção de IMT;
ii) A aquisição da fracção por parte do adquirente não se destinou à instalação do referido empreendimento
9. Assim, o reconhecimento indevido desta situação resultou na falta de entrega de IMT e Imposto de Selo, como se demonstra:


DESCRIÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
VALOR
Valor de aquisição
€ 1.100.000,00
Data de aquisição
30-03-2007
Valor Patrimonial ao tempo
€ 1.090.360,00
Valor Patrimonial definitivo
€ 437.140,00
Matéria Colectável Art. 12.º CIMT (1/4)
€ 275.000,00
IMIArt. 17.º CIMT
€ 17.875,00
Selo devidoArt. 9.º CIS (verba 1.1)
€ 2.200,00
Selo pago na escritura
€ 440,00
Selo em falta
€ 1.760,00

Cálculo do IMT: (€ 1.100.600,00 x 1/4 x 6,5% Cálculo do IS (1.100.000, 00x414,)x 0,8%] x4/5

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - Fundamentação

Foi remetido em 06/05/2 009 para o domicílio fiscal do sujeito passivo, por carta registada, o projecto de conclusões do relatório de inspecção, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária, para efeitos do exercício do Direito de Audição (10 dias). Verificou-se que esse direito não foi exercido.
Como tal tornam-se definitivas as conclusões da presente acção constantes neste Relatório.
Direcção de Finanças de Faro, 2009-05-26»

H) [( Não há alínea G).)] Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaíram os pareceres e despacho de concordância de fls. 43 da reclamação graciosa que aqui se dão por reproduzidos.

I) Para cada um dos restantes 3 Impugnantes a Administração Fiscal elaborou um relatório de inspecção idêntico ao que é referido nas alíneas anteriores, cfr. fls. processo de reclamação graciosa em apenso.

J) Em 31/08/2009, os impugnantes efectuaram o pagamento do IS, cfr. fls. 21 a 24 da reclamação graciosa 1082201004001257, em apenso.

K) Pelo nossos [da AT, entenda-se] ofícios n.º 7675, 7668, 7674 e 7658, todos datados de 30 de Novembro do ano de 2009, foram os impugnantes notificados para efectuar o pagamento, mediante guias a solicitar previamente neste serviço de finanças, das quantias devidas pela aquisição do prédio urbano inscrito sob o artigo n.º 11086, fracção “GE”, da freguesia de......., concelho de Loulé, acrescidos de juros compensatórios, cfr. fls. 60 do processo administrativo apenso.

L) Em 07/04/2010, os ora Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra as liquidações de IMT e de IS, cfr. fls. 2 do processo de reclamação em apenso com os n.ºs 108220100400 1303, 108220 1004001265, 1082201004001257, 1082201004001290.

M) A reclamação graciosa 1082201004001257 foi indeferida por despacho de 25/05/20 10, notificado em 02/06/2010, cfr. fls. 83 a 89.

N) A reclamação graciosa 108220 1004001265 foi indeferida por despacho de 25/05/2010, notificado em 02/06/2010, cfr. fls. 84 a 80.

O) A reclamação graciosa 1082201 004001290 foi indeferida por despacho de 27/05/2010, notificado em 02/06/2010, cfr. fls. 83 a 89.

P) A reclamação graciosa 108220100400 1303 foi indeferida por despacho de 27/05/2010, notificado em 02/06/2010, cfr. fls. 82 a 88.

Q) A petição inicial foi apresentada em 17/06/20 10, cfr. fls. 40.

R) Dão-se por reproduzidos os recibos de fls. 21 a 24.
[…]
2.3 – FACTOS NÃO PROVADOS:
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou».


