Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0639/14
Data do Acordão:12/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LEGALIDADE
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A impugnação judicial não é o meio próprio para aquele que foi chamado a responder subsidiariamente por coimas fiscais aplicadas à sociedade originária devedora de que foi gerente vir discutir a legalidade da decisão que aplicou aquelas coimas, sendo que essa discussão apenas poderia ter lugar, como tem vindo a sustentar este Supremo Tribunal Administrativo, em oposição à execução fiscal.
II - A prescrição da obrigação tributária não constitui causa de pedir do pedido de anulação da liquidação que lhe deu origem, apenas podendo ser conhecida em sede de impugnação judicial incidentalmente, como motivo de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
III - Esse conhecimento apenas deve ocorrer caso o processo forneça todos os elementos que permitam uma decisão segura sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA000P18328
Nº do Documento:SA2201412030639
Data de Entrada:05/30/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Recorrido 2:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 6/08.1BEBJA

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Tributário de Beja, que, julgando a impugnação judicial deduzida por A……… contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 1996 a 2001 e coimas fiscais respeitantes aos anos de 1998 e 1999, proferiu a seguinte decisão: «Pelo exposto, reconhece-se a prescrição do tributo liquidado relativamente aos exercícios de 1996, 1997 e 1998 assim como as coimas referentes a 1998 e 1999 em consequência do que deve a execução ser extinta nessa parte, e mantê-la quanto ao tributo liquidado relativamente aos exercícios de 1999 e 2000».

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos, e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I. As dívidas dos autos reportam-se liquidações de IVA dos anos de 1996 a 2001 e coimas fiscais de 1998 e 1999.

II. O tribunal declarou prescritas, ao abrigo do artigo 34.º do Código de Processo Tributário (CPT) as dívidas de imposto dos anos de 1996, 1997 e 1998, bem como as coimas.

III. O presente recurso incide sobre a declaração de prescrição das dívidas de imposto de 1996 e 1997, bem como das coimas.

IV. No que diz respeito às dívidas de imposto, o início do respectivo prazo de prescrição situa-se, respectivamente em, 1-01-1997, 01-01-1998, nos termos do artigo 34.º do CPT.

V. Com a instauração da execução fiscal em 18-07-2000 operou-se a interrupção do prazo prescricional (n.º 3 do artigo 34.º do CPT).

VI. A citação pessoal do Revertido ocorreu em 28-10-2007.

VII. Ao aplicar-se o regime previsto no artigo 34.º do CPT, o prazo de prescrição, sem qualquer facto interruptivo ocorreria em 01-01-2007 e 01-01-2008, para os impostos respectivamente de 1996 e 1997.

VIII. Atendendo a que o processo esteve parado por um período de tempo superior a um ano, a interrupção da prescrição degradou-se em suspensão, ou seja, deveria a sentença ter considerado, na contagem do prazo de prescrição, o ano de suspensão, que tem de ser somado o prazo de prescrição de dez anos.

IX. E é precisamente neste segmento que a sentença padece de erro de julgamento, na medida em apenas considerou o prazo de dez anos sem adicionar o ano de suspensão do prazo, entre 18-07-2000 e 18-07-2001.

X. O que faz toda a diferença no presente caso, já que, com o ano de suspensão, o referido prazo de onze anos ocorreria em 01-01-2008 e 01-01-2009, para os impostos respectivamente de 1996, 1997.

XI. Ora, constando do probatório que o impugnante foi citado para a reversão em 28-10-2007, é manifesto que a prescrição não se verificou quanto às dívidas de 1996 e 1997.

XII. E nem se invoque o artigo 48.º n.º 3 da LGT dizendo que o impugnante foi citado após o 5.º ano posterior à liquidação, uma vez que tal preceito não tem aqui aplicação, a partir do momento em que a sentença decidiu aqui aplicar o regime de prescrição previsto no CPT.

XIII. Quanto à questão da declaração de prescrição das coimas, não se irá aqui discutir se as mesmas estão ou não prescritas.

XIV.O erro de julgamento em que a douta sentença aqui incorreu prende-se com o facto de ter apreciado a prescrição da coimas em sede de impugnação judicial, quando não o podia ter feito, pois a impugnação judicial não é o meio adequado para apreciar a prescrição das coimas.

XV. Embora seja pacífico que a prescrição não constitui um vício ou erro do acto de liquidação, admite-se o seu conhecimento em sede de impugnação judicial, tendo em vista julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, a fim de obviar a que se julgue legal uma liquidação que não pode ser já exigida judicialmente.

XVI. Trata-se no entanto da prescrição da dívida subjacente à liquidação de imposto, cuja legalidade é passível de apreciação em impugnação judicial.

XVII. Ora, não podendo em sede de impugnação judicial ser apreciada a legalidade da decisão de aplicação de uma coima (sindicável através de recurso judicial previsto no artigo 80.º do RGIT), por maioria de razão também não se pode admitir a apreciação da sua prescrição neste sede.

