Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01484/15
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
JUIZ SINGULAR
CPTA
Sumário:O disposto no art. 27.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, não é aplicável nos tribunais de 1.ª instância, estando a sua aplicação reservada para os tribunais superiores.
Nº Convencional:JSTA00069954
Nº do Documento:SA22016121401484
Data de Entrada:04/22/2016
Recorrente:MFIN
Recorrido 1:BANCO A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Legislação Nacional:ETAF02 ART40 N3.
CPTA02 ART27 N1 N2 ART40 N3.
CONST76 ART20 N4.
DL 214-G/15 DE 2015/10/02.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01128/06 DE 2007/05/02.; AC STA PROC0420/12 DE 2012/06/05.; AC STA PROC01360/13 DE 2013/02/05.; AC STA PROC01128/06 DE 2007/05/02.; AC STA PROC01568/15 DE 2016/11/09.; AC TC N846/13 DE 2013/12/10.; AC TC N124/15 PROC629/2014 DE 2015/02/12.
Referência a Doutrina:LOPES DO REGO - OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROIBIÇÃO DA INDEFESA DA PROPORCIONALIDADE DOS ÓNUS E COMINAÇÕES E O REGIME DE CITAÇÃO EM PROCESSO CIVIL IN ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO CARDOSO DA COSTA PAG840.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo que aí correu termos sob o n.º 6100/12 e que, decidindo reclamação para a conferência, confirmou o despacho que rejeitou o recurso interposto da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2100/08.0BELRS

1. RELATÓRIO
1.1 O Ministério das Finanças (a seguir Recorrente) interpõe para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Julho de 2015 (de fls. 509 a 515), que entendeu rejeitar o recurso por ele interposto da sentença proferida na acção administrativa especial com o n.º 908/08.5BEALM.
1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):
«1. O presente recurso de revista vem interposto do Douto Acórdão do TCA Sul de 10-07-2015;
2. Salvo o devido respeito, que é muito, entende o Ministério das Finanças que esse acórdão procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo esse Supremo Tribunal intervir em Revista, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito.
3. Nos presentes autos foi rejeitado o recurso jurisdicional interposto pelo Ministério das Finanças da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 18-04-2012, por ali se ter entendido ser aplicável ao caso – em que estava em causa uma acção administrativa especial em matéria tributária da competência e a correr termos num tribunal tributário – o regime previsto no art. 40.º n.º 3 do ETAF (para os tribunais administrativos de círculo) e, por isso, ser também aplicável ao caso a alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA.
4. Em consequência do que, se decidiu que o meio de reacção adequado deveria ter sido a reclamação nos termos do n.º 2 do citado artigo 27.º do CPTA e não aquele recurso jurisdicional, tendo este sido rejeitado.
5. A questão relevante controvertida nestes autos consiste, essencialmente, em saber se nas circunstâncias do caso, numa sentença proferida numa acção administrativa especial em matéria tributária, proferida num Tribunal Tributário, por juiz singular (como não podia deixar de o ser), esse tribunal tributário ao aplicar subliminarmente a alínea i) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, e isso por entender ser também aplicável o art. 40.º n.º 3 do ETAF, procedeu a uma incorrecta aplicação do direito.
6. A questão enunciada é fundamental para garantir uma correcta e melhor aplicação do Direito e tal, note-se, numa matéria em constante aplicação nos tribunais.
7. E isso, além do mais, dado que, aquando da interposição, nos presentes autos, do recurso jurisdicional da sentença do tribunal tributário para o TCA Sul, em Maio de 2012, a opção jurisprudencial que se encontrava firmada era no sentido de que das sentenças proferidas em primeira instância pelos tribunais tributários cabia sempre recurso jurisdicional, a interpor no prazo de 30 dias após a notificação das mesmas, em conformidade com o n.º 1 do artigo 144.º do CPTA, pelo que a sua rejeição constituiu uma decisão totalmente imprevisível.
8. Apenas agora houve uma inflexão na jurisprudência respeitante às acções administrativas especiais em matéria tributária, tendo os tribunais tributários e os TCA começado a decidir que das sentenças proferidas pelos tribunais tributários cabe reclamação, nos termos do artigo 27.º n.º 2 do CPTA, e não recurso.
9. Face ao que se impõe reconhecer, in casu, a importância jurídica da questão e a sua relevância excepcional com vista a uniformizar as decisões e a permitir segurança no domínio do acesso à justiça, situação em que a Revista é essencial.
10. Em abono do referido veja-se o entendimento acolhido pelo douto acórdão desse Supremo Tribunal proferido no processo nº 01360/13, de 12-09-2013, que supra se transcreveu e que, atenta a sua bondade manifesta, damos como reproduzido, salientando-se aqui que, como aí se refere: «A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, (…)».
11. Termos em que, por estarem verificados os respectivos pressupostos legais, deve a Revista ser admitida.
12. No caso em apreço estamos perante uma acção administrativa especial cujo objecto consiste num acto administrativo em matéria tributária (que não comporta a apreciação do acto de liquidação – cf. 97.º, n.º 1, alínea p) e n.º 2 do CPPT).
13. A competência para conhecer desses actos administrativos respeitantes a questões fiscais (que não comportem a apreciação do acto de liquidação) foi atribuída aos tribunais tributários pelo artigo 49.º, n.º 1-a)-iv do ETAF.
14. Em conformidade com essa norma, os recursos contenciosos – hoje acções administrativas especiais – em matéria tributária correm termos, em primeira instância, nos tribunais tributários.
15. A competência, organização e funcionamento dos tribunais tributários vem regulada no ETAF, no Capítulo VI desse diploma.
16. No que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais tributários, rege o artigo 46.º do ETAF, decorrendo dessa norma que os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só assim não sendo por decisão do presidente do tribunal tributário em causa e na situação específica prevista no respectivo n.º 2.
17. E, salvo o devido respeito, contrariamente ao que o TCA decidiu nos presentes autos, o entendimento da ora recorrente, acima expresso, não é posto em causa pelo regime constante nos artigos 9.º-A e 49.º-A, aditados ao ETAF pelo Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31-7.
18. Da interpretação sistemática do referido artigo 49.º-A e atendendo ao Capítulo do ETAF onde está integrado, a conclusão a retirar é que não poderá aplicar-se ao juízo de pequena instância a norma do ETAF prevista no n.º 2 do artigo 46.º.
