Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0521/14
Data do Acordão:09/10/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:I - A menção feita na decisão administrativa de aplicação da coima, de que «o agente retirou um benefício económico com a prática da contra ordenação correspondente ao Imposto que a mercadoria em apreço, pagaria, caso, nas condições gerais, de venda ao público, procedesse à sua comercialização», sendo que era ao arguido que competia liquidar e pagar o IEC em causa, é bastante para lhe permitir saber qual o benefício económico que a autoridade administrativa considerou para efeitos de fixação da coima.
II - A falta da quantificação do montante do imposto devido, na medida em que não restringe de modo algum o direito de defesa da Arguida, não constitui vício de fundamentação algum e, muito menos, pode constituir nulidade insuprível, a determinar a anulação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima ao abrigo do disposto nos arts. 79.º, n.º 1, alínea c), e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.
Nº Convencional:JSTA00068875
Nº do Documento:SA2201409100521
Data de Entrada:05/08/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., LDA E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART79 N1 B ART27 N1 ART63 N1 D.
CONST76 ART32 N10 ART268 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0269/09 DE 2009/05/06.; AC STA PROC0421/03 DE 2003/05/14.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA E OUTROS - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 2ED PAG468.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 748/13.0BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 No recurso de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária deduzido pela sociedade denominada “A………………, Lda.” (a seguir Arguida ou Recorrida), o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferiu decisão na qual, julgando procedente o recurso, anulou o despacho de fixação da coima e «os subsequentes termos do processo de contra-ordenação dependentes dessa decisão».

1.2 Inconformado com essa decisão, o Representante do Ministério Público (a seguir Recorrente) junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dela veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentado alegação que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.): «

1. De acordo com o disposto no art. 27.º/1 do RGIT, a não quantificação precisa, na decisão administrativa, do benefício económico alcançado na prática de contra-ordenação, não representa, por si, só um factor determinante da medida da coima, nem a omissão de elementos a que alude a al. c) do n.º 1, do art. 79.º do RGIT, geradora de nulidade.

2. Constando da decisão administrativa, a alusão ao benefício económico correspondente ao imposto que a mercadoria em apreço pagaria, se comercializado nas condições legais, que “o agente pode ter agido negligentemente, o que diminui a gravidade e o grau da culpa” e que “a situação económica do agente é desconhecida”, aliado ao volume e variedade das bebidas alcoólicas apreendidas e à moldura da coima aplicável, em abstracto, mostra-se observado o prescrito nos arts. 27.º/ 1 e 79.º-2/c) do RGIT.

3. Mesmo declarando nula a decisão administrativa, o Mmo. Juiz deveria ter indicado o destino a dar às bebidas apreendidas à ordem dos presentes autos, de harmonia com o prescrito no art. 374.º/3-c) do CPP, aplicável «ex vi» dos arts. 3.º/b) do RGIT e 41.º/1 do RGCO.

4. Ao assim não entender fez o Mmo. Juiz [do Tribunal] recorrido incorrecta interpretação e aplicação do preceituado nos citados arts. 27.º/1 e 79.º-1, al. c) do RGIT, 374.º/3, al. c) do CPP e 615.º-1/d) do CPC.

– Deverá, em consequência, ser revogada a sobredita decisão e proferida outra que declare válida a decisão administrativa e determine a subsequente tramitação dos autos».

1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser provido, com a consequente revogação da decisão recorrida e o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para que seja proferida «nova decisão que conheça das demais questões suscitadas pela impugnante».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

1.7 A questão que cumpre dirimir é a de saber se o despacho judicial por que foi decidido o recurso da decisão administrativa de aplicação da coima fez correcto julgamento quando considerou que esta decisão enfermava de nulidade insuprível por não ter quantificado o benefício económico obtido com a prática do ilícito contra-ordenacional (cfr. conclusões 1, 2 e 4), apesar de o ter referido como critério da determinação da medida da coima; na negativa, haverá ainda que indagar se o mesmo despacho enferma de nulidade por omissão de pronúncia, por não ter determinado o destino a dar às mercadorias apreendidas (cfr. conclusões 3 e 4).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A decisão recorrida deu como assente a seguinte factualidade: «

A) Em 21/02/2013 foi elaborado pela Alfândega de Peniche, em nome da Arguida, o Auto de Notícia cujo teor se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 19 dos autos;

B) Em 22/02/2013, com base no Auto de Notícia referido na alínea anterior, foi autuado na Alfândega de Peniche, em nome da Arguida, o processo contra-ordenacional n.º 198/13 – cfr. fls. 17 dos autos;