XVIII. Em conclusão, ao julgar prescritas as dívidas de imposto referentes aos anos de 1996 e 1997, violou a douta sentença o disposto no artigo 34.º do CPT e, ao ter apreciado e declarado a prescrição das coimas em sede de impugnação judicial, violou o [art.] 99.º do CPPT

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Exas. se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente oposição [(Apesar de a Recorrente se referir a oposição, o meio processual em causa é uma impugnação judicial.)], tudo com as devidas e legais consequências».

1.3 O Recorrido contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor: «

A. O Tribunal a quo declarou, e bem, prescritas as dívidas de imposto IVA dos anos 1996 e 1997, bem como as coimas de 1998 e 1999.

B. Porém, o Tribunal a quo fundamentou a prescrição das dívidas de imposto IVA dos anos 1996 e 1997 em razão da aplicação do regime previsto no artigo 34.º do Código de Processo Tributário, quando deveria ter concluído pela aplicação do regime contemplado pela Lei Geral Tributária, mormente atento ao disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que aprovou aquela última, que, por sua vez, nos remete para o artigo 297.º do Código Civil.

C. Consequentemente e uma vez que em razão da lei antiga não estava a decorrer um prazo mais curto, o Tribunal a quo só poderia ter fundamentado a sua decisão com a aplicação do regime contemplado pela Lei Geral Tributária, a qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1999 e que previa um prazo de prescrição de 8 anos.

D. A citação do impugnante só ocorreu em 28 de Outubro de 2007, pelo que já encontravam prescritas as dívidas de imposto IVA dos anos 1996 e 1997.

E. Não obstante, qualquer efeito interruptivo ao prazo de prescrição dos tributos de IVA de 1996 e 1997, ocorreu já na vigência da LGT – o processo de execução fiscal foi instaurado no decurso do ano de 2000, tendo a citação do Impugnante ocorrido em finais de 2007 – pelo que a sua eficácia em relação ao responsável subsidiário fica subordinada à verificação da condição de que depende o n.º 3 do artigo 48.º da LGT, tal seja, “a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação”.

F. Quanto à declaração de prescrição das coimas suscitada pela Fazenda Pública em sede de recurso, sempre se dirá que “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, nos termos do disposto no artigo 99.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, sendo pacífico que a prescrição não constitui um vício ou erro do acto de liquidação, pelo que se admite o seu conhecimento em sede impugnação judicial.

G. Outrossim, incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes e apenas destas, sem prejuízo de a Lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras prioritariamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

H. Pelo exposto, quanto à declaração de prescrição das coimas de 1998 e 1999 devem manter-se todos os fundamentos e decisões que constam na sentença recorrida e que não mereceram qualquer contestação por parte da Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicável, requer-se que V. Ex.as se dignem a julgar totalmente procedente o presente recurso, por provado e, consequentemente, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por douto acórdão que fundamente a prescrição das dívidas de imposto IVA dos anos 1996 e 1997 em razão da aplicação do regime contemplado pela Lei Geral Tributária, considerando ainda inoponível ao Impugnante qualquer efeito interruptivo. Roga-se ainda que o Acórdão a proferir mantenha a prescrição das coimas de 1998 e 1999, mormente atendendo a todos os factos e fundamentos que constam da sentença recorrida, os quais, aliás, não merecerem qualquer contestação».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que se passa a reproduzir na íntegra: «

1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 167 a 170, que julgou parcialmente procedente a acção de impugnação judicial apresentada contra as liquidações de IVA dos anos de 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, e julgou verificada a prescrição do imposto de IVA relativo aos anos de 1996, 1997 e 1998, assim como as coimas referentes a 1998 e 1999, determinando a extinção da execução fiscal nessa parte.
Entende a Recorrente Fazenda Pública que a sentença padece do erro de julgamento, por ao declarar prescritas as obrigações tributárias não ter tido em consideração o período de suspensão em que o processo esteve parado por mais de um ano.
Considera igualmente a Recorrente que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento por ter apreciado a prescrição das coimas em sede de impugnação judicial, já que no seu entendimento lhe estava vedado conhecer da mesma, por não ser este o meio processual próprio para conhecer de tal questão.