19. Assim, reiterando o que já havíamos concluído – contrariamente ao que acontece com os tribunais administrativos de círculo – por imposição do artigo 46.º, n.º 1 do ETAF os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só não sendo assim na situação específica prevista no n.º 2 do mesmo preceito.
20. Diversamente do que acontece com os tribunais tributários, a organização, competência e funcionamento dos tribunais administrativos de círculo vem regulada no ETAF, no Capítulo V desse diploma e, dentro deste, no que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais administrativos de círculo, no artigo 40.º.
21. O acórdão recorrido apela, em defesa da sua tese, para o n.º 3 desse artigo 40.º do ETAF, porém esse n.º 3 (bem como, de resto, os números 1 e 2 do mesmo preceito) aplica-se apenas à jurisdição administrativa.
22. Deste modo, as acções administrativas especiais que aí se referem são as que correm termos nesses tribunais administrativos de círculo e não aquelas que o legislador entendeu serem da competência e deverem correr termos nos tribunais tributários, como acontece com a acção administrativa especial sub judice.
23. Decorrendo das normas referidas que, por opção do legislador, as acções administrativas especiais que correm termos nos tribunais tributários são, por regra, julgadas por juiz singular e que, por opção do mesmo legislador, as acções administrativas especiais que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, se de valor superior à alçada, por regra, são julgadas por tribunal colectivo.
24. Matéria que foi claramente explicitada, em termos que consideramos ser de acolher integralmente, pelo ilustre Conselheiro Lúcio Barbosa, no voto de vencido que proferiu no já atrás mencionado Acórdão desse Supremo Tribunal de 2-5-2007, Processo n.º 01126/06.
25. Sendo ainda de ter presente, a propósito, que, como também vimos nas presentes alegações, o legislador previu aquele particular regime das acções administrativas especiais da jurisdição administrativa, que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, com um objectivo específico.
26. Poderia, também, o legislador ter considerado ser necessária, por quaisquer razões, a intervenção do colectivo de juízes nas acções administrativas especiais no contencioso tributário, porém não o fez, não cabendo ao intérprete e aplicador do direito substituir-se ao legislador, sob pena de usurpação de poderes.
27. Do supra exposto decorre também, contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, a inaplicabilidade ao caso em apreço do regime estabelecido no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA.
28. Funcionando os tribunais tributários com juiz singular, carece de sentido a atribuição de uma competência (ao juiz singular) para proferir despacho em ordem a afastar a necessidade de intervenção de colectivo.
29. Por outro lado, os tribunais tributários, como também já vimos, só funcionam em colectivo quando se verifica a situação prevista no n.º 2 do artigo 46.º, e, nessa situação, não se coloca, também, naturalmente, a hipótese de poder, depois, vir o relator proferir decisão nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA.
30. Não sendo esse artigo 27.º, n.º 1, alínea i), susceptível de aplicação no âmbito dos processos de acção administrativa especial em matéria tributária que correm termos nos tribunais tributários, o seu n.º 2 também não é susceptível de ter aplicação nesse âmbito.
31. E, deste modo – contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, que procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação de todos os preceitos acima citados –, não cabia interpor qualquer reclamação, mas antes recurso jurisdicional, nos termos dos artigos 140.º e 144.º do CPTA.
32. Ao que acresce sublinhar que, como se explanou nas presentes alegações, no caso em apreço, não apenas a sentença não foi proferida por relator, como o não podia ter sido, pois in casu, de um lado nunca houve qualquer colectivo de que pudesse haver relator, por outro, de facto, todo o processo no tribunal a quo foi efectivamente conduzido, desde o seu início, por juiz singular.
33. Por último, mas não menos importante, importa chamar a atenção desse Supremo Tribunal para que a interpretação acolhida nos presentes autos pelo TCA se traduz numa violação dos direitos de recurso e de defesa do Ministério das Finanças, pondo em causa a possibilidade de efectiva concretização dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, bem como os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 2 e n.º 4 da CRP, sendo por isso uma interpretação violadora da Constituição.
34. Entendimento que, diga-se, foi já acolhido pelo Tribunal Constitucional, em sede de contencioso administrativo, no Acórdão n.º 124/2015, de 12-02-2015.
35. E se isso é assim em matéria de contencioso administrativo, por maioria de razão tal jurisprudência se há-de aplicar em matéria de contencioso tributário, onde, como oportunamente vimos, a “surpresa” do recorrente jurisdicional face ao regime de recurso aplicado foi total.
36. Caso a decisão do Acórdão recorrido prevaleça, ficará a Administração completamente impossibilitada de exercer o seu direito de reagir da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 18-04-2012.
Termos pelos quais, e com douto provimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso de revista e, analisado o mérito do recurso, deve ser dado provimento ao mesmo, revogando-se o acórdão recorrido, com todas as legais consequências, designadamente determinando-se a admissão do recurso jurisdicional interposto pelo Ministério das Finanças da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 18-04-2012».
1.3. O Recorrido apresentou contra-alegações, sustentando a não admissibilidade do recurso e formulando, a final, conclusões do seguinte teor:
«A) Pugna a recorrente pela admissibilidade do presente recurso de revista, com o que pretende sindicar a douta decisão proferida pelo TCAS através da qual foi rejeitada a apreciação do recurso que interpôs da douta sentença de mérito do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a acção.
B) Entende, para tal, estarem verificados os pressupostos a que alude o art. 150.º do CPTA, tese de que discordamos frontalmente.
C) A excepcionalidade deste tipo de recurso – pese embora a sua inserção sistemática no capítulo dos recursos ordinários – leva a que apenas seja admissível sempre que “esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” e/ou ii) “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
d) Defende a recorrente que a admissão do recurso se impõe para que se logre uma melhor aplicação do Direito no que diz respeito à interpretação do art. 40.º, n.º 3 do ETAF; art. 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA e art. 144.º do CPTA.
D) Isto por entender que mima situação como a dos presentes autos, em que a decisão final de mérito em sede acção administrativa especial em matéria tributária, a correr termos nos Tribunais Tributários, o Juiz será sempre singular e, assim, nunca haverá que aplicar-se nem o art. 40.º, n.º 3 do ETAF nem, consequentemente, o art. 27.º, n.º 1, alínea i) e n.º 2 do CPTA, apenas sendo aquela sindicável mediante a interposição de recurso, em lugar de reclamação como dita o art. 27.º, n.º 2 do CPTA.
