Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0821/17.5BELRS 0423/18
Data do Acordão:11/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NOVA PETIÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
Sumário:I - Não pode valer-se da faculdade concedida pelo n.º 8 do art. 87.º do CPTA – apresentação de nova petição inicial, aproveitando-se da data em que foi apresentada a primeira, para efeitos de tempestividade do direito de acção – aquele que viu a instância ser julgada extinta por não ter acedido ao convite para corrigir a petição inicial.
II - Não tendo sido interposto oportunamente recurso do despacho que extinguiu a instância, formou-se caso julgado formal quanto à questão (cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC), não podendo depois o autor questionar a legalidade dessa decisão no recurso do despacho que rejeitou a apresentação da segunda petição inicial.
III - O princípio pro actione, consagrado no art. 7.º do CPTA, não se destina à subversão das regras processuais, antes constituindo um critério orientador na interpretação destas: em caso de dúvida, deve prevalecer o sentido que permita o conhecimento do mérito da pretensão formulada em juízo.
Nº Convencional:JSTA00070797
Nº do Documento:SA2201811070821
Data de Entrada:04/23/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Legislação Nacional:ARTIGOS 7º E 87º, N.º 8 DO CPTA E 20º, N.º 1 DO CPC
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão de indeferimento liminar proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 821/17.5BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente veio recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Tributário de Lisboa rejeitou a nova petição, por ele apresentada mediante invocação do disposto no n.º 8 do art. 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e na sequência do despacho que extinguiu a instância da presente impugnação judicial por falta de indicação na petição inicial do valor da causa, depois de incumprido o convite para suprimento dessa irregularidade.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I) A impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa referente a uma liquidação oficiosa realizada pela AT de 95.078,55 euros, quando a empresa já estava dissolvida desde final de 2011, não se verificaram os pressupostos de abuso previstos no artigo 64.º do CIRC e registou-se caducidade da liquidação, é um acto no sentido de ser feita justiça material, que nos termos legais não pode ser sonegada.

II) A impugnação judicial corre o risco de não ter decisão de mérito se prevalecer um juízo de excessivo formalismo do Tribunal a quo que consiste em ter extinto a instância e rejeitado a entrega de uma nova Petição com o valor expresso não só implícito nos termos do artigo 87.º do CPTA.

III) Na sentença gerada a 18.5.2017, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo veio dizer que nos termos do artigo 108.º n.º 2 do CPPT o autor deve identificar na petição inicial o valor do processo ou a forma como pretende a sua determinação, sob pena de extinção da instância, caso perante notificação do Tribunal para o efeito tal valor não fosse indicado.

IV) Contudo, tal valor estava automaticamente implícito, desde logo da PI inicial onde se lê ... “notificado em 10.1.2017, do indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada da liquidação de IRC de Euros 95.078,55 ... vem nos termos dos artigos 99.º e seguintes apresentar Impugnação judicial”.

V) Tal constava igualmente do documento apresentado pela AT com o envio da Impugnação em que é referido expressamente o valor de Euros 95.078.55 e mais ainda do primeiro parágrafo da própria Sentença do Tribunal a quo, onde se lê ... “no valor de 95.078,55 euros” (sic) (Doc. n.º 4).

VI) Igualmente o comprovativo do pagamento das custas judiciais indicava um pagamento que compreendia um intervalo de valores onde naturalmente se encontrava o valor de 95.078,55 euros. (Doc. n.º 3).

VII) A Secretaria não colocou qualquer obstáculo ao recebimento da Petição mesmo no SITAF o valor da acção foi sempre referenciado por 95.078,55 euros.

VIII) É verdade que a Mandatária, que se encontrava de licença maternidade (não tendo invocado qualquer impedimento) respondeu de forma deficiente à notificação recebida, dando seguimento a um dos pedidos e esquecendo-se do valor da acção.

IX) Perante a Douta Sentença emitida que contrariava o seu próprio texto – 1 parágrafo e extinguia a instância, o que se subsumia no topo do purismo formal e contrariava o disposto na CRP e no próprio CPTA – artigos 20.º n.ºs 1 e 5 e art. 7.º, a Recorrente acabou por remeter nova Petição no prazo de 15 dias, nos termos do art. 87.º do CPTA, com o valor expressamente indicado.

