Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01095/15
Data do Acordão:06/29/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
FORMALIDADE ESSENCIAL
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
Sumário:I - Ainda que o procedimento de inspecção tenha sido erradamente qualificado como interno, quando o deveria ter sido como externo, esse erro irreleva para a decisão a proferir se não puder concluir-se ter sido preterida qualquer formalidade essencial imposta por esta última modalidade de inspecção.
II - A falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.
Nº Convencional:JSTA00069778
Nº do Documento:SA22016062901095
Data de Entrada:09/11/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC.
Legislação Nacional:RCPIT ART13 ART49 ART51 ART52 ART54 ART46 ART2 ART13 ART60.
LGT ART60.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0841/11 DE 2013/05/08.
Referência a Doutrina:NUNO OLIVEIRA GARCIA E RITA CARVALHO NUNES - INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA EXTERNA E RELEVÂNCIA DOS ACTOS MATERIAIS DE INSPECÇÃO - REVISTA FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL ANOIV (2011) N1 PAG251.
JOAQUIM FREITAS DA ROCHA E JOÃO DAMIÃO CALDEIRA - REGIME COMPLEMENTAR DE PROCEDIMENTO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA ANOTADO E COMENTADO PAG270.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 797/09.2BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A………………… S.A.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrida), anulou, com fundamento em violação de regras essenciais relativas aos procedimentos de inspecção externa e na não realização de «quaisquer diligências instrutórias, quanto ao ano de 2007», a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, efectuada pela Administração tributária (AT) relativamente ao ano de 2007.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………………… S.A. contra as liquidações adicionais de IVA, referentes ao ano de 2007, pretendendo a Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação totalmente improcedente quanto à anulação das referidas liquidações e consequente pedido de pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

II. O douto Tribunal a quo entendeu anular as liquidações dado que a AT “usou exclusivamente informação recolhida num procedimento externo para sustentar as correcções” aqui em causa, o que significa que não desenvolveu quaisquer diligências instrutórias para o ano de 2007 e não respeitou os procedimentos essenciais das acções externas.

III. É esta, e não outra, a fundamentação avançada pelo douto Tribunal a quo para anular totalmente as liquidações, pelo que é sobre ela que nos debruçaremos.

IV. Assim, as questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em:
- saber se a presente acção inspectiva deve ser qualificada como externa e, em caso afirmativo,
- se a falta de realização de diligências instrutórias no procedimento inspectivo aberto para 2007 e a violação de procedimentos essenciais das acções externas deverão ter como consequência a anulação das liquidações.

V. No que respeita à factualidade dada como provada destacam-se os pontos A., B. e C., para os quais se remete por uma questão de economia.

VI. Fixados estes factos, o entendimento do douto Tribunal a quo assentou na consideração de que a acção inspectiva ao exercício de 2007 terá de ser considerada como externa.

VII. Assim, por entender que “a Autoridade Tributária usou exclusivamente informação recolhida num procedimento externo para sustentar as correcções feitas para o ano de 2007”, o douto Tribunal recorrido terá considerado a existência de:
a) um vício de violação de lei por não ter a AT dado cumprimento ao princípio do inquisitório (porque não desenvolveu “quaisquer diligências instrutórias, quanto ao ano de 2007, para sustentar as conclusões da acção inspectiva”);
b) um vício de forma por não ter respeitado “os procedimentos essenciais das acções externas”, (os quais, na ausência de uma formulação expressa por parte do douto Tribunal a quo, serão a falta de notificação prévia ao sujeito passivo exigida pelo artigo 49.º n.º 1, do RCPIT e/ou a ausência de ordem de serviço exigida pelo artigo 46.º n.º 2 do RCPIT [pág. 19]).

VIII. Ora, de forma a aferir da existência, ou não, de um erro de julgamento de direito por parte do douto Tribunal recorrido, importa saber se estamos perante uma acção inspectiva interna ou externa e, neste último caso, se o não cumprimento do ónus investigatório pela AT e dos formalismos mencionados conduzirão à anulação da liquidação.

IX. Quanto à questão de estarmos perante uma acção inspectiva interna ou externa o douto Tribunal a quo considerou que o procedimento inspectivo terá de ser qualificado como externo, visto que “a AT não se baseou exclusivamente na análise formal e de coerência dos documentos de que a AT dispunha sem ter praticado os actos de inspecção”.