C) Em 25/02/2013 foi remetido pela Alfândega de Peniche para a Arguida o instrumento constante a fls. 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e na qual se lê, designadamente, o seguinte: «(...)
Em cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 70.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e tendo em vista o disposto no art. 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, notifico V.ª Ex.ª do adjunto despacho de acusação e seus anexos que constituem parte integrante do processo de contra-ordenação, referenciado em epígrafe, que corre termos nesta Alfândega.
Fica, ainda, notificado de que, no prazo de 10 (dez) dias seguidos a contar da data da assinatura do aviso de recepção, poderá utilizar a possibilidade de pagamento antecipado da coima, nos termos do art. 75.º do RGIT, ou seja, o pagamento da coima c/ redução para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contra-ordenação (€ 500,00) e da redução a metade das custas processuais (€38,25) no total de € 538,25.
Mais fica notificado de que, se regularizar a situação tributária até à decisão do processo, poderá beneficiar do pagamento voluntário da coima, nos termos do art. 78.º do já citado diploma, com a redução para 75% do montante fixado, sem que possa ser inferior ao montante mínimo acima indicado e sem prejuízo das custas processuais.
Fica ciente de que perderá o direito à redução, prevista nos citados arts. 75.º e 78.º do RGIT, e o processo prosseguirá se, dentro dos mesmos prazos, não se comprovar a regularização da situação tributária em causa e, no caso de poder beneficiar do pagamento voluntário, se não efectuar o pagamento no prazo de 15 dias seguidos a contar da data de notificação da decisão. E de que o pagamento da coima não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei.
O pagamento será efectuado na Tesouraria da Alfândega de Peniche. No caso de V. Ex.ª optar pelo pagamento da coima e custas em cheque, o mesmo deverá ser cruzado e emitido à ordem da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, E.P.E. Poderá ainda, optar pelo pagamento através de Multibanco, no terminal existente nesta Alfândega. Para efeitos de pagamento, a tesouraria funciona das 9 horas às 12h30m e das 14 horas às 17h30m (dias úteis). (…)»;

D) Em 20/03/2013 a Arguida apresentou junto da Alfândega de Peniche o instrumento constante a fls. 32 e 33 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e no qual concluiu o seguinte: «Face ao exposto nos artigos supra, a sociedade Arguida requer a V. Exa se digne aceitar o pagamento da coima em 5 (cinco) prestações mensais, sendo a primeira no valor de € 138,23 (...) e as restantes no valor de € 100,00, emitindo para tal as respectivas guias de pagamento (…)»;