X) Tal Petição foi rejeitada, facto que daqui se Recorre, com a indicação que violava o facto de não se ter respondido na parte aplicável à notificação recebida e daí o encerramento do processo por via adjectiva.

XI) A CRP nos seus artigos 20.º 268.º, respectivamente números 1 e 5 e 4 e 5 assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças e violações desses direitos, incluindo a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma. Igualmente, o art. 7.º do CPTA diz que “para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito dos pretensões formuladas”.

XII) No mesmo sentido se pronuncia o Acórdão do TAF de Coimbra [(Pensamos tratar-se de lapso na indicação do Tribunal: o Recorrente quererá referir-se ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido nessa data e processo, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/e0164715b9cc8123802579a40039ef2a.)] – 2.ª Secção do Contencioso Tributário de 9/2/2012 no processo 00304/04.3BECBR em que se lê nos pontos 4) e 5) que o circunstancialismo do caso concreto pode justificar o abandono do estrito rigor formal e o apelo ao princípio de promoção do acesso justiça (pro-actione) e ainda que na interpretação das normas processuais deve prevalecer a que melhor garanta a tutela efectiva do direito e a concretização da justiça material, devendo repudiar-se as interpretações meramente formais que obstaculizem o exercício do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva.

XIII) Igualmente o Acórdão do TCA [(Pensamos que também aqui ocorreu lapso na indicação do Tribunal: o Recorrente quererá referir-se ao Supremo Tribunal Administrativo, embora não identifique o acórdão a que pretende referir-se.)] – 1.ª Secção com o Relator Fernanda Maçãs defende que o princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça administrativa que aponta para uma interpretação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.

XIV) As decisões sucessivas do Tribunal a quo de extinção da instância e rejeição por despacho da junção de nova PI com a indicação expressa e não só implícita do valor da acção revela um purismo formal manifestamente excessivo que contraria e viola os direitos definidos na CRP, na LGT e no CPTA.

Foram violados os artigos 20.º e 268.º da CRP respectivamente números 1 e 5 e 4 e 5. Foi violado o artigo 7.º do CPTA e diversos Acórdãos de Tribunais Superiores.

Em face do exposto, deverá:
- Ser dado provimento ao presente Recurso e em consequência ser Revogado o Despacho do Tribunal a quo que rejeitou a PI com a indicação expressa e não só implícita do valor da acção, nos termos do artigo 87.º do CPTA.
- Ser tal despacho, após revogação, substituído por outro que permita a renovação da instância e a apreciação do mérito da causa, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 268.º do CRP n.ºs 1 e 5 e 4 e 5 e art. 7.º do CPTA e Acórdãos mencionados dos Tribunais Superiores […]».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

Embora o recorrente, apenas, tenha recorrida da decisão de 26/09/2017, que rejeitou a nova PI de impugnação judicial apresentada em 06/06/2015, ao abrigo do disposto no artigo 87.º/8 do CPTA, a verdade é que nas suas conclusões de recurso se permite sindicar a decisão de 18/05/2017 que havia julgado extinta a instância, uma vez que não indicou o valor da causa, apesar de convidado para o fazer.
Ora, tendo esta decisão transitado em julgado, por não ter sido objecto de atempado recurso, é bom de ver que tudo o que o recorrente alega acerca da bondade dessa mesma decisão não pode ser apreciado pelo tribunal ad quem.
Como resulta dos autos o recorrente, antes de ter sido proferida a decisão que julgou extinta a instância, foi, expressamente, convidado para indicar o valor da causa, não o tendo feito.
Assim sendo, como, claramente, resulta do texto do artigo 87.º/8 do CPTA, não pode o recorrente usar da faculdade ali prevista de apresentar nova PI no prazo de 15 dias, contados da notificação da decisão de absolvição da instância, considerando-se a acção interposta na data da apresentação da 1.ª PI (Comentário ao CPTA, 2017, 4.ª edição, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, páginas 672/673).
E, ressalvado melhor Juízo, não há fundamento legal para o recorrente vir convocar o princípio pro actione, estatuído no artigo 7.º do CPTA, em abono da sua defesa.
De facto, decorre de tal princípio que, em caso de dúvida, os tribunais têm o dever de interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas.
Na verdade, no caso em análise não estamos perante uma situação de dúvida.
É certo que o recorrente foi notificado, expressamente, para indicar o valor da causa e não o fez.
Não recorreu, em tempo, da decisão que julgou extinta a instância por omissão do valor da causa, pelo que não pode beneficiar da faculdade prevista no artigo 87.º/8 do CPTA.
O princípio pro actione convocado pelo recorrente não põe nem pode pôr em causa o facto do exercício dos direitos dever ser concretizado de acordo com os meios processuais previstos na lei e dentro dos prazos legalmente estabelecidos, sob pena de se entrar numa situação de anarquia que, essa sim, inviabilizaria o correcto exercício desses direitos».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se o Tribunal Tributário de Lisboa decidiu correctamente ao rejeitar a nova petição inicial que foi apresentada pelo Impugnante, mediante invocação do n.º 8 do art. 87.º do CPTA, após ter sido julgada extinta a instância por falta de indicação do valor da causa, após convite para sanar essa irregularidade.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