X. Porém, a auditoria informática que proporcionou os elementos que suportaram as correcções técnicas operadas pelos SIT foi efectuada na sequência de um anterior procedimento externo de inspecção.

XI. Estamos, assim, perante dois procedimentos autónomos:
- o primeiro teve carácter externo e permitiu a recolha de ficheiros informáticos pertencentes à impugnante, entre os quais os relativos a 2007;
- o segundo teve carácter interno e não implicou a prática de qualquer acto exterior às instalações da AT.

XII. Logo, o procedimento de inspecção que está na génese das liquidações redundou numa mera análise acerca da correcção formal dos mapas que continham informação sobre o primeiro semestre de 2007 e a sua coerência com a declaração apresentada pela impugnante, não podendo ser apodado de externo.

XIII. Por outro lado, se se entendesse que a IT deveria ter recorrido a um expediente de cariz externo, assistir-se-ia a uma grosseira violação do princípio da proporcionalidade

XIV. Com efeito, quando foi iniciado o procedimento inspectivo aos anos de 2005 e 2006, o exercício de 2007 ainda não havia terminado e, quando aquele foi concluído, ainda decorria o prazo para apresentação das declarações fiscais para 2007, pelo que não era possível corrigir este exercício conjuntamente Com os anteriores, sendo necessário abrir uma nova Ordem de Serviço (OI200801232), tal como foi feito.

XV. Por outro lado, estando a IT já na posse de todos os elementos (recolhidos junto do contribuinte) que lhe permitiriam corrigir o exercício de 2007, dar início a uma nova acção externa, com os consequentes e inevitáveis contactos com esse contribuinte, constituiria uma actuação desadequada e desproporcionada,

XVI. Atendendo ao artigo 7.º do RCPIT, no qual é possível identificar o princípio da adequação (na sua dupla vertente, positiva e negativa) e o princípio da proporcionalidade.

XVII. Daqui resulta, numa ponderação global dos interesses em presença, que a AT deve trilhar o caminho menos oneroso para o contribuinte, de molde a que o incómodo se reduza ao mínimo essencial para que seja atingido o objectivo visado na acção inspectiva – a descoberta da verdade material.

XVIII. Concretizando, desenvolver uma nova acção inspectiva que implicasse novo contacto com o contribuinte, invasão das suas instalações ou das do TOC, recolha de assinaturas, etc., não se compagina com o respeito que a AT deverá manifestar para com aqueles princípios.

Ainda que assim se não entenda,

XIX. Quanto ao vício de violação de lei, sabendo-se que os resultados desta acção inspectiva de 2007 foram obtidos com base nos elementos recolhidos na impugnante e nos procedimentos realizados na acção inspectiva de 2005 e 2006 (mormente através de uma auditoria informática), perfilhar o entendimento do douto Tribunal a quo quanto à não realização de diligências instrutórias para o ano de 2007 significaria,

XX. Não só a violação dos princípios da adequação e proporcionalidade, na medida em que a AT teria de realizar exactamente os mesmos procedimentos que já havia realizado, constituindo até a prática de um acto inútil e, logo, proibido,

XXI. Mas também que a AT não poderia recorrer, num determinado procedimento, a elementos obtidos em procedimentos anteriores junto do mesmo contribuinte.

XXII. Quanto aos vícios procedimentais o Tribunal a quo terá entendido que, tendo a IT realizado uma verdadeira acção externa sem que tivesse havido lugar à notificação prévia (artigo 49.º do RCPIT), a liquidação decorrente de tal procedimento não poderá deixar de ser anulada.

XXIII. Importa, portanto, saber se mesmo numa acção externa, a falta de envio da carta-aviso conduz à anulação da liquidação subsequente ao procedimento inspectivo.

XXIV. Ora, sendo o objectivo primordial da obrigatoriedade da notificação prévia evitar as “inspecções-surpresa”, a falta de comunicação do início do procedimento só deverá gerar invalidade se se demonstrar que o interessado não teve conhecimento do procedimento e do respectivo objecto e que por força dessa ausência de conhecimento não pode nele intervir tempestivamente.

XXV. Deste modo, se o contribuinte inspeccionado foi notificado do projecto de conclusões do relatório de inspecção, a eventual falta de notificação da carta-aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes.

