Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02504/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/09/2008
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC. INSPECÇÃO
INTERNA/EXTERNA
Sumário:I) -Nos termos do disposto no art° 13° do referido RCIT, quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos e externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.

II) -Decorrendo do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às correcções efectuadas que o procedimento não visou apenas a recolha de informação, antes se podendo afirmar que foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva, estamos perante uma inspecção materialmente externa.A dita inspecção «interna» não resultou de uma mera inspecção de aná­lise sobre a correcção formal dos documentos entregues e sua coerência com as declarações apresentadas.

III) -É que, havendo uma sequência de inspecção iniciada com o procedimento de 18/8/2005, que se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade da impugnante de modo a que pudessem resultar correcções à matéria tributável, impõe-se concluir que o procedimento de 18 de Agosto de 2005 não foi apenas de recolha de informação, antes tendo dado início à inspecção realiza­da ao sujeito passivo, a qual revestiu carácter externo.

IV) -E visto que não foi notificada ao sujeito passivo e se prolongou por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 nº 2 RCPIT), sem qualquer despacho de prorrogação, tal configura um vício gerador de anulabilidade das liquidações baseadas em tal procedimento (Art° 135 do CPA).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO

A EXCELENTISSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A.... & C..... –S............, Ldª., contra a liquidação de IRC e de Derrama referente ao exercício do ano de 2004, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem ordenadas numericamente por nossa iniciativa:
Não subsistem quaisquer vícios capazes de afectar a validade do acto de liquidação impugnado:
1. Ocorreram dois procedimentos inspectivos e não apenas um;
2. O primeiro procedimento inspectivo teve carácter externo e destinou-se à recolha de elementos, no caso, os ficheiros do programa de registo das operações tributáveis do sujeito passivo;
3.O segundo procedimento inspectivo teve carácter interno e não implicou qualquer acto exterior às instalações da AT;
4. Os dois procedimentos são independentes um do outro;
5.Nem um nem outro dos procedimentos inspectivos obrigavam ao envio de carta aviso;
6. A impugnante ora recorrida não logrou, pôr em crise nenhum dos motivos que levaram a AT à fixação da sua matéria tributável com base no registo de proveitos constante dos ficheiros do programa informático que utilizava no seu estabelecimento e que não foram levados à contabilidade e depois ás declarações fiscais;
7. O impugnante não logrou pôr em crise nem a correcção nem a sua necessidade e muito menos a sua fundamentação;
8. Foi demonstrado de forma clara, suficiente e consistente, quer o montante da correcção, quer a sua necessidade e razão de ser no relatório inspectivo;
9. Na douta sentença recorrida não foram identificados outros vícios além dos atinentes à condução dos procedimentos inspectivos;
10. As ilegalidades eventualmente cometidas no procedimento inspectivo não se projectam na liquidação a que dá lugar;
11. Não assiste, por conseguinte, à ora recorrida, quaisquer razões de facto ou de direito susceptíveis de anular ou revogar o acto tributário controvertido.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, considerando-se a liquidação legalmente efectuada, revogando-se a douta sentença do Meritíssimo Juiz "a quo", substituindo-se por outra em que seja julgada totalmente improcedente a impugnação judicial.
Também a recorrida veio a produzir as suas alegações, defendendo a bondade do decidido e que deve ser mantido na ordem jurídica com as seguintes conclusões:
1. A ERFP nas alegações de recurso que apresenta da douta sentença do Meritíssimo Juiz a quo invoca que tal sentença padece de erro quanto à factualidade dada como provada e quanto à recondução dessa factualidade ao direito aplicável.
2. Antes de entrar na análise das alegações da ERFP, assume a maior importância a invocação de uma questão prévia e prejudicial de todas as demais, a saber, a autoridade de caso julgado que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no âmbito do processo n° ..../...BELRA tem no âmbito dos presentes autos.
3. A autoridade de caso julgado consiste, a par da excepção de caso julgado, numa das vertentes do caso julgado material, e "destina-se a evitar que a relação -m situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica) ".
4. Conforme é pacífico na doutrina e na jurisprudência, esta figura, ao contrário da excepção de caso julgado, não exige, quanto aos seus pressupostos, a tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido referida no art. 498° do CPC.
