Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01356/13
Data do Acordão:09/11/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
ACTO LESIVO
ALÇADA
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT, admite-se a possibilidade de recorrer do despacho de indeferimento liminar, ou de valor equivalente, proferido em processo de reclamação de acto do órgão da execução fiscal, ainda que o processo tenha valor inferior à alçada.
II - O art. 276.º do CPPT, em sintonia com os arts. 95.º, n.º 1, e 103.º, n.º 2, da LGT, permite ao executado ou a qualquer interessado impugnar judicialmente (reclamar) a decisão proferida ou o acto praticado pelo órgão da execução fiscal, desde que seja lesivo dos seus direitos ou interesses legítimos (cfr. art. 268.º, n.º 4, da CRP).
III - O órgão da execução fiscal não tem de pronunciar-se a título consultivo sobre o prazo para o eventual exercício de direitos do executado, designadamente sobre se esse prazo se encontra ou não interrompido por força da impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário.
IV - Consequentemente, porque da falta de pronúncia do órgão da execução fiscal sobre esse pedido não resulta para o executado a lesão de algum seu direito ou interesse legítimo, pois a mesma não tem qualquer repercussão imediata negativa na sua esfera jurídica, também dessa omissão não cabe reclamação ao abrigo do art. 276.º do CPPT.
V - A lesão dos direitos ou interesses legítimos da Executada só poderá, eventualmente, ocorrer se e quando ela vier a exercer qualquer direito na execução, designadamente o de deduzir oposição, pois só nessa ocasião a entidade competente para conhecer do pedido formulado, ajuizando da tempestividade do exercício desse direito, se pronunciará sobre a eventual interrupção do prazo.
Nº Convencional:JSTA000P16162
Nº do Documento:SA22013110901356
Data de Entrada:08/14/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 94/13.9BEMDL

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…….., Lda.” (a seguir Executada, Reclamante ou Recorrente), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela do acto do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real que lhe indeferiu o pedido de que «determine, expressamente, na presente execução, a manutenção da interrupção do prazo para a executada […] intervir em tal execução fiscal e/ou deduzir oposição à mesma» até que esteja decidida a impugnação judicial da decisão que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário.

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela indeferiu a reclamação. Considerou, em resumo, que a reclamação não pode ser conhecida «antes de realizadas a penhora e venda», uma vez que, mesmo admitindo o carácter não taxativo da enumeração do n.º 3 do art. 278.º do CPPT, sempre se exigiria que a ilegalidade imputada ao acto reclamado provocasse prejuízo irreparável e a Reclamante não alegou factos que «nos levassem a concluir que a penhora e venda de bens para solver dívida de 265,69 € lhe causa prejuízo irreparável» e esse prejuízo «considerando também o montante da dívida, […] não é notório, ou manifesto ou evidente».

1.3 A Reclamante não se conformou com essa decisão e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«PRIMEIRA CONCLUSÃO
Oportuna e tempestivamente, pois que dentro dos 10 dias a que alude o art. 277.º-1, do CPPT, a reclamante, ora recorrente, apresentou, no Serviço de Finanças de Vila Real, reclamação de uma decisão do órgão de execução fiscal.

SEGUNDA CONCLUSÃO
Órgão de execução fiscal esse que remeteu tal reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, antes de efectuada a penhora e a venda.

TERCEIRA CONCLUSÃO
A sentença recorrida, entendendo que tal remessa era extemporânea, por avanço, por não ter sido provado nem alegado que a decisão reclamada causasse um prejuízo irreparável, não sendo isso notório, em lugar de devolver os autos ao Serviço de Finanças de Vila Real, para a execução aí prosseguir os seus termos, com penhora e venda, só sendo remetida àquele Tribunal, naturalmente com a reclamação em causa nela incorporada, após tais penhora e venda terem sido efectuadas, indeferiu a reclamação em questão.

