Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:035/14
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
CONTRADITÓRIO
Sumário:I - Evidenciada a realização pelo contribuinte de suprimentos de montante superior a € 50.000,00 quando nesse ano declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano ao abrigo do disposto na alínea d) do art. 87.º da LGT.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta ou do erro na respectiva quantificação, não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa (e, muito menos, se essa demonstração se refere a ano anterior) detinha meios financeiros que lhe permitissem, total ou parcialmente os suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a «comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas).
Nº Convencional:JSTA00068559
Nº do Documento:SA220140129035
Data de Entrada:01/13/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF DE BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:LGT ART89-A ART1 ART3 ART4
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC050/12 DE 2012/02/15; AC STA PROC0298/12 DE 2012/04/12; AC STA PROC0567/13 DE 2013/05/08
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos com o n.º 991/13.1BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 O Director de Finanças de Braga (adiante Recorrente), considerando, relativamente ao ano de 2009, existir uma desproporção não justificada superior a 50% entre os rendimentos declarados pelo agregado familiar de A…………. (adiante Contribuinte ou Recorrido) e o valor do rendimento padrão correspondente aos suprimentos por ele efectuados em sociedades de que é sócio, procedeu à fixação do rendimento tributável dos Contribuintes para esse mesmo ano por métodos indirectos, nos termos da alínea d) (Aditada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.) do art. 87.º da Lei Geral Tributária (LGT) e dos n.ºs 1, 3, 4 e 5, do art. 89.º-A (Aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.) da mesma Lei, na redacção em vigor à data dos factos, que é a anterior à da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro.

1.2 Os Contribuintes recorreram dessa decisão, ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do art. 89.º-A da LGT, conjugado com o art. 146.º-B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, julgando o recurso parcialmente procedente, considerou a manifestação de fortuna justificada em parte e, em consequência, mantendo embora a decisão administrativa de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, anulou a respectiva quantificação na parte em que desconsiderou o valor parcialmente justificado.

1.3 O Director de Finanças de Braga recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo dessa sentença, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

I. Na douta decisão ora em recurso o Tribunal a quo entendeu que em face da matéria de facto dada por provada se poderia concluir pela comprovação da origem dos meios para a constituição dos provimentos que estiveram na génese da decisão de avaliação da matéria colectável prevista no art. 89.º-A da LGT, relativamente ao ano de 2009;

II. Tendo, nessa medida, entendido encontrar-se justificada parcialmente as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo naquele exercício; e, em consequência, o Tribunal a quo concedido provimento parcial ao recurso do sujeito passivo.

III. Tal decisão suportou-se nos pontos 5 e 8 a 13 do probatório.

IV. Acontece que, salvo o devido respeito, da dita matéria factual apenas é possível extrair que em dado momento do ano anterior à efectivação das manifestações de fortuna aqui em causa – mais concretamente em Junho de 2008 – o sujeito passivo detinha capacidade financeira que lhe permitia suportar as ditas manifestações; e

V. Ainda, que em diversos momentos do ano de 2009 – Julho, Agosto, Novembro e Dezembro – o sujeito passivo efectuou diversos suprimentos a várias sociedades comerciais.

VI. Não possibilitando, contudo, efectuar uma ligação causal entre aquela disponibilidade ou capacidade financeira patenteada em 2008 e as ditas manifestações de fortuna ocorridas mais de um ano após;

VII. Ora, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, para que se possa considerar – total ou parcialmente – justificada a manifestação de fortuna evidenciada necessário é imprescindível que o contribuinte – como constitui seu ónus – demonstre a relação causal da afectação de certo rendimento ou disponibilidade financeira, não sujeitos a tributação, a determinada manifestação de fortuna.

VIII. Assim, não basta ao contribuinte provar que dispunha (ou dispôs) de meios que lhe permitiam a realização da manifestação de fortuna, antes se lhe impunha a prova da afectação concreta de recursos gerados por determinada fonte, não sujeitos a tributação, às concretas manifestações de fortuna.