*

2.2 DE DIREITO

A questão que se suscita neste processo tem vindo a ser decididas de modo uniforme por este Supremo Tribunal Administrativo, na sequência do julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art.º 148.º do CPTA, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, de 23 de Janeiro de 2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013 (http://dre.pt/pdfgratis/2013/03/04400.pdf), págs. 1197 a 1217 (O acórdão pode também ser consultado em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f4a0c005dab5bc0980257b110039c597?OpenDocument.).
Por isso, permitimo-nos remeter, com a devida vénia, para o recente acórdão do dia 17 do corrente mês, proferido no processo n.º 1023/12, ainda inédito, que passamos a transcrever, em dois blocos que sujeitamos a epígrafes da nossa autoria e permitindo-nos apenas as alterações requeridas pela factualidade específica da situação sub judice (Que serão introduzidas naquele texto sob o mesmo tipo de letra, mas estilo normal.):

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

«Na presente impugnação judicial está em causa a legalidade dos actos de liquidação de IMT e de Imposto de Selo respeitante à aquisição, em 2007, da fracção autónoma designada pela letra “GE”,do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 11086 da freguesia de ........ do concelho de Loulé, a qual, enquanto unidade de alojamento integrada no empreendimento turístico (tipologia Aldeamento Turístico) denominado “E………”, reúne todas as condições legais para beneficiar da isenção de IMT e de redução de imposto de selo previstos no art. 20.º do Dec.Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, dada a utilidade turística reconhecida a este empreendimento pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo.
A sentença recorrida, depois de fazer uma análise dos diversos diplomas que se sucederam no tempo no que toca ao regime jurídico da instalação, funcionamento e exploração dos empreendimentos turísticos – Dec.Lei n.º 167/97, de 4 de Julho (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 55/2002, de 11.03, e DL n.º 217/2006, de 31.10), e actual Dec.Lei n.º 39/2008, de 7 de Março (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 228/2009, de 14.09), e de ter deixado explicado que embora este novo diploma não esclareça o que considera ser a instalação de empreendimentos turísticos, conclui no sentido de que se depreende das normas que ele reserva à instalação que ela só ocorre quando está concluído o procedimento para a utilização das fracções destinadas ao funcionamento do empreendimento turístico, tomando-o apto à realização da exploração turística, independentemente da propriedade das suas unidades de alojamento.
Razão por que se julgou que «O procedimento de instalação culmina com o início de funcionamento do empreendimento turístico.
E permitindo-se a instalação dos empreendimentos turísticos por fases, só à medida que cada uma das fases inicie o funcionamento é que se considera que essa fase se considere instalada.
Num outro enfoque, a utilidade turística abrange a totalidade dos elementos componentes ou integrantes dos empreendimentos, com excepção das instalações destinadas à exploração comercial das águas minerais ou similares, das instalações termais — artigo 3.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.
Pelo que todas as unidades que compõem o empreendimento turístico ficam abrangidas pela utilidade turística».
