Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0478/10.4BEMDL
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26334
Nº do Documento:SA2202009160478/10
Data de Entrada:04/01/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório-


1. Notificados da Decisão Sumária proferida pela Relatora em 7 de maio último - que admitiu o recurso interposto pela AT contra nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelos embargantes nos presentes autos e, conhecendo do respectivo mérito, lhe negou provimento, pelos fundamentos constantes do douto acórdão deste STA de 20 de abril de 2020, proferido no processo n.º 0415/15.5BEMDL -, dela vieram, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT, reclamar para a Conferência o Ministério Público junto deste STA e a Autoridade Tributária e Aduaneira, requerendo que sobre tal decisão recaia Acórdão.

Invoca o Ministério Público que o Acórdão proferido no processo nº 415/17.5BEMDL perfilha solução oposta à do Acórdão do STA datado de 17/12/2019 proferido no processos nº 906/14.0BEVIS, disponível em www.dgsi.pt. , daí que a posição adoptada pela douta decisão sumária ora em crise não está consolidada, pelo que, caso a mesma fosse colegial, existiria fundamento para, ao abrigo do disposto no artigo 284º, nº 1, alínea b), do CPPT, o MP interpor recurso para uniformização de jurisprudência e pugna por que se entenda que a condenação depende, de a parte vencedora apresentar e documentar a nota discriminativa e justificativa prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 25º, do RCP, ou seja, a quantia paga a título de honorários, o que, in casu, não sucedeu, conforme resulta da nota discriminativa e justificativa de custas de parte em causa.

A AT, por seu lado, invoca que a decisão sumária que nega provimento ao recurso e confirma a sentença recorrida, conduz a consequências jurídicas que são intoleráveis à luz dos princípios que enformam o sistema jurídico vigente, que o pagamento à parte vencedora do montante determinado nos termos da alínea c) do n.º 3 do art.º 26.º do Regulamento das Custas Processuais, para compensação das despesas incorridas com honorários do Mandatário judicial, está condicionada à comprovação do valor dos honorários efetivamente suportados e que a posição adotada pela decisão sumária ora em crise não está consolidada (inclusive, o acórdão que serviu de fundamentação a esta decisão sumária não transitou em julgado), pelo que, caso a mesma fosse colegial, existiria fundamento para, ao abrigo do disposto no art.º 284.º do CPPT, interpor de recurso para uniformização de jurisprudência.

2. Responderam os reclamados, pugnando pela rejeição do recurso ou pela manutenção da decisão sumária ou do teor da mesma.

3. É do seguinte teor a Decisão Sumária reclamada:

Processo n.º 478/10.4BEMDL

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a reclamação deduzida pela AT contra a nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada nos presentes autos pelos ora recorridos, invocando, para os efeitos do então vigente n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, que a decisão recorrida está em contradição com cinco decisões de tribunais tributários, de que junta cópias.

A recorrente AT concluiu a sua alegação de recurso nos seguintes termos:

1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto do despacho que indeferiu a reclamação, na parte respeitante à não comprovação das despesas, alegadamente suportadas com honorários do mandatário judicial, apresentada pela aqui Recorrente da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que lhe foi remetida pela parte vencedora;

2. A questão de direito, ora controvertida, já foi alvo de pronúncia em outros tribunais de igual grau do Tribunal a quo em, pelo menos, cinco decisões, externadas que foram em sentido oposto ao do despacho aqui recorrido (vide, documentos anexos);

3. Contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, o pagamento, à parte vencedora, do montante compensatório devido em razão das despesas incorridas com os honorários do seu mandatário judicial está dependente da comprovação do valor efectivamente suportado com as referidas despesas;

4. No caso dos presentes autos, a parte vencedora limitou-se a incluir na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, o valor determinado nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do RCP, sem alegar sequer que tal montante superou o que resulta da citada disposição legal, nem fazer prova do montante efetivamente pago a título de honorários com o respectivo mandatário judicial;

5. Inviabilizando, desse modo, aferir se as despesas incorridas pela parte vencedora, a título de honorários do respectivo mandatário judicial, foram superiores, iguais ou inferiores ao valor que resulta da fórmula de cálculo da compensação, ínsita no artigo 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, que lhe seria devida por tais despesas.

