Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02717/08.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/16/2009
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:RECLAMAÇÃO/RECURSO EM EXECUÇÃO FISCAL – NOVA PETIÇÃO – SUA POSSIBILIDADE LEGAL
Sumário:I - Um dos princípios estruturantes, quer do processo civil, quer do administrativo, é o princípio da preclusão, segundo o qual há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria, tendo cada acto de ter lugar no ciclo próprio, sob pena de preclusão.
II - Importa ter presente e, desde já, distinguir, duas situações que podem ocorrer na tramitação processual:
- aquela em que perante uma petição inicial, a secretaria recusa o seu recebimento ou o juiz profere de imediato despacho de indeferimento liminar;
- aqueloutra em que perante uma petição inicial, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, concedendo prazo ao peticionante para o efeito e este não corrige o vício em tal prazo, sendo proferido após despacho de indeferimento.
III - O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) consagra um regime, nos seus artigos 88º e 89º, que também permite o uso da faculdade de apresentação de uma nova petição substitutiva da primeira, mas não coincidente com aquele do CPC – art. 476º.
Assim, o regime do CPC não pode aplicar-se na presente situação.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I
Miguel (adiante Recorrente), NIF , por se não conformar com a decisão proferida pela Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que rejeitou a “petição de reclamação” por ele apresentada ao abrigo do disposto no artigo 476º do CPC, dela veio interpor o presente recurso, apresentando, para o efeito, o quadro conclusivo constante de fls. 261 e 262:
1. Convidado o Reclamante a apresentar novo articulado contendo as respectivas conclusões "sob pena de a presente reclamação ser indeferida liminarmente", veio o decisor, verificada a extemporaneidade do acto, a rejeitar liminarmente a petição de reclamação;
2. A Reclamante apresentou nova petição ao abrigo do disposto no art. 476° CPC que veio a ser, todavia, objecto do douto despacho ora em crise que rejeita a "petição de reclamação" com fundamento no facto de estar em presença de um indeferimento mediato que não se coaduna com a aplicação do mecanismo previsto no art. 476° CPC, nada concedendo
3. Dispõe o art. 234°-A CPC, aplicável subsidiariamente (art. 2° CPPT) que o juiz pode indeferir liminarmente a petição, aplicando-se o disposto no art. 476°
4. Faz o art. 234°-A expressamente remissão para o disposto no art. 476° CPC nos termos do qual se concede ao Autor o benefício de apresentação de outra petição nos casos de indeferimento liminar
5. É a própria disposição legal que expressamente determina a aplicação do disposto no art. 476° CPC
6. Não pode, salvo melhor opinião, deixar de se concluir pela aplicabilidade do disposto no art. 476° subsidiariamente aplicável
7. De resto, o convite à correcção e apresentação de nova petição de reclamação foi feito sob cominação expressa do indeferimento liminar
8. Indeferimento liminar ao qual não pode deixar de se aplicar o benefício concedido pelo disposto no art. 476° CPC
9. Não pode o decisor, depois de se estabelecer uma específica cominação, excluir a aplicação dessa própria cominação que ele próprio estabeleceu em despacho anterior
10. Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se o a douta decisão em crise e ordenando-se a aceitação do novo requerimento inicial, assim se fazendo a costumada Justiça

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu parecer, a fls. 273 e 274, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos legais dada a celeridade no julgamento do recurso (art. 707º nº 2 do CPC), importa apreciar e decidir.

II
Dos autos resulta provada a seguinte materialidade fáctica com interesse à presente decisão:
a) Em 03/12/2008 o ora Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Gondomar reclamação contra o acto de venda de um terreno de eucaliptal no processo de execução fiscal nº 1783200701046691, contra si e cônjuge instaurado para cobrança de IRS do ano de 2003, fundamentando-a em prejuízo irreparável e requerendo tramitação urgente – cfr. fls. 167 a 173;
b) Em 18/12/2008 a Juiz do TAF do Porto proferiu o seguinte despacho:
«Compulsados os presentes autos verifica-se que a reclamação apresentada constante de fls. 166 e ss. do processo físico, não faz referência ao valor da mesma, bem como, não contém conclusões, sendo estas obrigatórias, como é determinado pelo art. 277º nº 1 do CPPT.