IX. Não o tendo feito, revelava-se imperioso concluir pela falta de justificação da manifestação de fortuna demonstrada.

X. Ao não se decidir assim na douta sentença recorrida fez-se uma errada interpretação e aplicação do Direito, em violação do preceituado no artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos […] deve o presente recurso ser julgado procedente […]».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 Os Contribuintes contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Resumiram a sua posição em conclusões do seguinte teor:
«
a) A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a impugnação dos Recorridos, por ter considerado que apenas quanto ao montante de 97.000,00 € os Recorridos lograram provar a origem da manifestação de fortuna aqui em causa.

b) No exercício fiscal de 2009, o Recorrido A……………., na qualidade de sócio, efectuou suprimentos às empresas B………. Lda., C…………, Lda. e D……….. Lda., no valor de 60.240,00 €, 173.410,01 € e 5.862,98 €, respectivamente, perfazendo um total de 239.512,99 €.

c) Nesse mesmo exercício fiscal, os Recorridos declaram o rendimento bruto de 33.303,53 € correspondente ao rendimento colectável de 25.476,71 €.

d) Uma vez que tal rendimento é inferior a 50% (tendo em conta a legislação vigente à data dos factos) do rendimento padrão conforme resulta para o caso do art. 89.º-A, n.º 4, da LGT, ou seja, inferior a 50% de 119.756,50 (50% do valor anual dos suprimentos efectuados), e que a AT, erradamente, não considerou que os Recorridos cumpriram o ónus da prova de que o rendimento declarado corresponde à verdade (art. 89.º-A, n.º 3, da LGT), a AT procedeu à avaliação da matéria colectável com base em manifestações de fortuna tendo fixado como rendimento dos Recorridos no ano de 2009 a quantia padrão de 119.756,50 €.

e) Conforme se demonstrou nos autos e concordou, ainda que apenas parcialmente, o Tribunal a quo, a decisão da AT carece de qualquer fundamento factual e legal e por isso merece censura.

f) A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a impugnação dos Recorridos, por ter considerado que apenas quanto ao montante de 97.000,00 € os Recorridos lograram provar a origem da manifestação de fortuna aqui em causa.

g) Entende a AT, erradamente, que tal justificação parcial não deveria ter sido aceite por não servir de prova para o efeito os documentos juntos aos autos pelos Recorridos.

h) Da simples análise da douta sentença proferida pelo tribunal a quo, que aqui se dá por integralmente reproduzida e nesta sede se adere de forma a evitar repetições desnecessárias, se depreende facilmente que é de recusar integralmente a pretensão da AT com a interposição do recurso.

i) Efectivamente, o recurso interposto carece de qualquer fundamento e a sentença proferida pelo tribunal a quo neste ponto não deve ser revogada, por ter sido bem proferida, mas sim mantida!

j) Devem, portanto, considerar-se como não provadas as alegações apresentadas pela AT, e improceder o recurso interposto pela AT.

k) Os documentos juntos aos autos pelos Recorridos são aptos a provar a matéria aqui em causa, carecendo de qualquer base legal e factual a tese defendida pela AT.

l) Os Recorridos justificaram a cumpriram o ónus da prova decorrente do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, pelo menos no que concerne ao montante global de 97.000,00 € dos suprimentos efectuados.

m) Não resulta da lei nem da ratio do art. 89.º-A da LGT que se deve ignorar ou não considerar a justificação parcial do valor da manifestação de fortuna – antes pelo contrário como é assente na nossa doutrina e jurisprudência –; e

n) Deve considerar-se como justificado o rendimento de 97.000,00 € para efeitos do regime previsto no art. 89.º-A da LGT.

o) Devendo pelo menos este valor, acrescido do declarado e aceite pela AT – 25.476,71 € líquidos – ser considerado como aquele que os Recorridos tiveram ao seu dispor no exercício de 2009, ou seja, o valor total de 122.476,71 €, o que implica que a diferença entre o rendimento “desconhecido” inicia e considerado agora conhecido é de apenas 117.036,28 €, correspondendo a um valor rendimento padrão nos termos do art. 89.º-A da LGT de 58.518,14 €, o qual por ser inclusive inferior aos rendimentos conhecidos – e por isso nunca superior em 50% a esse rendimento – afasta a tributação dos Recorridos nos termos do art. 89.º-A da LGT.

