Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00212/10.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/28/2010
Relator:Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
Descritores:FIXAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODO INDIRECTO NOS TERMOS DO ART. 89.º-A DA LGT
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
JUSTIFICAÇÃO
CONSEQUÊNCIAS DA JUSTIFICAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - Evidenciada a realização pelo contribuinte, num determinado ano, de suprimentos de montante superior a € 50.000,00 quando declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a «comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas).
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
IV - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa – concernentes à incidência objectiva do imposto –, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no art. 73.º da LGT – que determina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» –, e bem assim a busca de um cânone interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrático (cf. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 734/09).
V - Assim, embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método (cf. o mesmo acórdão), entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 50% do valor dos suprimentos, deduzindo-se a este valor que se considerou justificado para a realização dos suprimentos, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO
1.1 O Director de Finanças do Porto, considerando existir uma desproporção não justificada superior a 50% entre os rendimentos declarados por M… e A… (adiante Contribuintes ou Recorrentes particulares) para o ano de 2006 e os suprimentos efectuados pela Contribuinte mulher nesse ano a uma sociedade comercial de que é sócia, procedeu à fixação do rendimento tributável dos Contribuinte para esse mesmo ano por métodos indirectos, nos termos da alínea d) do art. 87.º da Lei Geral Tributária (LGT) (() Referimo-nos, aqui como adiante e na ausência de indicação em contrário, à versão da LGT da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.) e do n.º 5 do art. 89.º-A da mesma Lei.
1.2 Os Contribuintes recorreram dessa decisão, ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do art. 89.º-A da LGT, conjugado com o art. 146.º-B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que, julgando esse recurso parcialmente procedente, decidiu nos seguintes termos:
«A) Anula o acto de fixação do rendimento tributável dos ora recorrentes do ano de 2006, a enquadrar na categoria G, do IRS (art. 9.º, n.º 1, alínea d), do CIRS), na parte em que excede o montante de 80.857,69 €, bem como o acto de apuramento da manifestação de fortuna, por realização de suprimentos no ano de 2006, na parte em que excede o valor de 261.715,38 €, reduzido para 161.715,38 €, por justificação do rendimento no montante de 100.000,00 €; e
B) Mantém o acto que fixa o rendimento tributável dos recorrentes no ano de 2006, a enquadrar na categoria G, do IRS (art. 9.º, n.º 1, alínea d), do CIRS), reduzido no montante de 80.857,69 €, que corresponde a um rendimento padrão de igual valor, apurado por uma manifestação de fortuna, por realização de suprimentos no ano de 2006, corrigida para o valor de 161.715,38 €» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).
1.3 Inconformados com essa sentença, quer a Fazenda Pública (adiante também Recorrente) quer os Contribuintes dela interpuseram recurso para este Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando conjuntamente com os respectivos requerimentos de interposição de recurso as respectivas alegações.
1.4 Os Recorrentes particulares sintetizaram as suas alegações em conclusões do seguinte teor:
«CONCLUSÕES:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do processo acima identificado, e que julgou apenas parcialmente procedente o recurso apresentado contra a decisão de fixação do rendimento tributável, referente ao ano de 2006, com recurso a métodos indirectos.
B. O artigo 89.º-A, n.º 1, da LGT dispõe que “há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável (...) quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no n.º 4.”
C. Na redacção da lei aplicável à data dos factos, o rendimento relevante é o rendimento ilíquido.
D. A tabela do n.º 4 prevê como “manifestação de fortuna” os suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000,00 (cfr. al. c) do n.º 2 do art. 89.º-A); nestes casos, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria C, no ano em causa, o rendimento padrão equivalente a 50% do valor anual dos suprimentos.
E. Sendo certo que cabe ao sujeito passivo, nos termos do n.º 3, a “comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.”
F. Os ora Recorrentes declararam um rendimento global de € 53.257,83.
G. A Recorrente D.ª M… efectuou suprimentos à sociedade “Transportes…, S.A.”, no ano de 2006, em valor superior a € 50.000,00.
H. O valor dos suprimentos efectuados foi de € 261.715,38 (conforme facto M da matéria de facto dada como provada na sentença objecto de recurso e que merece a concordância dos Recorrentes).
I. Com efeito, os Recorrentes admitem que é este o valor correcto dos suprimentos efectuados em 2006 pela D.ª M…, porquanto, por um lado, não pode ser tido em conta o valor dos suprimentos efectuados em exercícios anteriores e transitados para 2006 (tal como tinha feito a Administração Tributária) e, por outro lado, não pode ser deduzido o valor dos abatimentos.
J. O rendimento padrão corresponde a metade do valor dos suprimentos efectuados, ou seja, a € 130.857,69 (metade de € 261.715,38).