Neste contexto, concluiu que embora a “LICENÇA DE UTILIZAÇÃO TURÍSTICA” tenha sido emitida pela Câmara Municipal em 7 de Abril de 2006 […] (antes, pois, da aquisição da fracção pelos Impugnantes), o certo é que apenas com a alienação desta unidade de alojamento e celebração do respectivo contrato de exploração turística com a entidade exploradora ficou esta unidade do empreendimento funcionalmente aptas e afectas à utilização e exploração turística, sendo que o empreendimento turístico em que ela se integra só pode considerar-se definitivamente instalado quando as unidades de alojamento iniciam funcionamento.
«Com efeito, em regra, as diversas fracções de um empreendimento que começa a instalar-se demoram muito tempo a concluir-se mais tempo ainda a ser conseguida a sua venda total.
O empreendimento estará definitivamente instalado quando todas as unidades de alojamento iniciarem o funcionamento.
A venda das fracções foi concretizada em diferentes datas.
Assim, a primeira aquisição de cada fracção está integrada no processo de instalação do empreendimento e, no caso dos autos, a Impugnante realizou a primeira aquisição da fracção, beneficiando assim do disposto no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 423/83, por se tratar de aquisição com destino à instalação do empreendimento.
Foi iniciada a exploração turística da fracção integrada no empreendimento e sendo a sua aquisição destinada à instalação do mesmo, beneficia da isenção de IMT e da redução a 1/5 do imposto de selo, previstas no art. 20.º do D.L. 423/83, pelo que a liquidação impugnada se mostra ferida de ilegalidade por violação da referida norma».
Discordando do assim decidido, vem a Fazenda Pública, ora Recorrente, defender que se incorreu em erro de julgamento ao ter-se concluído que a aquisição destas fracções pelos impugnantes integra ainda o processo de instalação do respectivo empreendimento turístico, pois, na sua óptica, quando o legislador se refere, no n.º 1 do art. 20.º do Dec.Lei n.º 423/83 (ao disciplinar a isenção/redução de Sisa/Selo) a aquisições de prédios «com destino à instalação de empreendimento qualificados de utilidade turística», significa que se trata somente de aquisições de prédios com o intuito de neles construir/melhorar empreendimentos turísticos, e não de aquisição de prédios/fracções integradas em empreendimentos já construídos e instalados, como sucedeu no caso. Na sua perspectiva, esta é a interpretação que decorre do elemento histórico, racional/teleológico e literal das normas jurídicas em apreço, tendo e conta que o legislador quis atribuir benefícios fiscais em sede de imposto de sisa (actual IMT) e imposto de selo apenas às empresas proprietárias que realizam o esforço do investimento, visando, assim, impulsionar este sector de actividade através de benefícios fiscais concedidos a quem cria/instala empreendimentos de utilidade turística, e não a quem se limita a adquirir fracções inseridas em empreendimentos já instalados.
Deste modo, a questão que se coloca neste recurso é a de saber se a aquisição pelos impugnantes, efectuada em 2007, de uma fracção autónoma que constitui unidade de alojamento do Aldeamento Turístico “E…….” e que integra, assim, um empreendimento turístico que 2006 obteve o estatuto de utilidade turística a título definitivo com validade de 7 anos contados desde 2005, se destinou ainda à instalação desse empreendimento ou se integra, pelo menos, no processo de concretização dessa instalação, ou se, pelo contrário, o empreendimento já se encontrava instalado à data dessa aquisição».