Nestes termos, deve o recurso interposto pela AT ser julgado improcedente, por não provado, confirmando-se quanto ao mesmo a douta sentença recorrida […]».

1.6 Foi dada vista ao Ministério Público e o seu Representante junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Para tanto, depois de sintetizar a tese assumida processualmente pela AT no âmbito do presente recurso, considerou o seguinte:

«(…) Para decidir pela procedência parcial do recurso interposto ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, o Mmo. Juiz [do Tribunal]“a quo” deu como provado que no âmbito de acção de fiscalização os SIT constataram que no exercício de 2009 o contribuinte A……….., na qualidade de sócio efectuou suprimentos às sociedades “B………., LDA.”, “C……, LDA.” e “D……….., LDA.”, no valor global de € 239.512,99.
Mais resulta que no âmbito da mesma acção de fiscalização os Serviços de Inspecção Tributária constataram que no ano de 2009 o referido contribuinte havia declarado rendimentos no valor de € 25.476,71, motivo pelo qual concluíram que existia uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão de € 119.756,50, pelo que propuseram a fixação da matéria tributável com recurso a avaliação indirecta, tendo sido acrescidos aos rendimentos declarados o montante de € 119.756,50, a título de rendimentos da categoria “G”, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC.
Resulta igualmente assente na sentença recorrida que no decurso do ano de 2009, o sócio A…….. transferiu para contas tituladas pelas sociedades supra referenciadas o montante global de € 97.000,00.
Entendeu, assim, o Mmo. Juiz [do Tribunal] “a quo” que o contribuinte havia justificado parte dos rendimentos, de acordo com a matéria de facto assente nos números 8 a 13 do probatório. Com efeito na sentença recorrida deixou-se exarado o seguinte: «… resulta claro que os Recorrentes lograram comprovar a origem dos meios para a constituição dos suprimentos no montante de € 97.000,00, tal como decorre do acervo probatório, pontos 8) a 13), considerando-se existir uma relação causal entre os rendimentos auferidos no ano de 2008 e os suprimentos efectuados, no que respeita ao montante de € 97.000,00».
Para a Fazenda Pública não foi feita prova “que permita estabelecer a relação entre os ditos meios ou capacidade financeira que o sujeito passivo detinha a meio do ano de 2008 e as manifestações de fortuna evidenciadas e que tiveram lugar entre Julho e Setembro do ano seguinte”.
Dos pontos 8) a 13) do probatório constam enumerados diversos movimentos bancários para as contas tituladas pelas três sociedades supra referidas. E nos pontos 4) e 5) do probatório foi dado como assente que no ano de 2008 o Recorrido declarou rendimentos mobiliários no valor de € 7.810.703,51 e em meados do ano anterior [anterior a 2009, ou seja, 2008] o saldo de uma conta titulada pelo Recorrido era superior a quatro milhões de euros. Dos movimentos bancários referenciados nos pontos 8) a 13) ficou assente que, com algumas imprecisões, tiveram a sua origem na conta n.º ……….. titulada pelo Recorrido (caso dos pontos n.º 8), 9) e 10)). Sobre os restantes não ficou assente sobre que conta foram sacados os cheques e qual a sua titularidade.
Nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, evidenciada a manifestação de fortuna, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna, ou seja, que não se trata de rendimentos auferidos nesse ano e que estejam sujeitos a tributação.
Ora, o que resulta da matéria de facto assente na sentença recorrida é que os alegados suprimentos foram efectuados através de movimentações bancárias de uma conta titulada pelo Recorrido e de outras fontes não determinadas. Mas, como se deixou exarado no acórdão deste STA de 15/05/2012 (rec. n.º 050/12) e citado pela Recorrente, «…não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos». Ora, pese embora se nos afigure que a matéria de facto dada como assente pelo Mmo. Juiz [do Tribunal] “a quo” podia ser mais esclarecedora, em face dos meios probatórios carreados para os autos, não parece oferecer dúvidas que o juízo formulado na sentença recorrida sobre a justificação das disponibilidades financeiras do Recorrido assenta no facto de no ano de 2008 este ter declarado rendimentos mobiliários de cerca de 7 milhões de euros, dos quais mantinha disponíveis em meados do mesmo ano em conta por si titulada cerca de 4 milhões e que foi desta conta que foram efectuados os movimentos bancários para as contas societárias.
Perante estes elementos de facto afigura-se-nos que está demonstrada a relação causal entre os meios financeiros manifestados com a realização dos suprimentos no valor de € 97.000,00 e os meios financeiros decorrentes dos rendimentos auferidos no ano de 2008 e oportunamente declarados».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que os então Recorrentes (ora Recorridos) tinham conseguido justificar, ainda que parcialmente, a origem da manifestação de fortuna aqui em causa, o que, como procuraremos demonstrar, passa por estabelecer se essa justificação se basta com a demonstração da existência de rendimento ou disponibilidade financeira não sujeita a tributação que permitisse, total ou parcialmente, aquela manifestação de fortuna, ou se exige também a demonstração de quais os concretos rendimentos ou meios financeiros que foram afectados à mesma.