5. Acresce que a autoridade de caso julgado se traduz no efeito positivo do caso julgado material, na medida em que, essencialmente por razões de segurança e certeza jurídicas, proíbe que uma decisão posterior contrarie uma decisão anterior já transitada em julgado.
6. Assim sendo, "a autoridade de caso julgado importa a aceitação de tema decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade".
7. Transpondo o que ficou dito para o caso em apreço, dir-se-á que aquele processo (cuja sentença já transitou em julgado) é em tudo semelhante aos presentes autos, na medida em que em ambos os processos é levada à consideração do Tribunal a (i)legalidade do mesmo procedimento de inspecção levado a cabo.
8. Foi do mesmo procedimento de inspecção que emergiram as liquidações adicionais de IRC impugnadas pela ora Recorrida tanto naquele processo como nos presentes autos.
9. Assim sendo, dado que a sentença proferida naquele processo, já transitada em julgado, pronunciou-se no sentido da ilegalidade do procedimento de inspecção em causa nos presentes autos, aquela decisão deverá ser acatada nos presentes autos, mantendo-se por conseguinte, a decisão recorrida.
10. Sem conceder, caso se entenda que a referida sentença transitada em julgado não tem autoridade de caso julgado nos presentes autos -o que apenas por dever de patrocínio se admite -deverão ser reapreciados os factos e o direito aplicável, devendo a sentença recorrida ser confirmada, por a mesma não merecer qualquer reparo.
11. Embora o não diga expressamente, a ERFP imputa à sentença recorrida o vício de erro na apreciação da prova, e pretender que o Tribunal considere como provados vários factos que o não foram na decisão a quo.
12. Contudo, e desde logo, a ERFP não indica sequer, na maioria das vezes, quais os elementos de prova que foram erradamente apreciados e dos quais alegadamente resulta uma conclusão diferente quanto a tais factos.
13. É que, na realidade, da prova produzida tais factos não resultam indiscutivelmente provados, pelo que não merece neste ponto qualquer censura a decisão recorrida, que deve ser integralmente mantida.
14. Entrando na matéria de direito, a ERFP começa por defender que, no caso em análise, houve lugar a dois procedimentos de inspecção, um primeiro de carácter externo e um segundo, considerado pela ERFP como aquele que deu origem à liquidação impugnada, de carácter interno, defendendo que ambos são legais.
15.A ora Recorrida não pode concordar com tal entendimento.
16.Em primeiro lugar, porque partilha do entendimento do Meritíssimo Juiz a quo segundo o qual se trata no presente caso de um único procedimento de inspecção, o qual teve início com uma diligência de recolha de informação nas instalações da ora Recorrida.
17.A referida diligência, além de ter tido lugar nas instalações da ora Recorrida, transcenderam em larga medida a análise meramente formal e de coerência dos documentos, pelo que não restam dúvidas de que o mencionado procedimento de inspecção tem carácter externo, aliás como já propugnado pelo Meritíssimo Juiz a quo.
18.Dado que o procedimento de inspecção é externo, o mesmo padece de diversas ilegalidades, entre as quais a falta de notificação prévia à Impugnante do procedimento de inspecção, conforme impõe o artigo 49° do RCPIT.
19.Acresce ainda que o referido procedimento enferma de outra ilegalidade na medida em que excedeu o prazo máximo legalmente previsto (6 meses) para a conclusão do procedimento.
20. Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que, tratando-se de um único procedimento de inspecção, o mesmo enferma de ilegalidades, afectando igualmente de ilegalidade as liquidações impugnadas que nele tiveram origem, pelo que aquela decisão deverá ser confirmada, por não merecer qualquer reparo.
21. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por dever de patrocínio se admite, e sem conceder, caso se considere tratar-se de dois procedimentos de inspecção distintos, conforme entende a ERFP, sempre se dirá, em primeira linha, que os mesmos têm carácter externo e que ambos são ilegais.
22. Com efeito, o primeiro procedimento tem carácter externo por consistir única e exclusivamente na recolha de elementos nas instalações da Impugnante. Por outro lado, o segundo procedimento, dito de "verdadeiro e próprio" não deixa de ser considerado externo apenas por ter lugar nos serviços da Administração Tributária.
23. Sob pena de entendimento contrário poder levar à subversão da ratio da distinção entre procedimento de carácter interno e externo, o segundo procedimento terá necessariamente de se considerar externo, uma vez que consiste única e exclusivamente na análise dos elementos recolhidos nas instalações da Impugnante, daí tendo resultado a liquidação adicional de IRC impugnada.