Assim, nos termos do art. 314º nº 3 do CPC, ex vi do art. 2º al. e) do CPPT, convida-se o reclamante a declarar o valor da reclamação em apreço, sob pena de extinção da instância, a demonstrar o pagamento da taxa de justiça devida, se se verificar que com a indicação do valor, a taxa de justiça liquidada se mostra insuficiente e, bem assim, para apresentar novo articulado contendo as respectivas “conclusões”, sob pena, de a presente reclamação ser indeferida liminarmente.
Prazo: 10 dias (art. 23º do CPPT)
Notifique.» - cfr. fls. 192;
c) Notificado o reclamante, ora Recorrente, desse despacho, por carta registada de 22/12/2008, em obediência ao mesmo veio apresentar o articulado de fls. 197 e ss., expedido por telecópia em 15/01/2009 – cfr. fls. 193 e 197 a 216;
d) Em 29/01/2009 a Juiz do TAF do Porto proferiu a seguinte decisão:
«Fls. 197 e ss.
O acto processual praticado a fls. 197 e ss. pelo reclamante, mostra-se manifestamente extemporâneo, pelo que se determina o desentranhamento dos originais e devolução ao subscritor do mesmo, após trânsito da decisão que se segue.
*
MIGUEL , devidamente identificado nos autos, veio interpor Reclamação de despacho do Serviço de Finanças de Gondomar que designou data para a venda do imóvel penhorado na execução fiscal, em que é executado.
Apesar da petição inicial ter sido recepcionada, esta não indicava o valor da acção e não continha as conclusões em conformidade com o prescrito na lei.
Por despacho de fls. 192 foi o reclamante convidado a vir aos autos suprir aquelas irregularidades, com a cominação prevista no art. 314° n.° 3 do C.P.C, ex vi art. 2° do C.P.P.T..
No entanto o reclamante não o fez no prazo que lhe foi concedido para o efeito.
Foram os autos com vista ao DMMP que se pronunciou no sentido da rejeição liminar da presente reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
Face à não apresentação das competentes alegações por parte do reclamante e indicação do valor da acção no prazo legalmente fixado para o efeito temos, que da leitura conjugada dos arts. 277° n.° 1 do CPPT, 78° n.° 2 al. i) e 80° n.° 1 al. c) do CPTA (subsidiariamente aplicável), importa a rejeitar liminarmente a petição de reclamação.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente a presente reclamação pela falta de apresentação de conclusões e de indicação do valor da acção expirado que se mostra o prazo concedido para o efeito, pelo que absolvo a Fazenda Pública da instância.
Custas pelo Reclamante fixando-se a taxa de justiça nos mínimos legais.
Registe e Notifique-se.» - cfr. fls. 219 e 220;
e) Notificado o reclamante, ora Recorrente, dessa decisão, por carta registada de 02/02/2009, veio apresentar nova petição de reclamação, nos termos do art. 476º do CPC, expedida por telecópia em 16/02/2009 – cfr. fls. 222 e 223 a 239;
f) Por despacho proferido em 13/04/2009 a Juiz do TAF do Porto rejeitou a “petição de reclamação” apresentada pelo ora Recorrente ao abrigo do disposto no art. 476º do CPC, com a seguinte fundamentação, em síntese: « (…) Ao contrário do que afirma o Reclamante, o mecanismo previsto no art. 476º referido ao art. 234º-A do CPC, preceito este que permite ao juiz indeferir liminarmente a petição por razões de manifesta improcedência ou de evidente vício formal, de natureza dilatória, não é aplicável nos casos que se qualificam como indeferimento mediato da pretensão. (…) O que o interessado não pode, e é perfeitamente razoável que não possa, é declinar o convite ao aperfeiçoamento mas aproveitar o benefício concedido pelo art. 476º para juntar um novo pedido, assim disponde de uma dupla e sucessiva faculdade de correcção do pedido, como se lhe estivesse atribuído um incompreensível poder de escolha sobre a oportunidade da correcção, ao contrário do que se prevê em qualquer um dos diplomas em causa (neste sentido confirmar acórdão do STA de 26/4/02, rec. nº 733/02 e acórdão do STA de 02/10/2002, rec. nº 760/02). (…)» - cfr. fls. 247 a 249;
g) Notificado o reclamante, ora Recorrente, deste despacho, por carta registada de 14/04/2009, veio apresentar o presente recurso jurisdicional, expedido por telecópia em 29/04/2009, tendo pago multa nos termos do nº 5, do art. 145º do CPC – cfr. fls. 250 e 251 a 263.

