Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0154/11.0BESNT
Data do Acordão:02/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TAXA
TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
LEI
COMUNICAÇÕES ELECTRONICAS
Sumário:A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos.
Nº Convencional:JSTA00070878
Nº do Documento:SA2201902130154/11
Data de Entrada:01/08/2019
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS
Recorrido 1:A.....,SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:TAXA MUNICIPAL
Legislação Nacional:Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida em processo de impugnação judicial

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade supra identificada como Recorrida, anulou os actos de liquidação de taxas de ocupação da via pública, referentes ao ano de 2006.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. A questão de direito aqui em causa é de simples e precisa delimitação, prendendo-se com saber se a partir da entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a aplicação da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMPD), prevista no artigo 106.º afasta a aplicação da taxa municipal de ocupação do domínio público.

B. Censura-se a sentença do Tribunal a quo por esta ter acolhido o entendimento de que a entrada em vigor do aludido diploma, com o estabelecimento de um tipo de taxa específico para determinadas situações de ocupação de bens de domínio público (a TMDP) implicou o afastamento, por revogação tácita, da aplicabilidade de normas regulamentares que prevejam tributação para a mesma situação, na parte abrangida pelo diploma legislativo, como aquelas em que se fundou a emissão das liquidações em crise.

C. A autonomia financeira das autarquias locais, na vertente da arrecadação de receitas próprias obrigatórias – tais como sejam as provenientes da criação e cobrança de taxas municipais pelo aproveitamento de bens do domínio público municipal por parte dos particulares – não pode, de modo algum, ser coarctada ou restringida ilegalmente.

D. Por isso, censura-se o entendimento de que o aproveitamento do espaço público, no caso em concreto (em 2006) só podia ser cobrado através da TMDP e que não se tratava apenas de uma opção a favor dos municípios, o que impede a ora Recorrente, relativamente ao ano de 2006 e mediante a existência de incidência tributária efectiva, de liquidar a taxa de ocupação de via pública que é sua receita própria e obrigatória, é inconstitucional por ofender os termos do artigo 238.º, n.º 3 da Constituição.

E. Sendo que o erro de direito em que a sentença a quo incorre nesta sede se deve ao facto de ter aderido ao argumento falacioso de que o município não podia liquidar outra taxa que não a TMDP em virtude da Lei n.º 5/2005, de 10 de Fevereiro, por não ter tido em conta o poder tributário dos municípios e o próprio enquadramento Comunitário e Nacional da TMDP então vigente, o qual claramente não impunha que a tributação do benefício em causa pudesse ocorrer apenas por via da TMDP.

F. Em 2006 a lei vigente em momento algum impunha que a tributação do tipo de realidades aqui subjacentes tivesse que ser feita por via da TMDP, implicando a revogação tácita das taxas constantes de outras normas regulamentares, mormente da taxa de ocupação da via pública aqui em causa.

G. É manifesto ter incorrido a sentença a quo em erro de direito, razão pela qual deverá ser revogada mantendo-se o acto de liquidação da taxa de ocupação da via pública relativo a 2006.

H. A apreciação da questão de direito preconizada pelo Tribunal a quo começou a incorrer em erro a partir do momento em que não atendeu devidamente ao enquadramento das taxas de ocupação da via pública que levaram à emissão das liquidações subjacentes, bem como da TMDP no âmbito dos poderes tributários das Autarquias Locais.

I. Uma vez que, nos termos do “Regulamento e Normas de Cobrança e Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais da Câmara de Cascais para 2006”, pelo licenciamento aqui em causa era devida uma taxa de ocupação da via pública, aplicável por armário de distribuição instalado e a qual variava entre € 72,50 e € 124,50 consoante a dimensão do equipamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 2.1, alíneas a) a d) da “Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais da Câmara de Cascais para 2006”.

J. Procedendo ao devido enquadramento do poder tributário do município, comece-se por referir que, de acordo com o estabelecido no artigo 4.º, n.º 2 da LGT e 19.º, alínea c) da LFL´98, a taxa de ocupação da via pública, tal como a sua denominação indicia, constitui a contrapartida do aproveitamento pela “ A ……., S.A.” do espaço público municipal na prossecução da sua actividade económica particular.

K. O momento de tributação foi também o correcto de acordo com o estabelecido no artigo 23.º, n.º 1, 2.ª parte do “Regulamento e Normas de Cobrança das Taxas e Outras Receitas Municipais da Câmara Municipal de Cascais para 2006”, pelo que a taxa de ocupação da via pública referente ao ano de 2006 é devida pela “A…….., S.A.” e foi correctamente liquidada.