24. Ainda que assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, devendo a sentença recorrida ser revogada, sempre deverá o procedimento de inspecção ser considerado ilegal pela utilização de uma avaliação indirecta sem se terem verificado os respectivos pressupostos.
25.A Administração Tributária procedeu à correcção da matéria tributável da Impugnante e às consequentes liquidações única e exclusivamente com base nos elementos recolhidos dos ficheiros do seu programa informático.
26. Descurando assim dos valores constantes das declarações e da contabilidade da ora Impugnante, os quais, além do mais, gozam da presunção de veracidade, nos termos do artigo 75° da LGT.
27. Por conseguinte, a Administração Tributária não só não ilidiu a referida presunção como ainda procedeu, verdadeiramente, a uma avaliação indirecta da matéria tributável, a qual, segundo o disposto no n.° 2 do artigo 83.° da LGT "visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha ".
28. Nos termos da lei, em particular do artigo 87° (alínea b)) da LGT, £ avaliação indirecta, com recurso a métodos indirectos, só pode ser efectuada quando verificados determinados pressupostos, cuja prova cabe exclusivamente à Administração Tributaria (artigo 74°, n° 3 da LGT).
29. Tal prova não se verificou, nem tão pouco a Administração Tributária fundamentou, conforme lhe exige o artigo 77°, n° 4 da LGT, a decisão da tributação peles métodos indirectos e o afastamento dos dados/valores objectivos constantes das declarações e da contabilidade da ora Recorrida.
30. Deste modo, e caso se considerem prejudicados os demais fundamentos de ilegalidade do procedimento de inspecção supra aludidos, sempre deverá considerar-se o procedimento de inspecção em causa ilegal por ter consistido numa avaliação indirecta sem, contudo, ter a Administração Tributária logrado provar a verificação dos respectivos pressupostos de aplicação.
31. Na medida em que o procedimento de inspecção seja - como é - considerado ilegal, é claro e inquestionável que essa ilegalidade afecta e contagia os actos praticados com base no mesmo, pelo que também estes são ilegais.
32. Aplicando ao caso concreto, tal asserção significa que, na medida em que o procedimento de inspecção é ilegal, as correcções à matéria tributável da ora Recorrida e as subsequentes liquidações de IRC sofrem igualmente de ilegalidade.
33. Assim sendo, deve o procedimento de inspecção em causa ser considerado ilegal e, em virtude dessa ilegalidade, ser igualmente considerados ilegais todos os actos a que deu origem, a saber, as correcções à matéria tributável da ora Recorrida e a liquidação adicional de IRC.
34. Deste modo, deverão as referidas correcções ser anuladas e a liquidação adicional daí resultante, por padecerem da ilegalidade que afectou o procedimento de inspecção que lhes deu origem.
35. Ainda que se considere legítimo o recurso a métodos indirectos, no que não se concede, sempre deveria ser anulada a liquidação impugnada, por resultar amplamente provada uma fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do facto tributário, nos termos do artigo 100° do CPPT.
36. De todo o exposto é patente que não assiste razão à Recorrente ao defender que existe erro quanto à factualidade dada como provada e quanto à sua recondução ao direito aplicável, pelo que deverá manter-se a douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente;
(i) Pela autoridade de caso julgado de sentença anterior já transitada em julgado, que deve aqui ser acolhido;
(ii) Caso assim não se entenda, procedendo-se à reapreciação da matéria de facto e de direito da douta sentença recorrida, porque a mesma está integralmente correcta, devendo ser confirmada por não merecer qualquer reparo;
Sem conceder, caso o Tribunal revogue a sentença recorrida, o que apenas por dever de patrocínio se admite, pela apreciação dos demais vícios, sempre deverá concluir-se pela ilegalidade das liquidações impugnadas.
A EPGA no seu parecer pronuncia-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.
*
2. – FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade a qual igualmente passamos a reproduzir na íntegra.
1. Em 18 de Agosto de 2005 compareceram no restaurante da impugnante deis funcionários da DGI, que entregaram o despacho n° ........... junto a fls. 82 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. Este despacho determina a "consulta, recolha e cruzamento de elementos".