6. Entendimento que, como sobredito, colhe apoio na jurisprudência dos tribunais superiores (vide, por todos, Acórdão STA, Proc. n.º 01443/13, de 2015-09-16) e na doutrina autorizada sobre a matéria (Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, 2011, 3.ª Edição, Almedina, pág. 362).

2 – Contra-alegaram os recorridos no sentido da inadmissibilidade do recurso e, caso assim não se entenda, do não provimento do mesmo.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido da admissão do recurso e do seu provimento.

4 - É do seguinte teor o despacho recorrido:

De acordo com o art. 26.º, n.º 3, al. c) do RCP, a parte vencida é condenada ao pagamento de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior.

Este preceito (art.º 25.º, n.º 2, al. d) dispõe o seguinte:

“2- Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:

(…)

d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;

(…)”

Portanto, e apesar de não fazer explicitamente menção de que os honorários suportados superam o montante de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, tem se entender que, face ao disposto no art. 25.º, n.º 2, al. d) do RCP citado, a parte vencedora não está obrigada a indicar, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário, só estando obrigada a indicar tais quantias quando elas sejam inferiores.

Pelo exposto indefiro o requerido

Custas pela Requerente

Notifique.

(…)

6. Questão a decidir. Justificação da decisão sumária

São as de saber se se verificam os pressupostos de que o então n.º 5 (actual n.º 3) do art. 280.º do CPPT faz depender a admissibilidade do recurso – interposto de despacho de indeferimento de nota discriminativa e justificativa de custas de parte – e, em caso afirmativo, a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter indeferido a reclamação deduzida pela AT contra a nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada nos presentes autos pelos ora recorridos.

Em situação em tudo similar à dos presentes autos emitiu já este STA pronúncia em data muito recente - Acórdão proferido em 20 de abril último no processo n.º 0415/17.5BEMDL – sendo idêntico o teor das decisões recorridas num e noutro processo, substancialmente idênticos os pressupostos de facto das decisões e bem assim o teor das alegações de recurso.

Por isso que, para efeitos da aplicação do disposto nos artigos 701.º n.º 1 alínea c) e 705.º do Código de Processo Civil, entende a relatora tratar-se de questão simples, a decidir através de decisão sumária.

Nestes termos,

Atendendo a que questão similar à que constitui objecto do presente recurso foi já decidida pelo STA em caso similar ao dos presentes autos, decide-se, por remissão para o douto Acórdão proferido em 20 de Abril último no processo n.º 0415/17.5BEMDL, admitir o recurso, pelos fundamentos constantes daquele Acórdão e, conhecendo do respectivo mérito, pelos fundamentos também constantes daquele Acórdão, negar provimento ao recurso, porquanto, como aí se consignou, Na elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, as quantias pagas com honorários de mandatário devem ser indicadas em rubrica autónoma, salvo se estas importâncias excederem o valor indicado no art. 26.º, n.º. 3, alínea c), do RCP, ou seja, quando sejam superiores a 50% da soma das taxas de justiça que tenham sido pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e isto porque, em tal hipótese, o direito da parte vencedora circunscreve-se ao limite ali consignado.//Não existe norma ou princípio legal que imponha que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte seja acompanhada da nota de honorários e/ou do correspondente recibo.

Assim, e sem mais delongas, impõe-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Dispensa-se a junção do acórdão do STA de 20 de Abril de 2020, proc. n.º 0415/17.5BEMD supra citado, para cuja douta fundamentação se remete e acolhe, porquanto já disponível em dgsi.pt.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

(…)

4. Cumpre decidir.

Tem razão o Ministério Público junto deste STA quando alerta para a circunstância de a posição sufragada na decisão sumária sindicada, decalcada do Acórdão deste STA para a qual remete, não constituir, ao menos ainda, jurisprudência consolidada da Secção, antes apenas uma das posições – in casu aquela em que a Relatora se revia e revê -, relativamente à questão decidenda, fazendo todo o sentido que a decisão seja substituída por Acórdão deste STA do qual possa ser eventualmente interposto recurso para uniformização de jurisprudência.