XXVI. Relativamente à ausência de ordem de serviço exigida pelo n.º 2 do artigo 46.º do RCPIT, também este vício formal se não verifica, na medida em que a acção inspectiva que deu origem às liquidações impugnadas foi desenvolvida a coberto de uma ordem de serviço (OI200801232),

XXVII. O que significa que o funcionário da AT que realizou tal acção se encontrava devida e legalmente credenciado para o fazer, não se verificando qualquer violação do preceituado no aludido artigo 46.º do RCPIT.

XXVIII. Realce-se, por fim, que tratando-se de uma acção interna, a AT não teve a seu favor a suspensão do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

XXIX. Deste modo, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito, tendo sido violado o disposto nos artigos 7.º, 13.º, 46.º e 49.º, todos do RCPIT, o artigo 58.º da LGT e o artigo 163.º do CPA.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a douta decisão por erro de julgamento de direito e substituindo-a por outra que considere a impugnação totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. O presente recurso foi interposto pela Fazenda Pública contra a Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente o processo de impugnação judicial n.º 797/09.2 BEVIS apresentado pela sociedade A……………., S.A, contra o acto de liquidação do IVA referente ao ano de 2007.

2. A referida sentença considerou a impugnação judicial apresentada procedente na medida em que a Autoridade Tributária usou exclusivamente informação recolhida num procedimento externo para sustentar as correcções feitas para o ano de 2007, não tendo desenvolvido quaisquer diligências instrutórias quanto ao ano de 2007, para sustentar as conclusões da acção inspectiva, e não tendo respeitado os procedimentos essenciais das acções externas, ordenando a anulação das liquidações de imposto aqui em causa, por vício de lei, praticado em sede de acção inspectiva.

3. Com efeito, as liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios resultam de uma inspecção tributária que decorreu desde o dia 20 de Setembro de 2007 até ao dia 25 de Janeiro de 2008 que teve como extensão os anos de 2005 e 2008, e cujo âmbito do procedimento inspectivo foi definido com carácter geral

4. Durante essa acção inspectiva, para além dos elementos relativos aos exercícios do 2005 e 2006, a Administração Fiscal obteve dados referentes ao primeiro semestre de 2007, e por isso, foi emitida a ordem de serviço interna: com o número OI200801232, datada de 13 de Junho de 2008 com referência ao ano de 2007, e cujo âmbito do procedimento inspectivo foi definido com carácter parcial para IRC e IVA.

5. Contudo, todos os elementos obtidos pela Administração Fiscal e que conduziram à referida liquidação de imposto foram recolhidos na própria empresa, aquando da realização da acção inspectiva externa referente aos anos de 2005 e 2006.

6. Assim, não se pode afirmar que a liquidação de imposto aqui em causa teve origem na referida acção inspectiva, cuja extensão estava perfeitamente delimitada aos anos de 2005 e 2006 não tendo sido sequer alterada ao abrigo do disposto no artigo 15.º do RCPIT, mediante despacho fundamentado da entidade que ordenou a referida acção inspectiva

7. Por outro lado, também não podemos concluir que a presente liquidação de imposto resultou de uma acção inspectiva interna, somente pelo simples facto da mesma ter tido origem numa ordem de serviço interna, pois, nos termos do disposto no artigo 13.º do RCPIT o procedimento de inspecção é interno quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e da coerência dos documentos, o que não sucedeu no caso concreto.

8. Com efeito, quanto ao tipo de elementos a que se recorre, com implicações normalmente no local de realização de inspecção, as acções podem ser classificadas em internas, quando se exercem apenas com base nos elementos existentes nos serviços (especialmente, as declarações de rendimentos, os pedidos de reembolso, etc.), ou externas, quando envolvem a verificação de elementos existentes fora dos serviços fiscais, especialmente a contabilidade e documentos justificativos.

9. Assim, no caso concreto, estamos perante uma verdadeira acção de inspecção externa que como tal estava sujeita a todas as formalidades legais previstas no RCPIT, como por exemplo a credenciação no artigo 46.º do RCPIT a notificação para início do procedimento de inspecção prevista no artigo 46.º do mesmo diploma legal, e a obrigatoriedade de entrega ao sujeito o passivo de cópia da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção prevista no artigo 51.º do mesmo diploma legal.