E) Em 3/04/2013 foi proferido pelo Director da Alfândega de Peniche o despacho da fixação da Coima referente ao processo referido em B), no montante de 2.000,00 €, acrescido de custas no montante de 76,50€, constante a fls. 40 dos autos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e no qual se lê, designadamente, o seguinte: «(…)
Feita a instrução dos presentes autos ficou provado que:
1. A participação que deu origem ao presente processo, resultou da acção de fiscalização e controle à comercialização e venda de bebidas ao público, realizada por funcionários da Alfândega de Peniche, no dia 21.02.2013, no estabelecimento comercial “Café ………..”, na Rua ………. ………., …………., explorado em nome da Firma “A……………, Lda.”, no qual se verificou que o gerente, o senhor B………………, detinha em situação irregular vários recipientes, com aguardente, vinho moscatel, porto, licores e vodka, acondicionados em garrafas e garrafões, para venda público que não ostentavam a estampilha especial ou rótulo nos termos fixados por lei.
2. De acordo com a notícia contra ordenacional, foram encontrados o total de 69 recipientes de bebidas que não tinham aposta a estampilha especial ou o rótulo, no total de 24 garrafões de “aguardente “, mais 5 garrafões de “vinho moscatel”, para além de 2 garrafões de “vinho do Porto” e de 31 garrafas de “Licor…” além de 4 garrafas de “vodka” e 1 garrafa de “anis” e 1 garrafa de “aguardente”, no total de 37 garrafas, com 1 litro, 0,75 Lt. e 0,50 Lt., melhor identificadas nos autos, e que não tinham aposta a estampilha especial e não cumpriam as regras de selagem, embalagem ou comercialização do Código dos Impostos Especiais sobre Consumo (CIEC), aprovado pelo D.L. 73/10, de 21 de Junho.
3. Desta forma, os factos apurados, relativos à detenção irregular das bebidas espirituosas “aguardente, licores, vinho do porto e outros produtos tributáveis” acondicionadas para comercialização e venda ao público que não ostentem a estampilha especial, contrariam o disposto nos seguintes termos:
4. O artigo 86.º, n.º 1 do CIEC, determina que as bebidas espirituosas acondicionadas para venda ao público devem ter aposta uma estampilha especial, não reutilizável;
5. O artigo 86.º, n.º 3 e 4 do CIEC, preceituam que as estampilhas especiais são vendidas, com base em requisição previamente visada pela autoridade aduaneira ou podem ser vendidas ao detentor (irregular) e aos sujeitos passivos, desde que regularizada a devida situação fiscal (imposto e selos);
6. O artigo 86.º, n.º 8 do CIEC, determina que é proibida a detenção de bebidas espirituosas acondicionadas para comercialização e venda ao público que não ostentem a estampilha especial.
7. O artigo 87.º do CIEC, dispõe que a mercadoria apreendida em processo de infracção ou considerada fazenda demorada é vendida ou inutilizada no prazo de 60 dias, a contar do termo da apreensão ou do prazo para a atribuição do destino aduaneiro, sob controlo da autoridade aduaneira competente.
8. A Portaria n.º 701/2003 de 1 de Agosto, aprovou os modelos e as especificações técnicas da estampilha especial, dispondo ainda que, a partir de Outubro de 2003, as bebidas espirituosas só podem ser declaradas para consumo desde que tenham aposta a estampilha referida na portaria.
9. A Portaria n.º 311/2005 (2.ª série), diz que a detenção irregular, após 1 de Junho de 2005, de bebidas espirituosas sem que lhes esteja aposta a estampilha especial é susceptível de fazer incorrer o detentor na prática de infracção prevista e punida no âmbito do regime geral das infracções tributárias.
10. Houve, assim, uma detenção irregular de bebidas a que se refere o artigo 86.º do CIEC, o que consubstancia uma contra-ordenação de introdução irregular no consumo, p. p. no artigo 109.º, n.º 2, alínea p) e n.º 6 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/01, de 5/6.
11. Neste contexto, a arguida, foi notificada nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, da sua constituição de arguido e para querendo:
● Beneficiar da coima antecipada, por efeito da regularização da prestação tributária em causa, através do pagamento do(s) imposto em questão;
● Deduzir defesa dos factos que lhe são imputados na participação;
● Ou requerer o pagamento voluntário da coima nos termos do artigo 78.º, n.º 1 e 2 do R.G.I.T.;
12. A arguida, não requereu o pagamento voluntário da coima, até à decisão, nos termos do artigo 78.º do RGIT nem resolveu a situação tributário da mercadoria apreendida que não depende de tributo a liquidar nos serviços, caso, não possa ser restituída, por não estarem preenchidas as condições legalmente exigidas para a utilização, consumo e venda ao público, mas apresentou um requerimento, por fax e correio (n.º registo de entrada n.º 5615 e 5802, de 20.03.2013 e 22.03.2013), em que requer o pagamento da coima, em cinco prestações mensais, no valor total de € 538,25, por entender que é devedora da Fazenda Pública, dessa quantia, referindo em suma que se encontra em situação difícil.