3. A impugnante não foi notificada com anterioridade da realização desta diligên­cia.
4. Os funcionários analisaram o computador, seleccionaram alguns ficheiros e copiaram os mesmos ficheiros para uma pen disk, fazendo duas cópias para dois CD-Rs, ficando a impugnante com uma de tais cópias (fls. 59 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. No final da diligência foi entregue uma nota desta ao Sr. M...., constando da mesma que a inspecção foi iniciada em 2005/08/18 às 12,20 e concluída em 18/8/2005 às 17.30 (nota de fls. 84 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6.No dia 3 de Março de 2006 o Sr. M.......... prestou as declarações que constam de fls. 85 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
7. Segundo as declarações prestadas,
a. O sistema informático começou a funcionar no restaurante da impugnante em Dezembro de 2002, apresentando cópia da factura de aquisição do mesmo;
b. Nessa altura não exercia as funções de gerente, as quais cabiam ao outro sócio, o Sr. P.........;
c. Nunca fez qualquer manutenção dos ficheiros, sempre que necessário recorre a empresa responsável pela sua manutenção;
d. Não pode apresentar os ficheiros originais por não ter conhecimento do seu paradeiro ou da sua existência.
e. Para qualquer esclarecimento, propôs-se ainda autorizar o levantamento do sigilo bancário tanto nas contas da sociedade, como nas pessoais (fls. 85 e 86 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
8.O POS, bem como o software para gestão foram facturados pela "Ma....."" à impugnante em 19 de Novembro de 2002 (fls. 65 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)
9. Em 24 de Março de 2006 a impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção, para efeitos do exercício do direito de audição (fls. 87 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. Antes da recepção desse projecto, a impugnante não foi notificada do que quer que seja relacionado com esta acção de inspecção.
11. Nem foi notificada de quaisquer despachos de prorrogação da inspecção.
12. A impugnante não exerceu o direito de audição prévia.
13. O relatório da inspecção tributária consta de fls. 40 e segs. do apenso e cujo con­teúdo se dá por reproduzido.
14. A inspecção foi realizada ao abrigo das ordens de serviço n°s OI.......... OI........; OI.......... e OI............, e incidiu sobre os exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005 (03T e 06T).
15. Estas ordens de serviço foram emitidas na sequência de recolha de elementos efectuada com base no cumprimento de um despacho, recolha essa efectuada em 18/8/2005 nas instalações do sujeito passivo (fls. 43 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
16. Em 22 de Fevereiro de 2006 a impugnante foi notificada para apresentar cópia dos ficheiros originais gerados pelo software "G........" do exercício de 2002 até à presente data (fls. 62 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
17. A impugnante não respondeu a tal notificação.
18. A análise dos ficheiros copiados pelos serviços da DGI, na diligência de 18/8/2005, permitiu verificar que
a. Aquando da abertura de uma mesa é criado um ficheiro com a designação "MES<n.°da Mesa>.dbf", na directoria MESAS, com os produtos que vão para essa mesa;
b. Ao mesmo tempo é actualizado o ficheiro "T_MESA.dbf" com o valor total dos produtos, separado por mesa, quer para as contas abertas quer para as contas fechadas;
c. No caso de haver anulações nos produtos dessas mesas, essas anulações são transferidas para um ficheiro denominado "ANULA.dbf";
d. Com o encerramento da mesa são transferidos os valores para o ficheiro dos movimentos diários de produtos denominado "MOVDIA.dbf", e o total da operação e forma de pagamento para o ficheiro "TOTDIA.dbf. A esses ficheiros é atribuído um número de conta que corresponde ao número do documento;
e. Ao mesmo tempo volta a ser actualizado o ficheiro "T_MESA.dbf";
f.Com o encerramento do dia, são transferidos os valores dos ficheiros diários MOVDIA, TOTDIA, e T_MESA para os ficheiros globais "MOVDIAT.dbf", "TOTDIATdbf" e "T_MESAT.dbf" respectivamente (fls. 4 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
19.Os valores das tabelas "MOVDIAT.dbf","TOTDIATdbf" e "T_MESAT.dbf" não são idênticos entre si
20. Mas pelo menos as tabelas "MOVDIAT.dbf", "TOTDIATdbf" deviam ser iguais entre si.
21. Assim como não são idênticos com os valores apresentados nas respectivas DPs de IVA.
22. A diferença entre os valores da tabela "MOVDIAT.dbfe. as DPs de IVA constam do quadro de 6 e 7 do relatório, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
23. Até ao 1° trimestre de 2003 os valores das tabelas são idênticos entre si, com excepção do primeiro trimestre de 2002 em que o valor da tabela "TMESAT" apresenta uma diferença de €1.868,68 (174.792,71 para MOVDIAT e TOTDIAT - 172.924,03 para TMESAT).