K. Haveria, pois, em abstracto, lugar a avaliação indirecta da matéria colectável, porque o rendimento declarado mostra uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão.
L. Todavia, o contribuinte pode alegar e demonstrar que os suprimentos efectuados não contendem com a veracidade da declaração de rendimentos, não podendo ser qualificada como manifestação de fortuna para efeitos de avaliação indirecta da matéria colectável dada a origem conhecida do rendimento utilizado nos suprimentos.
M. E é neste ponto que os ora Recorrentes divergem do entendimento consignado na sentença proferida pelo Digno Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
N. Os Recorrentes entendem que lograram fazer a prova de que a manifestação de fortuna evidenciada tem uma fonte de rendimento não sujeita a declaração em sede de IRS, uma vez que provaram ter aplicações financeiras no valor de € 154.352,53, uma carteira de títulos no valor de € 75.598,63 e seguros de poupança no valor de € 148.752,46 (factos E e P da matéria de facto dada como assente), assim como uma facilidade de crédito no valor de € 150.000,00.
O. O que a lei exige para efeito de repristinação da presunção de veracidade dos rendimentos declarados pelo contribuinte, isto é, para prova da ilegitimidade do recurso a avaliação do rendimento por métodos indirectos, é a prova de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas é diversa dos rendimentos sujeitos a declaração no ano a que as mesmas respeitam.
P. Na verdade, para que a declaração de rendimentos do sujeito passivo volte a beneficiar da presunção de veracidade, a lei não impõe a prova da afectação directa e inequívoca desses rendimentos ao pagamento dos suprimentos.
Q. Donde terá, necessariamente, de se retirar a conclusão de que se o contribuinte provar que tem outras fontes de rendimento que, não estando sujeitas a declaração de rendimentos no ano em questão, permitiriam por si só, ou juntamente com o rendimento declarado, obter a manifestação de fortuna evidenciada, fica demonstrada a origem desta e afastada a possibilidade de recurso a métodos de avaliação indirecta para determinar o rendimento colectável.
R. Neste mesmo sentido vai grande parte da jurisprudência, conforme se expôs no corpo das alegações.
S. Em face do exposto, foi feita uma errada subsunção dos factos à lei, pois se o Tribunal considera ter ficado provado que os Recorrentes amealharam património ao longo de anos de trabalho e de poupança e que, nomeadamente, contrataram uma facilidade de crédito, sob a forma de conta-corrente, até ao valor de € 150.000,00, é imperioso concluir que dispunham dos meios para realizar os suprimentos que realizaram.
T. O que vale por dizer que o suprimento realizado pela D.ª M…, no ano de 2006, à sociedade “Transportes…, S.A.” foi possibilitado por rendimentos do seu património pessoal, não sujeitos a declaração em sede de IRS.
U. De facto, tendo resultado provado que dispõem de rendimentos amealhados ao longo de anos de poupança e variados rendimentos que, no total, são mais que suficientes para suportar a realização do suprimento, está afastada a legitimidade da fixação indirecta do seu rendimento tributável e revalidada a presunção de veracidade das suas declarações.
V. Com efeito, o n.º 3 do artigo 89.º-A da LCT não dispõe, insista-se, que tenha de se provar a relação directa de afectação de certo rendimento a determinada manifestação de fortuna.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que apenas considerou como justificada a fonte de €100.000,00, com todas as consequências legais.
Com o que V.a Exas. farão sã e costumeira JUSTIÇA!».
1.5 A Fazenda Pública resumiu as suas alegações em conclusões do seguinte teor:
«CONCLUSÕES:
I - A douta sentença ao decidir conceder provimento ao recurso, fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, e violou os art.º 89º- A da LGT.
II - Entendeu a Sentença recorrida que, encontra-se justificado o montante de 100.000,00 €, e que ao invés da jurisprudência anterior não pode agora considerar-se, na fixação da matéria tributável, a totalidade do rendimento padrão apurado, mas apenas a parte do rendimento não justificado.
III - E concluiu a douta sentença anulando o acto de fixação do rendimento tributável, na parte em que excede o montante de 80.857,69 €, bem como o acto de apuramento da manifestação de fortuna, na parte em que excede o valor de 261.715,38 €, reduzido para 161.715,38 €, por justificação do rendimento no montante de 100.00000 € e mantendo o acto que fixa o rendimento tributável reduzido a 80.85769 €;
IV - Ao assim decidir, a douta sentença fez uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art.º 89º da LGT, não apresentando na letra da lei um mínimo de correspondência verbal;
V - O art.º 89º-A da LGT vincula a Administração à decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a IRS, e é a própria lei que determina o modo como o rendimento padrão se calcula, de acordo com o disposto na tabela do n.º 4 do artigo 89º-A da LGT.