2. Para se decidir pela procedência parcial da acção a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” deu como assente a seguinte factualidade:
a) A sociedade “B……….., Lda.” apresentou declaração de início de actividade a partir de 21/06/1995, tendo sido cessada oficiosamente em 31/12/2001;
b) Durante o período assinalado em a) aquela sociedade não apresentou quaisquer declarações de IVA;
c) Em 22/01/2000 foram emitidas pela AT liquidações oficiosas de IVA referentes aos anos de 1996 e 1997, no valor de € 1.496,39 euros, cada uma;
d) Em 15/01/2002 foram emitidas pela AT liquidações oficiosas de IVA referentes aos anos de 1998 e 1999, no valor de € 1.496,39 euros, cada uma;
e) Em 11/06/2003 foi emitida pela AT liquidação oficiosa de IVA referente ao ano de 2000, no valor de € 1.496,39 euros;
f) Em 28/11/2003 foi emitida pela AT liquidação oficiosa de IVA referente ao ano de 2001, no valor de € 1.496,39 euros;
g) As referidas liquidações de IVA não foram pagas, tendo sido extraídas certidões de dívida que deram origem a outros tantos processos de execução fiscal instaurados contra a sociedade “B…………, Lda.”, os quais foram todos apensados;
h) Pela falta de entrega das declarações de IVA foram aplicadas à sociedade “B………… Lda.” coimas no valor de € 257,30 e € 469,50, as quais não foram pagas, tendo sido extraídas certidões de dívida em 21/05/2004 e 30/12/2004, que deram origem a processos de execução fiscal contra a mesma sociedade e apensos aos demais processos;
i) No âmbito das execuções fiscais instauradas com base nas certidões de dívida referidas nas alíneas anteriores e com base na inexistência de bens conhecidos à sociedade “B……….., Lda.” foi proferido despacho de reversão contra A………., na qualidade de responsável subsidiário, o qual foi citado em 28/10/2007;
j) O processo de execução fiscal principal e apensos estiveram parados por causa não imputável à executada no período de 18/07/2000 a 17/09/2007.

3. Na sentença recorrida a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” elegeu como questões decidendas a prescrição das dívidas fiscais e a errónea qualificação da matéria tributável.
Com o fundamento de que a prescrição é de conhecimento oficioso, a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” decidiu conhecer da mesma. E pese embora se tenha deparado com vários regimes legais aplicáveis e colocado a questão sobre qual seria o aplicável, a sentença não é clara sobre qual dos regimes legais se entendeu aplicável. De todas as formas considerou-se que em relação às dívidas de IVA dos anos de 1996 e 1997 a instauração da execução fiscal em 30/06/2000 tinha interrompido a prescrição, mas como o processo esteve parado no período de 18/07/2000 a 17/09/2007, considerou-se que à data de 03/01/2008, data em que foi apresentada a impugnação, já tais dívidas se encontravam prescritas pelo decurso do prazo legal de 10 anos.
Resulta, assim, que a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” considerou aplicável ao caso o regime legal previsto no Código de Processo Tributário.
Quanto às demais dívidas considerou a Mma. Juiz aplicável o regime legal da Lei Geral Tributária.
Quanto à dívida relativa ao IVA de 1998 considerou a Mma. Juiz que à data da citação do impugnante e aqui recorrido – 28/10/2007 –, já havia decorrido o prazo de 8 anos previsto no artigo 48.º da Lei Geral Tributária.
Já no que respeita às coimas, entendeu a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” que reportando-se as infracções aos anos de 1998 e 1999, à data em que foram extraídas as certidões de dívida – 21/05/2004 e 30/12/2004 –, já tinha decorrido o prazo de cinco anos do respectivo procedimento previsto no artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário. Entendeu assim e à míngua de elementos sobre a ocorrência de eventuais factos interruptivos ou suspensivos, que “a responsabilidade contra-ordenacional da sociedade então arguida quanto aos factos que lhe são imputados através de tais condenações mostra-se extinta por prescrição do respectivo procedimento decorridos que foram mais do que 5 anos desde a infracção até à certidão de dívida”.
Concluiu-se, assim, na sentença recorrida que «reconhece o tribunal a prescrição das quantias em cobrança relativas a IVA dos anos de 1996, 1997, 1998 e as coimas».