13. Embora não se ponha em causa a veracidade de alguns dos factos apresentados pela arguida, existe, contudo, uma manifestação de vontade expressa, por parte da mesma, em que se refere de forma inequívoca, perante a Administração Tributária que, sempre que a situação económica o justifique, poderá ser autorizado o pagamento da coima em prestações, caso se alegue e junte prova que se encontra em situação que lhe não permite o pagamento de uma só vez, e que a infracção não deva ser considerada mais grave, quando, por qualquer meio, com intenção de se subtrair ao pagamento dos impostos na venda de bebidas, em garrafão, fora das condições prescritas por lei. E estas verdades são irrefutáveis independentemente dos factos afirmados, por quem, exerce de forma contínua a sua actividade.
14. Nestes termos, os factos dados como provados, relativos à introdução no consumo de aguardente, vinho moscatel, porto, licores e vodka, e detenção e acondicionada venda ao público sem que ostentem a estampilha especial respectiva, com violação das regras do CIEC, consubstanciam a prática de uma contra-ordenação de introdução irregular no consumo, p.p. nos termos do artigo 109.º, n.º 2, alínea p) e n.º 6 do RGIT com a aplicação de coima de € 500 a € 660.000.
15. Considerando os critérios de determinação da medida da coima, em aplicação do artigo 27.º do mesmo diploma:
● o agente pode ter agido negligentemente, o que diminui a gravidade do facto e o grau de culpa;
● a situação económica do agente é desconhecida;
● o agente retirou um benefício económico com a prática da contra ordenação correspondente ao Imposto que a mercadoria em apreço, pagaria, caso, nas condições gerais, de venda ao público, procedesse à sua comercialização;
● e caso a mercadoria apreendida, não possa ser restituída, por não estarem preenchidas as condições legalmente exigidas para a utilização respectiva, tal como se dispõe no artigo 12.º e 87. º ambos do CIEC, proceder-se-á à inutilização, no prazo de 60 dias, cuja forma e meios é decidida pelo Director da Alfândega.
16. Não existem nulidades processuais de que cumpra conhecer nem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Nestes termos, e atentas as circunstâncias determinantes dos autos, condeno a arguida: - A…………………., Lda., na qualidade de responsável pela infracção cometida no estabelecimento comercial “Café ……………..” ao pagamento de uma coima no montante total de € 2.000,00, nos termos do artigo 109.º, n. º 2, alínea p) e n.º 6 do RGIT a qual, beneficiando da redução de 25%, nos termos do artigo 78.º do mesmo diploma se fixará em € 1.500,00.
Aos valores das coimas fixadas, acresce ainda a quantia de € 76,50, a título de custas, nos termos do artigo 20.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo D.L. 29/98, de 11 de Fevereiro.
Determino, simultaneamente, com a(s) coimas aplicada(s), e em função da gravidade e da culpa, a seguinte sanção acessória:
- Perda dos produtos tributáveis apreendidos em processo de infracção que constam da relação de bens anexa aos autos, destinados à prática das infracções em questão, nos termos do estatuído no artigo 28.º, n.º 1, alínea a) do R.G.I.T., conjugado com o artigo 21.º, 21.º-A e artigo 22.º todos da Lei Quadro das Contra-Ordenações (L.Q.C.O.), aprovada pelo D.L. n.º 433/82 de 27 de Outubro e de acordo com o artigo 87.º, n.º 1, do CIEC, e em legislação especial ou complementar.
Notifique-se a arguida a) do teor da presente decisão; b) de que, no prazo de 15 dias, a arguida deve proceder ao pagamento da coima, sob pena de perder o direito à redução; c) de que esta se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada no prazo de 20 dias, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º do RGIT sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva; d) de que em caso de impugnação judicial, o Tribunal pode decidir mediante audiência, ou, caso a arguida e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho; e) de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, ou seja o Tribunal não poderá agravar a coima, salvo se a situação económica e financeira da arguida tiver entretanto melhorado de forma sensível; f) em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve tal facto ser comunicado por escrito; g) deve ser dado o destino aduaneiro à mercadoria apreendida, no prazo máximo de 60 dias. (...)»;