VI - Pelo que, a decisão da Administração que foi tomada face a estes dados não sofre de qualquer ilegalidade, já que o contribuinte não provou factos susceptíveis de infirmar o juízo permitido pelo artigo 89.º-A da LGT, na fixação de rendimento padrão apurado nos termos do n.º 4 do mesmo artigo;
VII - O artigo 89º-A da LGT foi aditado à LGT pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, onde ficou determinado, que em certas circunstâncias, designadas como manifestações de fortuna, fosse possível não aceitar como correctas as correspondentes declarações de rendimento feitas pelos contribuintes, titulares daquelas situações (se as mesmas exprimissem rendimento manifestamente insuficiente para o acesso às mesmas), fixando-se os critérios de avaliação e decisão das situações.
VIII - Invertido o ónus da prova, teria o contribuinte de demonstrar que os rendimentos por si declarados correspondem à verdade, o que passa por demonstrar que os recursos financeiros utilizados na identificada manifestação de fortuna evidenciada tiveram uma fonte diversa de rendimentos tributados em IRS (n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT).
IX - E a recorrente, não comprovou a totalidade da fonte das importâncias utilizadas no pagamento da aquisição que efectuou.
X - Ora nos termos do n.º 4 do artigo 89º-A da LGT, considera-se rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, o rendimento padrão igual a 50% do valor anual, não admitindo quaisquer subtracções de valores.
XI - A sentença recorrida, ao invés, limita-se a seguir o entendimento da jurisprudência mais recente, mais concretamente, do Acórdão do STA de 2010.05.19, defendendo que, para efeitos de fixação de rendimento sujeito a tributação, já é possível a justificação parcial do rendimento.
XII - Tal tese, salvo o devido respeito, colide frontalmente com o disposto no n.º 4 do art.º 89-A.
XIII - Aquela disposição legal não é passível de ser interpretada no sentido de levar em consideração, no cálculo do rendimento padrão, a eventual justificação parcial de rendimentos que integra a manifestação de fortuna.
XIV - E a própria sentença recorrida entra em contradição ao admitir a existência de um rendimento padrão para efeitos de verificação dos pressupostos da tributação indirecta e outro rendimento padrão, para efeitos de determinação do rendimento tributável, não admitindo num caso a subtracção de valores e já aceitando noutro tal subtracção.
XV - Não se tendo comprovado o valor das manifestações de fortuna evidenciadas, tendo a sentença recorrida decidido e bem, que estão verificados os pressupostos que fundamentam o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, como pode, depois, aceitar justificado o valor de 100.000,00 € apenas para efeitos de determinação do rendimento tributável?
XVI - Neste sentido se pronunciaram quatro dos Senhores Conselheiros que constituíram o colectivo de Juízes do STA que decidiram o Ac. 0734/09, de 2010.05.19, e que votaram vencido.
XVII - Na verdade, a interpretação feita do art.º 89º-A, na decisão recorrida, não encontra na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, pois, nos termos desta presume-se que o rendimento padrão é de 50% do valor anual dos suprimentos realizados naquele ano, não sendo admitidas quaisquer subtracções de valores justificados, como se pretende na decisão ora em crise;
XVIII - Pelo que, a decisão da Administração que foi tomada face a estes dados, não sofre de qualquer ilegalidade, já que o contribuinte não provou factos susceptíveis de infirmar o juízo permitido pelo artigo 89.º-A da LGT, na fixação de rendimento padrão apurado nos termos do n.º 4 do mesmo artigo;
XIX - Por todo o exposto, a sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, motivo pelo qual não deve ser mantida.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida com as legais consequências».
1.6 Os recursos foram admitidos a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1.7 Foram apresentadas contra alegações em que cada um dos Recorridos pugnou por que seja negado provimento ao recurso da contra parte.
1.8 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento a ambos os recursos. Isto, com a seguinte fundamentação:
«[…] Relativamente ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, acompanha-se a decisão recorrida ao fundamentar-se na orientação definida pelo Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 19.5.2010 no sentido de que a justificação parcial do rendimento que integra a manifestação de fortuna releva para a fixação do rendimento sujeito a tributação.
[…] no tocante ao recurso apresentado pela M… e A…, igualmente se acompanha a decisão questionada no entendimento de que era necessário que os recorrentes justificassem, e não justificaram, nem perante a Administração Tributária nem perante o Tribunal, a totalidade da manifestação de fortuna evidenciada, não demonstrando a origem do dinheiro dos respectivos suprimentos».
1.9 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo (cf. art. 36.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi do art. 2.º alínea c), do CPPT, e art. 146.º-B deste Código).