A decisão recorrida é de rejeição da petição inicial, ou seja, uma decisão que não entrou no mérito da causa, motivo por que não procedeu à fixação da matéria de facto provada e não provada. Não obstante, respigamos da decisão e da consulta dos autos o seguinte circunstancialismo processual relevante:

a) O ora Recorrente apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa petição de impugnação judicial da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 2011 (cfr. fls. 4 a 8);

b) Considerando que nessa petição não foi indicado o valor da causa, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa ordenou a notificação do Impugnante para, em dez dias, indicar o valor do processo sob pena de extinção da instância, nos termos do art. 305.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) (cfr. despacho de fls. 29);

c) De acordo com o ordenado, para notificação do Impugnante foi-lhe remetido ofício registado em 26 de Abril de 2017 (cfr. fls. 30);

d) O Impugnante não veio indicar o valor da causa e, em 18 de Maio de 2017, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa proferiu despacho a julgar extinta a instância por falta dessa indicação, nos termos do disposto nos arts. 305.º, n.º 3, 278.º, alínea e) e 576.º, n.º 2, todos do CPC (cfr. decisão de fls. 36 a 38);

e) Para notificar essa decisão ao Impugnante foi-lhe remetido ofício registado em 22 de Maio de 2017 (cfr. fls. 30);

f) Em 6 de Junho de 2017, o Impugnante fez dar entrada no Tribunal Tributário de Lisboa uma nova petição inicial, dizendo que vinha «juntar nova petição, com a observância da prescrição em falta, ao abrigo do disposto no n.º 8 do artigo 87.º do CPTA, a qual deverá ser considerada, nos termos legais, como apresentada na data em que tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação» (cfr. fls. 42 e segs.);

g) Em 25 de Setembro de 2017, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa proferiu decisão de rejeição da nova petição (cfr. fls. 58 a 60);

h) Para notificação dessa decisão foi remetido ao Impugnante ofício registado em 27 de Setembro de 2017 (cfr. fls. 61);

i) Em 9 de Outubro de 2017, o Impugnante fez dar entrada no Tribunal Tributário de Lisboa um requerimento de interposição de recurso, dizendo que «notificado do douto Despacho/Sentença do Tribunal “a quo” que extinguiu a instância, alegando que não foi indicado pela Impugnante o valor da acção, nem forma do determinar e bem assim o Despacho de Rejeição da nova petição inicial entregue, já com o valor da acção, nos termos do artigo 87.º do CPTA n.º 8, vem, muito respeitosamente, nos termos dos artigos 280.º do CPPT, 643.º n.º 4 do CPC, artigo 7.º do CPTA (Princípio pro actione), apresentar de tal Despacho, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo» (cfr. fls. 62).