E) O entendimento oposto, porém, que é o que a recorrida aqui propugna, é aquele que tanto à data dos factos como hoje, a Lei sempre preconizou, aquele que foi sempre firmado pela jurisprudência dos Tribunais superiores e aquele que mais consenso gerou na doutrina mais representativa.
F) Começando pelos dias que correm, é hoje unânime a doutrina segundo a qual uma tal decisão judicial é passível de reclamação, a apresentar em 10 dias, e não de recurso imediato. Para lá de inúmeras decisões jurisprudenciais tornadas públicas, tem particular relevo o douto acórdão de uniformização de jurisprudência do STA com data de 05-06-2012 citado pela decisão recorrida e cujo sumário foi por nós transcrito acima, que aqui damos por integralmente reproduzido, escusando-nos de novamente o transcrever. Convocamos igualmente todas as demais decisões judiciais recentes acima citadas e transcritas em idênticos termos.
G) Mas além dessa douta jurisprudência mais recente, são de particular importância dois acórdãos do STA que já eram públicos à data da decisão judicial de mérito (também por nós acima citados e transcritos e que também aqui damos por integralmente reproduzidos), um de 02-05-2007 do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA e outro de 19-10-2010 no âmbito do processo n.º 0542/10, o primeiro a firmar jurisprudência no sentido de que é de aplicar a todas as acções administrativas especiais (seja a matéria administrativa ou tributária) a norma contida no art. 40.º, n.º 3 do ETAF (assim destruindo os alicerces da construção jurídica da recorrente) e o segundo a referir expressamente que é de aplicar o art. 27.º, n.º 2 do CPTA em tais situações.
H) E não pode haver votos de vencido que salvem a tese da recorrente pois que tal posição foi afastada pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA logo em 2007, 5 anos antes da prolação da decisão de mérito deste processo.
I) Não podendo defender-se que houve uma incorrecta interpretação do Direito (já que é conforme à jurisprudência já amiúde citada) fica desde logo comprometido um dos requisitos basilares para a admissibilidade do recurso de revista nos presentes autos.
J) É a própria recorrente que fixa o objecto do seu recurso como versando sobre a (não) aplicação do art. 40.º, n.º 3 do ETAF a estas acções e, consequentemente a (não) aplicação do art. 27.º, n.º 1, alínea i) e n.º 2 do CPTA pelo que, caindo esses dois argumentos com a jurisprudência citada, o seu recurso perde todo o sustento.
K) Sendo a questão em apreço uma matéria já unânime na jurisprudência, perde-se por completo o carácter de excepcionalidade que o recurso de revista impõe para que possa ser apreciado. Nesse preciso sentido é de reforçar a posição do douto acórdão do STA de 18-12-2014, processo n.º 01328/14 já acima citado e transcrito e que damos aqui por integralmente reproduzido, juntamente com as demais decisões judiciais que a este propósito aludimos supra.
L) Não seria hoje compreensível, nem admissível, que o TCAS viesse aceitar conhecer do recurso quando toda a prática jurisprudencial recente pugna por uma doutrina inversa, constituindo tal, isso sim, uma clara inflexão que causaria enorme surpresa e frustração de expectativas neste caso da recorrida, claramente atentatório da tutela da confiança e da segurança jurídica, princípios estes constitucionalmente tutelados.
M) Não havia, sequer, à data da prolação da decisão uma prática dos Tribunais de primeira instância contrária à hoje estabelecida, ao contrário do que a recorrente afirma e, mesmo que houvesse nunca poderia a recorrente basear-se nela para se legitimar a interpretar incorrectamente (como hoje é unânime) um regime legal vigente há cerca de 10 anos, sem alterações legislativas entretanto ocorridas a este nível. Impunha-se-lhe, ao invés, um especial dever de cautela que não cumpriu. Sibi imputet!
N) Também não procede o argumento de que a questão em apreço se revista de uma importância fundamental como impõe o art. 150.º do CPTA já que a interpretação do normativo em análise está já consolidado junto de todos os operadores judiciários, sendo unânime na jurisprudência e doutrina como os impressivos textos acima transcritos revelam.
O) Já no que diz respeito à inconstitucionalidade interpretativa alegada pela recorrente, também entendemos não poder a mesma vingar, pese embora a existência do acórdão do TC que a mesma citou.
P) Tal acórdão não pode, sem mais, ser aplicado ao caso em apreço visto que é patente que nele não foi aquele Superior Tribunal municiado de elementos, pelas partes, que temos por essenciais a uma melhor compreensão da questão sub judice e, ainda, por outros factos imporem uma decisão diversa.
Q) Nomeadamente, e desde logo, o facto de a decisão sobre a qual incidiu o Juízo de inconstitucionalidade datar de 2009 por contraponto à dos presentes autos que data de 2012, com toda a consolidação jurisprudencial que ocorreu nesse período no sentido do que defende a recorrida.
R) Segundo porque tal acórdão desconsiderou (admite-se porque tal não foi levado ao seu conhecimento) a existência de um acórdão tirado pelo Pleno da Secção de Contencioso do STA em Maio de 2007 (5 anos antes) dizendo que as acções administrativas especiais em matéria tributária são julgadas por Tribunal Colectivo – aí se explicando detalhadamente que o art. 40.º, n.º 3 do ETAF se aplica aos Tribunais Tributários o que tem como consequência necessária a aplicação do art. 27.º do CPTA e, assim, a sujeição de uma decisão proferida por Juiz singular enquanto relator a sindicação através de reclamação e não de recurso directo.
S) Terceiro, à data do proferimento da decisão que a recorrente pretende sindicar, também já existia uma decisão do STA, no mesmo sentido daquela que mais tarde veio a ser uniformizada Acórdão do STA de 19-10-2010, processo n.º 0542/10, acima transcrita e que aqui damos por integralmente reproduzida.
T) Quarto, não era só a jurisprudência mas também a doutrina que, já à data do proferimento da decisão, tinha o entendimento que ora veio a ser propugnado pelo TCAS em consonância com a mais recente jurisprudência do STA. E tal acontecia desde pelo menos 2006. Escusamo-nos de, nesta sede, voltar a reproduzir todos os textos que acima transcrevemos por imperiosos motivos de economia processual.
U) Quinto, a aplicabilidade da tese firmada num acórdão de fixação de jurisprudência a um processo anterior à sua publicação já foi apreciada pelo próprio STA, nomeadamente no acórdão do STA de 09-10-2014, processo n.º 01697/13, que versou exactamente sobre esta matéria tendo este Supremo Tribunal concluído que nada obsta a que tal aconteça (sendo aliás inevitável quando a publicação do acórdão uniformizador é recente).