QUARTA CONCLUSÃO
Violando assim os artigos 276.º, do CPPT e 20.º, da CRP.

QUINTA CONCLUSÃO
Acrescendo ainda que, quando a sentença que se está a pôr em crise foi prolatada, o que ocorreu em 03 de Junho de 2013, já há muito tempo tinha sido efectuada a penhora, o que sucedeu em 04 de Março de 2013 – vide o documento número 1 anexo, não tendo havido a venda do bem penhorado, dada a natureza dele (crédito da executada sobre a ARS I.P.).

SEXTA CONCLUSÃO
Tendo também a ARS, I.P. já pago a quantia penhorada aos serviços fiscais, que procederam com ela, em 26 de Abril de 2013, ao pagamento da quantia exequenda – vide os documentos números 2 e 3 anexos – nenhuma outra diligência tendo pois que, a partir daí, ter lugar na execução.

SÉTIMA CONCLUSÃO
O que, em 03 de Junho de 2013, constava já da execução, e, portanto, da reclamação que tem vindo a ser referida, pois que esta, como decorre da lei, subiu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela incorporada no processo executivo.

OITAVA CONCLUSÃO
Deviam, pois, estas situações terem sido levadas em conta pelo Magistrado de 1.ª Instância, [em] face do determinado nos artigos 2.º-e), do CPPT, e 663.º, do CPC, normas estas que a sentença recorrida violou.

NONA CONCLUSÃO
Desta maneira, muito embora sem que isso constitua qualquer demérito ao Distinto Magistrado que a proferiu, deverá ser revogada a aliás douta sentença sob recurso, de ter violado, como violou, os artigos 2.º-e), 276.º, os dois do CPPT, 663.º do CPC e 20.º da CRP».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso. Isto, em síntese, porque quando a decisão recorrida foi proferida já tinha sido efectuada a penhora.

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão suscitada pelo Recorrente é a de saber se (a sentença fez correcto julgamento quando considerou que não) deveria ter sido conhecida imediatamente a reclamação da decisão do órgão da execução fiscal.
Contudo, como procuraremos demonstrar, previamente coloca-se a questão de saber se essa decisão é impugnável contenciosamente, o que passa por indagar se constitui acto lesivo dos direitos ou interesses legítimos do executado.
Ainda antes, impõe-se também uma nota quanto à admissibilidade do recurso em face do valor do processo.


*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«
1. Em 15/12/2012 a Reclamante foi citada para [a] execução fiscal n.º 2496201201044451 que contra ela corre termos nos SF de Vila Real, para pagar o montante de 265,69 € - doc. N.º 2 e confissão da Reclamante;

2. Em 17/12/2012 requereu o benefício do apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono – fls. 24;

3. Em 17/12/2012 deu conhecimento à AT desse seu pedido apresentado na Segurança Social, requerendo, simultaneamente, que fosse expressamente determinada a interrupção do prazo para deduzir oposição – doc. N.º 4 da PI;

4. Em 15/1/2013 o pedido de apoio judiciário foi indeferido liminarmente, conforme docs. N.º 5 e 6 da I, que aqui se dão por reproduzidos, com o seguinte destaque: «A requerente é pessoa colectiva com fins lucrativos e as pessoas colectivas com fins lucrativos (…) não têm direito a protecção jurídica, nos termos do n.º 3 do art. 7.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto (…)»;

5. Em 29/1/2013 a Reclamante apresenta impugnação judicial desse indeferimento – doc. n.º 7 da PI;

6. Em 30/1/2013 a Reclamante deu conhecimento à AT de que tinha impugnado judicialmente o indeferimento do pedido de apoio judiciário e requereu, simultaneamente, a manutenção da interrupção do prazo para deduzir oposição – cfr. doc. n.º 8 da PI;

7. Em 6/2/2013 o Chefe [do Serviço] de Finanças de Vila Real, por delegação, indeferiu o pedido formulado pela Reclamante de manutenção de interrupção do prazo para deduzir oposição – cfr. últimas folhas do PA não numerado».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, os autos revelam ainda o seguinte (Embora o Supremo Tribunal Administrativo não tenha competência em matéria de facto nos recursos que lhe são submetidos das decisões dos tribunais de 1.ª instância (cfr. art. 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), não está impedido e, pelo contrário, está obrigado a considerar as ocorrências processuais reveladas pelos autos, apreensíveis por mera percepção e que são do conhecimento oficioso.).