4. A questão que importa apreciar consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao declarar prescritas as dívidas de IVA relativas aos anos de 1996, 1997 e 1998 e as dívidas relativas às coimas.
O STA tem vindo a considerar que apesar de a prescrição da dívida resultante do acto tributário de liquidação não constituir vício invalidante desse acto e por isso não servir de fundamento à respectiva impugnação, não há obstáculo a que, incidentalmente, a prescrição possa ser apreciada, desde que do processo constem todos os elementos pertinentes, para efeito de se determinar se aquela ocorreu e constitui causa de inutilidade da lide impugnatória, uma vez que, em casos deste tipo, o impugnante deixa de ter qualquer interesse na anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado, pois, mesmo sem esta anulação ou declaração, não poderá ser obrigado a pagar coercivamente a quantia pecuniária que é objecto do acto impugnado (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 01/10/2003, recurso n.º 01848/02, de 02/05/2012, recurso n.º 01174/11 e de 18/06/2013, recurso n.º 01279/12).
Importa, assim, verificar se o processo contém todos os elementos que permitam apreciar a prescrição das obrigações tributárias e das coimas.
Estando em causa liquidações de IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998, mostra-se aplicável o Código de Processo Tributário, que no seu artigo 35.º previa um prazo de prescrição de 10 anos.
Todavia em 1 de Janeiro de 1999 entrou em vigor a LGT que no seu artigo 48.º, n.º 1, prevê um prazo de prescrição de 8 anos. E de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 297.º do Código Civil, a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior, (que é o presente caso), é aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Atentas tais considerações legais, temos que em 1 de Janeiro de 1999, data da entrada em vigor da LGT, faltavam decorrer em relação às dívidas de IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998, 8 anos, 9 anos e 10 anos, respectivamente. Com efeito e até 1 de Janeiro de 1999 não consta que tenha ocorrido qualquer facto interruptivo previsto no artigo 34.º, n.º 3, do Código de Processo Tributário.
Assim sendo e uma vez que o tempo que faltava decorrer à luz da lei antiga em cada um dos casos não era inferior ao prazo previsto na lei nova, aplica-se o prazo de 8 anos previsto na Lei Geral Tributária.
Tal prazo e caso não se tenha verificado qualquer facto interruptivo ou suspensivo da prescrição terminaria em 31/12/2006.
Atenta a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, resulta igualmente que até essa data não se verificou qualquer facto interruptivo ou suspensivo da prescrição à luz do disposto no artigo 49.º da Lei Geral Tributária. Na verdade, este preceito legal, ao contrário do disposto no n.º 3 do artigo 34.º do CPT, não prevê a instauração da execução como facto interruptivo.
Com efeito, o único facto interruptivo ocorreu com a citação do Recorrente em 28/10/2007, altura em que já haviam decorrido o prazo de prescrição supra mencionado.
O facto de o processo de execução fiscal principal e apensos terem estado parados por causa não imputável à executada originária no período de 18/07/2000 a 17/09/2007, não assume qualquer relevância neste caso, uma vez que o prazo de prescrição nunca sofreu qualquer interrupção. Ou seja, a hipótese de norma inserta no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à revogação operada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, no sentido de que «a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação», só releva se tiver ocorrido qualquer facto interruptivo previsto no n.º 1 do mesmo preceito legal. Não havendo notícia de ter ocorrido qualquer desses factos interruptivos e estando o prazo de prescrição a decorrer, não se mostra aplicável a previsão do n.º 2, que visa pôr termo aos efeitos desse facto interruptivo.
Conclui-se, assim, que as dívidas relativas ao IVA de 1996, 1997 e 1998 estavam efectivamente prescritas à data em que o recorrido foi citado para os termos da execução fiscal, o que constitui causa de inutilidade da lide nesta parte.
E no que respeita às dívidas de coimas?
Como se alcança da sentença recorrida é manifesto o erro em que incorre a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo”, pois confunde prescrição do procedimento contra-ordenacional com prescrição da coima, o que são coisas substancialmente diferentes.
Na sentença recorrida não consta em que data as decisões de aplicação de coima se tomaram definitivas ou caso decidido. Apenas consta que em 21/05/2004 e 30/12/2004 foram extraídas certidões para execução das coimas. Sendo certo que a extracção das certidões ocorre após aquelas decisões sancionatórias constituírem caso decidido ou resolvido (ou seja insusceptível de recurso para o tribunal tributário), podemos admitir que as decisões foram proferidas no decurso do ano de 2004. Considerando que o prazo de prescrição das coimas é de cinco anos - art. 34.º do RGIT (o mesmo prazo era previsto na LGT e no CPT), então temos que concluir que não se verifica a sua prescrição, ou pelo menos o processo não contém elementos que permitam ao julgador conhecer de tal questão. E como se deixou supra referido, a prescrição não é fundamento da impugnação, só devendo ser conhecida como causa de inutilidade da lide e se o processo contiver todos os elementos de facto pertinentes.
Se o processo não contiver tais elementos, não há fundamento legal para o juiz conhecer de tal questão.
Em face do exposto, entendemos que a sentença recorrida deve ser confirmada na parte relativa à declaração de prescrição das dívidas de IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998, e consequente inutilidade da lide, nesta parte, ainda que com outra fundamentação, e revogada no que diz respeito à declaração de prescrição das coimas, por o processo não conter os elementos que permitam conhecer de tal questão, julgando-se, assim, parcialmente procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento (i) quando entendeu conhecer da prescrição de coimas em processo de impugnação judicial (conclusões XIII a XVIII) e (ii) quando considerou prescritas as dívidas correspondentes às liquidações de IVA dos anos de 1996 e 1997, impugnadas nos presentes autos (conclusões IV a XII).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja deu como provados os seguintes factos, que ora submetemos a alíneas: «

A) A sociedade comercial “B………., Lda.” declarou início de actividade a partir de 21/06/1995.

B) A sociedade em questão tinha como sócios e gerentes a essa data A……….. e C………….

C) Em 23/05/2000 foram extraídas certidões de dívida contra a sociedade em questão e nelas sendo mencionado ser devedora à Fazenda Nacional de 1.496,39 € relativo a IVA a cada um dos anos de 1998 e 1997, as quais haviam sido liquidadas em 22/01/2000.