V) Sexto, ao contrário do que afirma a recorrente, não existia nenhuma prática jurisprudencial diversa da actual à data da prolação da decisão final. Antes pelo contrário, já estava a tomar-se firmado através de decisões do STA o entendimento hoje vigente, apenas não tendo havido fixação de jurisprudência nesse sentido, o que ocorreu cerca de dois meses depois da decisão de mérito (em 05-06-2012).
W) A “prática” a que fazia referência o Colendo Conselheiro que votou de vencido no acórdão de 2007 já por várias vezes citado acima, não era jurisprudencial, era legal. Sendo que tal referência era feita ao normativo vigente anteriormente àquela versão do ETAF, que estava então em vigor há já 7 anos! E tal entendimento, nunca é demais frisar, foi vencido.
X) Para se verificar uma qualquer inconstitucionalidade interpretativa – maxime aquela que a recorrente invoca com estribo no acórdão do TC – teria a recorrente de demonstrar que algo de concreto, e atendível, a fez acreditar que o procedimento vigente à data era o de recorrer em vez de reclamar, porém nada nos permite tal concluir como se viu. Só num tal caso poderia entender-se comprometida a segurança jurídica e protecção da confiança.
Y) Não pode, pois, conceber-se que a recorrente possa ser premiada pela sua menor diligência vendo o seu recurso convolado em reclamação e assim conhecido o seu mérito porquanto não pode, neste caso em apreço, ser considerada essa omissão de cuidado desculpável atento todo o argumentário atrás expendido.
Z) A recorrente deverá estar sujeita ao mesmo nível de exigência por parte do sistema judiciário a que estão todos os demais operadores, não podendo um eventual lapso que tenha cometido ser ignorado em prejuízo da contraparte, como sempre aconteceria com a decisão pela qual pugna neste recurso.
Termos em que, por todo o exposto, e com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, deverá o presente recurso de revista interposto pela recorrente ser rejeitado, mantendo-se a douta decisão de mérito inicialmente proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa com o que se fará a há muito pretendida JUSTIÇA».
1.4 Por acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (de fls. 647 a 657), proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, foi admitido o recurso de revista excepcional.
1.5 O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento à revista. Isto com a seguinte fundamentação:
«Foi admitida a revista por se reconhecer a importância jurídica e o inegável relevo social e económico da questão, bem como a respectiva repercussão em múltiplas situações, justificando a intervenção deste STA, para que a pronúncia a emitir possa servir de orientação para os tribunais de que é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.
A questão que se coloca, tal como vem enunciada no douto acórdão que admitiu a revista, é a que se prende com a “não admissão de recurso jurisdicional ordinário da sentença proferida por juiz singular, ao abrigo do disposto no art. 27.º/1/i) do CPTA, no âmbito da acção administrativa especial em matéria tributária de valor superior à alçada do tribunal, no entendimento de que nessas acções o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito (art. 40.º n.º 3 do ETAF) podendo o relator, como sucedeu no caso em apreço, proferir decisão ao abrigo da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, e que o facto de ter invocado esse normativo faz com que a sentença seja sindicável, não através de recurso jurisdicional regulado pelos arts. 140.º e seguintes do CPTA, mas, antes, por via de reclamação para a conferência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do mesmo art. 27.º do CPTA”.
Revejo-me na doutrina do douto Acórdão recorrido que rejeitou o recurso jurisdicional da decisão do TT Lisboa e que encontra inegável apoio na jurisprudência deste STA (Acs. do Pleno da SCT de 2.05.2007, in Rec. 01128/06 e de 30.06.2010, in Rec. n.º 0156/10 e, entre outros, os Acs. da SCA de 05.06.2012, in Rec. 0420/12 e de 05.12.2013, in Rec. 01360/13), não parecendo que em desfavor dessa doutrina possam ser convocadas razões de inconstitucionalidade, designadamente as apontadas no douto Acórdão do TC n.º 124/2015, de 12.02.2015, revogado pelo douto Acórdão do TC n.º 577/2015, de 03-11-2015).
Com efeito, a impugnação dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos (art. 97.º, n.º 2 do CPPT). Ao recurso contencioso a que alude o preceito e que tinha assento na LPTA, passou a corresponder a acção administrativa especial que vinha regulada nos arts. 46.º e sgs. do CPTA, na redacção anterior ao DL n.º 214-G/2015, de 2 de Out. Presentemente, a correspondência é com a acção administrativa regulada nos arts. 37.º e sgs. do CPTA, na redacção anterior ao DL n.º 214-G/2015, de 2 de Out., com início de vigência em 1 de Dez. de 2015 (art. 191.º do CPTA).
Importa dizer que com a publicação do DL n.º 214-G/2015, de 2 de Out. e com as alterações que o mesmo introduziu no CPTA e no ETAF, concretamente no seu art. 40.º, a questão que nos ocupa perdeu utilidade. Não obstante, a mesma importa, como é o caso, aos processos regidos pela legislação anterior à vigência desse normativo.
Prescrevia o art. 40.º, n.º 3 do ETAF, na redacção anterior ao DL n.º 214-G/2015, de 2 de Out., que “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.
Integra necessariamente essa formação de juízes um juiz relator, cujos poderes estão vertidos no art. 27.º, n.º 1 do CPTA, nomeadamente o de proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples ou que a pretensão é manifestamente infundada [al. i)], prescrevendo o n.º 2 do preceito que dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, o que bem se compreende face à regra que vinha inserta no citado art. 40.º, n.º 3 do ETAF.
É certo que o art. 46.º, n.º 1 do ETAF estabelece que os tribunais funcionam com juiz singular, não salvaguardando situações de intervenção de formação mais alargada, com excepção daquela que vinha prevista no seu n.º 2 (o n.º 3, na actual redacção também comporta uma situação que foge à regra do n.º 1).