8. A decisão referida em 7 é do seguinte teor:

«O art. 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário estabelece as condições para que o processo de execução fiscal possa ser objecto de suspensão, ou seja, que tenha sido apresentado meio de reacção administrativa ou contenciosa que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda, no entanto faz depender essa suspensão da prestação de garantia nos termos do artigo 195.º do mesmo código, ou a penhora garanta a totalidade da dívida exequenda e do acrescido, o que não se verifica nos presentes autos, proibindo o artigo 85.º do CPPT a concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei.
Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações INDEFIRO o pedido, com observância das consequências legais resultantes, nomeadamente o prosseguimento normal da execução»
(cfr. a decisão constante do processo de execução).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada para cobrança de uma dívida de 265,69 €, a sociedade Executada requereu o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, disso dando conhecimento ao órgão da execução fiscal e requerendo que fosse expressamente determinada a interrupção do prazo para «intervir na execução fiscal em questão, e/ou deduzir oposição à mesma» (cfr. factos provados sob os n.ºs 1 a 3 e os documentos para que remetem).
Na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário, a Executada impugnou judicialmente a respectiva decisão, disso dando também conhecimento ao órgão da execução fiscal e requerendo que fosse expressamente determinada a manutenção da interrupção do prazo para «intervir na execução fiscal em questão, e/ou deduzir oposição à mesma» (cfr. factos provados sob os n.ºs 4 a 6 e os documentos para que remetem).
O órgão de execução fiscal, que não se pronunciou sobre o primeiro daqueles requerimentos, pronunciou-se quanto ao segundo. O Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real, interpretando este requerimento como de suspensão da execução fiscal (único modo de lhe conferir efeito útil, como adiante procuraremos demonstrar), indeferiu-o por considerar que não estavam reunidos os requisitos de que a lei faz depender a suspensão.
A Executada reclamou dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pedindo que a mesma seja anulada (Pediu também a substituição da decisão reclamada por outra que satisfaça a pretensão deduzida, mas o tribunal não pode senão anular a decisão administrativa, não podendo substituir-se à autoridade que a proferiu.).
O Serviço de Finanças de Vila Real, onde a reclamação deu entrada, manteve o acto reclamado e remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, cujo Juiz indeferiu a reclamação.
Pese embora o sentido da decisão, verificamos que os fundamentos que a suportam se referem apenas ao momento de subida da reclamação: entendeu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que a reclamação não pode ser conhecida «antes de realizadas a penhora e venda», uma vez que a Reclamante não alegou factualidade, que também não resulta manifesta, susceptível de integrar o prejuízo irreparável, que poderia justificar a subida imediata da reclamação a juízo.
A Reclamante interpôs recurso dessa decisão para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que (i) na ocasião em que foi proferida a decisão já se tinha verificado a penhora, motivo por que o Juiz devia ter conhecido da reclamação nesse momento e que (ii), ainda que não fosse esse o momento da subida da reclamação, nunca decisão a proferir seria de indeferimento, mas apenas de devolução do processo ao órgão da execução fiscal para subir no momento oportuno.
Assim, a questão suscitada pela Recorrente refere-se apenas ao momento da subida da reclamação a tribunal: imediatamente (I.e., no prazo de 8 dias após o termo do prazo para a revogação do acto reclamado, que é de 10 dias se o acto for da autoria do órgão da execução fiscal e de 30 dias, no caso de o acto reclamado ter sido proferido por entidade diversa (cfr. arts. 277.º, n.ºs 2 e 3, e 278.º, n.º 4, do CPPT). ou a final (A final tem aqui o sentido de após a penhora ou a venda, como decorre do n.º 1 do art. 278.º do CPPT. Quanto à interpretação desse preceito e sob o sentido a conferir à expressão «depois de realizadas a penhora e a venda», vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora,6.ª edição, volume IV, anotação ao art. 278.º, págs. 300-302.?
No entanto, a nosso ver, impõe-se o conhecimento prévio de outras duas questões: primeira, a da admissibilidade do recurso face ao valor da causa, inferior ao da alçada do tribunal de 1.ª instância; segunda, a da impugnabilidade judicial da decisão recorrida.
Daí termos enunciado as questões a apreciar e decidir nos termos expostos em 1.8.