D) Em 12/04/2002 foram extraídas certidões de dívida contra a sociedade em questão e nelas sendo mencionado ser devedora à Fazenda Nacional de 1.496,39 € relativo a IVA de cada um dos anos de 1998 e 1999, as quais haviam sido liquidadas em 15/01/2002.

E) Em 16/09/2003 foi extraída certidão de dívida contra a sociedade em questão e nela sendo mencionado ser devedora à Fazenda Nacional de 1.496,40 € relativo a IVA do ano de 2000, liquidado em 11/06/2003.

F) Em 06/02/2004 foi extraída certidão de dívida contra a sociedade em questão e nela sendo mencionado ser devedora à Fazenda Nacional de 1.496,40 € relativo a IVA do ano de 2001, liquidado em 28/11/2003.

G) Em 21/05/2004 foi extraída certidão de dívida contra a sociedade em questão e nela sendo mencionado ser devedora à Fazenda Nacional de 257,30 € relativo a coima aplicada em processo de contra-ordenação relativo a falta de entrega de declarações ou entrega fora do prazo legal referente ao ano de 1998.

H) Em 30/12/2004 foi extraída certidão de dívida contra a sociedade em questão e nela sendo mencionado ser devedora à Fazenda Nacional de 469,50 € relativo a coima aplicada em processo de contra-ordenação relativo a falta de entrega de declarações ou a sua entrega fora do prazo legal referente ao ano de 1999.

I) Em 30/06/2000 foi instaurada a execução fiscal n.º 2259-00/100817.0 e subsequentemente a ela outras se seguiram (2259-02/100394 em 23/05/2002 e 2259200301505238 em 16/09/2003), tendo sido apensas à primeira, contra a sociedade em questão para cobrança das dívidas mencionadas nas certidões.

J) No âmbito de tal execução foi apurado não serem conhecidos bens penhoráveis à sociedade.

L) Nessa sequência, foram os autos preparados para reversão contra os identificados gerentes da mesma nos períodos a que respeitam as dívidas, identificados como A………. e C………….

M) Assim, foi determinada a sua audição prévia à reversão pelo despacho de 17/09/2007 a qual se consumou relativamente ao aqui impugnante A……… em 18/09/2007.

N) O impugnante exerceu o seu direito de audição.

O) Não obstante, através de despacho de 19/10/2007, foi decidida a reversão dos autos contra o aqui impugnante e determinada a citação em reversão a qual se consumou em 28/10/2007.

P) Em 03/01/2008 apresentou a petição inicial que originou os presentes autos.

Q) De acordo com os registos da DGCI de 10/10/2008 o domicílio fiscal do impugnante situa-se na Urbanização ………., lote ………, …………, em Sines.

R) A sociedade executada originariamente ficou enquadrada no regime normal trimestral de IVA e foi cessada oficiosamente em 31/12/2001.

S) As liquidações de IVA respeitantes aos anos de 1995 a 2001 foram processadas oficiosamente em virtude de não terem sido enviadas pela sociedade as declarações periódicas a que estava obrigada.

T) A sociedade executada não foi citada para as execuções.