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos:

«Factos Provados:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A Direcção de Finanças de Braga intentou acção inspectiva aos aqui Recorrentes, no cumprimento da Ordem de serviço n.º OI 201300713, de âmbito parcial, em sede de IRS, com incidência no ano de 2009 – cfr. fls. 46 e seguintes do processo administrativo (PA) junto aos autos.

2) No âmbito dessa acção de inspecção foram efectuadas correcções à matéria tributável dos recorrentes em sede de IRS, relativamente ao ano de 2009, com recurso a métodos indirectos, no montante de € 94.279,79 – cfr. fls. 50 do relatório de inspecção junto ao PA.

3) A Administração Tributária alicerçou as correcções descritas em 2), na fundamentação que decorre das conclusões da acção de inspecção vertidas no relatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de onde consta designadamente o seguinte: “(…) Ordem de Serviço n.º OI 201300713 de 2013-03-12, tendo sido iniciado procedimento tendente à obtenção de esclarecimentos através do DI 201300190 de 2013-01-21, tendo sido encerrado esse procedimento em 2013-03-13.

II – 2. Motivo, âmbito e incidência temporal:

De acordo com procedimento de cruzamento de informação efectuada pela Direcção de Finanças de Braga, onde se verificou que o sujeito passivo A……. com o NIF ……….efectuou no ano de 2009 suprimentos no valor total de € 171.047,62 sem que tal valor tivesse acolhimento nos rendimentos declarados nesse ano pelo sujeito passivo, foi iniciado procedimento de inspecção através do DI 201300190 de 2013-01-21.
Após notificação para proceder à justificação de que os valores evidenciados a título de suprimentos correspondiam à realidade e de que era outra a fonte das manifestações de fortuna, o sujeito passivo não efectuou prova suficiente que obstasse à tributação nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, pelo que a presente ordem de serviço pretende efectivar as correcções que se mostram devidas.
(…)
2.) O sujeito passivo e a sua esposa, nos anos de 2007, 2008 e 2009 evidenciaram como rendimento colectável em sede de IRS os seguintes valores:

Ano
Rendimento Bruto
Rendimento colectável
2007
27.674,74
20.637,43
2008
23.517,55
16.107,29
2009
33.303,53
25.476,71
TOTAL
84.495,82
62.221,43
(…)
CAPÍTULO IV – Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT “…há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela”
A tabela referida anteriormente apresenta, conforme o n.º 4 do referido artigo 89.º-A da LGT, os seguintes valores:
(…)
Na sequência de notificações efectuadas às empresas B………. LDA., C………. LDA. e D……… LDA., verificamos que, no exercício de 2009, foram efectuados pelo sócio A………. suprimentos com a seguinte distribuição, no montante total de € 239.512,99, ainda que contabilisticamente no caso da empresa B………….. Lda. estejam só relevados como suprimentos o valor de € 45.240,00.
(…)
Os suprimentos efectuados no ano de 2009 ascendem a € 239.512,99, a que corresponde um rendimento padrão de 119.756,50 e, nesse ano, declarou rendimentos de montante inferior a 50% do rendimento padrão.
Em resposta à notificação (anexo 3) veio o sujeito passivo referir que “… no ano de 2009 não foram apresentados rendimentos que justifiquem o valor dos suprimentos efectuados. Todavia, no ano de 2008 tive rendimentos no valor de 7.834.220,86 €, que cobrem o valor dos suprimentos, conforme declaração de rendimentos…”.
Em relação a esta justificação, não foi apresentada por parte do sujeito passivo qualquer outra informação adicional, nomeadamente extractos bancários, que nos permita concluir de uma forma inequívoca que o rendimento declarado em 2008 foi utilizado para a realização dos suprimentos, tal como era solicitado na notificação enviada, nem manifestou, em declaração escrita, se autorizava ou não à Autoridade Tributária, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 63.º-B da LGT, aceder a informações e documentos bancários.
Para prova da ilegitimidade do acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos efectuados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais suprimentos sendo a melhor interpretação do artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determina manifestação de fortuna que demonstrou.
Como forma de provar a ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta, só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação vaga não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, sem prejuízo desta justificação relevar para efeitos da fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto
Resulta assim que a justificação apresentada pelo sujeito passivo carece de prova, não obstando por isso a que se deva efectuar a fixação nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT.

CAPÍTULO V – Critério de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos

Verificou-se que o sujeito passivo efectuou suprimentos às sociedades no ano de 2009, no montante total de € 239.512,99, a que corresponde o rendimento padrão de € 119.756,50 (50% do valor anual dos suprimentos). Neste ano declarou rendimentos líquidos no montante de € 25.476,71.
Conclui-se, assim, existir uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão de € 119.756,50 (50% do valor anual dos rendimentos).
Tal como o referido no capítulo anterior, estão reunidos os pressupostos para fixar-se como rendimento tributável do ano de 2009 o valor que resulta da aplicação da tabela prevista no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT o que no caso em concreto corresponde a um rendimento de € 119.756,50 o qual, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, será considerado como rendimento da categoria G – incrementos patrimoniais. (…)” – cfr. fls. 46 a 50 do relatório de inspecção junto ao PA.

4) Os Recorrentes declararam na declaração Mod. 3 do ano de 2008, os rendimentos ilíquidos nos montante de € 14.920,10 (anexo A), € 7.122,45 (anexo D), € 1.475,00 (anexo J) e € 7.810.703,31 (anexo J) - cfr. fls. 36 a 43 dos autos.

5) Em 30.06.2008 o saldo bancário da conta n.º …………….., em nome do Recorrente, ascendia ao montante de € 4.320.932,74 – cfr. fls. 116 dos autos.

6) Em 14.01.2009 foi pago pelo aqui Recorrente o montante de € 234,00 respeitante a bem adquirido a E………….., Lda. – cfr. fls. 66 dos autos.

7) Em 19.01.2009 foi pago pelo Recorrente o montante de € 912,69 por compras efectuada a E……………, Lda. – cfr. fls. 67 dos autos.

8) Em 23.07.2009 foi transferido o montante de € 10.000,00, a débito da conta n.º ……….. e a crédito da conta n.º ……….. – cfr. fls. 62 dos autos.

9) Em 23.07.2009 foi depositado na conta nº. ……………, em nome de “B………. Lda.”, o cheque do .... o montante de € 60.000,00 – cfr. fls. 71 dos autos.

10) O Recorrente subscreveu em 04.08.2009 o cheque n.º 3246833915, da conta n.º ……….., no montante de € 7.500,00, a favor da empresa “C……………., Lda.”, depositado na conta n.º …………. – cfr. fls. 63 dos autos.