L. Pelo que estando as normas regulamentares em causa legitimadas ao abrigo da então vigente LFL´98, sempre se terá que admitir que a cobrança das taxas foi legal, atento o facto de nada existir na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro no ano 2005 que restringisse os comandos estabelecidos pela LFL, tendo a Lei em questão de forçosamente ser conjugada com esta última.

M. Por outro lado, com a aprovação da Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002 (Directiva-Autorização), transposta para o ordenamento português com a aprovação da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas), pretendeu-se instaurar um mercado comunitário de serviços e redes de comunicações electrónicas através da harmonização e simplificação das regras e condições de autorização da respectiva oferta.

N. Todavia, a Directiva-Autorização e a Lei das Comunicações Electrónicas, ao criar a TMDP, não impõem aos Estados-Membros a criação de uma taxa de determinado modelo ou com determinada estrutura; aliás, não impõem sequer a criação de qualquer taxa, antes permitindo a sua criação aos municípios.

O. Como tal, é claro que diplomas não obrigavam à tributação, por parte dos municípios, da utilização do domínio público com a instalação de estruturas e equipamentos de comunicações electrónicas única e exclusivamente por meio da TMDP, de molde que, optando os municípios por não aprovar/liquidar/cobrar a TMDP, nada impedia, no período a que se reportam as liquidações em causa, a tributação da mesma realidade através de outra taxa municipal.

P. A opção por parte dos municípios em lançar mão das taxas que já haviam sido criadas para efeitos da tributação da ocupação da via pública não poderia apenas implicar a dupla tributação da mesma realidade com recurso simultaneamente à TMDP e a outra taxa municipal – o que, efectivamente, nunca sucedeu in casu como se provou.

Q. O município nunca liquidou nem cobrou simultaneamente a TMDP e a taxa de ocupação da via pública a nenhuma entidade e, por isso, também não o fez à “A……, S.A.”.

R. Perante o enquadramento legal em vigor à data dos factos – i.e., em 2006 – é cabalmente claro que a cobrança da TMDP era opcional e podia ser preterida em favor de uma outra taxa municipal pré-existente, razão pela qual o município liquidou a taxa de ocupação da via pública e apenas esta.

S. Só essa actuação pode ser considerada consentânea com o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários consagrado no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.

T. E é nesse sentido que a jurisprudência do STA – invocada pela “A……., S.A.” e seguida pelo Tribunal a quo – se tem pronunciado ao negar a legalidade da liquidação da taxa de ocupação da via pública aos municípios que tenham aplicado e cobrado a TMDP aos contribuintes.

U. Pelo que, verificada a incidência, não podia o município não podia deixar de liquidar a taxa de ocupação de via pública, sob pena de cometer uma ilegalidade ao perdoar um tributo a uma entidade, mais a mais a uma entidade privada, na medida em que, como sobejamente referido, em momento algum liquidou a TMDP.

V. O artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, que vem determinar que os municípios que optem por não cobrar a TMDP não podem cobrar, em sua substituição, qualquer outra taxa municipal, entrou em vigor apenas em 22 de Maio de 2009, mais de três anos corridos sobre os factos em discussão nos presentes Autos.

W. A regra introduzida por este diploma tinha por escopo evitar situações de dupla tributação do mesmo benefício, pelo que o legislador, por razões de ordem pragmática, optou pela solução mais prática de, pura e simplesmente limitar a tributação das realidades em causa apenas por via da TMDP.

X. Consequentemente, está coberta pelo manto da legalidade a actuação do município in casu ao liquidar a taxa de ocupação da via pública, estando igualmente demonstrado o erro de direito da sentença a quo.

Y. O entendimento de que o artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio tem uma natureza meramente interpretativa, tal como propugnado pela sentença a quo, sempre desembocaria numa injusta e desproporcionada situação de dupla não tributação, da “A……, S.A.”, restringindo intoleravelmente o poder de tributar do município e o dever de suportar tributação da entidade em causa sem que nenhum elemento axiológico o justifique, gorando igualmente os fins do legislador com a introdução do aludido artigo em 2009, que passavam por evitar situações de dupla tributação e não por potenciar situações de dupla não tributação, estando nessa medida claramente vedado ao abrigo do corolário da interpretação sistemática que se extrai do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil.

Z. De facto, sendo inegável a existência de uma prestação efectiva, torna-se assim incontornável a necessidade e a justiça da exigência da correspondente compensação e nem a aprovação do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, mais concretamente do disposto no seu artigo 12.º, n.º 2, poderá obstar a que qualquer município obtenha a justa compensação pelas prestações públicas que disponibiliza às entidade privadas.