2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EM FACE DO VALOR DA CAUSA

Como questão prévia, suscita-se-nos a da admissibilidade do recurso por o valor da causa ser inferior ao da alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância.
No caso, o valor da causa, a atender para efeito de verificar da admissibilidade do recurso, é de € 242,50, valor da quantia exequenda [cfr. arts. 31.º, n.º 2, alínea c), e 32.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos].
O art. 280.º, n.º 4, do CPPT estabeleceu a alçada dos tribunais tributários, fixando-a em um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância. Ulteriormente, esta alçada, prevista apenas para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, foi fixada no mesmo montante para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários, pelo art. 6.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002.
A alçada dos tribunais de judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em € 5.000,00 pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro [Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ)], na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (LOFTJ de 2008), mas só se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (arts. 11.º e 12.º deste Decreto-Lei). Para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. Assim, a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de € 935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de € 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008 (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 4 ao art. 6.º, pág. 88 e volume IV, anotação 9 ao art. 280.º, págs. 418/419.).
No caso, o valor da causa é inferior à alçada do tribunal tributário de 1.ª instância.
O facto de o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela o ter admitido não vincula este Supremo Tribunal Administrativo, atento o preceituado no art. 641.º, n.º 5, do CPC (Referimo-nos à versão da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, imediatamente aplicável aos processos pendentes, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 5.º da referida Lei.) A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º».), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
No entanto, no caso é admissível o recurso jurisdicional, apesar do valor do processo ser inferior ao valor da alçada, pois a decisão recorrida, não sendo formalmente um despacho liminar, assume na realidade essa natureza ou, pelo menos, natureza paralela, a demandar idêntico tratamento em sede de recurso. Na verdade, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, tendo considerado que os autos lhe haviam sido remetidos pelo órgão da execução fiscal em momento que considerou não ser o oportuno, deveria tê-lo declarado em sede liminar, ao invés de ter deixado o processo prosseguir e, a final, indeferir a reclamação.
Assim, assumindo a decisão a mesma natureza do despacho liminar, há que aplicar-lhe subsidiariamente o disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC (Na versão anterior à da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que apenas entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013, nos termos do respectivo art. 8.º). É sempre admitido recurso até à Relação, com subida nos próprios autos, do despacho que haja indeferido liminarmente a petição de acção ou o requerimento de providência cautelar».), ex vi dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 6 ao art. 209.º, pág. 556.). Isto, «por valerem no contencioso tributário as razões, ligadas à garantia do acesso à tutela judicial, que determinaram no processo civil o regime nelas previsto» (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, anotação 13 ao art. 280.º, pág. 423/424.).
É certo que o art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, se refere a «recurso até à Relação», mas, «deverá entender-se, no contencioso tributário, que o recurso deverá ser interposto para o STA ou para o tribunal central administrativo territorialmente competente, conforme o seu fundamento seja ou não exclusivamente matéria de direito, pois é isso que determinam as regras de repartição de competência entre estes tribunais, definidas nos arts. 32.º, n.º 1, alínea b), 33.º, n.º 1, alínea b), 41.º, n.º 1, alínea a), e 42.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984 e arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF de 2002; com efeito, para além de estas regras de competência serem especiais para o contencioso tributário, o uso daquela expressão «até à Relação», e não da expressão «para a Relação» revela que o que se pretendeu foi limitar a um grau a possibilidade de recurso e não propriamente alterar as competências dos tribunais que resultem das suas normas estatutárias; por isso, ao aplicar analogicamente aquele [art. 234.º-A, n.º 2, do CPC] ao contencioso tributário, deverão fazer-se as adaptações que resultam do estatuto dos tribunais tributários» ( Ibidem.).
Concluímos, pois, que o facto de o valor da causa não exceder a alçada dos tribunais tributários não obsta à admissibilidade do recurso.