Porém, estabelecendo a lei que em casos como o dos autos o processo regular-se-á pelas normas do CPTA e contendo o revogado art. 40.º, n.º 3 do ETAF uma regra atinente à tramitação das acções administrativas especiais que não pode ser subtraída do complexo normativo cuja aplicação vem determinada no art. 97.º, n.º 2 do CPPT (nem se justificaria que o fosse sob pena de aplicação de regras distintas a situações regidas pela mesma lei processual), a inexistência de uma regra no art. 46.º do ETAF similar à do n.º 3 do art. 40.º encontra natural explicação no facto de essa regra já se encontrar estabelecida, sendo aplicável às acções administrativas especiais, cujo regime processual é o mesmo, independentemente de respeitarem a questões administrativas ou a questões fiscais. Será de considerar, neste contexto, que a norma do art. 46.º, enquanto regra geral de funcionamento dos tribunais tributários, tem que ser interpretada em conjugação com os preceitos que regulam a tramitação das acções administrativas especiais, não precludindo a possibilidade do funcionamento em tribunal colectivo quando a lei aplicável expressamente o preveja, como sucede no caso vertente, o que se mostra compaginável com o disposto no n.º 2 do art. 47.º do ETAF e no n.º 4 do seu art. 49.º-A, aditado pelo DL n.º 166/2009, de 31 de Jul.
Assim, tendo a decisão da 1.ª Instância sido proferida por juiz singular e sendo o valor superior à alçada do Tribunal, cabia reclamação para a conferência e não recurso jurisdicional, nos termos do disposto no art. 27.º, n.º 2 do CPTA.
Nesta conformidade, sem mais considerações, negando-se provimento ao presente recurso, sou de parecer que deverá ser mantida a decisão recorrida».
1.6 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.7 Cumpre apreciar e decidir.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Com interesse para a apreciação da referida questão [de saber se da sentença cabe ou não recurso], mostram-se provados os seguintes factos:
1) Banco A………… SA instaurou no Tribunal Tributário de Lisboa acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças, pedindo a anulação do despacho, de 14/08/08, que indeferiu o reconhecimento da isenção de IMT que havia requerido e, também, a restituição do montante de € 581.859,30, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios. (cfr. fls. 2 e ss dos autos).
2) O valor da referida acção é de € 581.859,30 (cfr. fls. 89 dos autos).
3) Por sentença de 18/04/12, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a acção interposta (cfr. fls. 389 a 410 dos autos).
4) A referida sentença foi notificada às partes por ofício de 20/04/12 (cfr. fls. 411 e 412 dos autos).
5) Por fax de 23/05/2012, o réu, ora Recorrente, remeteu ao TT de Lisboa o requerimento de interposição de recurso acompanhado das respectivas alegações (cfr. fls. 414 dos autos)».
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
O presente recurso de revista excepcional vem deduzido contra o acórdão que não admitiu o recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo tribunal singular em acção administrativa especial de valor superior à alçada na consideração de que neste tipo de acções, ainda que da competência do tribunal tributário, é aplicável o regime previsto no art. 40.º n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, por conseguinte, é aplicável a norma contida na alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA
Como ficou dito no acórdão que admitiu a revista, proferido nestes autos em 31 de Março de 2016 (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4e778c38154ea0bc80257f8e003b6368.) pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA (a fls. 647 a 656):
«[…] tendo em conta que a questão colocada se prende com a não admissão de recurso jurisdicional ordinário da sentença proferida por juiz singular, ao abrigo do disposto no art. 27.º/1/i) do CPTA, no âmbito de acção administrativa especial em matéria tributária de valor superior à alçada do tribunal, no entendimento de que nessas acções o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito (art. 40.º, n.º 3, do ETAF), podendo o relator, como sucedeu no caso em apreço, proferir decisão ao abrigo da al. i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, e que o facto de ter invocado este normativo faz com que a sentença seja sindicável, não através de recurso jurisdicional regulado pelos arts. 140..º e seguintes do CPTA, mas, antes, por via de reclamação para a conferência, em conformidade com o disposto no nº 2 do mesmo art. 27.º do CPTA.
Tal questão foi já colocada ao Supremo Tribunal Administrativo noutros recursos de revista excepcional, designadamente no que corre termos sob o n.º 0689/15, admitido por acórdão desta formação de 7/10/2015, no entendimento de que se verificavam os requisitos para o efeito, atento a importância jurídica da questão e seu inegável relevo social, bem como a sua abrangência no âmbito de acções administrativas especiais em sede de processo tributário, de capital importância para uniformizar a jurisprudência e garantir a segurança no domínio do acesso à justiça.
Tendo em conta que esse recurso ainda não foi apreciado decidido quanto ao seu mérito, e que se justifica, por isso, a aplicação da mesma argumentação jurídica para o presente recurso, limitar-nos-emos a transcrever e reproduzir a respectiva argumentação.
«(…) a apreciação da questão suscitada não tem obtido unanimidade de posições.
Com efeito, no que concerne às formações de julgamento, a deliberação do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 2/5/2007 (recurso n.º 01128/06) em que se decidiu que «as acções administrativas especiais da competência dos tribunais tributários de 1.ª instância são julgadas por uma formação de três juízes, à qual cabe o julgamento da matéria de facto e de direito, quando o seu valor seja superior à alçada estabelecida para os tribunais administrativos de círculo», não foi tomada por unanimidade (foi lavrado voto de vencido), sendo que, posteriormente, veio a ser proferido acórdão da Secção, em 30/6/2010 (rec. n.º 156/10) em que, além do mais, se pressupõe que decisão do relator sobre o mérito da causa, proferida com a invocação dos poderes conferidos pela al. i) do nº 1 do art. 27.º do CPTA, não era passível de recurso mas de reclamação para a conferência.
E também a jurisprudência da Secção do Contencioso Administrativo do STA não tem obtido unanimidade de posições: a tese da obrigatoriedade da reclamação para a conferência foi acolhida no acórdão de 19/10/2010 (rec. n.º 0542/10), e reafirmada no acórdão para uniformização de jurisprudência, de 5/6/2012 (rec. n.º 420/12 - acórdão n.º 3/2012, publicado no DR, I série, de 19/9/2012), vindo em posterior acórdão, também proferido em formação alargada, ao abrigo do art. 148.º do CPTA, de 5/12/2013 (rec. n.º 01360/13) publicado no DR, 1.ª Série, de 30/1/2014, sob o n.º 1/2014, a ser reiterada, mas com um voto de vencido. (Neste acórdão uniformizador considerou-se que «Das decisões sobre o mérito da causa proferidas pelo juiz relator, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal (cujo julgamento de facto de direito cabe a uma formação de três juízes, nos termos do art. 40.º, 3 do ETAF) cabe reclamação para a conferência, nos termos do art. 27.º, 2, do CPTA, quer tenha sido ou não expressamente invocado o disposto no art. 27.º, 1, al. i) do mesmo diploma legal» e que «O referido regime é aplicável aos processos do contencioso pré-contratual que por força da remissão do art. 102.º do CPTA obedecem à tramitação estabelecida para as acções administrativas especiais.»)
