Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0821/17.5BELRS 0423/18 |
Data do Acordão: | 11/07/2018 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | NOVA PETIÇÃO CASO JULGADO FORMAL |
Sumário: | I - Não pode valer-se da faculdade concedida pelo n.º 8 do art. 87.º do CPTA – apresentação de nova petição inicial, aproveitando-se da data em que foi apresentada a primeira, para efeitos de tempestividade do direito de acção – aquele que viu a instância ser julgada extinta por não ter acedido ao convite para corrigir a petição inicial. II - Não tendo sido interposto oportunamente recurso do despacho que extinguiu a instância, formou-se caso julgado formal quanto à questão (cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC), não podendo depois o autor questionar a legalidade dessa decisão no recurso do despacho que rejeitou a apresentação da segunda petição inicial. III - O princípio pro actione, consagrado no art. 7.º do CPTA, não se destina à subversão das regras processuais, antes constituindo um critério orientador na interpretação destas: em caso de dúvida, deve prevalecer o sentido que permita o conhecimento do mérito da pretensão formulada em juízo. |
Nº Convencional: | JSTA00070797 |
Nº do Documento: | SA2201811070821 |
Data de Entrada: | 04/23/2018 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | RECURSO JURISDICIONAL |
Objecto: | SENTENÇA DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO |
Legislação Nacional: | ARTIGOS 7º E 87º, N.º 8 DO CPTA E 20º, N.º 1 DO CPC |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da decisão de indeferimento liminar proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 821/17.5BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente veio recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Tributário de Lisboa rejeitou a nova petição, por ele apresentada mediante invocação do disposto no n.º 8 do art. 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e na sequência do despacho que extinguiu a instância da presente impugnação judicial por falta de indicação na petição inicial do valor da causa, depois de incumprido o convite para suprimento dessa irregularidade. 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «I) A impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa referente a uma liquidação oficiosa realizada pela AT de 95.078,55 euros, quando a empresa já estava dissolvida desde final de 2011, não se verificaram os pressupostos de abuso previstos no artigo 64.º do CIRC e registou-se caducidade da liquidação, é um acto no sentido de ser feita justiça material, que nos termos legais não pode ser sonegada. II) A impugnação judicial corre o risco de não ter decisão de mérito se prevalecer um juízo de excessivo formalismo do Tribunal a quo que consiste em ter extinto a instância e rejeitado a entrega de uma nova Petição com o valor expresso não só implícito nos termos do artigo 87.º do CPTA. III) Na sentença gerada a 18.5.2017, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo veio dizer que nos termos do artigo 108.º n.º 2 do CPPT o autor deve identificar na petição inicial o valor do processo ou a forma como pretende a sua determinação, sob pena de extinção da instância, caso perante notificação do Tribunal para o efeito tal valor não fosse indicado. IV) Contudo, tal valor estava automaticamente implícito, desde logo da PI inicial onde se lê ... “notificado em 10.1.2017, do indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada da liquidação de IRC de Euros 95.078,55 ... vem nos termos dos artigos 99.º e seguintes apresentar Impugnação judicial”. V) Tal constava igualmente do documento apresentado pela AT com o envio da Impugnação em que é referido expressamente o valor de Euros 95.078.55 e mais ainda do primeiro parágrafo da própria Sentença do Tribunal a quo, onde se lê ... “no valor de 95.078,55 euros” (sic) (Doc. n.º 4). VI) Igualmente o comprovativo do pagamento das custas judiciais indicava um pagamento que compreendia um intervalo de valores onde naturalmente se encontrava o valor de 95.078,55 euros. (Doc. n.º 3). VII) A Secretaria não colocou qualquer obstáculo ao recebimento da Petição mesmo no SITAF o valor da acção foi sempre referenciado por 95.078,55 euros. VIII) É verdade que a Mandatária, que se encontrava de licença maternidade (não tendo invocado qualquer impedimento) respondeu de forma deficiente à notificação recebida, dando seguimento a um dos pedidos e esquecendo-se do valor da acção. IX) Perante a Douta Sentença emitida que contrariava o seu próprio texto – 1 parágrafo e extinguia a instância, o que se subsumia no topo do purismo formal e contrariava o disposto na CRP e no próprio CPTA – artigos 20.º n.ºs 1 e 5 e art. 7.º, a Recorrente acabou por remeter nova Petição no prazo de 15 dias, nos termos do art. 87.º do CPTA, com o valor expressamente indicado. X) Tal Petição foi rejeitada, facto que daqui se Recorre, com a indicação que violava o facto de não se ter respondido na parte aplicável à notificação recebida e daí o encerramento do processo por via adjectiva. XI) A CRP nos seus artigos 20.º 268.º, respectivamente números 1 e 5 e 4 e 5 assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças e violações desses direitos, incluindo a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma. Igualmente, o art. 7.º do CPTA diz que “para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito dos pretensões formuladas”. XII) No mesmo sentido se pronuncia o Acórdão do TAF de Coimbra [(Pensamos tratar-se de lapso na indicação do Tribunal: o Recorrente quererá referir-se ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido nessa data e processo, disponível em XIII) Igualmente o Acórdão do TCA [(Pensamos que também aqui ocorreu lapso na indicação do Tribunal: o Recorrente quererá referir-se ao Supremo Tribunal Administrativo, embora não identifique o acórdão a que pretende referir-se.)] – 1.