Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01129/11
Data do Acordão:03/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
IRS
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
NOTIFICAÇÃO COM HORA CERTA
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
TERMO INICIAL
DILAÇÃO
Sumário:I - O art. 140.º, n.º 4, alínea a), do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabelece um dies a quo especial no prazo de 90 dias para impugnar actos de liquidação de IRS: em vez de se contar o prazo a partir do termo final do prazo para o pagamento voluntário (cfr. art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), conta-se «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação».
II - Ainda que a notificação da liquidação adicional de IRS tenha sido pessoal, o que implica o respeito pelas regras da citação pessoal (cfr. art. 38.º, n.º 6, do CPPT), isso não significa que ao prazo para impugnar a liquidação de IRS haja de aplicar-se a dilação prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 252.º-A do CPC quando a notificação tenha sido efectuada nos termos do art. 240.º do CPC.
III - É que, por um lado, essa notificação não constitui o dies a quo do prazo para impugnar, mas apenas para efectuar o pagamento voluntário e, por outro lado, as razões que levaram o legislador a conceder tal dilação no caso da citação não se verificam relativamente à notificação do acto tributário de liquidação, que ocorre, ou na sequência da declaração do contribuinte, ou no termo de procedimento em que este já teve oportunidade de participar.
Nº Convencional:JSTA00067495
Nº do Documento:SA22012032101129
Data de Entrada:12/13/2011
Recorrente:A...... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART20 N1 ART38 N5 ART85 N1 N2 ART102 N1 A ART35 N1 N2 ART36 N1
CIRS88 ART104 ART140
L 60-A/2005 DE 2005/12/30
CPC96 ART240 ART252 ART252-A N1 A
CCIV66 ART279
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC648/07 DE 2007/11/07; AC STA PROC305/11 DE 2011/09/21
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG163-165 VOLIII PAG381.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A……… e B……… (adiante Impugnantes ou Recorrentes) impugnaram judicialmente a liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e juros compensatórios que lhes foi efectuada com referência ao ano de 2002.
Pediram a anulação da liquidação impugnada com fundamento na caducidade do direito à liquidação ou, subsidiariamente, na inexistência de facto tributário e no erro na quantificação da matéria colectável.
1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa proferiu sentença de absolvição da Fazenda Pública da instância por julgar procedente a excepção da caducidade do direito de impugnar invocada pela Fazenda Pública com o fundamento de que a petição inicial deu entrada para além do termo do prazo para deduzir impugnação.
1.3 Os Impugnantes interpuseram recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
1.4 Os Recorrentes apresentaram as alegações, que resumiram em conclusões do seguinte teor:
«
A) O prazo para liquidação [leia-se pagamento] do IRS terminou, não a 23 de Julho, como constava da nota de liquidação recebida pelo Alegante, mas sim, dados os termos em que o Alegante foi citado e o disposto nos artigos 104º do CIRS e 252º nº 6 do CPC,
B) O prazo para liquidação [leia-se pagamento] apenas terminou, dessa forma, em 25 de Julho de 2007, pelo que só no dia seguinte – 26 de Julho de 2007 – se iniciou a contagem do prazo para deduzir a impugnação
C) Prazo esse que, em virtude do exposto em A) e B) apenas terminou em 24 de Outubro de 2007.
D) Assim sendo, a impugnação deduzida em 23 de Outubro (conforme registo postal) foi deduzida tempestivamente.
Nestes termos e nos demais de Direito e com o sempre mui Douto Suprimento deste Venerando Tribunal, deve ser revogada a Douta decisão proferida pelo Juiz [do Tribunal] “a quo” e, dessa forma, julgada a impugnação deduzida pelo ora Alegante
Assim se fazendo JUSTIÇA» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.).
1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, que não emitiu parecer.