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Como resulta do que ficou já dito, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa rejeitou a segunda petição inicial que o Impugnante apresentou pretendendo, ao abrigo do disposto no n.º 8 do art. 87.º do CPTA, valer-se da data da apresentação da primeira petição.
O Juiz não aceitou essa possibilidade e rejeitou a nova petição inicial. Em síntese, considerou que o Impugnante não pode valer-se da faculdade concedida pelo n.º 8 do art. 7.º do CPTA uma vez que incumpriu o convite do tribunal para indicar o valor da acção, o que deu origem ao julgamento de extinção da instância
O Impugnante insurge-se, não só contra essa decisão de rejeição da segunda petição, mas também contra a anterior decisão, de extinção da instância.
No entanto, como judiciosamente observou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, a decisão que julgou extinta a instância com fundamento na falta de indicação pelo Impugnante do valor da causa, apesar de ter sido notificado para o efeito sob essa cominação, transitou em julgado (De acordo com o disposto no art. 628.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, que corresponde ao anterior art. 677.º, «[a] decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».). Formou-se, pois, caso julgado formal quanto à questão (cfr. art. 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Assim, o presente recurso não tem outro objecto senão a decisão que rejeitou a segunda petição inicial e, consequentemente, não pode agora o Supremo Tribunal Administrativo sindicar a decisão de extinção da instância.
Dito isto, a única questão que agora cumpre apreciar é a de saber se, em face da extinção da instância e do fundamento que a motivou, podia ou não o Tribunal Tributário de Lisboa aceitar a segunda petição e considerar como data da apresentação da mesma, para efeitos de aferir da tempestividade da acção, à data em que foi apresentada a primeira petição inicial.