AA. Não pode, portanto, manter-se na ordem jurídica a sentença a quo, no sentido de, relativamente a 2006, só poder ser cobrada a TMDP, uma vez que (i) em 2005, ainda não estava em vigor o artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, o qual dispõe de natureza inovadora; (ii) não houve lugar in casu a qualquer dupla tributação, não tendo a “A…., S.A.” suportado qualquer tributo em virtude do aproveitamento do domínio público de Cascais e, (iii) verificava-se a incidência da taxa de ocupação da via pública; sendo que só esta solução é consentânea com os corolários de interpretação normativa vigentes.

BB. Em consequência, não pode manter-se também a condenação do município no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida ao abrigo do n.º 1 e 2 do artigo 53.º da LGT.

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença a quo na sua totalidade e sendo ordenada a manutenção o acto de liquidação da taxa de ocupação da via pública relativo a 2006 bem como a revogação da condenação do Município ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações com conclusões do seguinte teor:

«I. O presente Recurso foi interposto da douta Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 154/11.0BESNT, que correu termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em que a Recorrida impugnou os actos de liquidação de TOVP praticados pela Câmara Municipal de Cascais, com referência ao ano de 2006, no valor total de € 126.813,50 (cento e vinte e seis mil oitocentos e trezes euros e cinquenta cêntimos) e, bem assim, o despacho do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de 10 de Dezembro de 2010, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra os referidos actos de liquidação.

II. A referida Sentença sob análise ancora a sua decisão na jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que reproduz: “A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos”.

III. Contra esta decisão, a Recorrente interpôs o presente Recurso, sustentando, desde logo, que “(…) dúvidas não restam, pois, de que, de forma alguma se encontra vedada ao município a criação, liquidação e cobrança de taxas pela ocupação dos domínios público e privado municipais, com quaisquer equipamentos ou utilidades particulares, desde que observados os respectivos pressupostos, nomeadamente de incidência”;

IV. De igual modo, entende o Recorrente “(…) que o erro de direito em que a sentença a quo incorre nesta sede se deve ao facto de ter aderido ao argumento falacioso de que o município não podia liquidar outra taxa que não a TMDP em virtude da Lei n.º 5/2005, de 10 de Fevereiro, extraindo do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio uma mera clarificação do que já decorria do regime anterior, por não ter tido em conta o poder tributário dos municípios e o próprio enquadramento Comunitário e Nacional da TMDP então vigente, o qual claramente não impunha que a tributação do benefício em causa pudesse ocorrer apenas por via da TMDP”.

V. Mais dizendo que “(…) o que se pretendeu com o artigo 12.º, n.º 2 do DL n.º 253/2009, de 21 de Maio não foi clarificar mas sim encontrar uma solução pragmática para um problema concreto, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto e dissuadir abusos. Nessa medida, a alteração legislativa teve um conteúdo inovador, visto que o que anteriormente era uma faculdade quanto à tributação do direito de passagem, por forma a evitar abusos com duplicações de taxas, converteu-se na única forma possível de tributação dessa realidade concreta”.

VI. Por fim a RECORRENTE sustenta, ainda, que “(…) a autonomia financeira das autarquias locais, na vertente da arrecadação de receitas próprias obrigatórias – tais como sejam as provenientes da criação e cobrança de taxas municipais pelo aproveitamento de bens do domínio público municipal por parte dos particulares – não pode, de modo algum, ser coarctada ou restringida legalmente. Pelo que considerar que o aproveitamento do espaço público no caso concreto (em 2006) só podia ser cobrado através da TMDP e que não se tratava apenas de uma opção a favor dos municípios impede o ora Recorrente, relativamente ao ano de 2006 e mediante a existência de incidência tributária efectiva, de liquidar a taxa de ocupação de via pública que é sua receita própria e obrigatória, é inconstitucional por ofender os termos do artigo 238.º, n.º 3, da Constituição”.

VII. No entendimento da Recorrente, a sentença objecto de recurso deve ser confirmada, por ser manifestamente adequada, e, em consequência, devem os actos de liquidação aqui em crise ser anulados, uma vez que são ilegais em virtude da violação do Direito comunitário e do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro – Lei das Comunicações Electrónicas –, uma vez que, para além da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP), mais nenhuma taxa municipal pode ser liquidada às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pelo direito de instalação dos seus recursos e equipamentos no domínio público e privado municipal.