U) O processo de execução fiscal esteve parado por causa não imputável à executada entre 18/07/2000 e 17/09/2007».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência da citação que lhe foi feita em sede de execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas de uma sociedade de que foi gerente, provenientes de IVA e de coimas fiscais, veio A……….. apresentar impugnação judicial invocando o disposto no art. 99.º do CPPT e no art. 22.º, n.º 4 As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».), da Lei Geral Tributária (LGT). Sucede, porém, que não se limitou a impugnar as liquidações de IVA – respeitantes aos anos de 1996 a 2001 – que deram origem a parte das dívidas exequendas; do mesmo passo e no mesmo articulado, entendeu também impugnar as coimas fiscais que deram origem às restantes dívidas exequendas.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, apreciando essa impugnação judicial, entendeu conhecer oficiosamente da prescrição, quer das obrigações originadas pelas liquidações de IVA, quer das obrigações geradas pelas decisões de aplicação da coima, e decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, reconhece-se a prescrição do tributo liquidado relativamente aos exercícios de 1996, 1997 e 1998 assim como as coimas referentes a 1998 e 1999 em consequência do que deve a execução ser extinta nessa parte, e mantê-la quanto ao tributo liquidado relativamente aos exercícios de 1999 e 2000».
A Fazenda Pública não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, sendo por estas que se determina o objecto e o âmbito do recurso [cfr. os arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) (Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto. Os artigos referidos que correspondem, respectivamente, aos arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, na anterior redacção do Código.) e o art. 2.º, alínea e), do CPPT], a Fazenda Pública discorda da sentença apenas em dois segmentos: quanto ao conhecimento da prescrição das coimas em sede de impugnação judicial (conclusões IV a XII) e quanto à declaração da prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações respeitantes aos anos de 1996 e 1997, deixando (algo surpreendentemente) de fora do âmbito do recurso a declaração de prescrição respeitante à liquidação do ano de 1998 (conclusões XIII a XVIII).
Daí que tenhamos elegido como questões a apreciar e decidir as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento (i) quando entendeu conhecer da prescrição de coimas em processo de impugnação judicial e (ii) quando considerou prescritas as dívidas correspondentes às liquidações de IVA dos anos de 1996 e 1997, impugnadas nos presentes autos.
Antes de avançarmos para a apreciação e decisão dessas questões, recordamos que o meio processual de que o ora Recorrido lançou mão – e que não foi corrigido – foi a impugnação judicial prevista no art. 99.º do CPPT.
A nosso ver, impõe-se esta nota, quer em face do teor da parte decisória da sentença – que nada decidiu quanto às liquidações de IVA impugnadas nem quanto à sorte da impugnação judicial, mas apenas quanto à execução fiscal em que as dívidas que lhes correspondem, bem como as dívidas por coimas, estavam a ser cobradas coercivamente («[…] em consequência do que deve a execução ser extinta nessa parte [coimas e liquidações dos anos de 1996, 1997 e 1998], e mantê-la quanto ao tributo liquidado relativamente aos exercícios de 1999 e 2000») –, quer em face do pedido formulado pela Recorrente – de que, sendo provido o recurso, a sentença recorrida seja «revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente oposição» (negrito nosso).
Ou seja, quer a sentença quer a Recorrente (esta, apenas a espaços) parecem ter olvidado que estamos em sede de impugnação judicial e não de oposição à execução fiscal. Ora, como melhor veremos adiante, são bem distintos o âmbito e os fundamentos de um e outro meio processual, previstos, respectivamente, nos arts. 99.º e 204.º do CPPT.

2.2.2 DO CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DAS COIMAS EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL PREVISTA NO ART. 99.º DO CPPT

Desde logo, cumpre ter presente que o meio processual adequado para discutir a legalidade das decisões administrativas de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria tributária, não é a impugnação judicial prevista no art. 99.º do CPPT, meio processual que será de utilizar quando o acto contra o qual se pretenda reagir seja um acto de liquidação ou um acto administrativo que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação e, relativamente a actos de outro tipo, quando a lei utilizar o termo «impugnação» para designar o meio processual próprio (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 2 ao art. 99.º, pág. 107. ).