2.2.2 DO CONCEITO DE INSTALAÇÃO PARA EFEITOS DOS BENEFÍCIOS A QUE SE REFERE O ART. 20.º DO DECRETO-LEI N.º 423/83, DE 5 DE 5 DE DEZEMBRO

Continuando a citar o referido acórdão de 17 do corrente mês:

«Tal questão foi apreciada e decidida em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no processo que correu termos neste Tribunal sob o n.º 0968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013.

Acórdão que, por decisão tomada pela maioria dos Juízes Conselheiros em exercício na Secção, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: o conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

Tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão, vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respectivo sumário, do seguinte teor:

I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.

Reitera-se, pois, também nos presentes autos, o discurso fundamentador desse acórdão, razão pela qual, no provimento do recurso, se impõe revogar a sentença recorrida.
O recurso merece, por isso, provimento».

2.2.3 DA LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DOS JUROS COMPENSATÓRIOS

Face ao provimento do recurso, cumpre passar ao conhecimento, em substituição, do vício de violação de lei imputado pelos Impugnantes, subsidiariamente, às liquidações de juros compensatórios por falta de verificação de um dos seus requisitos, qual seja a de não lhes ser imputável (a título de culpa, em qualquer das suas modalidades, como melhor veremos adiante) o retardamento na liquidação dos impostos em causa (cfr. arts. 64.º a 73.º da petição inicial), cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio em 1.ª instância (cfr. arts. 715.º, n.º 2 e 726.º, ambos do CPC).
Sustentam os Impugnantes, em resumo, que «é ilegal a liquidação de juros compensatórios aos Impugnantes porque, mesmo que os impostos fossem devidos […], o retardamento da sua liquidação não lhes pode ser minimamente imputável, pois as entidades a quem cabe a verificação dos pressupostos da isenção e a liquidação do imposto (especialmente o Notário mas também o Conservador do Registo Predial), reconheceram – de forma correcta – o direito dos adquirentes a essa isenção».
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do art. 35.º da Lei Geral Tributária (LGT), «[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido».
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, a conduta do sujeito passivo que deu origem ao retardamento da liquidação ou de parte da mesma deve ser censurável a título de dolo ou negligência (Cfr. Juros nas relações tributárias, Problemas fundamentais do Direito tributário, Lisboa 1999, pág.145.), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a actuação do sujeito passivo integrar a hipótese de qualquer infracção tributária (Como ficou dito no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Novembro de 2008, infra referido, e com ampla indicação de jurisprudência e doutrina, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo. Isto, não propriamente porque a culpa se presuma, mas por ser «algo que em regra ou prima-facie, se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo». Por isso, no plano da prática, demonstrado o enquadramento de uma conduta na previsão legal de um ilícito-típico, perguntar pela culpa «é no fundo perguntar se a culpa se encontra ou não em concreto excluída»».); mas, nesses casos, deverá indagar-se se a culpa se encontra ou não excluída em concreto (Idem, pág. 149.).
Também o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a pronunciar-se uniformemente no sentido de que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Para que o sujeito passivo seja responsabilizado pelos juros compensatórios exige-se que esteja verificada a culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bonus pater familias (Vide, por mais recentes e entre outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Novembro de 2008, proferido no processo n.º 325/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Fevereiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), págs. 1310 a 1317, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/01b83bdc3366d9c48025750b0039b9f8?OpenDocument;
- de 11 de Março de 2009, proferido no processo n.º 961/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 393 a 398, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cd78465a15f38fba8025757b005c383e?OpenDocument;
- de 16 de Dezembro de 2010, proferido no processo n.º 587/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32240.pdf), págs. 1931 a 1936, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d00ec90cb602b52e8025780f0051a7b4?OpenDocument.).
No caso sub judice, a AT considerou que a aquisição efectuada pelos Contribuintes não beneficiava da isenção de IMT nem de redução de IS ao abrigo do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, motivo por que, não só lhes liquidou os montantes daqueles impostos considerados em falta, como, considerando que o atraso naquelas liquidações é imputável aos Contribuintes, lhes liquidou os respectivos juros compensatórios.
Ora, de acordo com a posição acolhida no presente aresto em obediência à jurisprudência fixada pelo referido acórdão proferido em julgamento ampliado, aquelas liquidações são consideradas legais, motivo por que é de considerar como ilegal o comportamento dos Contribuintes, que não procederam à liquidação e pagamento do IMT devido pela aquisição em causa e que liquidaram e pagaram o IS por montante inferior ao devido (Note-se que, a liquidação de ambos os impostos é efectuada pela AT com base na declaração do sujeito passivo e, em regra, quer a liquidação quer o respectivo pagamento, precede o acto ou facto translativo dos bens (cfr. arts. 19.º, 21.º, 22.º e 37.º, todos do Código do IMT e art. 23.º do Código do IS).).