1.10 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel fez ou não correcto julgamento
quando, apesar de ter dado como provado que os Contribuintes dispunham de rendimentos não sujeitos a declaração de montante superior ao dos suprimentos realizados, entendeu que, para que se considerassem afastados os pressupostos da tributação por método indirecto não bastava tal prova, mas se impunha também a demonstração de que esses rendimentos foram realmente aplicados nesses suprimentos, a «relação directa de afectação de certo rendimento a determinada manifestação de fortuna», nas palavras dos Recorrentes (cf. conclusões N) a V) do recurso dos Recorrentes particulares);
quando entendeu que a justificação parcial do rendimento que permitiu a manifestação de fortuna, apesar de não assumir relevância para afastar os pressupostos da tributação por método indirecto, releva em sede da fixação do rendimento tributável (cf. o recurso da Fazenda Pública).
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
« 3- Fundamentação
3.1 – De facto
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
a) A administração tributária com base na declaração anual de rendimentos do exercício de 2006, da empresa Transportes…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, considerou que a recorrente M… efectuou suprimentos no valor de 356.841,68 € (fls. 86 do apenso).
b) Estes suprimentos correspondem a um rendimento padrão de 178.420,84 € (fls. 86 do apenso).
c) Para efeitos de IRS, no ano de 2006, os recorrentes declararam um rendimento global de 53.257,83 €, de que resultou um rendimento líquido de 40.173,65 € (fls. 86 do apenso).
d) Com base nestes factos os recorrentes foram notificados do projecto de decisão de apli­cação de métodos indirectos para determinação do rendimento tributável no ano de 2006 e para o exercício do direito de audição (fls. 89 e 90 do apenso).
e) Os recorrentes exerceram o direito de audição alegando que os suprimentos foram reali­zados com dinheiro de poupanças suas, conforme demonstram as aplicações financeiras no valor de 154.352,53 €, uma carteira de títulos no valor de 75.598,63 € e seguros de poupança no valor de 148.752,46 €, que têm no BCP (fls. 92 e 93 do apenso).
f) A administração tributária notificou os recorrentes para apresentarem os movimentos que efectuaram das suas poupanças para realizar os suprimentos (fls. 94 do apenso).
g) Os recorrentes não demonstraram tais movimentos (do apenso).
h) Com base nestes factos, o director de finanças do Porto, por despacho de 26/2/2010, fixou o rendimento tributável dos recorrentes, a enquadrar na categoria G, no montante de 178.420,84 €, nos termos do artigo 89.º-A, da LGT (fls. 84 do apenso).
i) Os recorrentes foram notificados deste despacho em 2/3/2010 (fls. 81 a 84 do apenso).
j) A sociedade comercial Transportes …, Ld.ª, na declaração anual de IRC de 2005, apresentava suprimentos com um saldo credor de 154,501,10 € (fls. 26 a 29 e 98).
k) O valor dos suprimentos de 2005 corresponde à soma dos suprimentos realizados pela recorrente M… no valor de 150.487,37 € e por A…, no valor de 4.013,73 € (fls. 98).
l) Na declaração anual de IRC de 2006, a sociedade comercial Transportes…, Ld.ª, apresentava suprimentos com um saldo credor de 356,841,68 € (fls. 160 a 182).
m) No ano de 2006, a recorrente M… efectuou suprimentos na socie­dade Transportes…, Ld.ª, no valor de 261.715,38 € (fls. 24).
n) No extracto de conta de suprimentos de conta M… foi lançado a débito no ano de 2006, o montante total de 55.361,07 € (fls. 24).
o) Os recorrentes foram amealhando património ao longo da vida (fls. 20).
p) Em 30/9/2005 os recorrentes tinham no BCP, aplicações financeiras no valor de 154.352,53 €, uma carteira de títulos no valor de 75.598,63 € e seguros de poupança no valor de 148.752,46 € (fls. 93 do apenso).
q) Este património financeiro não foi directamente utilizado para realizar os suprimentos, mas serviu de garantia para realização de parte dos suprimentos no valor de 100.000,00 € (fls. 7).
r) Em 3/2/2005, os recorrentes contrataram com o BCP uma facilidade de crédito, sob a forma de conta corrente, até ao valor de 150.000,00 €, vencendo-se em 20/7/2005, prorrogando-se por períodos sucessivos de 90 dias (fls. 8 e 30).
s) Em 28/6/2006, a recorrente realizou um suprimento de 135.074,58 €, através de um che­que sacado sobre o BCP, que se destinou a pagar dívidas fiscais da empresa Transportes …, Ld.ª (fls. 8 e 33 a 35).
Com relevância para a decisão da causa julga-se não provada a seguinte matéria de facto:
1 – Parte dos suprimentos também foi efectuada através de recursos próprios.
3.1.1 – Motivação
A matéria de facto provada resulta da análise crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos pelos recorrentes e pela administração tributária, que não foram impugnados e estão identificados em cada um dos factos provados.
A matéria de facto não provada resultou da manifesta falta de prova.