24. No primeiro trimestre de 2005, directoria 7 e 8, verificou-se que alguns dos ficheiros MOVDIAT da directoria 8 foram apagados, dando lugar a outros valo­res como por exemplo o registo n.° 15387 que na directoria 7 tem 6 registos que totalizam € 31,30 e na directoria 8 apenas 2 registos que totalizam € 1,80 (fls. 3 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
25. Em face das divergências detectadas, a administração fiscal efectuou a liquidação adicional de IR a partir dos ficheiros MOVDIAT, acrescido dos valores apa­gados detectados, como consta do quadro de fls. 10 e segs. do relatório, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
26.0 programa utilizado regista, por vezes, valores em duplicado na tabela "MOVDIAT", o que implica diferenças entre "MOVDIAT" e "TOTDIAT", mas quando isso acontece, o cliente logo avisa do técnico.
27. Mas a impugnante nunca denunciou ao técnico qualquer problema desta nature­za.
28. O restaurante tem capacidade para cerca de 70 pessoas sentadas.
29. Está situado numa zona residencial, e nunca servem mais de 30 refeições por dia, com excepção dos fins de semana em que o restaurante se encontra com lotação completa, ao jantar.
30. Em 2003 os preços médios de cada refeição variavam entre os 13 e os 15 €
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FACTOS NÃO PROVADOS.
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos.
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MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal baseou-se nos seguintes meios de prova:
PROVA DOCUMENTAL. Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do pro­cesso onde se encontram.
PROVA TESTEMUNHAL.
Quanto a este meio de prova, relevaram os depoimentos das testemunhas inqui­ridas, em especial as testemunhas, em especial B.........., cozinhei­ro, que referiu ser a capacidade do restaurante de mais ou menos 70 lugares sentados, sendo que ao fim de semana estes lugares se encontram todos preenchidos, como regra geral (A.........., empregada da impugnante). Os preços médios das refeições foram indicados pelas testemunhas M...., R........ e Rui...... com pouca amplitude, entre os 12 e os 15 Euros, mas a impugnante men­cionou que os valores médios eram de 13 Euros, em 2004 (artigo 88 da douta petição inicial), pelo que se são inaceitáveis valores inferiores. O Sr. J.........., que presta assistência ao programa denunciou a possibilidade de o programa gravar em duplicado na tabela "MOVDIAT" os respectivos movimentos. Mas quando isso acontece, o cliente logo avisa. A impugnante nunca avisou do que quer que seja em relação a essa hipótese.
As testemunhas da administração fiscal confirmaram, no essencial, o conteúdo do relatório.
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2.2. Do Direito:
De acordo com a matéria das conclusões das alegações do seu recurso e que delimitam o seu objecto, a questão decidenda consiste em saber se tiveram lugar duas acções inspectivas ainda que só tenha sido produzido um único relatório e se ambas as inspecções tiveram carácter externo, onde não foram observados as formalidades que a lei prevê na execução de tais inspecções.
Antes, porém, cumpre conhecer da matéria de excepcionalidade suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações e condensada nas conclusões 2ª a 9ª, nos termos das quais a recorrida considera que se impõe nestes autos a autoridade de caso julgado que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no âmbito do processo n° ...../...BELRA tem no âmbito dos presentes autos.
Ora, o caso julgado excepção peremptória, tem que obedecer aos requisitos do artigo 498 do Código de Processo Civil, mormente às três identidades neles previstas.
Só quando se verifique essa tríplice identidade é que não pode posteriormente, em qualquer outra acção, discutir-se ou apreciar-se os pressupostos -de facto ou de direito- enformadores da decisão anterior.
Uma vez que no processo n° ..../..BELRA não estava certamente em causa o mesmo tributo na mesma temporalidade, de sorte que não se verificava uma das identidades, qual seja, a da causa de pedir.