De qualquer modo, o conteúdo decisório adoptado pela decisão sumária é de manter, porquanto nos continuamos a rever na douta fundamentação do Acórdão deste STA proferido em 20 de abril último no processo n.º 0415/15.5BEMDL, quer quanto à admissão do recurso, quer quanto à decisão de mérito de negar-lhe provimento, confirmando a decisão reclamada.

Consignou-se nesse Acórdão, quanto à admissibilidade do recurso ao abrigo do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, o seguinte:

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.2.1 Uma vez que o recurso vem interposto ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT, cumpre, antes do mais, verificar da sua admissibilidade, tanto mais que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior [cfr. art. 641.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC)].

2.2.2.2 Sendo inequívoco que as decisões judiciais apresentadas pela Recorrente decidiram a mesma questão que foi decidida pelo despacho ora sob recurso em sentido divergente, a admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no então n.º 5 (actual n.º 3) do art. 280.º do CPPT apenas poderá ser posta em causa por todas essas decisões, a recorrida e as que foram apresentadas como suporte do recurso, não constituírem sentenças, mas antes serem decisões de reclamações da nota discriminativa e justificativa das custas de parte.

2.2.2.3 Poderá, pois, questionar-se se a possibilidade excepcional de recurso prevista à data no n.º 5 do art. 280.º do CPPT existe apenas para as sentenças – como parece indicar a letra do preceito, que estabelece: «A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior» – e já não para outras decisões judiciais que não sejam sentenças.

Embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais que ponham termo ao processo ou ao incidente em causa. É que a teleologia da norma é a de obstar à permanência na ordem jurídica, por inviabilidade do recurso em razão do valor, de decisões judiciais que decidam ao arrepio da jurisprudência maioritária ou dos tribunais superiores. Essa razão de ser vale quer em relação às sentenças, quer em relação a decisões judiciais de outra natureza que ponham termo ao processo ou ao incidente. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (() Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em que se admitiu o recurso ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT de outras decisões que não sentenças:

- de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 281/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e64177d4692575e180257f310051f120;

- de 3 de Maio de 2017, proferido no processo com o n.º 141/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d1e9234b0ae8201d8025811c003b36ef;

- de 31 de Maio de 2017, proferido no processo com o n.º 441/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b625335889008b038025814e0039aeea.).

O recurso é, pois, de admitir.

Por paridade de razões, será o presente recurso também admitido.

Já quanto ao mérito, consignou-se naquele Acórdão o seguinte:

2.2.3 CUSTAS DE PARTE – EXIGÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DO MONTANTE DE HONORÁRIOS EFECTIVAMENTE PAGOS AO MANDATÁRIO JUDICIAL

2.2.3.1 As custas de parte são um conceito normativo que corresponde, não a tudo quanto a parte vencedora despendeu com o processo, mas apenas àquela parte do que, tendo sido despendido, o CPC e o RCP permitem que a parte recupere em virtude de ter obtido vencimento (total ou parcial) na causa e na medida desse vencimento (cfr. arts. 529.º, n.º 4, e 533.º, do CPC). Nelas se inclui a compensação à parte vencedora das despesas suportadas com honorários do mandatário judicial por ela constituído, compensação que a lei computa em 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, a menos que o valor efectivamente pago a título de honorários seja inferior àquele [cfr. art. 533.º, n.º 2, alínea d), e art. 26.º, n.ºs 3, alínea c), e 5, do RCP].

Vejamos mais detalhadamente:

O art. 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP estabelece que a parte vencida é condenada, ao pagamento a título de custas de parte de «50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior».