10. E ainda com todos os direitos e prerrogativas que o sujeito passivo são legalmente concedidas no âmbito de um procedimento de inspecção externa, como seja a designação de um representante para as relações com a administração tributária (artigo 52.º do RCPIT), a presença do sujeito passivo, seus representantes legais, e técnicos e revisores oficiais de contas no momento da prática de actos de inspecção externa e a possibilidade do sujeito passivo de fazer acompanhar por um perito especializado, previstas no artigo 54.º do mesmo diploma legal.

11. Ora, os actos de inspecção praticados em violação da lei determinam a anulabilidade dos actos de liquidação na origem dos quais venham a estar - Cfr. Regime Complementar o Procedimentos de Inspecção Tributária Comentado e Anotado por Martins Alfaro, Áreas Editora, Junho 2003 página 362.

12. Esta é a jurisprudência pacífica e actual dos tribunais superiores portugueses, que são exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 1 de Outubro de 2014, proferido no âmbito do processo número 04817/11 o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 20/03/2012, proferido no âmbito do processo número 04371/10 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 27/02/2014, proferido no âmbito do processo número 07343/14, todas in base de dados em suporte informático – www.dgsi.pt.

13. No caso concreto aqui em causa, os elementos recolhidos nas instalações da própria sociedade, no âmbito do procedimento inspectivo realizado aos exercícios de 2005 e 2006 foram absolutamente essenciais e inclusivamente fundamentaram as correcções efectuadas ao exercício de 2007 aqui em causa pela que o segundo procedimento inspectivo não pode qualificar-se de interno, porque os actos que o integraram não foram praticados exclusivamente nas dependências orgânicas e nos Serviços da Administração Tributária devendo os actos de liquidação de imposto que daí resultaram ser anulados, por violação do disposto no artigo 13.º do RCPIT.

Nestes termos, deverão Exas. negar provimento ao presente recurso, devendo a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ser mantida, por legalidade na parte em que considera procedente a impugnação apresentada por a AT ter usado exclusivamente informação recolhida num procedimento externo para sustentar as correcções feitas para o ano de 2007, não tendo desenvolvido quaisquer diligências instrutórias quanto ao ano de 2007, para sustentar as conclusões da acção inspectiva, e não tendo respeitado os procedimentos essenciais das acções externas, ordenando a anulação das liquidações de imposto aqui em causa, por vício de violação de lei, praticado em sede de acção inspectiva e o pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia à sociedade A……………….., SA., seguindo os ulteriores termos do processo final.

Só desta forma, farão V. Exas. a costumada Justiça!».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que declare improcedentes os invocados vícios invalidantes do procedimento de inspecção e devolva os autos ao Tribunal a quo, para aí serem conhecidas as questões cuja solução foi tida por prejudicada; isto com a seguinte fundamentação:

«[…]
1. O Procedimento de inspecção tributária classifica-se quanto ao lugar da realização, em
a) interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso (art. 13.º RCPIT).
No caso concreto o procedimento em cujo âmbito foram efectuadas as correcções à matéria tributável de onde resultou a liquidação adicional de IVA impugnada deve ser classificado como interno, na medida em que os serviços da administração tributária se limitaram a analisar documentos consistentes em cópias das bases de dados do programa informático, de ficheiros de texto e folha de cálculo existentes nas instalações do sujeito passivo inspeccionado, recolhidos no âmbito de anterior procedimento inspectivo de carácter geral respeitante aos anos 2005 e 2006 (probatório al. B); relatório II.4 fls. 228).
Os serviços de inspecção tributária assinalam claramente a distinção entre o procedimento externo iniciado com a OI200701338 (exercícios de 2005 e 2006) e o procedimento interno iniciado com a OI200801232 (IRC e IVA 2007) (PA apenso, parecer do chefe de equipa fls.99).
Ainda que o procedimento tivesse sido erroneamente classificado como externo, essa indevida classificação nunca teria eficácia invalidante do mesmo e da consequente liquidação do imposto: foram observadas as formalidades legais necessárias à observância do princípio do contraditório, na medida em que o sujeito passivo inspeccionado teve oportunidade de exercer o direito de audição, pronunciando-se sobre o projecto de conclusões do relatório, e foi notificado das conclusões do mesmo (art. 60.º al. e) LGT, arts. 8.º, 60.º e 62.º n.ºs 1 e 2 RCPIT; PA apenso fls. 99 e 106 v.º/107).
2. A intervenção do STA na qualidade de tribunal de revista, com poder de cognição circunscrito a matéria de direito, não permite a aplicação da regra da substituição no conhecimento das questões sobre as quais foi omitida pronúncia, impondo-se a devolução do processo ao tribunal recorrido para a sua apreciação (arts. 665.º n.º 2 e 679.º CPC vigente/art. 2.º al. e) CPPT)».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou que a inspecção tributária que esteve na origem da liquidação impugnada foi indevidamente qualificada como inspecção interna, o que redundou no incumprimento das normas que se referem a formalidades essenciais do procedimento de inspecção externa, e, bem assim, que não foram realizadas quaisquer diligências instrutórias quanto ao ano de 2007 em ordem a sustentar as conclusões da acção inspectiva.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante foi objecto de acção inspectiva, relativa aos exercícios de 2005 e 2006, que teve origem na Ordem de Serviço n.º OI200701338, datada de 20 de Julho de 2006, cfr. teor de fs. 1 a 88 do Processo Administrativo (PA), que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