Quer isto dizer que o “caso julgado” formado com o trânsito de referida sentença não é também material, o que significa que o além decidido só tem força obrigatória dentro do processo e não fora dele, não impedindo que o mesmo ou outro Tribunal ou qualquer autoridade possa definir em termos diferentes o direito aplicável à relação material litigada e que não é idêntica à versada naqueles autos.
Teleologicamente, o que essencialmente se pretende com o caso julgado é que os tribunais e, por maioria de razão, as autoridades públicas e os particulares, respeitem ou acatem a decisão, não julgando de novo a questão ou contrariando os seus efeitos daquela.
É certo que o caso julgado tem limites, uns de carácter objectivo, outros de natureza subjectiva que decorrem dos termos em que está definida a excepção do caso julgado que pressupõe a repetição de uma causa (artº 497º, nº 1, do C.P.C. ) e sua identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir ( artº 498º, nº 1 do C.P.C. ).
Seja como for, certo é que a eficácia do “caso julgado” se limita às partes (artº 674º do C.P.C.) pelo que se pode concluir que com aquele se visa evitar não a colisão apenas teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis.
Assim, não ocorre a possibilidade de apreciar nestes autos a mesma questão por haver nexo de prejudicialidade em relação à decisão já proferida e que não foi objecto de recurso no mesmo processo, não sendo, pois, configuráveis desencontros ou incoerências entre as duas decisões.
Termos em que não se verifica a excepção suscitada pela recorrida.
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Aquilatemos, então, se ambas as inspecções tiveram carácter externo, e, na afirmativa, se foram observados as formalidades que a lei prevê na execução de tais inspecções.
Na sentença recorrida, decidiu-se que apenas teve lugar uma acção inspectiva, e esta foi de nível externo, com a seguinte fundamentação:
“Esta inspecção foi realizada ao abrigo das ordens de serviço n°s OI.........; OI.......; OI....... e OI....... e foi concluída com a notificação do relatório elaborado em 5 de Maio de 2006.
A administração fiscal não notificou previamente a impugnante da sua realização por considerar que se tratou de uma inspecção interna, desobrigando-se assim do dever de notificação previsto no Artº 49/1 RCPIT.
Mas esta questão está longe de ser pacífica.
O procedimento de inspecção interno ocorre quando os actos de inspecção se efectuam exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos.
A inspecção é externa quando os actos se efectuam total ou parcialmente em ins­talações dos sujeitos passivos, demais obrigados tributários ou de terceiros (Art.° 13/c) e b) RCPIT).
Dir-se-á que toda a inspecção decorreu nos serviços da administração, o que logo lhe outorga carácter interno.
Só que esta inspecção foi precedida de uma diligência de recolha de informação nas instalações do sujeito passivo, informação essa que esteve na origem e fundamentação de todo o relatório.
Informação que só ficou disponível para a administração fiscal porque a reco­lheu junto do sujeito passivo, deslocando-se às instalações deste.
Assim, a dita inspecção «interna» não resultou de uma mera inspecção que ana­lise a correcção formal dos documentos entregues e sua coerência com as declarações apresentadas (Neste sentido veja-se Martins Alfaro in "Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária", 2003, pp. 123.).
Se a inspecção se tivesse iniciado com a diligência de Agosto de 2005, nenhu­mas dúvidas haveria de que tratava de uma inspecção externa. Iniciou-se nas instalações do sujeito passivo, com informação relevante obtida nas instalações deste, pelo que imediatamente caía na previsão da alínea b) do Art° 13 RCPIT -inspecção externa.
Só porque esta fase não foi integrada na inspecção se pôde apelidar como procedimento de recolha de informação.
O que permitiu a qualificação da inspecção posterior como «inspecção interna».
Mas em que é que difere a recolha da informação tal como foi designada pela administração fiscal, e uma acção de fiscalização -externa -na qual são verificados os registos informáticos do contribuinte?
Ora, a qualificação do procedimento como inspecção interna, ou externa, não depende do arbítrio da administração fiscal. Obedece a critérios específicos, os quais validam, ou não, a designação escolhida.
Chegados aqui, a questão coloca-se, então, em saber se o procedimento de recolha de informação, realizado em 18 de Agosto de 2005, teve apenas este objectivo, ou deu antes início a uma acção de inspecção. Externa.
E se deu início à inspecção externa, parece claro que deveria ter sido notificado previamente ao sujeito passivo (Art° 49/1 RCPIT).