Por outro lado, também não foi tirado por unanimidade (Este acórdão foi tirado por maioria de oito votos, com uma declaração de voto e três votos contra) o acórdão de 26/6/2014, rec. n.º 01831/13, igualmente em formação alargada, embora tenha prevalecido o entendimento de que, mesmo relativamente a decisões proferidas antes do acórdão uniformizador n.º 3/2012, a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência só seria possível se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.
E mais recentemente, a mesma Secção de Contencioso Administrativo do STA tem rejeitado o recurso de revista em casos de não admissão do recurso jurisdicional de sentença de juiz singular proferida nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. i), do CPTA, por considerar que existe já jurisprudência consolidada deste tribunal sobre essa questão (cfr. os acórdãos de 13/2/2014, 3/2/2015 e 16/2/2015, recursos n.ºs 1856/13, 060/15 e 092/15, respectivamente), admitindo, todavia, o recurso de revista nos casos em que o recurso jurisdicional de sentença é interposto antes da data da publicação do acórdão uniformizador n.º 3/2012, porque antes dessa data ainda não se encontrava fixada a orientação jurisprudencial nessa matéria (acórdão de 29/05/2014, rec. n.º 1886/13) e relativamente aos casos onde a decisão do juiz singular é proferida no despacho saneador por se considerar que não existe entendimento que possa considerar-se consolidado (cfr. os acs. de 29/1/2015, 12/4/2015 e 22/4/2015, recs. n.ºs 099/14, 202/15, 204/15 e 66/15, respectivamente).
A questão foi também apreciada no Tribunal Constitucional, primeiro no acórdão n.º 846/13, de 10/12/2013, no qual se decidiu «Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, interpretado com o sentido de que das sentenças proferidas no âmbito de acções administrativas especiais de valor superior à alçada, julgadas pelo Tribunal singular ao abrigo da referida alínea i), do n.º 1, do artigo 27.º, não cabe recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo, mas apenas reclamação para a conferência» e, posteriormente, no âmbito do acórdão nº 124/2015, processo nº 629/2014, de 12/02/2015, que julgou inconstitucional, «por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição, a norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é susceptível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo».
Ora, apesar de, como salienta o MP, o sentido da decisão do TC também assentar no argumento de que «não são também aceitáveis as interpretações normativas que de forma inovatória e surpreendente, face aos textos legais e às orientações consolidadas da jurisprudência, venham impor exigências formais com que as partes não podiam razoavelmente contar e sancionem o incumprimento desculpável desses requisitos em termos definitivos e irremediáveis, de modo a impedir qualquer forma de suprimento ou correcção (neste sentido, LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pág. 840)», não cremos que tal circunstancialismo fique afastado, no caso vertente, tão só por a decisão de não admitir o recurso jurisdicional haver sido proferida depois das várias pronúncias do STA sobre a matéria, em termos de se poder concluir que o recorrente já podia razoavelmente contar com a mesma.
Em suma, é de reconhecer, no caso, a importância jurídica e o inegável relevo social e económico da questão, bem como a respectiva repercussão em múltiplas situações, dada a sua abrangência no âmbito das acções administrativas especiais em sede de processo tributário, com a consequente relevância excepcional com vista a uniformizar as decisões e a permitir segurança no domínio do acesso à justiça.
Impondo-se, assim, a intervenção deste STA, conhecendo da revista, para que a pronúncia que venha a emitir sobre esta concreta questão possa servir como orientação para os tribunais de que é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.»».
Admitido que foi o recurso de revista excepcional, a questão que ora cumpre apreciar e decidir de saber se, em face do disposto no n.º 2 do art. 27.º do CPTA, é ou não de admitir o recurso interposto pelo Ministério das Finanças, por inadmissibilidade legal do mesmo, por da sentença caber reclamação para a conferência (e não recurso directo), não sendo possível a convolação daquele requerimento de interposição de recurso em requerimento de reclamação para a conferência, por ter dado entrada após termo do prazo para apresentação desta reclamação
2.2.2 DA FORMA DE REACÇÃO JURISDICIONAL CONTRA DECISÃO DE MÉRITO PROFERIDA PELO TRIBUNAL SINGULAR EM ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE VALOR SUPERIOR À ALÇADA
A questão que ora cumpre apreciar e decidir foi decidida recentemente por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por acórdão de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d8e8439cdd19588e8025806b0044a74d.), subscrito pela presente formação e para o qual ora remetemos integralmente:
«[…] A apreciação da questão suscitada não tem obtido unanimidade de posições.
Com efeito, no que concerne às formações de julgamento, a deliberação do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 2/5/2007 (recurso n.º 01128/06) em que se decidiu que «as acções administrativas especiais da competência dos tribunais tributários de 1.ª instância são julgadas por uma formação de três juízes, à qual cabe o julgamento da matéria de facto e de direito, quando o seu valor seja superior à alçada estabelecida para os tribunais administrativos de círculo», não foi tomada por unanimidade (foi lavrado voto de vencido), sendo que, posteriormente, veio a ser proferido acórdão da Secção, em 30/6/2010 (rec. n.º 156/10) em que, além do mais, se pressupõe que a decisão do relator sobre o mérito da causa, proferida com a invocação dos poderes conferidos pela al. i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, não era passível de recurso mas de reclamação para a conferência.
E também a jurisprudência da Secção do Contencioso Administrativo do STA não tem obtido unanimidade de posições: a tese da obrigatoriedade da reclamação para a conferência foi acolhida no acórdão de 19/10/2010 (rec. nº 0542/10), e reafirmada no acórdão para uniformização de jurisprudência, de 5/6/2012 (rec. n.º 420/12 - acórdão n.º 3/2012, publicado no DR, I série, de 19/9/2012), vindo em posterior acórdão, também proferido em formação alargada, ao abrigo do art. 148.º do CPTA, de 5/12/2013 (rec. n.º 01360/13) publicado no DR, 1.ª Série, de 30/1/2014, sob o n.º 1/2014, a ser reiterada, mas com um voto de vencido. (Neste acórdão uniformizador considerou-se que «Das decisões sobre o mérito da causa proferidas pelo juiz relator, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal (cujo julgamento de facto e de direito cabe a uma formação de três juízes, nos termos do art. 40.º, 3 do ETAF) cabe reclamação para a conferência, nos termos do art. 27.º, 2, do CPTA, quer tenha sido ou não expressamente invocado o disposto no art. 27.º, 1, al. i) do mesmo diploma legal» e que «O referido regime é aplicável aos processos do contencioso pré-contratual que por força da remissão do art. 102º do CPTA obedecem à tramitação estabelecida para as acções administrativas especiais.»)