ª Secção com o Relator Fernanda Maçãs defende que o princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça administrativa que aponta para uma interpretação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo. XIV) As decisões sucessivas do Tribunal a quo de extinção da instância e rejeição por despacho da junção de nova PI com a indicação expressa e não só implícita do valor da acção revela um purismo formal manifestamente excessivo que contraria e viola os direitos definidos na CRP, na LGT e no CPTA. Foram violados os artigos 20.º e 268.º da CRP respectivamente números 1 e 5 e 4 e 5. Foi violado o artigo 7.º do CPTA e diversos Acórdãos de Tribunais Superiores. Em face do exposto, deverá: 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] Embora o recorrente, apenas, tenha recorrida da decisão de 26/09/2017, que rejeitou a nova PI de impugnação judicial apresentada em 06/06/2015, ao abrigo do disposto no artigo 87.º/8 do CPTA, a verdade é que nas suas conclusões de recurso se permite sindicar a decisão de 18/05/2017 que havia julgado extinta a instância, uma vez que não indicou o valor da causa, apesar de convidado para o fazer. 1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se o Tribunal Tributário de Lisboa decidiu correctamente ao rejeitar a nova petição inicial que foi apresentada pelo Impugnante, mediante invocação do n.º 8 do art. 87.º do CPTA, após ter sido julgada extinta a instância por falta de indicação do valor da causa, após convite para sanar essa irregularidade. * * * 2. FUNDAMENTOS 2.1 DE FACTO A decisão recorrida é de rejeição da petição inicial, ou seja, uma decisão que não entrou no mérito da causa, motivo por que não procedeu à fixação da matéria de facto provada e não provada. Não obstante, respigamos da decisão e da consulta dos autos o seguinte circunstancialismo processual relevante: a) O ora Recorrente apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa petição de impugnação judicial da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 2011 (cfr. fls. 4 a 8); b) Considerando que nessa petição não foi indicado o valor da causa, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa ordenou a notificação do Impugnante para, em dez dias, indicar o valor do processo sob pena de extinção da instância, nos termos do art. 305.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) (cfr. despacho de fls. 29); c) De acordo com o ordenado, para notificação do Impugnante foi-lhe remetido ofício registado em 26 de Abril de 2017 (cfr. fls. 30); d) O Impugnante não veio indicar o valor da causa e, em 18 de Maio de 2017, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa proferiu despacho a julgar extinta a instância por falta dessa indicação, nos termos do disposto nos arts. 305.º, n.º 3, 278.º, alínea e) e 576.º, n.º 2, todos do CPC (cfr. decisão de fls. 36 a 38); e) Para notificar essa decisão ao Impugnante foi-lhe remetido ofício registado em 22 de Maio de 2017 (cfr. fls. 30); f) Em 6 de Junho de 2017, o Impugnante fez dar entrada no Tribunal Tributário de Lisboa uma nova petição inicial, dizendo que vinha «juntar nova petição, com a observância da prescrição em falta, ao abrigo do disposto no n.º 8 do artigo 87.º do CPTA, a qual deverá ser considerada, nos termos legais, como apresentada na data em que tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação» (cfr. fls. 42 e segs.); g) Em 25 de Setembro de 2017, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa proferiu decisão de rejeição da nova petição (cfr. fls. 58 a 60); h) Para notificação dessa decisão foi remetido ao Impugnante ofício registado em 27 de Setembro de 2017 (cfr. fls. 61); i) Em 9 de Outubro de 2017, o Impugnante fez dar entrada no Tribunal Tributário de Lisboa um requerimento de interposição de recurso, dizendo que «notificado do douto Despacho/Sentença do Tribunal “a quo” que extinguiu a instância, alegando que não foi indicado pela Impugnante o valor da acção, nem forma do determinar e bem assim o Despacho de Rejeição da nova petição inicial entregue, já com o valor da acção, nos termos do artigo 87.º do CPTA n.º 8, vem, muito respeitosamente, nos termos dos artigos 280.º do CPPT, 643.º n.º 4 do CPC, artigo 7.º do CPTA (Princípio pro actione), apresentar de tal Despacho, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo» (cfr. fls. 62). 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Como resulta do que ficou já dito, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa rejeitou a segunda petição inicial que o Impugnante apresentou pretendendo, ao abrigo do disposto no n.º 8 do art. 87.º do CPTA, valer-se da data da apresentação da primeira petição. 2.2.2 DA FACULDADE CONCEDIDA PELO N.º 8 DO ART. 87.º DO CPTA Perante a extinção da instância com fundamento na falta de indicação do valor da acção e discordando dessa decisão, o Oponente podia dela ter recorrido, suscitando ao tribunal superior a sindicância da legalidade da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa. Não o fez e, ao invés, optou por apresentar nova petição, nas suas próprias palavras, «já com o valor da acção, nos termos do artigo 87.º do CPTA n.º 8». 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Não pode valer-se da faculdade concedida pelo n.º 8 do art. 87.º do CPTA – apresentação de nova petição inicial, aproveitando-se da data em que foi apresentada a primeira, para efeitos de tempestividade do direito de acção – aquele que viu a instância ser julgada extinta por não ter acedido ao convite para corrigir a petição inicial. II - Não tendo sido interposto oportunamente recurso do despacho que extinguiu a instância, formou-se caso julgado formal quanto à questão (cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC), não podendo depois o autor questionar a legalidade dessa decisão no recurso do despacho que rejeitou a apresentação da segunda petição inicial. III - O princípio pro actione, consagrado no art. 7.º do CPTA, não se destina à subversão das regras processuais, antes constituindo um critério orientador na interpretação destas: em caso de dúvida, deve prevalecer o sentido que permita o conhecimento do mérito da pretensão formulada em juízo. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 7 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto. |