2.2.3 DA INIMPUGNABILIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA

Cumpre agora verificar se a decisão do órgão da execução fiscal reclamada é susceptível de impugnação judicial.
Apesar de o processo de execução fiscal ter natureza judicial, a lei admite que nele sejam praticados pelos órgãos da administração tributária actos que não tenham natureza jurisdicional, sem prejuízo da possibilidade do controlo judicial da legalidade dos mesmos [cfr. art. 103.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT)]. No art. 276.º e segs. do CPPT, em sintonia com os arts. 95.º, n.º 1, e 103.º, n.º 2, da LGT, está regulado o meio processual de impugnação judicial desses actos, denominado reclamação judicial.
Assim, a reclamação judicial prevista no art. 276.º do CPPT tem como função típica «provocar a intervenção do juiz para dirimir um determinado conflito relativo à actuação da administração nesse processo» (RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 346.).
Mas não é qualquer acto da administração praticado no âmbito da execução fiscal que é susceptível de impugnação mediante o meio processual previsto no art. 276.º do CPPT; de acordo com o texto do preceito legal As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de l.ª instância».), apenas são impugnáveis os actos que sejam lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos do executado ou outros interessados, ou seja, os actos susceptíveis de afectar negativamente a esfera jurídica dos particulares, quer retirando-lhes direitos ou impondo-lhes obrigações, quer recusando-lhe o reconhecimento de direitos ou a satisfação de pretensões (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., I volume, anotação 3 ao art. 96.º, pág. 28, e IV volume, nota 4 ao art. 276.º, págs. 269-271.
Na jurisprudência, vide os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 30 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 553/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Novembro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32230.pdf), págs. 887 a 889, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1263135885d267338025749e003b77c5?OpenDocument;
- de 6 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 42/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/443d00ab9cdc3b0980257b210039e650?OpenDocument;
- de 14 de Agosto de 2013, proferido no processo n.º 1279/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3630ef16216e025380257be1004ad74f?OpenDocument.).