B) Foi ainda a Impugnante objecto de outra acção inspecção relativa ao ano de 2007, através da OI200801232, tendo sido elaborado o respectivo Relatório que se encontra junto a fls. 99 a 156 do PA, e aqui se dá por integralmente reproduzido bem como os seus anexos, do qual consta o seguinte:
[da sentença consta a reprodução do relatório].

C) Dessa inspecção resultaram as seguintes liquidações, aqui impugnadas:
[da sentença consta a reprodução dos documentos de cobrança, dos quais consta a nota de liquidação]
Cfr. teor de fls. 25 a 31 dos autos.

D) A presente Impugnação foi apresentada no SF de Águeda em 25-03-2009, cfr. teor de fls. 3 dos autos.

E) Quando era feita uma encomenda à impugnante (por telefone, fax, correio electrónico ou outros) gerava-se um pedido interno ao armazém que elaborava um talão do pedido onde indicava se existiam ou não produtos disponíveis para satisfazer a encomenda, seguindo-se a emissão de guia de remessa e da factura, cfr. prova testemunhal.

F) O pedido interno podia ficar no estado “normal”, se os produtos encomendados estivessem disponíveis, “esgotado”, se alguns ou todos os produtos não estivessem disponíveis e “programado” para determinada data, por indicação do cliente, cfr. prova testemunhal.

G) Os pedidos internos de produtos esgotados poderiam ficar a aguardar a disponibilidade dos produtos ou ser posteriormente anulados, cfr. prova testemunhal.

H) Nesses casos, o sistema informático de gestão de vendas permitia que no talão constasse a referência ao número de pedido anterior pendente de satisfação, cfr. prova testemunhal.

I) O sistema informático permitia que a guia de remessa fosse alterada até à emissão da factura. A partir do momento em que a factura era emitida já não era possível alterar a guia de remessa, cfr. prova testemunhal.

J) A mercadoria saía da empresa com destino ao cliente acompanhada da guia de remessa e da factura, cfr. prova testemunhal.

K) A actividade da Impugnante era desenvolvida nas instalações da sua sede em ………….. e a das restantes empresas do Grupo em instalações que distam cerca de 4 ou 5 Km da sua sede, cfr. prova testemunhal.

L) Os camionistas da Impugnante por vezes cometiam lapsos no preenchimento das guias de remessa, ao contrário das instruções recebidas da empresa, cfr. prova testemunhal.

M) As guias de remessa por vezes tinham de ser alteradas por no armazém de carga não se encontrarem todos os produtos encomendados, cfr. prova testemunhal e docs. de fls. 44 e 47 dos autos.

N) Os documentos supra referidos eram impressos no departamento comercial, onde existem impressoras de várias marcas, cfr. prova testemunhal.