2.2.2 DA FACULDADE CONCEDIDA PELO N.º 8 DO ART. 87.º DO CPTA

Perante a extinção da instância com fundamento na falta de indicação do valor da acção e discordando dessa decisão, o Oponente podia dela ter recorrido, suscitando ao tribunal superior a sindicância da legalidade da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa. Não o fez e, ao invés, optou por apresentar nova petição, nas suas próprias palavras, «já com o valor da acção, nos termos do artigo 87.º do CPTA n.º 8».
Recordemos, pois, o teor dos n.ºs 7 e 8 art. 87.º do CPTA:
«7- A falta de suprimento de excepções dilatórias ou de correcção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.
8- A absolvição da instância sem prévia emissão de despacho pré-saneador, em casos em que podia haver lugar ao suprimento de excepções dilatórias ou de irregularidades, não impede o autor de, no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação».
O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa rejeitou a nova petição inicial apresentada pelo ora Recorrente com a seguinte fundamentação:
«Resulta, assim, claramente deste normativo legal [o citado n.º 8 do art. 87.º do CPTA] que só quando a absolvição da instância resulte do incumprimento do convite do tribunal para o suprimento ou correcção de deficiências é que não é possível a apresentação de nova petição, com o aproveitamento dos efeitos que decorram da petição primeiramente apresentada.
A falta de suprimento das excepções dilatórias ou irregularidades a convite do tribunal (isto é, o não acatamento pelo autor do convite do juiz para aperfeiçoar a petição) tem como consequência imediata a absolvição da instância, sem possibilidade de apresentação de nova petição. Assim, este normativo legal circunscreve a hipótese de renovação da instância, por via da substituição da petição, aos casos em que o juiz tenha absolvido da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, 2010, págs. 595 a 597, em anotação ao anterior n.º 2 do artigo 89.º, mas plenamente transponível para o actual n.º 8 do artigo 87.º do mesmo diploma legal).
Como referem os citados autores (ob. cit., pág. 597), “(…) perante a detecção de excepção dilatória, e em face da posição adoptada pelo juiz, o autor poderá reagir das seguintes formas: (a) se for determinada a absolvição da instância sem prévio despacho de aperfeiçoamento, poderá apresentar nova petição no prazo cominado no n.º 2; (b) se for exarado despacho de aperfeiçoamento, poderá substituir a petição ou fornecer os esclarecimentos convenientes, em cumprimento do despacho, ou recusar-se a satisfazê-lo, se entender que se não verifica a excepção dilatória ou que não há lugar à sua sanação, caso em que não beneficia da faculdade de apresentar nova petição quando o juiz seguidamente venha a absolver da instância;”.
No mesmo sentido se pronunciaram Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, pág. 522), também em anotação ao anterior n.º 2 do artigo 89.º, mas perfeitamente transponível para o actual n.º 8 do artigo 87.º do CPTA:
“A lei faz depender o efeito da parte final do art. 89.º/2 do facto de não ter sido previamente proferido despacho de aperfeiçoamento a esse propósito – porque, se o foi, o autor já teria tido possibilidade de suprir a excepção dilatória e de evitar a absolvição da instância, não lhe sendo dado, neste caso, renová-la “retroactivamente” (…)”.
Neste sentido, vide também, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.07.2007 (processo n.º 0358/07) [(Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ee861e672c88c85380257317003311f2.)] e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16.07.2009 (processo n.º 02717/08.2BEPRT) [(Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/a7986c394ac995438025761b0045d621.)], neste último caso, em situação idêntica à dos autos, em que não foi indicado o valor da acção, perante despacho a convidar o demandante a suprir essa falta.
Vertendo para o caso dos autos, como o Impugnante reconhece no seu requerimento, por despacho de fls. 29, foi determinado que se procedesse à sua notificação para, no prazo de 10 (dez) dias, indicar o valor do processo, sob pena de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 305.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).
Sendo que, tendo o Impugnante sido regularmente notificado do referido despacho, por ofício datado de 26.04.2017 (cfr. fls. 30), o mesmo não procedeu à indicação do valor da causa.
Face a esta factualidade, e considerando o disposto no n.º 8 do artigo 87.º do CPTA, no entendimento que supra foi exposto, de que a faculdade de apresentação de nova petição supõe que não tenha havido, podendo haver, despacho de aperfeiçoamento (e que seja possível a «observância das prescrições em falta»), impõe-se concluir que, tendo, in casu, sido emitido despacho de aperfeiçoamento, a que não foi dado cumprimento, o Impugnante ficou impedido de apresentar nova petição, nos termos previstos naquele normativo legal.
Perante todo o exposto, rejeita-se a nova petição apresentada pelo Impugnante».
Foi com esta fundamentação que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa recusou a apresentação da segunda petição inicial. A nosso ver, bem, motivo por que a decisão não merece censura alguma e o recurso não pode ser provido.
O Recorrente sustenta que a decisão viola o princípio pro actione, com consagração legal no art. 7.º do CPTA, que, sob a epígrafe «Promoção do acesso à justiça», dispõe que «para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas». Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE, «Trata-se de um corolário normativo ou de uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo» (Justiça Administrativa, 11.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 436.).
Como salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, decorre de tal princípio que, em caso de dúvida sobre a interpretação das normas, estas devem ser aplicadas com o sentido que favoreça a emissão de pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada. Nas palavras de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, «[…] o princípio pro actione, que decorre do disposto no art. 7.º […] impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efectuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito» (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 63/64.).
No entanto, no caso não há dúvida quanto à interpretação das normas aplicáveis. A situação factual e processual que acima deixámos detalhadamente descrita e o enquadramento legal que dela foi efectuado pelo Juiz do Tribunal a quo no despacho recorrido – que, reiteramos, é o único cuja legalidade ora podemos sindicar – não dá azo a qualquer dúvida na interpretação das regras jurídicas aplicáveis que justifique o recurso ao princípio pro actione.
Este princípio não se destina à subversão das regras processuais, mas apenas a que na interpretação destas seja privilegiado o sentido que permite a decisão de mérito.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Não pode valer-se da faculdade concedida pelo n.º 8 do art. 87.º do CPTA – apresentação de nova petição inicial, aproveitando-se da data em que foi apresentada a primeira, para efeitos de tempestividade do direito de acção – aquele que viu a instância ser julgada extinta por não ter acedido ao convite para corrigir a petição inicial.

II - Não tendo sido interposto oportunamente recurso do despacho que extinguiu a instância, formou-se caso julgado formal quanto à questão (cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC), não podendo depois o autor questionar a legalidade dessa decisão no recurso do despacho que rejeitou a apresentação da segunda petição inicial.

III - O princípio pro actione, consagrado no art. 7.º do CPTA, não se destina à subversão das regras processuais, antes constituindo um critério orientador na interpretação destas: em caso de dúvida, deve prevalecer o sentido que permita o conhecimento do mérito da pretensão formulada em juízo.

* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 7 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.