11) Em 13.08.2009 foi depositado na conta n.º ………. cheque do ..... no montante de € 2.000,00 – cfr. fls. 70 dos autos.

12) Do extracto da conta n.º ……….. consta que em 27.11.2009 o Recorrente efectuou transferência do montante de € 15.000,00, da conta n.º ………. – cfr. fls. 64 dos autos.

13) Em 23.12.2009, foi depositado na conta n.º ……….. o cheque do ..... no montante de € 2.500,00 – cfr. fls. 65 dos autos.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provaram outros factos além dos supra referidos, designadamente não se provou que o valor entregue pelo Recorrente nas sociedades identificadas nos autos tenha tido total proveniência no rendimento declarado no ano de 2008».


*
2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Administração tributária (AT), verificando existir uma desproporção não justificada superior a 50% entre os rendimentos líquidos (Embora à data ainda não estivesse em vigor a alínea d) do n.º 5 do art. 89.º-A da LGT, que apenas foi aditada pelo pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro – que dispõe: «Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos» - a Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, veio estabelecer, através da nova redacção dada ao n.º 1 do art. 89.º-A da LGT, que os rendimentos a comparar com os valores decorrentes da tabela prevista no n.º 4 do art. 89.º-A, são os rendimentos líquidos.) declarados para efeitos de IRS do ano de 2009 pelo agregado familiar do Contribuinte – do montante de € 25.476,71 – e verificando também que este, nesse mesmo ano, efectuou suprimentos do montante total de € 239.512,99 em três sociedades de que é sócio, considerou verificada a hipótese legal da alínea d) do art. 87.º da LGT (à qual se referirão todos os artigos adiante mencionados sem expressa menção do diploma de origem), conjugada com os n.ºs 1 e 4 do art. 89.º-A, na redacção aplicável à data, motivo por que deu início ao procedimento de fixação da matéria tributável por método indirecto previsto no art. 89.º-A.
No âmbito desse procedimento, a AT considerou que os Contribuintes não lograram justificar os rendimentos que deram origem à manifestação de fortuna evidenciada, como lho impunha o n.º 3 do art. 89.º-A, motivo por que procedeu à fixação do rendimento tributável, a enquadrar na categoria G do IRS, em € 119.756,50, tudo nos termos do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 89.º-A e do art. 9.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Os Contribuintes reagiram judicialmente, considerando que não estavam verificados os pressupostos legais para recurso a métodos indirectos na avaliação da matéria colectável, pois os suprimentos foram feitos com base em meios financeiros depositados numa conta bancária e que lhes advinham dos rendimentos auferidos no ano de 2008, num total de € 7.834.220,86, e que foram oportunamente declarados. Mais sustentaram, subsidiariamente, que relativamente a, pelo menos, € 98.055,73 se devem ter como justificados os rendimentos que deram origem à manifestação de fortuna evidenciada, motivo por que sempre haveria que relevar essa justificação parcial em sede da quantificação do rendimento presumido a tributar.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgando o recurso parcialmente procedente, considerou a manifestação de fortuna justificada em parte e, em consequência, mantendo embora a decisão administrativa de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, anulou a respectiva quantificação na parte em que a AT não relevou o valor parcialmente justificado. Louvando-se em jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte (A sentença refere os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
– de 23 de Setembro de 2010, proferido no processo 130/10.0BEMDL;
– de 18 de Novembro de 2010, proferido no processo 2636/09.5.
No mesmo sentido, do mesmo Tribunal, também o seguinte acórdão:
– de 28 de Outubro de 2010, proferido no processo 212/10.9BEPNF, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/af673cf3f27b2b2c8025787300373ab1?OpenDocument.), aceitou que «a exigência legal que decorre do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, impõe que o sujeito passivo alegue e prove quais os meios financeiros que, concretamente, mobilizou para manifestar fortuna» e entendeu que «os Recorrentes [ora Recorridos] lograram comprovar a origem dos meios para a constituição dos suprimentos no montante de € 97.000,00, tal como decorre do acervo probatório, pontos 8) a 13), considerando-se existir uma relação causal entre os rendimentos auferidos no ano de 2008 e os suprimentos efectuados, no que respeita ao montante de € 97.000,00».
Inconformado com essa sentença, o Director de Finanças de Braga dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo. Argumenta que a sentença fez errado julgamento quando considerou justificada, ainda que parcialmente, a manifestação de fortuna evidenciada pelo sujeito passivo no ano de 2009. Em síntese, considera que a factualidade que foi dada como assente – e que não questiona – não permite estabelecer a pertinente relação entre os meios financeiros que os Contribuintes demonstraram possuir em 2008 (e já não em 2009) e os suprimentos efectuados em 2009.
Ou seja, demonstrados que ficaram pela AT os pressupostos de aplicação da tributação por métodos indirectos ao abrigo do disposto na alínea d) do art. 87.º, que não estão postos em causa, considera o Recorrente que os Contribuintes não conseguiram efectuar a demonstração que lhes é imposta pelo n.º 3 do art. 89.º-A, de que não omitiram quaisquer rendimentos na sua declaração de IRS do ano de 2009 e que a manifestação de fortuna evidenciada tem proveniência em rendimentos que não haviam de ser declarados nesse ano. Assim, considera o Recorrente que a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou que os Contribuintes (ora Recorridos) tinham conseguido justificar, ainda que parcialmente, a origem da manifestação de fortuna aqui em causa, pois, para tanto, não lhes bastava a demonstração da existência de rendimento ou disponibilidade financeira não sujeita a tributação e que permitisse, total ou parcialmente, aquela manifestação de fortuna (muito menos, se essa capacidade financeira se reporta ao ano anterior), antes se lhes exigindo também, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, que demonstrassem quais os concretos rendimentos ou meios financeiros que afectaram à mesma. Ora, tal demonstração, em face da factualidade dada como assente e que não é questionada, não pode ter-se como feita.
É essa a questão que ora cumpre apreciar, como adiantámos em 1.8.