O meio processual em que deve ser discutida a legalidade das decisões administrativas de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria tributária é o recurso judicial de actos de aplicação de coimas e sanções acessórias, que, não estando previsto expressamente no elenco do n.º 1 do art. 97.º do CPPT como um dos tipos de processo judicial tributário (Ao contrário do que sucedia no Código de Processo Tributário, onde constava da previsão do art. 118.º, n.º 2, alínea c).), deve contudo considerar-se abrangido pela alínea q) do mesmo preceito, pois está hoje previsto em diploma próprio, do qual consta toda a regulamentação relativa aos processos contra-ordenacionais, qual seja o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
Assim, para discutir a legalidade da decisão de aplicação da coima, nunca o ora Recorrido poderia recorrer à impugnação judicial prevista nos arts. 97.º, n.º 1, alínea a), e 99.º do CPPT, sendo que o meio processual adequado para esse efeito é o recurso da decisão de aplicação da coima previsto no art. 80.º do RGIT.
É certo que as coimas estão a ser exigidas ao ora Recorrido na qualidade de responsável subsidiário [cfr. alíneas G) a O) dos factos provados], pelo que ao mesmo não terá sido facultada a possibilidade de se defender no processo contra-ordenacional. Na verdade, só a entidade condenada no pagamento das coimas terá legitimidade para interpor recurso das mesmas, como resulta do disposto no art. 59.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi do art. 3.º, alínea b), do RGIT.
Assim, e a dar-se como admissível a responsabilidade subsidiária por coimas e a possibilidade da efectivação dessa responsabilidade mediante reversão efectuada em processo de execução fiscal (E vão nesse sentido as mais recentes decisões do Tribunal Constitucional. Cfr. o acórdão de 3 de Outubro de 2011 do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 437/2011, proferido no processo, n.º 206/10, que julgou não ser inconstitucional a norma do artigo 8.º n.º 1 do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110437.html.), sempre haveria de admitir-se que o responsável subsidiário pudesse ainda, em sede de oposição à execução fiscal, defender-se nos mesmos termos que o arguido, como tem vindo a afirmar a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
de 14 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 64/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 592 a 596, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/46d3dc0d43a922878025770a005609da?OpenDocument;
de 8 de Setembro de 2010, proferido no processo com o n.º 186/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1285 a 1291, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0867f0e42db864b4802577a00033b4dc?OpenDocument;
de 19 de Janeiro de 2011, proferido no processo com o n.º 775/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf) págs. 112 a 116, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b76436fa5fcddba80257824003a2e81?OpenDocument;
de 13 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 87/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 620 a 624, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7d2623f91cd3fb9380257872004b2bf3?OpenDocument.), como modo de assegurar a tutela jurisdicional efectiva, consagrada no art. 20.º da CRP (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 18 e) ao art. 97.º, págs. 57/58).
Seja como for, as únicas formas processuais por que o ora Recorrido poderia reagir contenciosamente contra a decisão de aplicação das coimas seriam o recurso judicial, previsto no art. 80.º do RGIT, ou a oposição à execução fiscal, prevista no art. 204.º do CPPT; nunca a impugnação judicial (Sobre a questão, desenvolvidamente, o citado acórdão de 13 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 87/11.).
O pedido que o ora Recorrido formulou na petição inicial, de anulação das decisões de aplicação da coima (Pese embora na petição inicial o pedido tenha sido formulado em termos genéricos – «deverá a presente impugnação ser julgada provada e procedente» –, afigura-se-nos que será esta interpretação a dar ao mesmo.), não é adequado à impugnação judicial, que foi o meio processual por ele escolhido.
Verifica-se, pois, a inadequação do meio processual, a determinar o erro na forma do processo (Como é sabido, o erro na forma do processo afere-se pelo pedido formulado.). Porque esse erro é parcial – não há dúvidas quanto à propriedade do meio relativamente ao pedido de anulação das liquidações de IVA também formulado na petição inicial –, fica excluída a possibilidade de sanação da nulidade mediante convolação, prevista no art. 97.º, n.º 3, da LGT, e no n.º 4 do art. 98.º do CPPT, e há que dar sem efeito o pedido de anulação das coimas, prosseguindo o processo apenas para conhecimento do pedido de anulação das liquidações de IVA, mediante aplicação analógica da solução prevista no art. 186.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (Sobre o erro parcial na forma do processo e suas consequências, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, nota 10 e) ao art. 98.º, págs. 92/93.).
Assim, porque nunca poderia conhecer-se da legalidade das decisões que aplicaram as coimas que estão a ser exigidas ao ora Recorrido na presente impugnação judicial, também nunca poderia conhecer-se da prescrição das mesmas nesta sede.
Tem, pois, o recurso jurisdicional de ser provido na parte em que atacou a sentença com esse fundamento.