Como refere VIEIRA DE ANDRADE, no conceito de acto administrativo impugnável, porque lesivo, só cabem as «decisões administrativas com eficácia externa […], em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.º/1) – devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas», incluindo-se neste conceito, segundo o Autor «as decisões que, por si, já produzem os efeitos jurídicos designadamente ablatórios…» (A Justiça Administrativa,11.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 183.).
Regressando ao caso sub judice, verificamos que o pedido endereçado pela Executada ao órgão da execução fiscal foi o de que este «determine expressamente, na presente execução fiscal, a manutenção da interrupção do prazo para a executada […] intervir em tal execução fiscal e/ou deduzir oposição à mesma».
Salvo o devido respeito, o pedido não tem conteúdo útil: a interrupção do prazo, nos casos em que a lei a prevê, ocorrerá por força da própria lei (ope legis), independentemente de qualquer declaração nesse sentido. Por outro lado, só perante a concreta manifestação do exercício de um direito na execução poderá o órgão da execução fiscal, se para tanto for competente (Note-se que, relativamente à oposição à execução fiscal, a competência para aferir da tempestividade nunca seria do órgão da execução fiscal, mas sempre do juiz do tribunal tributário, como decorre do disposto no art. 151.º do CPPT.) (cfr. arts. 11.º e 151.º do CPPT), verificar em concreto a respectiva tempestividade, designadamente da existência de causas de interrupção ou de suspensão do prazo.
Verdadeiramente, a pretensão deduzida pela Executada junto do órgão da execução fiscal não é um pedido, porque insusceptível de provocar qualquer alteração na sua esfera jurídica, mas uma mera consulta – saber se o órgão da execução fiscal considera o referido prazo interrompido ou não – a que a lei não confere carácter vinculativo.
Por isso, o Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real, procurando retirar efeito útil do requerimento da Executada, o tratou como pedido de suspensão da execução fiscal e o indeferiu.
Seja como for, a verdade é que a Executada reclamou judicialmente desse despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real, não por discordar do indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal, pedido que reafirma não ter sido o por ela formulado, mas porque entende que o pedido que formulou, de “interrupção do prazo para intervir na execução fiscal e/ou para deduzir oposição” deveria ter sido apreciado e deferido e não o foi.
Porém, porque, como deixámos já dito, a decisão do referido pedido ou a omissão dessa decisão não é susceptível de afectar negativamente a esfera jurídica da Executada, pois não lhe retira direito algum nem lhe impõe qualquer obrigação, bem como não lhe recusa o reconhecimento de direito algum ou a satisfação de nenhuma pretensão. A lesão dos direitos ou interesses legítimos da Executada só poderá, eventualmente, ocorrer se e quando ela vier a exercer qualquer direito na execução, designadamente o de deduzir oposição. Só nessa ocasião a entidade competente para conhecer do pedido formulado, ajuizando da tempestividade do exercício desse direito, se pronunciará sobre a eventual interrupção do prazo.
Consequentemente, porque não há obrigação de decisão sobre o pedido formulado pela Executada ao órgão da execução fiscal, também a falta de decisão sobre esse pedido não é susceptível de reclamação judicial. O que bem se compreende, pois, a não ser assim, através da reclamação judicial das decisões, ou da falta delas, relativas a pedidos de consulta formulados quanto às condições processuais respeitantes ao eventual exercício de direitos na execução fiscal, estaria encontrada a maneira de paralisar constantemente a execução fiscal.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT, admite-se a possibilidade de recorrer do despacho de indeferimento liminar, ou de valor equivalente, proferido em processo de reclamação de acto do órgão da execução fiscal, ainda que o processo tenha valor inferior à alçada.
II - O art. 276.º do CPPT, em sintonia com os arts. 95.º, n.º 1, e 103.º, n.º 2, da LGT, permite ao executado ou a qualquer interessado impugnar judicialmente (reclamar) a decisão proferida ou o acto praticado pelo órgão da execução fiscal, desde que seja lesivo dos seus direitos ou interesses legítimos (cfr. art. 268.º, n.º 4, da CRP).
III - O órgão da execução fiscal não tem de pronunciar-se a título consultivo sobre o prazo para o eventual exercício de direitos do executado, designadamente sobre se esse prazo se encontra ou não interrompido por força da impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário.
IV - Consequentemente, porque da falta de pronúncia do órgão da execução fiscal sobre esse pedido não resulta para o executado a lesão de algum seu direito ou interesse legítimo, pois a mesma não tem qualquer repercussão imediata negativa na sua esfera jurídica, também dessa omissão não cabe reclamação ao abrigo do art. 276.º do CPPT.
V - A lesão dos direitos ou interesses legítimos da Executada só poderá, eventualmente, ocorrer se e quando ela vier a exercer qualquer direito na execução, designadamente o de deduzir oposição, pois só nessa ocasião a entidade competente para conhecer do pedido formulado, ajuizando da tempestividade do exercício desse direito, se pronunciará sobre a eventual interrupção do prazo.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida (de indeferimento da reclamação judicial) com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 11 de Setembro de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.