2.2.2 NECESSIDADE DE DEMONSTRAR A CONCRETA AFECTAÇÃO DOS MEIOS FINANCEIROS À MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA EVIDENCIADA

O Recorrente sustenta que a sentença recorrida fez errado julgamento na medida em que, a seu ver, não lhe bastava dar como assente que os Recorridos dispunham, no ano de 2009, de meios financeiros não sujeitos a declaração para efeitos de IRS de valor, parcial ou totalmente compatível, com o dos suprimentos que o Recorrido fez nesse ano; a lei exige que fique demonstrada a concreta aplicação dos rendimentos não sujeitos a tributação na manifestação de fortuna evidenciada e não a mera disponibilidade sobre esses meios.
Assim, enquanto a sentença deu como justificado o montante de € 97.000,00, o Recorrente entende que não pode ter-se por justificado montante algum do que permitiu ao ora Recorrido efectuar os suprimentos.
A nosso ver, tem razão o Recorrente. Vejamos:
É permitido à AT proceder à avaliação indirecta da matéria tributável, se não for feita prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que os valores que permitiram os suprimentos – manifestação de fortuna evidenciada – têm fonte diferente de rendimentos sujeitos a IRS. Esta prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade é, à face dos n.ºs 3 e 4 deste art. 89.º-A, a única forma de obstar à avaliação indirecta da matéria tributável. Se ela não for efectuada, presume-se uma situação de omissão de declaração de rendimentos, a legitimar o uso da avaliação indirecta da matéria tributável.
Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A e a sua teleologia, logo resulta claro que só a demonstração de quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração foram afectados à manifestação de fortuna evidenciada permitirá considerar satisfeita a exigência de justificação feita no n.º 3 daquele artigo.
Como tem vindo a afirmar a jurisprudência desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Vide os seguintes acórdãos:
– de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 50/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 359 a 368, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/93ef053453d4e21c802579b8003983c1?OpenDocument;
– de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 298/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/32220.pdf), págs. 962 a 974, também disponível
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d4f8f768f553598b802579f200322546?OpenDocument;
– de 8 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 567/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/81f68ba07a984c8780257b7b00549579?OpenDocument.), a exigência legal que decorre do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, impõe que o sujeito passivo alegue e prove quais os meios financeiros que, concretamente, mobilizou para manifestar fortuna.
Só assim se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinada manifestação de fortuna, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração. A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade, totalmente incólumes (i.é, não consumidos por manifestação de fortuna alguma), os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração; e poderia até usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Dito de outro modo, aqueles que mantivessem meios financeiros não sujeitos a declaração que excedessem o rendimento padrão estariam sempre a salvo da tributação por manifestações de fortuna que fossem evidenciando. Ora, manifestamente, não pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei.
A nosso ver, a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação nesse ano) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