O) Por esse facto, a impressão desses documentos poderia ter um aspecto diferente, conforme a impressora de onde provinha, cfr. prova testemunhal».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Administração tributária (AT) liquidou adicionalmente à sociedade ora recorrida IVA respeitante o ano de 2007 com base nas conclusões a que chegou no âmbito de uma acção inspectiva.
A Contribuinte impugnou essa liquidação com diversos fundamentos, dos quais ora nos interessa considerar os respeitantes à acção inspectiva. Segundo alega na petição inicial, apesar de a AT afirmar que a liquidação se apoia numa inspecção interna, a coberto de uma ordem de serviço emitida em relação ao ano de 2007, a verdade é que os elementos obtidos e utilizados pela AT e que levaram à liquidação impugnada foram recolhidos no âmbito de inspecção externa efectuada com referência aos anos de 2005 e 2006, cuja extensão estava delimitada a estes anos; assim, a inspecção que terá servido de base à liquidação, não podendo ser esta última, também não terá sido aquela, qualificada pela AT como interna, porque o procedimento de inspecção é interno apenas quando os actos nele realizados o sejam exclusivamente nos serviços da AT através da análise formal e da coerência dos documentos, como resulta do art. 13.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, o que não se verificou no caso sub judice. Porque, afinal, estamos perante uma acção de inspecção externa e não foram cumpridas as respectivas formalidades legais impostas pelo RCPIT, designadamente a credenciação prevista no art. 46.º, a notificação para o início do procedimento requerida pelo art. 49.º, a entrega ao sujeito passivo de cópia da decisão que determinou a inspecção, prevista no art. 51.º, bem como não foram concedidas ao sujeito passivo as faculdades dos arts. 52.º e 54.º, o que tudo determina a anulabilidade dos actos de liquidação.
A sentença acolheu a tese da Impugnante. Considerou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que a acção inspectiva a que se refere a liquidação impugnada tem de ser considerada como externa, uma vez que «os actos materialmente praticados revelam a existência de um procedimento distinto daquele que foi formalmente indicado pela Administração, ou seja, um procedimento externo «de facto» embora formalmente qualificado como interno» e isto porque «a Autoridade Tributária usou exclusivamente informação recolhida num procedimento externo para sustentar as correcções feitas para o ano de 2007».
Por isso, anulou a liquidação impugnada, com fundamento em preterição dos «procedimentos essenciais das acções externas», que serão a falta de notificação prévia ao sujeito passivo, exigida pelo art. 49.º, n.º 1, do RCPIT, e a ausência de ordem de serviço exigida pelo art. 46.º, n.º 2, do mesmo Regulamento (Apesar de a Recorrente não ter indicado expressamente quais «os procedimentos essenciais das acções externas» – leia-se, quais as regras que instituem formalidades essenciais –, são os referidos aqueles que, de entre os elencados no acórdão para que remeteu, se nos afiguram aplicáveis à situação sub judice.) e, ademais, a violação do princípio do inquisitório, por a AT não ter realizado «quaisquer diligências instrutórias, quanto ao ano de 2007, para sustentar as conclusões da acção inspectiva».
A Fazenda Pública discorda do decidido. Insiste na posição assumida na contestação, de que a acção inspectiva subjacente à liquidação impugnada deve ser qualificada como interna, pois «a auditoria informática que proporcionou os elementos que suportaram as correcções técnicas operadas pelos Serviços de Inspecção Tributária foi efectuada na sequência de um anterior procedimento de inspecção» que, este sim, teve carácter externo. Assim, porque «o procedimento de inspecção que está na génese das liquidações redundou numa mera análise acerca da correcção formal dos mapas que continham informação sobre o primeiro semestre de 2007 e a sua coerência com a declaração apresentada pelo impugnante», não pode ser qualificada como externa. Aliás, estando os Serviços de Inspecção Tributária «já na posse de todos os elementos (recolhidos junto do contribuinte) que lhe permitiriam corrigir o exercício de 2007, dar início a uma nova acção externa, com os consequentes e inevitáveis contactos com esse contribuinte, constituiria uma actuação desadequada e desproporcionada», violadora dos princípios da adequação e da proporcionalidade.
Mas, a Fazenda Pública vai mais longe ao afirmar que ainda que a acção inspectiva houvesse de considerar-se externa, nem por isso poderia concluir-se pela ilegalidade da acção inspectiva. Desde logo, quanto à violação do princípio do inquisitório, porque a admitir-se a verificação do mesmo, os Serviços de Inspecção Tributária não teriam de realizar outras diligências senão as que já realizaram, ou seja, a auditoria informática que efectuaram no âmbito da acção inspectiva aos anos de 2005 e 2006 e seu confronto com os elementos declarados, em manifesto desprezo pelos princípios da proporcionalidade e da economia de meios. Depois, quanto à violação das regras essenciais do procedimento, a verdade é que, pese embora não tenha havido a notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT, mostra-se respeitado o objectivo principal da obrigatoriedade dessa notificação, qual seja dar conhecimento ao interessado da inspecção e permitir-lhe que nela participe, uma vez que a Contribuinte, ora Recorrida, foi notificada do projecto de conclusões do relatório de inspecção e para o exercício do direito de audição, que exerceu, motivo por que a falta daquela notificação prévia se degradou em mera irregularidade não invalidante. Já quanto à ausência de ordem de serviço exigida pelo n.º 2 do art. 46.º do RCPIT, considera que a mesma se não verifica, uma vez que a acção inspectiva que deu origem às liquidações impugnadas foi desenvolvida a coberto de uma ordem de serviço: a OI200801232. Mais salientou a Recorrente, provavelmente no sentido de realçar a inexistência de qualquer irregularidade invalidante do procedimento de inspecção, que, «tratando-se de uma acção interna, a AT não teve a seu favor a suspenso do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT».
Como resulta do que deixámos dito, a questão a dirimir nos presentes autos é a de saber se a AT cumpriu ou não as regras procedimentais relativas à inspecção que deu origem à liquidação ora impugnada, designadamente se andou bem ao qualificar essa inspecção como interna e, em qualquer caso, se não desenvolveu qualquer diligência instrutória em ordem a suportar as conclusões da acção inspectiva.