Da referida nota discriminativa deve constar, em ordem ao consignado no art. 25.º, n.º 2, alínea d), do RCP, a «[i]ndicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º».Sendo certo que «[o] valor referido na alínea c) do n.º 3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele, não havendo lugar ao pagamento do mesmo quando não tenha sido constituído mandatário ou agente de execução» (art 26.º, n.º 5, do RCP).

Da interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que as quantias pagas com honorários de mandatário devem ser indicadas em rubrica autónoma, só assim não sucedendo quando estas importâncias excedam o valor indicado no art. 26.º, n.º. 3, alínea c), ou seja, quando sejam superiores a 50% da soma das taxas de justiça que tenham sido pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e isto porque, em tal hipótese, o direito da parte vencedora circunscreve-se ao limite ali consignado.

2.2.3.2 Do que vimos de dizer, resulta que o legislador entendeu proporcionar ao vencedor do pleito uma compensação, através das “custas de parte”, pelas despesas com honorários do mandatário judicial.

Essa compensação, que consta da condenação em custas [cfr. arts. 527.º, n.º 1, 529.º, n.º 1 e 607.º, n.º 6, todos do CPC, e art. 26.º, n.º 1, do RCP], será de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora [cfr. art. 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP], a menos que os honorários não tenham atingido esse valor, caso em que deverá ser inscrito o seu efectivo valor em rubrica autónoma na nota de custas de parte a apresentar pela parte vencedora, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 25.º do RCP.

Ou seja, o legislador, ao invés de – como, a nosso ver e em face das regras da responsabilidade civil, seria curial – pôr a cargo da parte vencida o pagamento integral das despesas que a parte vencedora efectivamente suportou com os honorários do seu mandatário judicial, entendeu (tal como o fazia anteriormente, através da procuradoria) estabelecer a forfait um montante que considerou ajustado para compensar a parte vencedora por essas despesas, incluindo-as nas custas de parte a suportar pela parte vencida.

No entanto, dada a natureza compensatória das custas de parte, o legislador entendeu também que apenas haveria lugar ao pagamento dessa compensação no que se refere aos honorários do mandatário judicial nos casos em que a parte vencedora haja constituído mandatário e que o montante da mesma deveria ser reduzido o montante efectivamente pago, caso este não atinja o limite fixado na alínea c) do n.º 3 do art. 26.º do RCP.

Como vimos também, o pagamento dessa compensação, como o de todos os itens que compõem as custas de parte, depende da apresentação pela parte vencedora à parte vencida da nota referida na alínea d) do n.º 2 do art. 25.º do RCP, a denominada nota discriminativa e justificativa.

2.2.3.3 Mas, será que, como sustenta a Recorrente, para que a parte vencedora tenha direito ao pagamento da compensação que a lei lhe confere relativamente às despesas que teve de suportar com honorários do seu mandatário judicial se exige que anexe à nota discriminativa e justificativa o recibo do pagamento desses honorários?

Salvo o devido respeito, nem o elemento literal [sendo este o ponto de partida e o limite da actividade hermenêutica, não podendo na tarefa hermenêutica extrair-se da letra da lei um sentido que não tenha nesta um mínimo de correspondência verbal, como resulta do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil (CC)] nem qualquer outro elemento interpretativo permitem extrair da lei, designadamente do RCP, o sentido de que se exige à parte vencedora que tenha constituído mandatário judicial, em ordem a obter da parte vencida a compensação legalmente devida e fixada pelas despesas com honorários do mandatário judicial, a comprovação do pagamento desses honorários e, muito menos, mediante a apresentação do respectivo recibo; exige-se-lhe apenas a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte.