Só a acção de inspecção que tenha por objectivo a consulta, recolha e cruzamen­to de elementos não carece de ordem de serviço (Art° 46/4,a) RCPIT) nem de notifica­ção prévia, tal como prevê o Art° 50/1,a) RCPIT, precisamente porque ela visa, apenas, isso e nada mais (Este procedimento visa apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documentos como expressamente se menciona no Art.° 50/1,a) RCPIT).
Assim, de duas uma. Ou os elementos recolhidos pela administração fiscal em 18 de Agosto não davam origem à fundamentação do verdadeiro e próprio procedimen­to inspectivo (parafraseando a Exma. Representante da Fazenda Pública no art° 11 da douta contestação), consubstanciando mera recolha de elementos informativos, ou davam.
Se não davam, mantinha-se o seu carácter de mera recolha de informação; mas se davam, isto é, se eram aptos a fundamentar as correcções à matéria tributável, não se podem considerar mera informação, antes constituiriam início da inspecção.
E assim sendo, deveria ter sido notificada previamente ao sujeito passivo.
Na perspectiva da administração fiscal, o procedimento de 18/8/2005 não se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade da impugnante de modo a que pudessem resultar correcções à matéria tributável (Art° 8 da douta contestação).
Não orientou?
Em face do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às correcções efectuadas, não é possível dizer-se que o procedimento de 18 de Agosto de 2005 visou apenas a recolha de informação. Não visou; na verdade, foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva.
O que resulta dos autos é precisamente uma sequência de inspecção iniciada com o procedimento de 18/8/2005, que manifestamente se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade da impugnante de modo a que pudessem resultar correcções à matéria tributável. Deste modo, deve concluir-se que:
O procedimento de 18 de Agosto de 2005 não foi apenas de recolha de informação;
O procedimento de 18 de Agosto de 2005 deu início à inspecção realiza­da ao sujeito passivo;
Essa inspecção revestiu carácter externo;
E não foi notificada ao sujeito passivo,
Prolongando-se por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 nº 2 RCPIT).
Sem qualquer despacho de prorrogação.
Estes factos -falta de notificação prévia da inspecção externa e inspecção pro­longada para além do prazo geral sem prorrogação- determinam a anulabilidade dos liquidações emergentes do procedimento (Art.° 135 do CPA).”
A recorrente FP defende que, no caso em análise, houve lugar a dois procedimentos de inspecção, um primeiro de carácter externo e um segundo, considerado pela ERFP como aquele que deu origem à liquidação impugnada, de carácter interno, defendendo que ambos são legais.
A impugnante e ora Recorrida não concorda com tal entendimento, antes partilhando do entendimento do Meritíssimo Juiz a quo segundo o qual se trata no presente caso de um único procedimento de inspecção, o qual teve início com uma diligência de recolha de informação nas instalações da ora Recorrida. E, ainda que assim não se entendesse e se considerasse que se tratava de dois procedimentos de inspecção distintos, conforme entende a ERFP, os mesmos têm carácter externo e ambos são ilegais.
Sufraga-se o entendimento expresso na sentença.
Na verdade, nos termos do disposto no art° 13° do referido RCIT, quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.(1)
Ora, como se salienta na sentença recorrida, em face do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às correcções efectuadas, não é possível dizer-se que o procedimento de 18 de Agosto de 2005 visou apenas a recolha de informação, antes se podendo afirmar que foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva.
Com efeito, patenteiam os autos que houve uma sequência de inspecção iniciada com o procedimento de 18/8/2005, que se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade da impugnante de modo a que pudessem resultar correcções à matéria tributável.
Impõe-se, por isso, concluir que o procedimento de 18 de Agosto de 2005 não foi apenas de recolha de informação, antes tendo dado início à inspecção realiza­da ao sujeito passivo, a qual revestiu carácter externo.
E visto que não foi notificada ao sujeito passivo e se prolongou por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 nº 2 RCPIT), sem qualquer despacho de prorrogação, tal configura um vício gerador de anulabilidade das liquidações baseadas em tal procedimento (Art° 135 do CPA).
Termos em que improcedem as atinentes conclusões de recurso, prejudicadas ficando as demais questões neles suscitadas.
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4. -Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 09/12/2008
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)

() Cfr. nesse sentido o Acórdão do TCA de 04-11-2003, tirado no Recurso nº07464/02 e de que foi relator o 1º adjunto desta formação,