1.7 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar, o que, como procuraremos demonstrar, passa por estabelecer em que data os ora Recorrentes se devem considerar notificados da liquidação.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
« III – 1. Dos factos
Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos e no PAT, consideramos assente a seguinte factualidade:
A) Em 18/6/2007 foi emitido mandato para notificação dos impugnantes com domicílio na Rua ………, nº ………, ………, Lisboa, da nota de cobrança nº 2007 96257, liquidação no 2007 500006067 e liquidação de juros compensatórios nº 2007 65276 – cf. fls. 102 e sg. do PAT;
B) Na mesma data foi emitida certidão marcando hora certa designando-se o dia 19/6/2007 para a notificação por se ter constatado a ausência de quem pudesse aceitar a notificação – cf. fls. 106 do PAT;
C) Em 19/6/2007 foi emitida certidão de verificação de hora certa indicando ausência de pessoas no local, e de que foi afixada nota contendo o objecto da notificação e indicando o local onde se encontram os documentos – cf. fls. 107 do PAT;
D) Através do ofício nº 49319 de 20/6/2007, enviado por carta registada foram os impugnantes informados de que a notificação se considerou efectuada em 19/6/2007 – cf. fls. 112 do PAT;
E) Em anexo ao referido oficio foram remetidas as liquidações identificadas em A), onde se indica como prazo limite de pagamento o dia 23/7/2007 – cf. documento de fls. 112 do PAT e 44 dos autos;
F) Em 23/10/2007 deu entrada a presente Impugnação no Tribunal Tributário de Lisboa – cf. fls. 20-A dos autos;
G) Por despacho de 28/11/2007 foram os impugnantes convidados a apresentar petição inicial aperfeiçoada bem como para juntar cópia das liquidações impugnadas – cf. fls. 23 verso;
H) Em 4/12/2007 os impugnantes remeteram por via postal a petição inicial corrigida – cf. fls. 48.
*
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos alegados e não provados».
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Os Impugnantes vêm recorrer da decisão da Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou caducado o direito de impugnar e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância (Com interesse sobre o efeito – absolvição da instância ou absolvição do pedido – no caso de caducidade do direito de impugnar, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 18 ao art. 102.º, págs. 163 a 165. ).
Considerou a Juíza do Tribunal a quo, em síntese, que o termo do prazo para o pagamento voluntário ocorreu em 23 de Julho de 2007 – indicada como «Data Limite de Pagamento» no ofício por que os Contribuintes foram notificados da liquidação e para procederem ao respectivo pagamento voluntário –, motivo por que em 23 de Outubro do mesmo ano de 2007 – data que se deve considerar ser a da apresentação da petição inicial e que é a do registo postal da correspondência por que aquela peça processual foi remetida a juízo –, estava já findo, desde o dia anterior, o prazo de 90 dias fixado pelo art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, para a impugnação.
Os Impugnantes discordam desse entendimento. Segundo eles, o prazo para o pagamento voluntário do IRS cuja liquidação impugnaram terminou, não a 23 de Julho de 2007, mas em 25 do mesmo mês. Isto, porque o que releva para esse efeito é, não a data indicada como limite no ofício por que foram notificados da liquidação e para procederem ao pagamento do imposto liquidado, mas, ao invés, a data correspondente ao decurso do prazo previsto no art. 104.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), de 30 dias a contar da notificação, acrescido de 5 dias de dilação, nos termos do art. «252º, nº 6» do Código de Processo Civil (CPC), em virtude de «ter sido citado nos termos do art. 240º» deste Código. Contando o prazo de 90 dias para a impugnação judicial desde essa data, haverá de se concluir que a petição inicial deu entrada em tempo.
Assim, a questão a apreciar e decidir é, como deixámos dito em 1.8, a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar.
2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
2.2.2.1 Quando os vícios imputados ao acto impugnado apenas podem determinar a anulabilidade do mesmo, em regra, o prazo para deduzir impugnação judicial é de noventa dias, a contar do termo final do prazo para o pagamento voluntário, como estatui o art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT (Diz o art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT:
«1. A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte; […]».), pelo que é decisivo estabelecer o dies ad quem do prazo para pagamento voluntário, que, a menos que se encontre regulado expressamente pelas leis tributárias, é de 30 dias após a notificação (cfr. art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT (Diz o art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT: «1. Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.
2. Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para o pagamento efectuada pelos serviços competentes.[…]».)). O que significa, que, para efeitos da determinação do termo final do prazo para pagamento voluntário se deve relevar, não a data apontada – a título meramente indicativo – na nota de liquidação, mas antes o disposto na lei quanto ao prazo para o pagamento voluntário (No entanto, se a data indicada na nota de liquidação como termo final do prazo para pagamento se situar para além dos 30 dias contados após a notificação, podemos questionarmos se não será de fazer funcionar, sob pena de violação dos princípios do acesso à justiça e da boa-fé, uma regra idêntica à dos arts. 161.º, n.º 6, e 198.º, n.º 3, do CPC; nunca poderá é essa indicação ter como efeito o encurtamento do prazo tal como ele resultaria da aplicação das regras legais.).
Mas, se é essa a regra geral, no caso, porque estamos perante uma liquidação adicional de IRS, existe regra especial que afasta a aplicação daquela. Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «relativamente à impugnação de actos de liquidação de IRS, prevê-se no art. 140.º, n.º 4, alínea a), do CIRS que o prazo de impugnação se inicia «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação», afastando-se, por isso, o termo do prazo de pagamento voluntário como termo inicial do prazo» (Ob. cit., volume II, anotação 9 ao art. 102.º, pág. 154.).
Ou seja, o art. 140.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRS (CIRS), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), estabelece um dies a quo especial no prazo de 90 dias (O prazo para impugnar é de 90 dias por força do n.º 1 do art. 102.º do CPPT, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 104.º do CIRS, que dispõe: «Os sujeitos passivos do IRS, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la nos termos e com os fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário».) para impugnar: em vez de se contar o prazo a partir do termo final do prazo para o pagamento voluntário, conta-se a partir do trigésimo dia posterior à notificação da liquidação.
Assim, no caso sub judice, a fim de averiguar da caducidade do direito de deduzir impugnação judicial, impõe-se saber em que data ocorreu a notificação da liquidação, pois é a partir daí que se contam os trinta dias findos os quais se inicia o prazo de noventa dias para impugnar.
2.2.2.2 No caso sub judice, a AT promoveu a notificação da liquidação por contacto pessoal, como lho permite o n.º 5 do art. 38.º do CPPT (Note-se que, contrariamente ao que sucede no CPC, em que se prevê que a citação mediante contacto pessoal com o citando só deve ocorrer se se frustrar a via postal (cfr. n.ºs 1 e 8 do art. 239.º do CPC), o CPPT não contém tal exigência, apenas prevendo, para as notificações, que a entidade competente que dirige o procedimento pode ordenar que se proceda à notificação pessoal, quando o entender necessário. Tal opção da entidade que dirigir o procedimento tributário constitui manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado, como foi salientado no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 305/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba937ea25ee4545780257918004c9f71?OpenDocument.).
À notificação pessoal aplicam-se as regras sobre a citação pessoal, como resulta do n.º 6 do referido art. 38.º do CPPT. Assim, o funcionário encarregado da notificação, porque não lhe foi possível o contacto directo com os notificandos, deixou nota com indicação de hora certa e, no dia e hora designados, não encontrando de novo os notificandos nem pessoa em condições de lhes transmitir a notificação, procedeu à afixação da nota de notificação em 19 de Junho de 2007; no dia seguinte enviou-lhes carta registada a comunicar a data e o modo por que a notificação foi efectuada. A notificação assim efectuada considera-se pessoal (cfr. art. 240.º, n.º 6, do CPC (Diz o art. 240.º, n.º 6, do CPC: «Considera-se pessoal a citação efectuada nos termos dos n.ºs 2 ou 3 deste artigo».)).