Mal se compreenderia que o legislador não tivesse consagrado expressamente essa exigência na redacção da norma, caso seu o pensamento fosse o de que a parte vencedora ficasse obrigada a apresentar documento comprovativo do pagamento dos honorários ao mandatário judicial com a nota discriminativa e justificativa (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil). Na verdade, se a lei pretendesse que com a nota discriminativa e justificativa das custas de parte a parte vencedora houvesse de apresentar um qualquer documento comprovativo do pagamento dos honorários ao seu mandatário judicial por certo não deixaria de o ter dito; tanto mais que essa exigência constituiria uma mudança radical relativamente a uma prática judiciária com várias dezenas de anos, uma vez que a procuradoria nunca exigiu a apresentação de qualquer comprovativo de pagamento de honorários ao mandatário judicial (() A procuradoria, de acordo com o disposto no art. 41.º do Código das Custas Judiciais (CCJ), era «arbitrada pelo tribunal, tendo em atenção o valor, a complexidade da causa, o volume e a natureza da actividade desenvolvida e ainda a situação económica do responsável, entre um décimo e um quarto da taxa de justiça devida» (n.º 1) e se o tribunal a não arbitrasse seria «igual a um décimo da taxa de justiça devida» (n.º 2).). Ora, a lei não exige, em relação aos honorários pagos ao mandatário, a apresentação de qualquer comprovativo do seu pagamento, na medida em que prevê que a parte vencida seja condenada no pagamento de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial. Aliás, a exigência de recibo só faria sentido se a opção legislativa tivesse sido – e não foi – a de que a parte vencida suportasse integralmente (ou na proporção em que foi vencida, no caso de o não ter sido na totalidade) as despesas suportadas pela parte vencedora com a constituição de mandatário judicial.

Por outro lado, a apresentação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte não equivale a um pedido de condenação da parte vencida ao pagamento dos honorários suportados pela parte vencedora, em que competiria ao autor a alegação e comprovação dos factos constitutivos do seu direito (cfr. art. 342.º do CC). A condenação foi já proferida (cfr. arts. 529.º, n.º 4, e 533.º, do CPC) e essa nota visa tão-só discriminar e liquidar a responsabilidade que resulta da condenação em custas (que nem sempre é total, mas proporcional ao decaimento) e interpelar o devedor para o pagamento.

Reitera-se que as custas de parte visam também indemnizar a parte vencedora pelos gastos que teve de suportar com o seu mandatário judicial, mas a indemnização por esse meio, tal como o legislador entendeu conformá-la, não equivale à totalidade dos gastos que teve que suportar com os honorários do seu mandatário, antes sendo essa indemnização fixada a forfait com referência ao montante das taxas de justiça pagas no processo.

Na tese sustentada pela Recorrente criar-se-ia por via interpretativa mais um requisito para a percepção das custas de parte (() É certo que SALVADOR DA COSTA perfilha entendimento diverso, afirmando: «[q]uanto aos honorários pagos pela parte vencedora ao seu mandatário judicial ou agente de execução. Nessa situação, a parte vencedora deve provar o pagamento dos créditos a que se reporta a primeira parte do disposto na alínea d) do n.º 2, deste artigo, juntando documento de quitação à nota de custas de parte. A falta de prova do referido pagamento é susceptível de ser suscitada pela parte vencida por via da reclamação da nota de custas de parte» (Regulamento das Custas Processuais, Almedina, 2018, 7.ª edição, anotação ao art. 25.º, págs. 228 e 229). Mas, salvo o devido respeito, o citado Autor nunca refere qual a norma ou princípio legal que suporta o seu entendimento.); requisito que, salvo o devido respeito, é manifestamente impertinente, como resulta do facto de o mesmo não poder ser observado em situações como aquelas em que o mandato judicial é exercido no âmbito de um contrato de trabalho ou em regime de avença, situações em que a parte vencedora não terá como comprovar a relação directa entre os pagamentos efectuados ao mandatário judicial e o concreto processo. A interpretação sustentada pela Recorrente dá também origem a uma intolerável situação de desigualdade, na medida em que por certo ninguém sustentará a exigência de qualquer comprovativo de pagamento quando a compensação a título de custas de parte for devida pelo patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, que a lei faz equivaler, para esse efeito, à constituição de mandatário judicial (cfr. art. 25.º, n.º 3, do RCP).