Sendo um facto alegado pelos recorrentes recaía sobre eles o respectivo ónus da prova (art. 74º da LGT). A falta de prova determina que o facto seja julgado contra eles, isto é, seja julgado não provado.
A ausência de prova resulta da falta de prova documental. A realização dos suprimentos através de recurso a poupanças tinha de ser demonstrada por documentos que comprovassem que a realização dos suprimentos resultava da aplicação de dinheiro próprio, através da movimentação desse dinheiro a favor da empresa. Só este movimento directo e inequívoco desses meios financeiros (tal como fizeram no suprimento de 130.074,58 €) é que seriam susceptíveis de comprovar o facto alegado.
O que não foi, de todo, feito pelos recorrentes.
Daí ter sido julgado não provado o facto do número 1).
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa».
2.1.2 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu ainda como provado, se bem que fora do local onde se propôs efectuar o julgamento da matéria de facto, que «do suprimento no valor de 135.074,58 € [dito em S) dos factos que deu como provados], 100.000,00 € foi realizado pela recorrente com recurso a meios de financiamento bancário», através do desconto de uma livrança, efectuado no dia anterior ao da emissão do cheque bancário que foi utilizado pela Recorrente mulher para realizar o suprimento em causa.
2.1.3 Damos por fixada a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, que não vem posta em causa.
Na verdade, quer os Recorrentes particulares quer a Recorrente Fazenda Pública se conformam com o julgamento da matéria de facto.
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A AT, tendo verificado que os Contribuintes, com referência ao ano de 2006, declararam rendimentos do valor de € 53.257,83, a que corresponde um rendimento líquido de € 53.257,83 e que, nesse ano, a Contribuinte mulher efectuou suprimentos do montante de € 356.841,68 a uma sociedade de que é sócia, entendeu dar início ao procedimento de fixação da matéria tributável por método indirecto previsto no art. 89.º-A da LGT.
No âmbito desse procedimento, a AT considerou que os Contribuintes não lograram justificar os rendimentos que deram origem à manifestação de fortuna evidenciada, como lho impunha o n.º 3 do art. 89.º-A, da LGT, motivo por que procedeu à fixação do rendimento tributável, a enquadrar na categoria G do IRS, em € 178.420,84, tudo nos termos do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 89.º-A da LGT e do art. 9.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
Os Contribuintes, discordando dessa decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto nos termos do art. 89.º-A da LGT, dela vieram interpor recurso judicial ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 daquele preceito legal, conjugado com o art. 146.º-B, do CPPT (() Recorde-se que, nos termos do disposto no n.º 7 do referido art. 89.º-A da LGT, «Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91º e seguintes». ).
Começaram os Contribuintes por contestar o valor que a AT considerou ser o dos suprimentos efectuados pela Contribuinte mulher durante o ano de 2006, sustentando que o mesmo, se correctamente apurado, não revela divergência superior a 50% relativamente ao rendimento declarado, pelo que é ilegal o recurso à avaliação indirecta para fixação da matéria colectável.
Sem prescindir, consideraram ainda os Contribuintes que lograram demonstrar que os rendimentos que lhes permitiram efectuar aqueles suprimentos não estavam sujeitos a declaração, motivo por que não há motivo para afastar a presunção de verdade relativamente aos rendimentos declarados.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou, em síntese, que os suprimentos efectuados em 2006 pela Contribuinte mulher não ascendem ao montante considerado pela AT, mas, não obstante, continuam a revelar a desproporção superior a 50% relativamente aos rendimentos declarados, motivo por que se verificam os pressupostos da tributação por método indirecto nos termos do art. 89.º-A da LGT.
Mais considerou que, apesar dos Contribuintes terem logrado a justificação parcial dos meios financeiros que permitiram à Contribuinte mulher efectuar os suprimentos em causa, só a justificação total permitira arredar a possibilidade da fixação da matéria colectável por método indirecto nos termos do art. 89.º-A da LGT.
Em todo o caso, entendeu que essa justificação parcial teria de relevar em sede da quantificação do rendimento tributável, motivo por que anulou o acto recorrido na medida em que na fixação esse rendimento não relevou o montante – de € 100.000,00 – que os Contribuintes lograram justificar.
Inconformados com a sentença, dela recorreram quer os Contribuintes quer a Fazenda Pública.
Os Contribuintes porque, embora admitindo que o valor correcto dos suprimentos é o que foi considerado na sentença, e não o que fora por eles indicado na petição inicial, sustentam que lhes basta demonstrar, como demonstraram, que no ano de 2006 dispunham de meios financeiros não sujeitos a declaração de montante superior ao dos suprimentos efectuados, não lhes sendo exigível, contrariamente ao que considerou a sentença recorrida, comprovar a efectiva afectação desses rendimentos à manifestação de fortuna evidenciada.