F) Em 24/04/20 13 a Arguida apresentou recurso da decisão referida em E) - cfr. fls. 6 dos autos».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade denominada “A…………………, Lda.” recorreu judicialmente, ao abrigo dos arts. 80.º e seguintes do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) – diploma de origem de todas as disposições legais adiante referidas sem outra menção –, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, do despacho proferido pelo Director da Alfândega de Peniche que, no âmbito de um processo de contra-ordenação, e considerando verificado o acondicionamento para comercialização e venda ao público de bebidas espirituosas que não tinham aposta a estampilha especial e não cumpriam as regras de selagem, embalagem ou comercialização do Código dos Impostos Especiais sobre Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/10, de 21 de Junho, numa situação de detenção irregular a que se refere o art. 86.º do mesmo Código, o que consubstancia uma contra-ordenação de introdução irregular no consumo, prevista e punida no art. 109.º, n.ºs 2, alínea p), e 6, lhe aplicou uma coima no montante total de € 2.0000,00€, acrescida de € 76,50, bem como lhe aplicou a sanção acessória de perda dos produtos apreendidos.
Na petição inicial por que impugnou a decisão administrativa, a Arguida resumiu a sua alegação em conclusões do seguinte teor: «
i. A entidade administrativa não teve o devido cuidado e diligência de averiguar e de se certificar que a moldura penal corresponde à prática da contra-ordenação alegadamente imputável à Arguida é, de facto, o previsto na legislação aplicável vigente à data da prática dos factos.
ii. A Arguida demonstrou sempre intenção de proceder ao cumprimento do despacho de acusação datado de 25 de Fevereiro.
iii. A entidade administrativa decidiu aplicar uma coima totalmente desproporcional, agindo ainda de má-fé, pois a Arguida demonstrou-se disponível para proceder ao pagamento da coima, ainda que em prestações, e a entidade administrativa, não só desconsiderou o seu pedido, como triplicou o valor da coima na decisão final.
iv. A autoridade administrativa não apurou, em concreto, o grau de culpa da Arguida.
v. A decisão da autoridade administrativa não contém os factos relativos aos elementos subjectivos da infracção praticada, não especificando nem concretizando que a actuação foi efectuada por forma consciente e voluntária.
vi. A falta de indicação destes factos constitui, também, falta de fundamentação da decisão da autoridade administrativa, implicando nulidade da mesma nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alíneas b) e c)»
Apresentados os autos ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos termos do disposto no art. 62.º, n.º 1 Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação»), do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, este decidiu o recurso por despacho (Nos termos do disposto no art. 64.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, o juiz pode decidir o recurso da decisão administrativa de aplicação da coima «mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho», sendo esta última possibilidade depende do juízo que fizer sobre a necessidade da audiência e da não oposição do arguido ou do Ministério Público.) e, julgando-o procedente, anulou a decisão administrativa de fixação da coima e «os subsequentes termos do processo de contra-ordenação dependentes dessa decisão» (Apesar de, na parte que subordinou à epigrafe «Do Direito», o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria tenha referido, e bem, que a verificação de nulidade determina a remessa dos autos à autoridade administrativa que aplicou tal coima, para eventual renovação (se o vício que a afecta for susceptível de sanação) do acto sancionatório, na parte decisória não ordenou essa remessa.).
Isto, se bem interpretamos o despacho, porque entendeu que, impondo a lei, como requisito da graduação da coima, que o respectivo montante exceda o do benefício económico que o agente retiraria do facto ilícito e, por outro lado, que a decisão de aplicação da coima permita conhecer as razões de facto e de direito que levaram à condenação, a fim de o arguido poder optar por se conformar com esta ou contra ela reagir, na decisão administrativa recorrida, apesar de se ter considerado como critério de determinação da medida da coima «“o benefício económico com a prática da contra-ordenação correspondente ao imposto que a mercadoria em apreço pagaria, caso, nas condições gerais, de venda ao público, procedesse à sua comercialização”», não se refere qual é o valor em concreto e, «assim, ficou sem saber a Arguida, e neste momento o Tribunal, qual foi a razão para a Alfândega de Peniche ter optado por aplicar uma coima de 2.000,00 € em vez da coima mínima, por exemplo». Mais considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que «dizer que o agente retirou um benefício económico com a prática da contra-ordenação “correspondente ao imposto que a mercadoria em apreço pagaria, caso, nas condições gerais, de venda ao público, procedesse à sua comercialização”, não é suficiente» e que «[e]ra fundamental que a Alfândega concretizasse e fundamentasse qual era o benefício económico sob pena de, não o fazendo, o referido despacho padecer de falta de fundamentação».
Concluiu, pois, pela «insuficiência da descrição factual» da decisão administrativa de aplicação da coima, por «inobservância do requisito contido na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT», que considerou constituir a «nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT», de conhecimento oficioso, a determinar a anulação daquela decisão e dos subsequentes termos processuais que dela dependam.
O Ministério Público não se conformou com o assim decidido e, ao abrigo do disposto no art. 83.º, n.ºs 1 e 2 1- O arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
2- Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».), recorreu dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo. Sustentou, em síntese, que o art. 27.º, n.º 1, não impõe a quantificação do benefício económico obtido com a prática da contra-ordenação como factor determinante da medida da coima, motivo por que não pode considerar-se que a omissão daquele elemento constitui violação da alínea c) do n.º 1 do art. 79.º, susceptível de erigir-se em nulidade ao abrigo do art. 63.º, n.º 1, alínea d) (cfr. conclusões 1, 2 e 4); mais sustentou que «[m]esmo declarando nula a decisão administrativa, o Mmo. Juiz deveria ter indicado o destino a dar às bebidas apreendidas à ordem dos presentes autos» (cfr. conclusões 3 e 4).
Daí que tenhamos elegido como questão a dirimir a de saber se o despacho judicial por que foi decidido o recurso da decisão administrativa de aplicação da coima fez correcto julgamento quando considerou que esta decisão enfermava de nulidade insuprível por não ter quantificado o benefício económico obtido com a prática do ilícito contra-ordenacional, apesar de o ter referido como critério da determinação da medida da coima. Na eventualidade de virmos a concluir que bem andou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria ao anular a decisão judicial recorrida, haverá ainda que indagar se a mesma decisão enferma de nulidade por omissão de pronúncia, por não ter determinado o destino a dar às mercadorias apreendidas.