Poderá também questionar-se, pelo menos no que respeita às pessoas singulares, se a exigência de revelação do montante dos honorários pagos ao mandatário judicial não constituirá uma injustificada intromissão no domínio da esfera privada dos cidadãos.

2.2.3.4 Finalmente, a interpretação sustentada pela Recorrente parece transformar o incidente de reclamação da nota justificativa (que, a nosso ver, tem o seu âmbito delimitado à verificação da medida da responsabilidade, mediante aferição da correcção da liquidação efectuada pela parte vencedora) numa verdadeira “acção dentro de uma acção”, em que se poderia discutir não só o pagamento, como até o valor dos honorários pagos pela contraparte – eventualmente, com alegação e exigências de prova mais complexas do que a própria acção a que respeitam as custas de parte – numa solução legislativa que, manifestamente, não pode ter sido querida pelo legislador.

Se, porventura, a parte vencida souber (e, nos processos tributários, a AT sempre saberá se foi ou não emitido recibo e por que valor) ou tiver motivo sério para suspeitar que o valor dos honorários efectivamente pago pela parte vencedora ao seu mandatário não atingiu 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e se na nota discriminativa não foi apresentado aquele valor [como o impõe a alínea c) do n.º 2 do art. 25.º do RCP], sempre poderá recusar o pagamento; e, se o credor avançar com a execução, poderá discutir o montante efectivamente pago a título de honorários em sede de oposição à execução (cfr. art. 731.º do CPC). Nem se diga que tal não será possível por o título executivo ser uma sentença. É que o título executivo neste caso é compósito, integrado pela sentença condenatória e pela certidão da nota discriminativa (que liquida a responsabilidade por custas de parte) e só aquela tem os seus fundamentos de oposição limitados pelo art. 729.º do CPC.

Mas, com todo o respeito pela tese da Recorrente, vemos como pouco plausível, primeiro, que os honorários do mandatário judicial não atinjam o limite fixado na alínea c) do n.º 3 do art. 26.º do RCP como compensação para essas despesas (() Aliás, são públicas as críticas da Ordem dos Advogados quanto à exiguidade da compensação legal.) e, segundo, que nas raras situações em que isso aconteça, o mandatário judicial da parte vencedora não faça constar da nota discriminativa o montante efectivamente recebido, incumprindo com o disposto no art. 25.º, n.º 2, alínea d), do RCP e com as suas obrigações profissionais e deontológicas.

Sempre salvo o devido respeito, parece querer erigir-se uma situação rara e patológica – de honorários efectivamente pagos de montante inferior ao referido limite legal e de incumprimento pelo mandatário judicial dos referidos deveres – como parâmetro para a interpretação da lei, entendimento que recusamos.

2.2.3.5 Uma nota final para realçar que, mesmo a subscrever-se a tese da Recorrente, a consequência nunca seria, sem mais, o deferimento da reclamação da nota discriminativa e justificativa; ao invés, previamente, sempre haveria que convidar a parte vencedora a apresentar o documento em falta, concedendo-se-lhe prazo para o efeito. No caso sub judice esse documento até já foi apresentado com as contra-alegações.

2.2.4 CONCLUSÕES

Por tudo quanto deixámos dito, o recurso não merece provimento, formulando-se as seguintes conclusões:

I - Na elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, as quantias pagas com honorários de mandatário devem ser indicadas em rubrica autónoma, salvo se estas importâncias excederem o valor indicado no art. 26.º, n.º. 3, alínea c), do RCP, ou seja, quando sejam superiores a 50% da soma das taxas de justiça que tenham sido pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e isto porque, em tal hipótese, o direito da parte vencedora circunscreve-se ao limite ali consignado.

II - Não existe norma ou princípio legal que imponha que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte seja acompanhada da nota de honorários e/ou do correspondente recibo.

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].

É este julgado que aqui, também por paridade de razões, se reitera, havendo, pois, em conformidade, de negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.

Custas pela recorrente AT.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Isabel Marques da Silva (relatora) – José Gomes Correia – Nuno Bastos.