Não se questionando o cumprimento das formalidades respeitantes à notificação nem a respectiva validade, esta considera-se efectuada em 19 de Junho de 2007, ou seja, na data da afixação da nota a que se refere o art. 240.º, n.º 3, do CPC (No sentido de que a citação se tem por efectuada nessa data, e não na do envio ou da recepção da carta a que alude o art. 241.º do CPC, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Novembro de 2007, proferido no processo com o n.º 648/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32240.pdf), págs. 1627 a 1631, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6bacad48e48f2a128025739300547f91?OpenDocument.), o que também não vem questionado.
É dessa data que há-de contar-se o prazo de trinta dias findo o qual se iniciará o prazo para impugnar. Sendo que a contagem é a efectuar nos termos do art. 279.º do Código Civil, por força do disposto no n.º 1 do art. 20.º do CPPT, o trigésimo dia após a notificação foi o dia 19 de Julho do mesmo ano de 2007. O prazo de 90 dias para impugnar tem, pois, início em 20 de Julho de 2007, o que situa o dies ad quem em 18 de Outubro do mesmo ano.
Sustentam os Recorrentes que haveria de se aplicar aqui a dilação prevista no art. «252º nº 6» do CPC, em virtude de «ter sido citado nos termos do art. 240º» deste Código. Admitimos que se trate de lapso – pois o art. 252.º do CPC não tem nem nunca teve qualquer número – e que os Recorrentes pretendam referir-se à alínea a) do n.º 1 do art. 252.º-A do CPC, nos termos da qual há que fazer acrescer ao prazo da defesa uma dilação de 5 dias quando a citação tiver sido efectuada em pessoa diversa do citando, uma vez que a notificação foi efectuada nos termos do n.º 4 do art. 240.º do CPC. Na verdade, dispõe o 252.º-A, na alínea a) do n.º 1:
«1 - Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando:
a) A citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do artigo 236.º e dos n.ºs 2 e 4 do artigo 240.º;
[…]».
Seria, pois, por considerarem esta disposição aplicável à situação sub judice que os Recorrentes defendem que ao prazo para impugnar deve acrescer uma dilação de cinco dias e que a sentença recorrida, na medida em que a não considerou e, por isso, julgou caducado o direito de impugnar, fez errado julgamento.
Salvo o devido respeito, a tese sustentada pelos Recorrentes não é de acolher, pois o facto de o n.º 6 do art. 38.º do CPPT dizer que às notificações pessoais se aplicam as regras sobre a citação pessoal significa apenas que, na realização da notificação pessoal, a AT deve respeitar as formalidades que a lei impõe para a citação pessoal, de modo a assegurar a efectiva comunicação com o destinatário. Constituindo a notificação «o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo» (cfr. art. 35.º, n.º 1, do CPPT), bem se compreende que o legislador a tenha rodeado de exigentes regras e cautelas, tanto mais que a notificação constitui condição de eficácia dos «actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes» (cfr. art. 36.º, n.º 1, do CPPT). Ou seja, o legislador pretendeu rodear a notificação pessoal – que, dissemo-lo já, constitui manifestação do exercício de um poder discricionário da AT, que deve ponderar qual o meio que melhor lhe permitirá o cumprimento do objectivo visado – de garantias de efectiva comunicação ao destinatário idênticas às da citação.
Mas isso não significa que haja de se aplicar ao termo inicial do prazo para impugnar a dilação que a lei adjectiva prevê para o uso dos meios de defesa no caso da citação pessoal em pessoa diversa do réu. Vejamos:
Desde logo, a lei (o art 252.º-A, n.º 1, alínea a), do CPC) apenas impõe essa dilação relativamente «[a]o prazo de defesa do citando», o que bem se compreende, pois esse acréscimo ou alongamento do prazo para exercício dos meios de defesa (Note-se que a dilação se traduz num alargamento do prazo, como decorre do disposto no art. 250.º, n.º 2, do CPC, que diz: «A partir da data da citação conta-se o prazo da dilação; finda esta, começa a correr o prazo para o oferecimento da defesa»; e, «[q]uando um prazo peremptório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só» (cfr. art. 148.º do CPC), isto é, o prazo dilatório integra-se no prazo peremptório, os dois prazos somam-se e a contagem faz-se como se o prazo peremptório, em vez de ter a duração inicialmente fixada, tivesse essa duração acrescida do prazo de dilação.) apenas faz sentido em relação aos meios de defesa cujos prazos que se contam a partir da data da citação (Daí que seja pacífica a aplicação dessa dilação de cinco dias aos prazos para o exercício dos direitos de oposição à execução fiscal, pagamento em prestações e dação em pagamento, quando a citação em processo de execução fiscal tenha sido efectuada em pessoa diversa do executado, nos termos dos arts. 236.º e 240.º do CPC. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 12 ao art. 192.º, pág. 381.). Já relativamente ao prazo para impugnar, o mesmo não se conta da data da notificação, mas, como deixámos exposto e nos termos do art. 140.º, n.º 4, do CIRS, «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação», motivo por que não faz sentido sustentar aqui a aplicação daquela dilação de 5 dias, uma vez que a lei já fixa uma dilação bem superior àquela.