Por seu turno, a Fazenda Pública, também não discordando do valor dos suprimentos encontrado pela sentença, nem sequer de que nesta se tenha considerado justificado o valor de € 100.000,00 pelo recurso ao crédito bancário, discorda no entanto de se ter relevado esse montante de justificação parcial na quantificação do rendimento tributável, sustentando que só a justificação total poderia ser atendida.
Assim, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enumeradas no ponto 1.9, que passaremos a conhecer de seguida.
*
2.2.2 O RECURSO DOS CONTRIBUINTES - NECESSIDADE DE DEMONSTRAR A CONCRETA AFECTAÇÃO DOS MEIOS FINANCEIROS À MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA EVIDENCIADA
Os Recorrentes sustentam que a sentença recorrida fez errado julgamento na medida em que, tendo dado como assente que eles dispunham, no ano de 2006, de meios financeiros não sujeitos a declaração para efeitos de IRS de montante superior ao dos suprimentos que efectuaram nesse ano (cf. alíneas M) e P) dos factos provados), deveria ter considerado justificado todo o montante que lhe permitiu evidenciar esta manifestação do fortuna e não apenas o montante de € 100.000,00, que foi o que deu como justificado.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entendem os Contribuintes que a lei não lhes impõe que demonstrem a concreta aplicação dos rendimentos não sujeitos a tributação na manifestação de fortuna evidenciada, mas apenas a disponibilidade sobre esses meios. Assim, enquanto a sentença deu como justificado o montante de € 100.000,00, porque o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que apenas relativamente a este montante podia estabelecer a origem do meio financeiro – desconto de uma livrança do montante de € 100.000,00 no dia anterior ao da emissão de um cheque do montante de € 135.074,58 através do qual a Recorrente realizou um suprimento (cf. alínea S) dos factos provados) –, os Recorrente entendem que deveria ter sido justificado todo o montante que lhes permitiu efectuar os suprimentos, porque demonstraram dispor de meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos.
Salvo o devido respeito, não têm razão.
Vejamos: é permitido à Administração Tributária proceder à avaliação indirecta da matéria tributável, se não for feita prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que os valores que evidenciam as aquisições dos imóveis têm fonte diferente de rendimentos sujeitos a IRS. Esta prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade é, à face dos n.ºs 3 e 4 deste art. 89.º-A, o único obstáculo à avaliação indirecta da matéria tributável. Se ela não for efectuada, está-se perante uma situação de omissão de declaração de rendimentos, pois o contribuinte despendeu mais do que os rendimentos declarados, pelo que é legítimo o uso de avaliação indirecta da matéria tributável.
Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A e a sua teleologia, logo resulta claro que só a demonstração de quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração foram afectados à manifestação de fortuna evidenciada permitirá considerar satisfeita a exigência de justificação feita no n.º 3 daquele artigo.
Como ficou dito no recente acórdão de 23 de Setembro de 2010 deste Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo com o n.º 130/10.0BEMDL, «a exigência legal que decorre do artigo 89º-A, nº 3 da LGT, impõe que o sujeito passivo alegue e prove quais os meios financeiros que, concretamente, mobilizou para manifestar fortuna».
Só assim se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinada manifestação de fortuna, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração. A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração totalmente incólumes (i.é, não consumidos por manifestação de fortuna alguma), sendo até que sempre poderia usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Ora, manifestamente, nem pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei.
Concluímos, pois, que a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação directa de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada, pelo que o recurso dos Recorrente particulares não merece provimento.
2.2.3 O RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA - CONSEQUÊNCIAS DA JUSTIFICAÇÃO PARCIAL
A Fazenda Pública insurge-se contra o entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, anuindo à posição adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 734/04 (() Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/79c5c1d289409df88025772d005540d9?OpenDocument.), considerou que a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método e, em consequência, anulou o acto de fixação do rendimento tributável na parte em que não relevou essa justificação.
Sustenta a Fazenda Pública que só a justificação total de que a fonte de rendimentos utilizada para evidenciar a manifestação de fortuna não está sujeita a declaração pode ser relevada na quantificação do rendimento tributável, apoiando-se na posição assumida nos votos de vencido lavrados no referido acórdão do Pleno.
Trata-se de uma polémica cujos termos estão bem delimitados e exaustivamente tratados quer no texto do acórdão quer nos votos de vencido que nele foram lavrados. Tal como o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel na sentença recorrida, também este Tribunal Central Administrativo Norte adere à posição que fez vencimento naquele acórdão.