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2.2.2 DA PRESCRIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS SUBJACENTES ÀS LIQUIDAÇÕES IMPUGNADAS

A sentença recorrida, entendeu conhecer oficiosamente da prescrição das dívidas correspondentes às liquidações impugnadas dos anos de 1996, 1997 e 1998.
Antes do mais, cumpre relembrar que, porque estamos em sede de impugnação judicial, a prescrição da obrigação tributária nunca poderá constituir causa de pedir do pedido de anulação da liquidação, mas poderá apenas ser conhecida, incidentalmente, como motivo de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide: no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução (cfr. art. 175.º do CPPT), caso esta tenha já sido instaurada; assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede, mesmo oficiosamente, como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e), do CPC (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 23 a 25.).
Cumpre também ter presente que a prescrição da obrigação tributária em sede de impugnação judicial apenas deve ser conhecida, como causa da eventual inutilidade superveniente da lide, nos casos em que o processo forneça todos os elementos que permitam uma decisão segura quanto àquela questão, designadamente, quando do processo constem todos os elementos que permitam atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos (Ibidem.).
Tendo presente esta doutrina, duas conclusões se impõem: primeira, que a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja se deveria ter ficado pela declaração da inutilidade superveniente quanto às liquidações relativamente às quais considerou as respectivas obrigações prescritas; segunda, que os elementos constantes do processo não permitem concluir seguramente pela prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações impugnadas. Vejamos:
Estão em causa apenas as liquidações de IVA dos anos de 1996 e 1997, pois a Recorrente apenas se insurgiu relativamente à declaração de prescrição das obrigações que correspondem a esses actos tributários (deixando fora do âmbito do recurso o IVA do ano de 1998). Nesses anos, estava em vigor o Código de Processo Tributário (CPT) (Cfr. art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 154/91, de 17 de Abril, diploma que aprovou o CPT.), que, nos termos do respectivo art. 34.º, n.º 1, fixava em 10 anos o prazo da prescrição das obrigações tributárias. No entanto, em 1 de Janeiro de 1999, com a entrada em vigor da LGT (Cfr. art. 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT.), aquele prazo foi encurtado para 8 anos, nos termos do art. 48.º, n.º 1, daquela Lei.
Assim, antes do mais, cumpre indagar qual o prazo de prescrição aplicável.
Para decidir a questão da sucessão das leis no tempo, impõe-se observar o disposto no art. 297.º, n.º 1 do Código Civil (CC) («A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».), disposição legal que a jurisprudência sempre entendeu como aplicável na determinação do prazo de prescrição no caso de sucessão de leis reguladoras do prazo no tempo (Com interesse, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., págs. 87 a 98. e DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 5.º do diploma da aprovação, págs. 47/48.) e que o art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT, consagrou expressamente como aplicável ao novo prazo de prescrição nela consagrado. O que significa que cumpre averiguar se à data em que entrou em vigor a LGT, que encurtou o prazo de prescrição, faltava menos tempo para o prazo se completar à luz da lei antiga: se à data em que entrou em vigor a LGT (1 de Janeiro de 1999) faltava menos de 8 anos para se completar o prazo prescricional contado nos termos do CPT (dito de outro modo, se, nessa data, estavam já decorridos mais de 2 anos do prazo de prescrição), será esse o prazo aplicável; se faltava ainda 8 anos ou mais (ou seja, se, nessa data, apenas estavam decorridos 2 anos ou menos do prazo prescricional), então o prazo a aplicar será o da LGT. Vejamos:
O prazo de prescrição de 10 anos do CPT conta-se desde 1 de Janeiro de 1997, para a dívida de 1996 (cfr. art. 34.º, n.º 2, do CPT). Assim, a questão não suscita dificuldades: porque o início do prazo se situa em 1 de Janeiro de 1997, em 1 de Janeiro de 1999 não poderiam ter decorrido mais de 2 anos do prazo prescricional, motivo por que há que lhes aplicar o prazo de prescrição de 8 anos previsto na LGT, contado a partir daquela data. O mesmo raciocínio se aplica, mutatis mutandis, à liquidação de 1997, sendo que relativamente a esta em 1 de Janeiro de 1999 nunca poderia ter decorrido mais de um ano do prazo prescricional.
Estabelecido que está que o prazo de prescrição aplicável é o de 8 anos previsto no art. 48.º, n.º 1, da LGT, a prescrição das obrigações tributárias em causa, na ausência de causas de interrupção ou de suspensão, verificar-se-ia em 31 de Dezembro de 2006, como bem assinalou o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer.
No entanto, não há a certeza de que não tenha ocorrido causa alguma de suspensão ou de interrupção (cfr. art. 49.º, n.º 1, da LGT, devendo levar-se em conta que, até à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, havia que relevar as diversas causas de interrupção que se fossem sucedendo), pois a factualidade que foi dada como assente nada regista a esse propósito, com excepção da citação.
Ora, como deixámos dito, em sede de impugnação judicial só deverá conhecer-se incidentalmente da prescrição, como causa de inutilidade superveniente, nos casos em que do processo constem todos os elementos que permitam uma decisão segura quanto àquela questão, designadamente, se do processo constarem todos os elementos que permitam estabelecer se há ou não que atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos. Ora, nada nos permite afirmar que não tenham ocorrido factos susceptíveis de interromper ou suspender o prazo da prescrição.
Assim sendo, não pode afirmar-se, desde já, a ocorrência da causa determinante da questionada inutilidade superveniente da lide da presente impugnação.
Note-se, finalmente, que se realmente se verificou a prescrição, nada obsta a que a questão seja conhecida, oficiosamente ou a requerimento do ora Recorrido, que poderá suscitar a questão em sede executiva.
Assim, embora por razões bem diversas das invocadas pela Recorrente, o recurso também merece provimento no que respeita ao julgamento da prescrição, reiterando-se que o conhecimento da prescrição da obrigação tributária em sede de impugnação judicial só deve ocorrer incidentalmente e como causa da inutilidade superveniente da lide.
Em consequência, revogando-se a declaração de prescrição constante da sentença recorrida, os autos deverão regressar à 1.ª instância, para aí se apreciar da legalidade das liquidações de IVA dos anos de 1996 e 1997.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A impugnação judicial não é o meio próprio para aquele que foi chamado a responder subsidiariamente por coimas fiscais aplicadas à sociedade originária devedora de que foi gerente vir discutir a legalidade da decisão que aplicou aquelas coimas, sendo que essa discussão apenas poderia ter lugar, como tem vindo a sustentar este Supremo Tribunal Administrativo, em oposição à execução fiscal.
II - A prescrição da obrigação tributária não constitui causa de pedir do pedido de anulação da liquidação que lhe deu origem, apenas podendo ser conhecida em sede de impugnação judicial incidentalmente, como motivo de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
III - Esse conhecimento apenas deve ocorrer caso o processo forneça todos os elementos que permitam uma decisão segura sobre a matéria.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, consequentemente,

a) revogar a sentença recorrida na parte respeitante às coimas e julgar verificado o erro na forma do processo no que respeita ao pedido de anulação das coimas aplicadas, declarando a nulidade do processo nessa parte;

b) revogar a sentença na restante parte recorrida, que respeita às liquidações de IVA dos anos de 1996 e 1997, e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância para aí ser conhecida a legalidade desses actos tributários em face dos fundamentos invocados na petição inicial.

Custas pelo Recorrido.

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Lisboa, 3 de Dezembro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.