Por outro lado, não há razão alguma para equiparar a notificação à citação para efeitos de aplicação da dilação prevista no art. 252.-A, n.º 1, alínea a), do CPC.
Enquanto a citação se situa no âmbito da execução fiscal e «é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada», a notificação é o acto «pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo» (art. 35.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).
Enquanto a citação abre ao executado o prazo para deduzir oposição à execução fiscal, pedir o pagamento em prestações ou a dação em pagamento (cfr. arts. 196.º, n.º 1, 201.º, n.º 13 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), a notificação do acto de liquidação apenas marca o início do termo do prazo para pagamento voluntário (cfr. o art. 85.º, n.º 2, do CPPT e, porque no caso estamos perante liquidação adicional de IRS, o art. 104.º do CIRS).
São, pois, bem distintas a natureza e finalidade da citação no processo de execução fiscal e da notificação de um acto tributário de liquidação.
Ademais, a notificação do acto tributário de liquidação tem lugar no âmbito de um procedimento em que o notificando já está presente, pelo que não se verificam os motivos que determinaram o legislador a fixar aquela dilação no caso da citação (cessant ratione legis cessat eius dispositio). Na verdade, a notificação da liquidação ocorre no final de um procedimento que, ou se iniciou com a declaração do contribuinte, ou no âmbito do qual lhe é assegurado o direito de participação.
2.2.2.3 Por tudo isto, ao prazo para deduzir impugnação judicial não é aplicável a dilação prevista no art. 252.º-A, n.º 1, alínea a), do CPC.
Assim, e tendo presente que a notificação se considera efectuada em 19 de Junho de 2007 e que o prazo de 90 dias para deduzir impugnação judicial se conta «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação», não há dúvida que quando a petição deu entrada em juízo – em 23 de Outubro de 2007 – estava já findo o prazo para impugnar.
O recurso não merece, pois, provimento, sendo de manter a decisão recorrida com a presente fundamentação.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O art. 140.º, n.º 4, alínea a), do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabelece um dies a quo especial no prazo de 90 dias para impugnar actos de liquidação de IRS: em vez de se contar o prazo a partir do termo final do prazo para o pagamento voluntário (cfr. art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), conta-se «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação».
II - Ainda que a notificação da liquidação adicional de IRS tenha sido pessoal, o que implica o respeito pelas regras da citação pessoal (cfr. art. 38.º, n.º 6, do CPPT), isso não significa que ao prazo para impugnar a liquidação de IRS haja de aplicar-se a dilação prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 252.º-A do CPC quando a notificação tenha sido efectuada nos termos do art. 240.º do CPC.
III - É que, por um lado, essa notificação não constitui o dies a quo do prazo para impugnar, mas apenas para efectuar o pagamento voluntário e, por outro lado, as razões que levaram o legislador a conceder tal dilação no caso da citação não se verificam relativamente à notificação do acto tributário de liquidação, que ocorre, ou na sequência da declaração do contribuinte, ou no termo de procedimento em que este já teve oportunidade de participar.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
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Custas pelos Recorrentes.
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Lisboa, 21 de Março de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.