Permitimo-nos até salientar que, contrariamente ao que é referido na sentença recorrida, este Tribunal Central Administrativo Norte, ainda antes de 19 de Maio de 2010 – data em que foi proferido o referido acórdão do Pleno – já tinha decidido no sentido que veio a fazer vencimento naquele acórdão. Permitimo-nos a citar as conclusões que, preparando a decisão, formulámos no acórdão que em 24 de Abril de 2008 proferimos no processo com o n.º 817/07 - Viseu:
«
I - Nos termos dos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 89.º-A, da LGT, se um contribuinte exibir manifestações de fortuna que revelem uma desproporção com os rendimentos declarados superior à legalmente fixada, a lei permite à AT proceder à avaliação indirecta da matéria colectável, a menos que o contribuinte (numa inversão do ónus da prova – cf. art. 75.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT) demonstre que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que a fonte das manifestações de fortuna é outra.
II - Ainda nos termos do n.º 4 do art. 89.º-A, da LGT, não logrando o contribuinte tal prova, a AT considerará como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela constante daquele preceito legal, a menos que «existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior».
III - No caso da manifestação de fortuna evidenciada consistir na aquisição de imóvel em 2004 pelo preço de € 500.00,00, o rendimento padrão resultante do critério legal é de € 100.00,00, motivo por que um rendimento declarado nesse ano de € 14.374,80 revela a desproporção a que alude o n.º 1 do art. 89.º-A, da LGT, justificando a abertura do procedimento para fixação da matéria tributável por avaliação indirecta nos termos deste preceito legal.
IV - Se o contribuinte em sede do procedimento logrou justificar o montante de € 361.521,08, tal não basta para impedir a AT de proceder à fixação da matéria tributável ao abrigo do disposto no art. 89.º-A da LGT, pois para tanto se exige a justificação do valor total da manifestação de fortuna (€ 500.000,00).
V - Mas a AT não pode desprezar o montante que o contribuinte logrou justificar, sendo que o rendimento tributável a fixar deverá ser calculado apenas sobre o montante não justificado, mediante a aplicação do critério fixado na lei para a determinação do rendimento padrão»
Reforçados no nosso entendimento pela argumentação expendida no referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no qual se fez a análise aprofundada das duas teses em confronto, e tendo ainda em conta o disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC), não vemos que a Recorrente Fazenda Pública traga na sua alegação de recurso quaisquer argumentos novos que importe apreciar, motivo por que aderimos à tese que fez vencimento no Supremo Tribunal Administrativo.
Note-se, aliás, que embora a jurisprudência do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo em sede de oposição de acórdãos não tenha força obrigatória geral, tem como escopo a uniformização da jurisprudência, motivo por que os tribunais de hierarquia inferior não se deverão opor-lhe, a menos que disponham de ponderosos e ainda não considerados argumentos.
No referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, depois de se salientar que para prova da ilegitimidade do acto de avaliação indirecta ao abrigo do art. 89.º-A da LGT só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, deixou-se registado o seguinte:
«[…]
Entende-se, contudo, que já assim não é no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Embora se tenha presente a decisão recorrida [no nosso caso, pode ler-se as alegações de recurso da Fazenda Pública] seguiu a anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente a que resulta do supra citado aresto do Pleno desta Secção, e bem assim que a solução perfilhada é a que resulta literalmente da letra do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, que apenas prevê de forma expressa a possibilidade de afastamento do valor determinado tendo por referência o “rendimento padrão” quando a administração tributária fixar rendimento superior, de acordo com os critérios fixados no artigo 90.º, entende-se, contudo, ser outra a solução imposta pelo espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa.
Assim, no que à natureza das normas em causa respeita, parece dever entender-se que as normas previstas no n.º 4 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária são, nesta segunda fase (em que em causa está a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS), normas de incidência objectiva de IRS, integrantes da norma contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do respectivo Código (neste sentido, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 368/369, nota 415), ou, pelo menos, normas que densificam e concretizam aquelas e, como tais, sujeitas a idênticas regras e princípios.
Ora, se assim é, então ter-se-á de considerar ser-lhes aplicável a proibição de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva (neste sentido, JOSÉ CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, Almedina, 1998, em especial pp. 497/498), que, no plano da lei ordinária, o artigo 73.º da LGT, ao dispor que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário», expressamente consagra.
Não pode, pois, deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso dessa quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fixa ou presume, na medida em que logrou demonstrar a proveniência de parte do montante que permitiu a manifestação de fortuna e esse montante não está sujeito a declaração e tributação como rendimento para efeitos de IRS. Impedir o contribuinte de fazer essa prova ou defender que não se pode dar qualquer relevância à demonstração da proveniência parcial do rendimento utilizado na manifestação da fortuna, argumentando que a quantificação tem, necessariamente, de ser aquela que resulta da aplicação de um critério estritamente legal e que parte de uma ficção ou presunção de um determinado rendimento sujeito a tributação (rendimento padrão), constituiria, desde logo, uma clara e directa violação do artigo 73.º da LGT, pois que sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência objectiva de IRS, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário (n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil).