Dessa conduta decorreria, em abstracto, a existência de culpa, nos termos que ficaram referidos.
Mas, como também ficou dito, a culpa pode e deve ser excluída desde que, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, se demonstre que os Contribuintes actuaram com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais.
Como a jurisprudência tem vindo a considerar, não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (v.g., a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte (Vide os acórdãos referidos na nota anterior, maxime o proferido no processo n.º 587/10, que temos vindo a seguir de perto.).
No caso, não podemos ter como censurável o comportamento dos ora recorridos ao não terem procedido à liquidação e pagamento do IMT e da totalidade do IS.
Na verdade, não obstante o decidido no presente recurso, afigura-se-nos que a interpretação das normas legais ora em causa não pode ter-se, sobretudo à data da aquisição, como unívoca. A comprovar as dificuldades dessa tarefa hermenêutica está o resultado da votação do acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no julgamento ampliado acima referido, onde quatro Juízes Conselheiros, dos dez que votaram o aresto, entenderam que a melhor interpretação da lei seria no sentido de a aquisição em causa estar isenta de IMT e de beneficiar de uma redução do IS de 4/5. Por isso, afigura-se-nos que os ora recorridos, ao não terem apresentado previamente à aquisição à declaração modelo 1 para efeitos de IMT e ao não terem procedido senão ao pagamento de 1/5 do IS que seria devido, não procederam de modo censurável, pois a sua conduta estava a coberto de uma interpretação plausível das normas gerais aplicáveis.
Por outro lado, também não podemos ignorar que, como bem alegaram os Impugnantes, o Notário perante o qual foi celebrada a escritura de compra e venda – e a quem competia, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 49.º do Código do Imposto Municipal de Transacções Quando seja devido IMT, os notários e outros funcionários ou entidades que desempenhem funções notariais, bem como as entidades e profissionais com competência para autenticar documentos particulares que titulem actos ou contratos sujeitos a registo predial, não podem lavrar as escrituras, quaisquer outros instrumentos notariais ou documentos particulares ou autenticar documentos particulares que operem transmissões de bens imóveis nem proceder ao reconhecimento de assinaturas nos contratos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, sem que lhes seja apresentado o extracto da declaração referida no artigo 19.º acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivarão, disso fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva preceder a transmissão».), assegurar que a escritura não era lavrada sem cumprimento das obrigações fiscais em sede de IMT e de IS – não só não suscitou objecção alguma à falta de declaração e comprovativo do respectivo pagamento (de pagamento pela totalidade, no caso do IS), como deixou consignado na escritura que a transmissão se encontrava isenta do pagamento de IMT e que o IS se encontrava reduzido a 1/5.
Tendo presente o que vimos de dizer, e à luz da doutrina e jurisprudência citadas, julgamos que não se pode formular um juízo de censura à actuação dos ora recorridos, pelo menos até ao momento em que foram notificados pela AT para procederem ao pagamento dos montantes considerados em falta, pois esse erro é claramente desculpável em face do circunstancialismo referido.
Assim, porque entendemos inadmissível imputar um juízo de censura à actuação dos ora recorridos em relação ao retardamento da liquidação de IMT e de IS, há que considerar como excluída a sua culpa e, consequentemente, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios por falta de verificação de um dos pressupostos consagrados no art. 35.º da LGT.
Nessa parte, a impugnação judicial será julgada procedente.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - De acordo com o decidido pelo acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Janeiro de 2013, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, a aquisição de unidades de alojamento num empreendimento turístico, ainda que integradas no empreendimento em causa e, por isso, afectas à exploração turística, não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
II - A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios nos termos do art. 35.º da LGT depende da existência de culpa (a título de dolo ou negligência), por parte do contribuinte.
III - Quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo.
IV - No entanto, consistindo a culpa na omissão reprovável de um dever de diligência, que tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência de um bonus pater familias, não se pode formular um juízo de censura à actuação do contribuinte que, com base numa interpretação plausível das regras legais aplicáveis e que foi aceite pelo notário que lavrou a escritura de compra e venda de uma unidade de alojamento nos termos referidos em I, considerou que pela aquisição não era devido IMT e havia redução do IS a 1/5, motivo por que não procedeu à respectiva liquidação e pagamento prévios à escritura.
V - Consequentemente, há que considerar como excluída a culpa do contribuinte pelo retardamento das liquidações e, assim, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em

a) conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, e,

b) em substituição, julgando a impugnação judicial parcialmente procedente, manter as liquidações de IMT e de IS impugnadas e anular as liquidações de juros compensatórios.

Custas pelos Recorridos, mas apenas em 1.ª instância e na proporção do decaimento.


*
Lisboa, 23 de Abril de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.