Por outro lado, também não foi tirado por unanimidade (este acórdão foi tirado por maioria de oito votos, com uma declaração de voto e três votos contra) o acórdão de 26/6/2014, rec. n.º 01831/13, igualmente em formação alargada, embora tenha prevalecido o entendimento de que, mesmo relativamente a decisões proferidas antes do acórdão uniformizador n.º 3/2012, a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência só seria possível se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.
E mais recentemente, a mesma Secção de Contencioso Administrativo do STA tem rejeitado o recurso de revista em casos de não admissão do recurso jurisdicional de sentença de juiz singular proferida nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. i), do CPTA, por considerar que existe já jurisprudência consolidada deste tribunal sobre essa questão (cfr. os acórdãos de 13/2/2014, 3/2/2015 e 16/2/2015, recursos n.ºs 1856/13, 060/15 e 092/15, respectivamente), admitindo, todavia, o recurso de revista nos casos em que o recurso jurisdicional de sentença é interposto antes da data da publicação do acórdão uniformizador n.º 3/2012, porque antes dessa data ainda não se encontrava fixada a orientação jurisprudencial nessa matéria (acórdão de 29/05/2014, rec. n.º 1886/13) e relativamente aos casos onde a decisão do juiz singular é proferida no despacho saneador por se considerar que não existe entendimento que possa considerar-se consolidado (cfr. os acs. de 29/1/2015, 12/4/2015 e 22/4/2015, recs. n.ºs 099/14, 202/15, 204/15 e 66/15, respectivamente).
A questão foi também apreciada no Tribunal Constitucional, primeiro no acórdão n.º 846/13, de 10/12/2013, no qual se decidiu «Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, interpretado com o sentido de que das sentenças proferidas no âmbito de acções administrativas especiais de valor superior à alçada, julgadas pelo Tribunal singular ao abrigo da referida alínea i), do n.º 1, do artigo 27.º, não cabe recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo, mas apenas reclamação para a conferência» e, posteriormente, no âmbito dos acórdãos n.º 101/14, de 12/2/2014 e n.º 124/2015, processo n.º 629/2014, de 12/02/2015, tendo este último julgado inconstitucional, «por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição, a norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é susceptível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo».
Ora, apesar de o sentido da decisão do TC também assentar no argumento de que «não são também aceitáveis as interpretações normativas que de forma inovatória e surpreendente, face aos textos legais e às orientações consolidadas da jurisprudência, venham impor exigências formais com que as partes não podiam razoavelmente contar e sancionem o incumprimento desculpável desses requisitos em termos definitivos e irremediáveis, de modo a impedir qualquer forma de suprimento ou correcção (neste sentido, LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pág. 840)», não cremos que tal circunstancialismo fique afastado, no caso vertente, tão só por a decisão de não admitir o recurso jurisdicional haver sido proferida depois das várias pronúncias do STA sobre a matéria, em termos de se poder concluir que o recorrente já podia razoavelmente contar com a mesma.
Como ponto preliminar importa que se diga que a controvérsia em apreciação nestes autos perdeu sentido face à alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, uma vez que fez desaparecer o julgamento em tribunal colectivo na 1.ª instância, cfr. artigo 40.º do ETAF, e limitou a aplicação do artigo 27.º do CPTA aos despachos proferidos pelo relator em processos cuja tramitação em primeiro grau de jurisdição ocorra nos tribunais superiores.
Assim, toda a análise que se faça desta questão implica sempre que se trate de processos não abrangidos pelas alterações introduzidas por aquele DL de 2015.
Que, à data, as acções administrativas especiais que corressem os seus termos nos Tribunais Tributários de 1.ª instância e devessem ser subsumidas ao disposto no revogado artigo 40.º, n.º 3 do CPTA deveriam ser julgadas por uma formação de três juízes, à qual cabia o julgamento da matéria de facto e de direito, já o decidiu este Supremo Tribunal, em Pleno da secção do contencioso Tributário, no processo n.º 01128/06, de 02.05.2007, não se vendo agora razão material ou legal para se contrariar a argumentação aí expendida.
Portanto, a questão que se coloca nos autos passa por saber qual o modo de reacção das partes relativamente à decisão final de mérito, quando o juiz a quem havia sido distribuído o processo que devesse ser julgado por uma formação de três juízes, o decidisse sem reunir essa mesma formação de três juízes.
Já vimos, pela síntese jurisprudencial atrás elencada, que a secção do contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal tem dado resposta a esta questão no sentido de que, proferindo o juiz, a quem o processo foi distribuído, a decisão final, nos termos e independentemente de ser invocado o disposto no artigo 27.º, n.º 1, al. i) do CPTA, cabe sempre reclamação para a conferência e, da pronúncia desta, é que cabe o recurso jurisdicional.
No caso dos autos sempre se poderia argumentar que havia e há diferenças substanciais entre a tramitação dos processos do contencioso tributário e a tramitação dos processos do contencioso administrativo, enquanto que relativamente aos processos tributários, regulados no CPPT, a regra era sempre a da intervenção do juiz singular, tanto no julgamento da matéria de facto, como na elaboração da sentença, cfr. artigo 46.º do ETAF, (na redacção à data da interposição do recurso), já nos processos do contencioso administrativo a intervenção do juiz singular na fase de julgamento dependia da forma que o processo seguia e da vontade das partes, quando se tratava de acção administrativa comum, cfr. n.º 2 do artigo 40.º, e nas acções administrativas especiais a regra era a da intervenção do juiz singular, intervindo a formação de três juízes, em função do valor da acção.
Na concreta situação dos autos, apesar de estar em discussão matéria tributária, estamos perante uma acção administrativa especial que segue a tramitação prevista no CPTA, cfr. artigos 97.º, n.º 2 do CPPT e 191.º do CPTA.
Portanto, é neste último Código, no CPTA, que temos que encontrar a regulamentação de toda a tramitação de uma acção como a dos autos, em nada diferindo, assim, da tramitação das acções administrativas especiais em que se discuta matéria exclusivamente administrativa; esta é, no essencial, a argumentação expendida no já referido acórdão do Pleno desta secção datado de 02.05.2007.