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2.2.2 DA (IR)RELEVÂNCIA DA FALTA DE QUANTIFICAÇÃO DO BENEFÍCIO OBTIDO COM A PRÁTICA DA CONTRA-ORDENAÇÃO NA DESCRIÇÃO DOS FACTOS NA DECISÃO ADMINISTRATIVA

No entender do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que suscitou a questão oficiosamente, como lho permite o n.º 5 do art. 63.º As nulidades são de conhecimento oficioso e podem ser arguidas até a decisão se tornar definitiva».), a decisão administrativa que aplicou a coima enferma da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63.º, por violação do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º, na medida em que, na fixação da medida concreta da coima, não quantificou o benefício económico que a Arguida obteve com a prática do ilícito contra-ordenacional. Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do art. 27.º, «a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação».
Na decisão que aplicou a coima, o Director da Alfândega de Peniche, depois de proceder à qualificação jurídica dos factos e à determinação da moldura sancionatória abstracta, passou à graduação da coima, dizendo expressamente que o fazia «[c]onsiderando os critérios de determinação da medida da coima, em aplicação do artigo 27.º» do RGIT. A esse propósito, referiu, para além do mais e no que respeita ao elemento relativamente ao qual o Juiz considerou verificar-se a nulidade, que «o agente retirou um benefício económico com a prática da contra-ordenação correspondente ao imposto que a mercadoria em apreço pagaria, caso, nas condições gerais, de venda ao público, procedesse à sua comercialização».
A Arguida, como resulta do teor das conclusões que formulou no recurso judicial da decisão que lhe aplicou a coima (A jurisprudência de há muito assentou na necessidade da formulação de conclusões no recurso judicial da decisão de aplicação da coima, por aplicação subsidiária do n.º 3 do art. 59.º do RGCO («O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de legações e conclusões»), ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT.) (que acima, em 2.2.1, transcrevemos), não questionou esse elemento da fixação da coima.
Na verdade, a discordância que manifestou com aquela decisão administrativa é (i) quanto à moldura abstracta da coima, (ii) quanto à alegada circunstância de a autoridade administrativa ter desconsiderado a intenção manifestada pela Arguida, de pagar a coima, ainda que em prestações, e, ademais, “ter triplicado” o valor da coima na decisão final, (iii) quanto ao não apuramento do grau de culpa da Arguida e, finalmente, (iv) quanto à falta de indicação dos factos respeitantes aos elementos subjectivos da infracção. Ou seja, nunca a Arguida manifestou desacordo com a decisão que radicasse na inobservância do critério definido pelo art. 27.º no que respeita à imposição de que, sempre que possível e sem prejuízo dos limites mínimo e máximo fixados no art. 26.º, a coima deve exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação (O benefício económico como factor relevante para a determinação da coima visa prosseguir a perda do benefício resultante do acto ilícito, sendo a perda do que se obtém através da contra-ordenação «o limite mínimo correspondente às necessidades de prevenção especial negativa» (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do R.G.C.O. à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., 2011, pág. 85).).
Aliás, mal se compreenderia que o fizesse, na medida em que não vislumbramos como esse elemento da graduação da coima poderá ser invocado a seu favor.
Em conclusão, a Arguida nunca manifestou qualquer dúvida nem quanto à equivalência do benefício económico obtido com o montante do imposto a pagar nem quanto a este montante: não o fez na sequência da notificação que lhe foi efectuada ao abrigo do disposto no art. 70.º, nem ulteriormente em sede do recurso judicial da decisão de aplicação da coima, interposto ao abrigo do art. 80.º.
Assim, apesar de concordarmos integralmente com a afirmação do Juiz do Tribunal a quo, de que «a decisão proferida em sede de fase administrativa deve permitir à Arguida conhecer das razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial», já não o acompanhamos na conclusão de que in casu «isso não ocorre». Isto porque não aceitamos a validade do pressuposto em que a fez assentar, de que, porque naquela decisão não se referiu «o valor em concreto» do benefício obtido pela Arguida com a prática da contra-ordenação, «ficou sem saber a Arguida, e neste momento o Tribunal, qual foi a razão para a Alfândega de Peniche ter optado por aplicar uma coima de 2.000,00 € em vez da coima mínima, por exemplo».
Desde logo, porque o valor do benefício obtido com a prática da contra-ordenação não foi (nem faria sentido que fosse) o único elemento ponderado pela autoridade administrativa na graduação da coima, como resulta do teor da respectiva decisão, onde, após menção expressa aos «critérios de determinação da medida da coima, em aplicação do artigo 27.º», se refere, para além daquele elemento, que «o agente pode ter agido negligentemente, o que diminui a gravidade do facto e o grau de culpa», que «a situação económica do agente é desconhecida» e que «[n]ão existem […] causas de exclusão da ilicitude ou da culpa».