2.2.2 DA NATUREZA DA ACÇÃO INSPECTIVA, DA VIOLAÇÃO DE REGRAS ESSENCIAIS DO RESPECTIVO PROCEDIMENTO

2.2.2.1 A Recorrente discorda do entendimento adoptado na sentença, de que o procedimento inspectivo estaria sujeito à forma de inspecção externa e não à forma seguida, de inspecção interna.
De acordo com RCPIT, o procedimento de inspecção, que visa «a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias» (art. 2.º, n.º 1), pode revestir duas modalidades «quanto ao lugar de realização»: i) procedimento interno, «quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos» e ii) procedimento externo, «quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso» (art. 13.º, alíneas a) e b), respectivamente)
Assim, brevitatis causa, inspecção externa é o conjunto de actos de inspecção que se efectua total ou parcialmente em instalações ou dependências dos contribuintes ou demais obrigados tributários, por contraposição à inspecção interna, que se realiza exclusivamente nos serviços da AT.
Como salientam NUNO DE OLIVEIRA GARCIA e RITA CARVALHO NUNES, «a classificação dos procedimentos de inspecção como interno ou externo não se resume a uma mera distinção de ordem espacial ou de localização dos actos inspectivos, acarretando, na verdade, importantes consequências, na medida em que o procedimento de inspecção externa pode restringir os direitos e liberdades fundamentais dos sujeitos passivos, desde logo […] na matéria relativa à caducidade do direito à liquidação de tributos» (Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, Ano IV (2011), n.º 1, pág. 251.).
No caso, como resulta da matéria de facto dada como assente, a AT realizou duas inspecções à ora Recorrida: a primeira, indiscutivelmente externa, com base na ordem de serviço OI200701338, relativa aos exercícios dos anos de 2005 e 2006, no âmbito da qual foram recolhidos ficheiros informáticos da ora Recorrida; a segunda, cuja natureza se discute, com base na ordem de serviço OI200801232, relativamente ao exercício de 2007. Neste último procedimento inspectivo, que a AT qualificou como interno, foram utilizados exclusivamente elementos recolhidos pelos Serviços de Inspecção Tributária quando da primeira inspecção, a fim de aferir da correcção das declarações apresentadas pela ora Recorrida.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, louvando-se na doutrina (JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora. ) e num acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão de 9 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 2504/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/11bc7725842e35fd80257523003615a5.), considerou que o procedimento de inspecção sub judicio, apesar de qualificado pela AT como inspecção interna, constitui um procedimento externo, na medida em que «usou exclusivamente informação recolhida num procedimento externo para sustentar as correcções feitas para o ano de 2007».
A questão não é isenta de dificuldades: na verdade, no procedimento inspectivo ora sob escrutínio a AT limitou-se a utilizar informação que estava já em seu poder e, manifestamente, não se deslocou às instalações da ora Recorrida ou de qualquer outra pessoa, o que parece reconduzir a situação à categoria de inspecção interna; a dificuldade poderá surgir pelo facto de parte dessa informação ter sido previamente colhida no âmbito de um procedimento de inspecção inequivocamente externo, porque mediante actividade de cariz investigatório e nas instalações do sujeito passivo, ora Recorrida.
No entanto, como procuraremos demonstrar, a questão da qualificação do procedimento de inspecção como interno, tal como sustenta a Recorrente, ou como externo, como sustenta a Recorrida, não assume relevância alguma para a decisão da causa, contrariamente ao que sucederia se estivesse em causa a caducidade do direito de liquidação e a eventual suspensão do respectivo prazo. Aliás, nessa eventualidade, seria interessante verificar se a Impugnante, aqui Recorrida, defenderia com a mesma veemência a natureza externa da inspecção.
Mas, dizíamos, essa qualificação não assume relevância pois a solução do caso sempre seria mesma.