VIII. A regulamentação das redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de distribuição de televisão por cabo, e, bem assim, a regulamentação dos denominados “direitos de passagem”, encontra-se enquadrada em diversas Directivas comunitárias, nomeadamente na Directiva-autorização – a Directiva n.º 2002/21/CE –, que visam, para além do mais, garantir às empresas e cidadãos europeus o acesso a uma infra-estrutura de comunicações de grande qualidade, com uma vasta gama de serviços, a baixo custo, mediante a harmonização e simplificação da legislação que regula o acesso ao mercado de serviços e redes de comunicação electrónicas (cf. Considerando 3 e 4 da Directiva n.º 2002/21/CE e Considerando 1 e artigo 1.º da Directiva n.º 2002/20/CE).

IX. De acordo com o disposto no artigo 11.º da Directiva-quadro, os “direitos de passagem” correspondem aos direitos atribuídos às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada, sendo conferido aos Estados-Membros a possibilidade de imporem taxas sobre estes “direitos de passagem” às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações que procedam à instalação de tais recursos (e não aos clientes destas ou a quaisquer outras entidades).

X. Ora, estas taxas, previstas especificamente no artigo 13.º da Directiva-autorização, são as únicas que podem ser cobradas em contrapartida dos referidos direitos de instalação, conforme, aliás, se depreende do objectivo expresso no Considerando (3) da Directiva-autorização, de criação “de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente directiva e a restrições de acordo com o n.º 1 do artigo 46.º do Tratado (…)”.

XI. A alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, em concretização do disposto no artigo 11.º da Directiva-quadro, estabelece direitos de passagem às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nos termos seguintes: “Às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é garantido: a) (...); b) O direito de utilização do domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos”.

XII. Por seu turno, o artigo 106.º da citada Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, instituiu, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Directiva-autorização (Directiva n.º 2002/20/CE, de 7 de Março), a Taxa Municipal de Direitos de passagem (TMDP) em contrapartida dos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal” (cfr. n.º 2 do artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro).

XIII. Esta taxa é “determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município” (cfr. a alínea a) do n.º 2 do artigo 106.º da Lei n.º 5/2004), cujo valor máximo não pode ultrapassar 0,25% sobre o montante dessas facturas (cfr. as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 106.º da Lei n.º 5/2004).

XIV. O Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, que aprovou o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas veio clarificar – contrariando o entendimento sustentado pelo Recorrente – que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações.

XV. Do preâmbulo deste diploma resulta, expressamente, que “nos termos da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, o direito de utilização do domínio público para a implantação, passagem ou atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos, através de procedimentos transparentes, céleres e não discriminatórios e adequadamente publicitados (…) No que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto”.

XVI. Nas suas Alegações de Recurso, o Recorrente defende o entendimento segundo o qual “(…) o que se pretendeu com o art. 12.º, n.º 2 do DL n.º 253/2009, de 21 de Maio não foi clarificar mas sim encontrar uma solução pragmática para um problema concreto, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto e dissuadir abusos. Nessa medida, a alteração legislativa teve um conteúdo inovador, visto que o que anteriormente era uma faculdade quanto à tributação do direito de passagem, por forma a evitar abusos com duplicações de taxas, converteu-se na única forma possível de tributação dessa realidade concreta”.

XVII. Sucede que, num processo semelhante em que se discutiu a ilegalidade (abstracta) da liquidação a uma empresa de comunicações electrónicas de TOVP do ano de 2004, foi invocado que a redacção do art. 206.º, na sua versão original (antes da entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 123/2009), comportava a possibilidade de opção pela liquidação de TOVP, em vez da TMDP.

XVIII. Esta interpretação foi, então, expressamente, afastada pelo Supremo Tribunal Administrativo, propugnando que: “Pese embora o referido diploma só tenha entrado em vigor em Maio de 2009, será pertinente invocá-lo na apreciação do caso sub judice pois que na análise dos preceitos legais aplicáveis forçoso é recorrer ao subsídio interpretativos do elementos sistemático e também à ratio legis, tendo sempre como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada. Acresce dizer que esta questão foi já objecto de jurisprudência consolidada desta secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza – ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.10.2010, recurso 363/10, de 30.11.2010, recurso 513/10 e de 12.01.2011, recurso 751/10, de 29.06.2011, recurso 450/11, e de 01.06.2011, recurso 179/11.Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva e proficiente fundamentação concordarmos integralmente”.

XIX. Daí que se conclua que, a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0864/11, de 06-06-2012, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0363/10, de 06-10-2010).