Também porque, contrariamente ao que parece entender o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, não há o mínimo indício de que a Arguida não saiba ou tenha qualquer dúvida quanto ao montante do IEC devido, desconhecimento esse que, de todo o modo, sempre seria irrelevante, pois, por um lado, o montante do imposto não é um dos elementos típicos do ilícito contra-ordenacional e, por outro lado, o desconhecimento desse montante (que não o de que o imposto era devido) não constitui facto a relevar nem para efeitos da imputação subjectiva nem sequer na graduação da coima.
Aliás, sempre a Arguida teria que liquidar e pagar o IEC devido, caso quisesse – como parece decorrer do seu requerimento de pagamento da coima em prestações, apresentado como documento n.º 1 em anexo à petição inicial – beneficiar da redução decorrente do pagamento voluntário da coima, atento o disposto no art. 78.º, n.º 5 (A relevância do pagamento voluntário da coima, como decorre deste preceito legal, fica dependente da «regularização da situação tributária» que, nos termos do n.º 3 do art. 30.º corresponde ao «cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção».).
Seja como for, nunca a falta de indicação do montante do imposto a pagar, que a decisão administrativa considerou equivaler ao benefício obtido com a prática da infracção, constituiria a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63.º.
Vejamos:
O art. 63.º, n.º 1, que elenca as nulidades insupríveis (Insuprível não tem aqui o significado de «não de poder haver sanação das irregularidades que constituem estas nulidades, de insusceptível de suprimento, mas […] de elas não poderem ser consideradas como sanadas pelo mero decurso do tempo sem arguição pelos interessados ou por qualquer actuação deste, como é de regra nas nulidades sanáveis» (cfr. Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Áreas Editora, 2.ª edição, anotação 2 ao art. 63.º, pág. 403/404).) no processo de contra-ordenação estabelece, na sua alínea d), que constitui uma daquela nulidades, «A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido».
Para indagarmos da possibilidade de enquadramento da situação sub judice na referida alínea d) do n.º 1 do art. 63.º, há que ter em conta os requisitos da decisão de aplicação de coima que são indicados no art. 79.º, n.º 1 e 2, do RGIT, em que se estabelece o seguinte:
«1 - A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.
2 - A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva».
Na tese do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a decisão administrativa não cumpre o requisito da alínea c) do n.º 1 do citado artigo.
Salvo o devido respeito, não concordamos. Nem a referida alínea c) nem qualquer das demais alíneas previstas no art. 79.º, n.º 1, exige que na decisão administrativa se quantifique o benefício obtido com a prática da contra-ordenação quando este corresponda ao montante do imposto que ficou por pagar, cuja liquidação esteja a cargo do arguido. No que concerne à fundamentação da decisão, de acordo com o citado art. 79.º, n.º 1, apenas se exige que esta contenha a «identificação do infractor e eventuais comparticipantes» [alínea a)], a «descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas» [alínea b)] e a menção da «coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação» [alínea c)].
Sendo certo que a decisão administrativa de aplicação da coima é um acto administrativo, porque praticado no âmbito do direito de ordenação social são-lhe aplicáveis as disposições especiais que regulam esta matéria. Assim, na falta dos referidos requisitos, a sanção é bem mais gravosa do que a que a lei geral comina para a falta de fundamentação dos actos administrativos: a falta daqueles acarreta a nulidade insanável da decisão administrativa de aplicação da coima, que é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão (cfr. art. 63.º, n.ºs 1, alínea d), e 5), enquanto a falta de fundamentação dos actos administrativos apenas pode determinar a anulação do acto, desde que arguida pelo interessado e dentro do prazo legal que a lei fixa para o efeito (cfr. os arts. 135.º e 136.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo).
Os referidos requisitos esgotam as exigências de fundamentação da decisão, que se relacionam com a possibilidade do exercício do direito de defesa, com o permitir-se ao arguido conformar-se com a decisão ou reagir contra ela. São esses requisitos, juntamente com os demais previstos no art. 79.º do RGIT para a decisão condenatória proferida no processo contra-ordenacional tributário, que «visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão. Por isso as exigências aqui [no art. 79.º do RGIT] feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, op. cit., nota 1 ao art. 79.º, pág. 468.).
No caso sub judice, estão satisfeitas essas exigências, designadamente no que concerne à referida alínea c) do n.º 1 do art. 79.º na parte em que se refere à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima?
Antes do mais, não pode olvidar-se que a decisão administrativa de aplicação da uma coima não é uma sentença, nem dela se pode esperar o mesmo grau de exigência na respectiva elaboração, sob pena de se frustrarem os princípios que presidem ao direito de ordenação social, motivo por que as exigências de fundamentação a este propósito se bastam com a indicação dos elementos ponderados na graduação da coima, não se exigindo também um discurso que externe o próprio juízo ponderativo.