Acresce que a solução a que conduziria o não relevo da justificação parcial da manifestação de fortuna, levaria a tributar de forma igual situações diversas e para as quais a Constituição parece impor tratamento tributário diverso, em conformidade com os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.
De facto, mal se compreenderia, à luz dos referidos princípios, que, perante contribuintes relativamente aos quais se verificassem os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta por “sinais exteriores de riqueza” e que tivessem adquirido imóveis de valor idêntico, o contribuinte que nada justificou fosse tributado em sede de categoria G de IRS por montante exactamente igual ao contribuinte que justificou que parte significativa da fonte do acréscimo patrimonial não justificado lhe adveio do recurso a um empréstimo bancário, acrescendo, ainda que o montante obtido por via do empréstimo bancário acabaria também por ser tributado, não obstante tratar-se comprovadamente de montante não sujeito a tributação em sede de IRS.
Ora, a interpretação adoptada no acórdão recorrido [no nosso caso, pode ler-se sustentada nas alegações de recurso da Fazenda Pública] conduz, inevitavelmente, a um tratamento grosseiramente igualitário de situações diversas e bem assim autoriza e valida a tributação de rendimentos que, comprovadamente, não estão sujeitos a tributação em sede de IRS, razões pelas quais deve ser rejeitada sob pena de afronta aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais (Cfr., o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de 29 de Abril de 1997, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do §2 do artigo 14.º do Código do Imposto de Capitais, na parte em que não permite a elisão de onerosidade dos mútuos efectuados pelas sociedades a favor dos respectivos sócios e respectiva anotação de CASALTA NABAIS, que convoca também o princípio da capacidade contributiva para defesa de que a predita norma também é inconstitucional em si mesma, na medida em que permite a tributação de situações sem qualquer suporte na capacidade contributiva - «Presunções Inilidíveis e Princípio da Capacidade Contributiva: Acórdão n.º 348/97, processo n.º 63/96», Fisco, n. 84/85, Setembro/Outubro 1998, ano IX, pp. 85/95).
Tenha-se finalmente em conta que a natureza subsidiária da avaliação indirecta (artigo 85.º, n.º 1 da LGT) - de que, ao menos na perspectiva do legislador (cfr. a alínea d) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT), a avaliação por sinais exteriores de riqueza comunga -, e bem assim a regra segundo a qual à avaliação directa se aplicam, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85.º n.º 2 da LGT) parecem igualmente militar no sentido de que a justificação parcial feita pelo contribuinte do acréscimo patrimonial há-de reflectir-se na fixação do rendimento a sujeitar a imposto, tanto mais que o n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT expressamente admite o afastamento da tributação do montante determinado pelo “rendimento padrão” quando existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o que permite afirmar o carácter supletivo do recurso ao rendimento padrão, ao menos na perspectiva da Administração tributária.
Ora, se assim é para a Administração tributária, perante meros indícios, embora fundados e consonantes com critérios legalmente definidos, não se vê que deva ser de outro modo quando a situação seja a inversa e o contribuinte disso faça prova.
É que, julgamos que também no plano procedimental tributário, o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição da República) postula esse justo equilíbrio, essa paridade de posições jurídicas recíprocas, nas situações em que não se vislumbra que um interesse público de especial relevo imponha solução diversa (cfr., sobre o tema em geral, PEDRO MACHETE, Estado de Direito Democrático e Administração Paritária, Coimbra, Almedina, 2007).
Diga-se finalmente que a solução propugnada é a sustentada pela mais recente doutrina que ex professo tratou a questão (cfr. JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, A Tributação Presuntiva do Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Coimbra, Almedina, Abril 2010, pp. 301/305), o que não deve deixar de ser salientado.
Os argumentos supra expostos conduzem, assim, a que se entenda que a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método».
A sentença recorrida adoptou essa tese, que as alegações da Fazenda Pública não permitem infirmar, motivo por que não merece censura.
Assim, o recurso da Fazenda Pública não pode ser provido.
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2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Evidenciada a realização pelo contribuinte, num determinado ano, de suprimentos de montante superior a € 50.000,00 quando declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a «comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas).
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
IV - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa – concernentes à incidência objectiva do imposto –, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no art. 73.º da LGT – que determina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» –, e bem assim a busca de um cânone interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrático (cf. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 734/09).
V - Assim, embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método (cf. o mesmo acórdão), entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 50% do valor dos suprimentos, deduzindo-se a este valor que se considerou justificado para a realização dos suprimentos, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento a ambos os recursos.
Cada um dos Recorrentes suportará as custas do seu recurso.
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Porto, 28 de Outubro de 2010
Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
José Maria da Fonseca Carvalho
Álvaro António Abreu Dantas