Dispunha à data o artigo 27.º do CPTA:
1 - Compete ao relator, sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código:
a) Deferir os termos do processo, proceder à sua instrução e prepará-lo para julgamento;
b) Dar por findos os processos;
c) Declarar a suspensão da instância;
d) Ordenar a apensação de processos;
e) Julgar extinta a instância por transacção, deserção, desistência, impossibilidade ou inutilidade da lide;
f) Rejeitar liminarmente os requerimentos e incidentes de cujo objecto não deva tomar conhecimento;
g) Conhecer das nulidades dos actos processuais e dos próprios despachos;
h) Conhecer do pedido de adopção de providências cautelares ou submetê-lo à apreciação da conferência, quando o considere justificado;
i) Proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada;
j) Admitir os recursos de acórdãos, declarando a sua espécie, regime de subida e efeitos, ou negar-lhes admissão.
2 - Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal.
Surpreende-se que esta norma do artigo 27.º “…definindo os poderes do relator nos tribunais superiores, corresponde ao estabelecido no artigo 9.º da LPTA (que definia as competências do relator no Supremo Tribunal Administrativo e no Tribunal Central Administrativo), com o aditamento da possibilidade de o relator julgar, singular e liminarmente, as providências cautelares requeridas, quando tal se mostre justificado, e, bem assim, o objecto do recurso ou da acção nos casos de manifesta improcedência ou de o mesmo versar sobre questões simples e já repetidamente apreciadas pela jurisprudência (alíneas h) e i)). O elenco das competências do relator surge, assim, significativamente ampliado, em sintonia com as medidas simplificadoras do processo igualmente instituídas pela reforma do CPC (cfr. artigo 700.º, n.º 1, alínea g) do CPC), cfr. M. Aroso de Almeida e outro, CPTA anotado, 2.ª edição, pág. 155.
Já vimos anteriormente que, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, esta norma passou a regular exclusivamente os poderes do relator nos processos em primeiro grau de jurisdição em tribunais superiores, ou seja, repetiu em substância e com uma roupagem mais actual, como já fizera neste artigo 27.º, o que já resultava do artigo 9.º da revogada LPTA, destinando-se, assim, apenas a ser aplicada nos Tribunais Superiores, que por natureza funcionam em Tribunal Colectivo, e não nos Tribunais de 1.ª instância.
Para os Tribunais de 1.ª instância, no julgamento das acções administrativas especiais, o legislador previu, à data, expressamente que o juiz, ou relator, possa proferir a decisão em primeira instância sem reunir o colectivo, cfr. artigo 94.º, n.º 3 do mesmo CPTA (quando o juiz ou relator considere que a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada, a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia), sendo que dessa decisão poderia ser interposto de imediato recurso nos termos do disposto nos artigos 140.º e ss. do CPTA, por ser esse o único meio legalmente previsto para o efeito.
É certo que o julgamento da causa, de facto e de direito, por juiz singular, quando a competência pertence a uma formação de três juízes, e fora dos casos previstos no artigo 94.º, n.º 3 do CPTA era geradora da incompetência relativa do Tribunal singular, que sempre poderia ser conhecida nos termos do disposto nos artigos 110.º, n.º 4 e 646.º, n.º 3 do CPC.
Mas se o relator, como juiz singular, decide causa que possa ser subsumida ao disposto naquele preceito legal, estaria a agir dentro dos poderes que lhe eram conferidos pela própria lei, não se vendo, por isso, que essa decisão assim proferida deva ser objecto de reclamação prévia para a formação de três juízes, como preliminar da interposição de recurso jurisdicional.
A exigência do julgamento pela formação de três juízes nas acções administrativas especiais previstas no artigo 40.º, n.º 3 do CPTA, prende-se precisamente com a maior exigência das causas e das questões que são discutidas nessas mesmas acções, quer essa maior exigência diga respeito aos sujeitos, quer diga respeito ao objecto, portanto, se a decisão da concreta causa puder ser subsumida ao disposto no referido artigo 94.º, n.º 3 do CPTA, não faria qualquer sentido a intervenção do Tribunal Colectivo para a prolação da mesma, seria mesmo um contra-senso, e menos sentido faria, ainda, que pudesse haver reclamação da decisão do juiz singular proferida ao abrigo do disposto naquele n.º 3 para a formação de três juízes.
Diferentemente se passa nos Tribunais Superiores. Todos os despachos ou decisões proferidos pelo relator que contendam directa ou indirectamente com a decisão do mérito da causa são susceptíveis de reclamação para a conferência, e isto é assim porque não é admissível recurso jurisdicional de tais pronúncias, antes se impõe a reclamação para a conferência, uma vez que a regra é sempre a da decisão em formação de três juízes e cabe à conferência sindicar a bondade dos despachos do relator, o que não se passa em 1.ª instância.
Portanto, aplicando-se à 1.ª instância uma norma própria reservada à tramitação dos processos nos Tribunais Superiores, que implicaria uma alteração na tramitação dos processos na fase da impugnação da decisão – quando é certo que nem sequer existem normas regulamentadoras do modo pelo qual se deve processar a dita reclamação nos Tribunais de 1.ª instância –, estar-se-ia a criar uma dificuldade acrescida às partes que, na verdade, pode contender com o direito a um processo equitativo, cfr. artigo 20.º, n.º 4 da CRP.
A introdução da exigência de reclamação da decisão do juiz singular para a formação de três juízes, como antecâmara da abertura da via do recurso jurisdicional dirigido aos Tribunais Superiores, constitui uma “inovação” que não encontra explicação ou justificação no conjunto das normas que regulam a tramitação dos processos em 1.ª instância, nem se coaduna com as mesmas, porque acarreta um ónus acrescido para as partes ao qual se associa uma consequência deveras nefasta, a perda do direito ao recurso.
Assim, temos que concluir que a decisão recorrida não se pode manter, antes devendo ser substituída por outra que conheça do mérito do recurso».
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do citado acórdão de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1568/15:
O disposto no art. 27.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, não é aplicável nos tribunais de 1.ª instância, estando a sua aplicação reservada para os tribunais superiores.

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e, ordenar que os autos regressem ao Tribunal Central Administrativo Sul, para que aí se conheça do recurso interposto, de facto e de direito, se a tal nada mais obstar.
Custas pelo Recorrido.
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Lisboa, 14 de Dezembro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.