Depois, sempre sem perder de vista que as exigências legais da fundamentação da decisão que aplica uma coima previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º como requisitos dessa decisão têm como finalidade principal assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, corolário da imposição constitucional de que nos processos contra-ordenacionais seja assegurado o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], esta exigência deve considerar-se satisfeita quando as indicações contidas na decisão, embora sumárias, sejam seguramente suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos, devendo ser aferida à face do direito constitucional a uma fundamentação expressa e acessível dos actos da Administração que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3, da CRP), o que se reconduz a que a referida descrição deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta (Cfr. acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 269/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 690 a 693, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afeedc14c92f437c802575b7003e736e?OpenDocument.).
Ora, no caso sub judice, a decisão administrativa impugnada judicialmente, no que respeita à «indicação dos elementos que contribuíram para a sua [da coima e medida acessória] fixação» [cfr. alínea c) do n.º 1 do art. 79.º], mais concretamente, na indicação do benefício económico obtido a que alude o n.º 1 do art. 27.º (Note-se que «[a] indicação dos elementos para determinação da medida da coima, previstos no artigo 27.º do mesmo diploma legal [RGIT], não é taxativa mas meramente exemplificativa» (acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2003, proferido no processo n.º 421/03 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Abril de 2004 (http://dre.pt/pdfgratisac/2003/32220.pdf), págs. 1005 a 1008, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/470856e8718240fb80256d2c004b5fb4?OpenDocument).), deixou referido que «o agente retirou um benefício económico com a prática da contra ordenação correspondente ao Imposto que a mercadoria em apreço, pagaria, caso, nas condições gerais, de venda ao público, procedesse à sua comercialização».
Essa referência, sendo certo que a quem competia liquidar e pagar o IEC em causa era à Arguida, é bastante para lhe permitir saber qual o benefício económico que a autoridade administrativa considerou para efeitos de fixação da coima, pelo que a falta da quantificação do montante do imposto devido, na medida em que não restringe de modo algum o direito de defesa da Arguida, não constitui vício de fundamentação algum e, muito menos, pode constituir nulidade insuprível, a determinar a anulação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima.
Finalmente, quanto à invocada impossibilidade de o Tribunal saber qual o montante do benefício obtido com a prática da infracção e, assim, controlar judicialmente a decisão administrativa, diremos apenas que – em face do teor da decisão, que expressamente fez equivaler esse benefício ao montante do imposto em falta – sempre poderia e deveria o Juiz indagar junto da Administração tributária qual o montante em causa [cfr. art. 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi da alínea a) do art. 3.º], sendo que no caso sub judice nem teria de recorrer aos poderes que lhe são conferidos pelo princípio da investigação ou da verdade material, uma vez que esse valor vem referido no ponto 3 da informação prestada pela autoridade administrativa quando da remessa dos autos ao tribunal ao abrigo do art. 80.º: «[…] sem que tenha sido cobrado o correspondente valor de imposto no total de € 680,26» (a fls. 2 dos autos).
O despacho recorrido, que decidiu em sentido contrário, não pode manter-se, motivo por que este Supremo Tribunal Administrativo, concedendo provimento ao recurso, o revogará e ordenará o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, para que aí, se a tal nada mais obstar, serem conhecidas as questões suscitadas no recurso judicial da decisão de aplicação da coima.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

I - A menção feita na decisão administrativa de aplicação da coima, de que «o agente retirou um benefício económico com a prática da contra ordenação correspondente ao Imposto que a mercadoria em apreço, pagaria, caso, nas condições gerais, de venda ao público, procedesse à sua comercialização», sendo que era ao arguido que competia liquidar e pagar o IEC em causa, é bastante para lhe permitir saber qual o benefício económico que a autoridade administrativa considerou para efeitos de fixação da coima.

II - A falta da quantificação do montante do imposto devido, na medida em que não restringe de modo algum o direito de defesa da Arguida, não constitui vício de fundamentação algum e, muito menos, pode constituir nulidade insuprível, a determinar a anulação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima ao abrigo do disposto nos arts. 79.º, n.º 1, alínea c), e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí ser substituída por outra que aprecie as questões suscitadas no recurso de decisão de aplicação da coima, se a tal não obstar razão diferente da invocada no despacho judicial recorrido.

Sem custas.

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Lisboa, 10 de Setembro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.