2.2.2.2 Considerou a sentença que a invalidade da inspecção, que fez repercutir na invalidade das liquidações – e, por isso, anulou estes actos –, resulta da falta de notificação prévia ao sujeito passivo nos termos do art. 49.º, n.º 1, do RCPIT, bem como da ausência de ordem de serviço, exigida pelo art. 46.º, n.º 2, do mesmo Regulamento.
Começando por esta última, diremos, com a Recorrente e sem mais, que a inspecção se encontra coberta por uma ordem de serviço – OI200801232 –, motivo por que nunca poderia proceder a invocada preterição de formalidade essencial, sendo inequívoca a credenciação dos funcionários que levaram a cabo inspecção.
Quanto à notificação prévia que o n.º 1 do art. 49.º do RCPIT impõe seja efectuada ao sujeito passivo no procedimento externo de inspecção, ainda que o mesmo tivesse sido omitido no caso sub judice, nunca esta omissão teria efeito invalidante da inspecção. É que o sujeito passivo, a ora Recorrido, em nada viu diminuídos os seus direitos ou interesses legítimos de participação. Na verdade, «[a] falta de comunicação do início do procedimento só deverá no entanto gerar invalidade se se demonstrar que o interessado não teve conhecimento do procedimento e respectivo objecto, e que por força dessa ausência de conhecimento não pode nele intervir tempestivamente. Assim, se o contribuinte inspeccionado […] foi notificado do projecto de conclusões do relatório do relatório de inspecção, a eventual falta de notificação da carta aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes» ( JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, ob. cit., pág. 270.).
Assim, dando de barato que a inspecção foi externa, nunca a omissão daquela notificação prevista no art. 49.º do RCPIT teria efeito invalidante da mesma, uma vez que a ora Recorrida foi notificada para exercer o direito de audiência, ao abrigo do art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 60.º do RCPIT, tendo aliás exercido esse direito (Neste sentido, vide o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 841/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 1984 a 1989, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/20c1d19978b649ec80257b7f004ffad3.).
Daqui resulta que, como bem sustenta a Recorrente, não pode a liquidação ser anulada com fundamento em nenhum dos vícios formais que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal considerou verificados relativamente ao procedimento de inspecção.

2.2.2.3 Resta-nos indagar do denominado vício por incumprimento do princípio do inquisitório, por não ter efectuado «quaisquer diligências instrutórias, quanto ao ano de 2007, para sustentar as conclusões da acção inspectiva».
Salvo o devido respeito, o facto de os elementos pertinentes terem sido colhidos em procedimento anterior não tem o significado que parece ter-lhe atribuído a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro – da não realização de diligências instrutórias – e, ademais, como bem salientou a Recorrente, não faria sentido impor a repetição das diligências realizadas em sede de anterior procedimento de inspecção.
Assim, a nosso ver, não pode, sem mais, considerar-se que os Serviços de Inspecção Tributária violaram o princípio do inquisitório que se lhes impõe em sede do procedimento de inspecção.

2.2.3 CONCLUSÕES

Assim, dando-se provimento ao recurso, a sentença será revogada e os autos deverão regressar à 1.ª instância, a fim de aí serem conhecidos os fundamentos de impugnação judicial que a sentença considerou prejudicados, formulando nós as seguintes conclusões:
I - Ainda que o procedimento de inspecção tenha sido erradamente qualificado como interno, quando o deveria ter sido como externo, esse erro irreleva para a decisão a proferir se não puder concluir-se ter sido preterida qualquer formalidade essencial imposta por esta última modalidade de inspecção.
II - A falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí serem conhecidas as questões que foram dadas como prejudicadas.

Custas pela Recorrida.

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Lisboa, 29 de Junho de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.