III
Como resulta da matéria de facto fixada, tendo o ora Recorrente apresentado reclamação de decisão do órgão de execução fiscal e, não constando da mesma, por um lado, a indicação do valor da causa e, por outro lado, não contendo as conclusões a que alude o art. 277º, nº 1, do CPPT, foi o mesmo notificado, convidando-o a no prazo que se fixou em 10 dias, vir aos autos aperfeiçoar aquele seu articulado, sob pena de a presente reclamação ser indeferida liminarmente; decorrido o referido prazo, ou seja, a data de 08/01/2009, já com a possibilidade a que alude o art. 145º, nº 5, do CPC, veio o mesmo satisfazer tal convite, apresentando-o extemporaneamente, em 15/01/2009; a Juiz do tribunal a quo proferiu despacho a indeferir liminarmente a presente reclamação pela falta de apresentação de conclusões e de indicação do valor da acção expirado que se mostrava o prazo concedido para o efeito, pelo que absolveu a Fazenda Pública da instância; notificado o ora Recorrente desta decisão veio apresentar nova petição de reclamação, nos termos do art. 476º do CPC, a qual foi rejeitada pela Juiz do tribunal a quo.
Contra esta decisão se insurge o ora Recorrente, alegando que se aplica ao caso sub judicio a faculdade concedida no art. 476º do CPC, conjugado que seja com o disposto no art. 234º-A, do mesmo diploma.
Vejamos.
Para apreciar e decidir a presente questão, de natureza meramente processual, importa ter presente e, desde já, distinguir, duas situações que podem ocorrer na tramitação processual:
- aquela em que perante uma petição inicial, a secretaria recusa o seu recebimento ou o juiz profere de imediato despacho de indeferimento liminar;
- aqueloutra em que perante uma petição inicial, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, concedendo prazo ao peticionante para o efeito e este não corrige o vício em tal prazo, sendo proferido após despacho de indeferimento.
A situação que se apresenta nos presentes autos é a descrita em segundo lugar e, como bem se sustenta na decisão recorrida, com apoio na jurisprudência que cita ( Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção do Contencioso Administrativo, de 26/06/2002, proferido no Rec. nº 0733/02 e de 02/10/2002, no Rec. nº 0760/02, ambos consultáveis na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d9369bd462e1237b80256bf1002e1add?OpenDocument ), estamos em presença de um indeferimento mediato da pretensão, uma vez que o interessado se recusou a dar cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento imposto pelo juiz e o vício que se pretendia eliminar conduziu ao indeferimento da pretensão. É neste caso que se deve aceitar que o mecanismo previsto no art. 476º do CPC não possa funcionar sem que daí resulte qualquer compressão intolerável do direito de acesso à justiça e aos tribunais. O mecanismo previsto no referido art. 476º do CPC existe para as situações de indeferimento imediato, sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento, aquela descrita em primeiro lugar.
Como bem se conclui nessa jurisprudência, «O que o interessado não pode, e é perfeitamente razoável que não possa, é declinar o convite de aperfeiçoamento mas aproveitar o benefício conferido pelo artº 476º para juntar um novo pedido, assim dispondo de uma dupla e sucessiva faculdade de correcção do pedido, como se lhe estivesse atribuído um incompreensível poder de escolha sobre a oportunidade da correcção, ao contrário do que se prevê em qualquer um dos diplomas em causa.»