No caso sub judice, como bem salienta o Recorrente, não foi feita essa demonstração, mas apenas que o Contribuinte, em Junho de 2008, detinha capacidade financeira de montante superior aos dos suprimentos efectuados em 2009. Mas não ficou demonstrado que os suprimentos efectuados em diversos momentos do ano de 2009 tivessem sido efectuados com base nos meios financeiros existentes na esfera jurídica do Contribuinte em 2008 e transitados para 2009.
Na verdade, ficou por demonstrar que os valores em depósito nessa conta em Junho de 2008 sejam os que em 2009 permitiram ao Contribuinte, pelo menos em parte, efectuar os suprimentos em causa. Obviamente que, em razão da fungibilidade do dinheiro, bastaria a demonstrar que a referida conta, na transição de 2008 para 2009, mantinha um saldo que permitisse efectuar os suprimentos ou, pelo menos, parte deles. Só assim poderia considerar-se feita a demonstração de que os valores aplicados nos suprimentos tinham origem em rendimentos obtidos em 2008.
Demonstração que, note-se, nem exigiria dos Contribuintes grande esforço, pois poderia ser feita mediante a mera apresentação dos extractos bancários que, revelando as movimentações da referida conta, permitissem concluir inequivocamente que o rendimento declarado em 2008 foi utilizado para a realização dos suprimentos efectuados em 2009 ou, dito de outro modo, que estes suprimentos foram efectuados com meios não sujeitos a declaração no ano de 2009.
Foi isso que lhes foi solicitado pela AT, bem como o acesso à informação e documentos bancários e que os Contribuintes entenderam não facultar ao longo do procedimento tributário nem apresentar em sede judicial.
Ora, como deixámos já dito, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, para que se pudesse considerar justificada, total ou parcialmente, a manifestação de fortuna evidenciada, deveria o Contribuinte ter demonstrado a afectação de certo rendimento ou disponibilidade financeira, não sujeitos a tributação nesse ano, a determinada manifestação de fortuna.
Não bastava, pois, que o Contribuinte provasse que dispunha (rectius, que dispunha no ano anterior), de meios que lhe permitiam a realização da manifestação de fortuna, antes se lhe impunha a prova da afectação concreta de recursos não sujeitos a tributação àquela manifestação de fortuna. Prova que não se faz pela mera demonstração de que parte do dinheiro usado nos suprimentos terá saído de uma conta bancária que, no ano anterior, apresentava um saldo de valor superior aos dos suprimentos que constituem manifestação de fortuna em causa.
A sentença recorrida, que assim não considerou e deu como parcialmente justificada a manifestação de fortuna, não pode manter-se.
Na falta de justificação da manifestação de fortuna evidenciada, impõe-se conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso judicial.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Evidenciada a realização pelo contribuinte de suprimentos de montante superior a € 50.000,00 quando nesse ano declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano ao abrigo do disposto na alínea d) do art. 87.º da LGT.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta ou do erro na respectiva quantificação, não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa (e, muito menos, se essa demonstração se refere a ano anterior) detinha meios financeiros que lhe permitissem, total ou parcialmente os suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a «comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso judicial.

Custas pelos Recorridos, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal.


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Lisboa, 29 de Janeiro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.