XX. Em face do exposto, sendo a douta Decisão objecto do presente recurso, tecnicamente perfeita, contendo a fundamentação adequada para a decisão proferida e revelando ponderação e imparcialidade na forma como decidiu as questões suscitadas, não poderá merecer qualquer censura, ao contrário do alegado pelo Recorrente».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

A questão em causa obteve já por várias vezes resposta positiva quanto à questão acima enunciada por parte da jurisprudência do S.T.A.
Assim, decidir que “a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implementação de infra-estruturas ou equipamentos” – cfr., para além dos acórdãos do S.T.A. já citados nos autos, nomeadamente, a fls. 498 e 524, o que foi proferido a 22-4-15, no proc. 0192/15, acessível em www.dgsi.pt.
Tal entendimento radica no respeito devido não só as normas comunitárias contidas nas referidas Directivas Quadro e de Autorização, respectivamente n.ºs 2002/20/CE e 2001/20/CE, mas também à transparência e não discriminação sem demora que decorre do previsto no art. 106.º da referida Lei, segundo a qual o seu montante é “percentual sobre cada factura”.
E, tratando-se de taxas municipais de ocupação de via pública referente a 2006, ou seja, posteriores a 10/5/2004, data em que a referida Lei n.º 5/2004 entrou em vigor, dúvidas não podem subsistir quanto à aplicação do previsto nessa Lei e a não sendo possível continuar a aplicar aquelas taxas previstas em regulamento municipal.
Assim, bem se andou ao declarar a ilegalidade dos ditos actos, bem como em condenar o recorrente ao pagamento de indemnização por prestação de garantia».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A. A Impugnante, A……., S.A., dedica-se, designadamente, à distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma (facto não controvertido);

B. A Impugnante é titular de licenças de ocupação para a via pública com construções ou instalações no solo em diversos pontos da vila de Cascais, emitidas pela Câmara Municipal de Cascais (facto não controvertido);

C. Através dos ofícios da Câmara Municipal de Cascais nºs. 7024, 7025, 7064, 7065, 7066, 7067, datados de 10.02.2006, foi a Impugnante notificada para proceder ao pagamento dos actos de liquidação das taxas de ocupação da via pública, referentes ao ano de 2006, no valor global de € 126.813,50 – cfr. ofícios, a fls. 61 a 66 dos autos;

D. Em 26.06.2006, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação referidos na alínea antecedente, com fundamento na violação do direito comunitário – cfr. reclamação, a fls. 67 a 84 dos autos;

E. Através de ofício n.º 4310, de 21.01.2011, foi a Impugnante notificada de que, por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de 10.12.2010, foi indeferido o pedido de reclamação graciosa (cfr. ofício a fls. 59 dos autos);

F. Em 08.11.2006, a Impugnante prestou garantia bancária, no valor de € 282.549,10, destinada a suspender o processo de execução fiscal instaurado por falta de pagamento dos actos de liquidação referidos na alínea C. supra (cfr. fls. 248 dos autos)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Município de Cascais insurge-se contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Cascais que anulou os actos de liquidação de taxas de ocupação da via pública (TOVP), referentes ao ano de 2006, com o fundamento de que, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) prevista no art. 106.º daquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal.
Sustenta, em síntese, que a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não proibia, nem podia proibir, a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da TMDP prevista nos termos do art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada por aquela referida Lei, mas apenas a cumulação desta taxa com outra.
Por seu turno, a Recorrente sustenta que a sentença fez correcto julgamento.
Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a liquidação de TOVP pela ora Recorrente à ora Recorrida – operadora de comunicações – era ou não legalmente admissível no ano de 2006, ou seja, depois da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas.

2.2.2 DA (I)LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE TOVP APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI N.º 5/2004, DE 10 DE FEVEREIRO

A questão que cumpre apreciar e decidir tem vindo a ser decidida reiterada e uniformemente por este Supremo Tribunal Administrativo, tendo mesmo sido objecto de dois acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, o primeiro dos quais proferido em 29 de Março de 2017 no processo n.º 1091/16 ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7848fe75bd1bf87f802580f700558174.
No mesmo sentido, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, proferido em 3 de Maio de 2017, no processo n.º 1092/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a8440afc8861fc8b80258122003b7894.).
Quer em obediência ao disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, que nos impõe o respeito por essa orientação jurisprudencial, quer porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, vamos fazer uso da faculdade concedida n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, remetendo para a fundamentação adoptada no referido acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e, bem assim, no recente acórdão da Secção, de 12 de Dezembro de 2018, proferido no processo n.º 153/11.2BESNT ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1a8ea627ea99d39802583690053f4b7.), em que as partes são as mesmas e as alegações e contra-alegações do recurso são idênticas às dos presentes autos.
Consequentemente, o recurso não pode ser provido, devendo também manter-se a condenação do ora Recorrente ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do citado acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos.

* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Dispensamos a junção dos acórdãos para que remetemos, uma vez que se encontram disponíveis no sítio indicado.


*

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.