Mas, não é só por esta razão, ou melhor, não é fundamentalmente por ela, que o presente recurso jurisdicional está votado ao insucesso.
No caso sub judicio, a defendida, pelo Recorrente, aplicação dos artigos 476º e 234º-A, do CPC, conjugados, não pode ocorrer.
Na verdade, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) consagra um regime, nos seus artigos 88º e 89º, que também permite o uso da faculdade de apresentação de uma nova petição substitutiva da primeira, mas não coincidente com aquele do CPC.
Assim, o regime do CPC não pode aplicar-se na presente situação. Este diploma adjectivo, que vigora nos tribunais judiciais é de aplicação meramente supletiva nos tribunais administrativos e fiscais – cfr. arts. 7º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), 2º al. e) da Lei Geral Tributária (LGT), 1º do CPTA e 2º al. e) do CPPT. No caso presente, do processo judicial tributário, a existência de um caso omisso, isto é, não regulado no CPPT, resolve-se mediante o apelo, sucessivo e excludente, às normas indicadas no artigo 2º deste diploma. Quer isto dizer que, encontrada uma norma capaz de suprir a omissão, no CPTA, não há que ir procurá-la ao CPC. Na situação objecto deste recurso, o caso omisso ocorre no CPPT, mas não no CPTA, concluindo-se, pois, pela não aplicação do regime consagrado no CPC.
Na verdade, o artigo 88º, nº 4, do CPTA, que tem por epígrafe “Suprimento de excepções dilatórias e aperfeiçoamento dos articulados dispõe:
« (…)
4 - A falta de suprimento ou correcção, nos termos previstos no n.º 2, das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância, sem possibilidade de substituição da petição ao abrigo do disposto no artigo seguinte.»
O artigo seguinte, no seu nº 2, preceitua:
«(…)
2 - A absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento não impede o autor de, no prazo de 15 dias contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação.
(…)»
Da conjugação destas normas, fácil é concluir que, tendo sido emitido pela Juiz do tribunal a quo despacho de aperfeiçoamento, a que não foi dado cumprimento dentro do prazo concedido, impedido ficou o ora Recorrente de apresentar nova petição.
Razão por que não merece reparo a decisão recorrida que rejeitou a “petição de reclamação” apresentada pelo ora Recorrente ao abrigo do disposto no art. 476º do CPC e, em consequência, manteve a absolvição da Fazenda Pública da presente instância.
Diremos ainda não se desconhecer que uma das traves mestras da reforma do CPC, operada pelos Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Setembro, e 180/96, de 12 de Dezembro, bem como da reforma do contencioso administrativo de 2004, consistiu em privilegiar as decisões de fundo sobre as decisões de forma. Contudo, não menos certo é que essa prevalência do mérito sobre a forma não pode sobrepor-se à observância de um conjunto de princípios que marcam a garantia dos valores fundamentais típicos do processo e à observância de um conjunto de regras, de natureza instrumental, que definem o funcionamento desse sistema processual.
E, um desses princípios estruturantes, quer do processo civil, quer do administrativo, é o princípio da preclusão, segundo o qual há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria, tendo cada acto de ter lugar no ciclo próprio, sob pena de preclusão.
Assim, o direito processual constitui, pois, um encadeamento de actos com vista a se conseguir um objectivo, qual seja o de obter uma decisão judicial que componha um litígio, que implica a observância de determinada disciplina, sob pena de se não alcançar essa composição, por razões que ficam dependentes do livre arbítrio das partes, o qual, no limite, poderia conduzir a um “eternizar” de actos com manifesta repercussão na tomada de decisão em tempo útil.
Razões pelas quais improcedem toadas as conclusões do recurso.

IV
Face ao exposto decide-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e registe.
Porto, 16 de Julho de 2009
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) Francisco António Areal Rothes
Ass) Aníbal Augusto Ruivo Ferraz